terça-feira, 19 de abril de 2016

Crônica: Velhas lembranças


O ônibus seguia cortando pela estrada noite adentro. Cansados de mais um dia de aula na faculdade, deixávamos á capital rumo à pequena cidade de Lajeado. Onde mal víamos a hora de chegar em nossas casas para descansarmos de mais um dia de batalha. Apesar da rotina não deixo de me encantar diariamente com a paisagem que nos rodeia especialmente a paisagem noturna.
Da janela do ônibus observo o belíssimo luar refletindo seu brilho intenso nas águas do lago. Um vento frio entra pela janela, sinto algo diferente no ar. Um cheiro, um cheiro que não me é estranho – vindo do rio. Aquela paisagem, aquele luar, aquele cheiro no ar me tele transportou para o passado. Sim, eu podia jurar que estava sentindo o cheiro de um mandi moela assado. Ah, quantos anos que não sentia aquele cheiro.
Lembrei-me de quando criança, de quando seguíamos rio acima de canoa para acamparmos nos “mares”, acompanhando os cardumes de mandi moela. Levávamos apenas a farinha de puba e o tempero caseiro de minha mãe. Chegando lá corríamos atrás da lenha, acendíamos uma fogueira e íamos pescar. Não demorava de pegar um mandi moela e mais do que depressa limpávamos o peixe, temperávamos e colocávamos para assar. E de repente aquele cheiro saboroso de mandi moela assando na brasa tomava conta do ar.
Ah, quanto tempo que não sentia aquele cheiro. Quanto tempo que eu não vejo um mandi moela. Já se vão mais de dez anos desde que se construiu a usina hidrelétrica na cachoeira do Lajeado e desde então os cardumes de mandi moela desapareceram. Como também desapareceu a cachoeira dos “marés”, submersa pelo lago da usina. Aquele lago que observo agora da janela do ônibus enquanto voltou da faculdade para casa.
Tento em vão identificar pelo caminho onde era “os mares”. Mas é impossível a água tomou conta de tudo. E aquele cheiro tão gostoso de mandi moela de onde vinha? Vinha da minha memoria. E aquele luar que eu observava da janela do ônibus e que era o mesmo luar que eu contemplava quando criança deitado ao pé da fogueira enquanto esperava o mandi moela assar, me fazia recordar desse tempo distante.
Pedro Ferreira Nunes é poeta popular e escritor tocantinense.

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