quarta-feira, 17 de maio de 2017

Obrigado Belchior!

Conheci as canções de Belchior no final da minha adolescência e logo se tornaram parte da trilha sonora da minha vida. As três primeiras canções desse grande artista que conheci e que me marcaram profundamente foram – “Comentários a respeito de John”, “Como nossos pais” e “Tudo outra vez”. Eram canções que ouvíamos nas noites frias lajeadenses conversando sobre educação, política e poesia – “saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu descida a minha vida...”. Mas foi quando deixei o interior tocantinense para morar em terras goianas que as canções de Belchior se tornaram mais presente na minha vida – aquelas letras um tanto melancólicas refletiam justamente o momento que estava vivendo.
Uma das letras que marcaram os meus primeiros dias em terras goianas era “Tudo outra vez – há tempo, muito tempo que estou longe de casa e nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro já se estragou, ouvi dizer num papo da rapaziada que aquele amigo que embarcou comigo, cheio de esperança e fé já se mandou”. Essa canção sempre me vinha na cabeça, sobretudo quando sentava em algum terminal esperando o ônibus para ir para o trabalho ou voltando para o barracão onde morava. Lembrava que estava longe de casa e que a companheira que havia ido comigo não aguentara e voltara para o Tocantins. Ah, como sentia falta do Tocantins, do Lajeado – das ruas, do rio, da serra, dos amigos e dos amores que aqui deixara.
Apenas um rapaz latino americano” e “Apalo seco” foram canções significativas também nesse período. “Tenho 25 anos de sonho e de sangue e de américa do sul, por força desse destino um tango argentino vai bem melhor que um blues”. Desde então quando era questionado quem eu era e de onde vinha – dizia: “Eu sou apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”. Eu não seria capaz de fazer de minha própria inspiração uma definição tão perfeita de mim mesmo. E quando entrei para faculdade de Serviço Social, Belchior continuou a me acompanhar. Nesse período ouvia muito “Galos, noites e quintais” nas minhas noite de solidão lembrando da minha adolescência no Lajeado – “quando eu não tinha o olhar lacrimoso que hoje trago e tenho... eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais, como galos quando havia, quando havia galos noites e quintais, mas veio o vento forte e a força fez comigo o mal que a força sempre faz, não sou feliz, mas não sou mudo, hoje eu canto muito mais”.
Depois veio a militância politica junto aos operários, aos camponeses pobres e aos estudantes. Embalado pelos versos de “Velha roupa colorida – Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de lhe dizer meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer”. De “Conheço o meu lugar – não há motivo para festa ora essa não sei rir a toa, fique você com a mente positiva, eu quero voz ativa ela é que é uma boa”. Passava noites em claro escrevendo propaganda subversiva para espalhar nos acampamentos e assentamentos de camponeses pobres interior à dentro como também em outras frentes de lutas que participávamos. O que relatei nos bastidores do diário da ocupação da superintendência do INCRA-GO: “Á noticia também chegou ao ouvido de outros camaradas que começaram a comemorar, no entanto foi preciso alertar para que não se fizesse muito alarde e nem se espalhasse. Em seguida segui para a sede do movimento Terra Livre no setor universitário, chegando lá comprei umas cervejas, coloquei algumas canções do Belchior e comecei a me inspirar para escrever as notas”. (2014; 92).
E essa não foi à única vez que fiz questão de declarar a importância das canções desse grande artista para mim – do quanto me influenciaram e continuam a me influenciar, por exemplo, no poema “Minhas Paixões” onde declaro: “Ouvir Belchior, tomar uma cerveja gelada, fumar um gostoso palheiro, andar nas ruas de madrugada”. Ou no poema “Teu olhar” que escrevi: “Teu olhar de menina me fascina, como as canções de Belchior, como a vida no interior, como um guerrilheiro que luta movido pelo amor”. Belchior também esta presente nas minhas crônicas e contos. Como por exemplo, na crônica “Tudo bem que se fizesse um shopping em Miracema, mas era mesmo preciso acabar com o mercadão?” Escrevi:Como diz a bela canção do Belchior ‘ É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem’. Será que sou assim? Não é que eu odeie o novo e muito menos amo o passado. O fato é que eu não posso aceitar a lógica de que o novo para subsistir precisa destruir a nossa história. Não, não posso aceitar essa lógica. Claro que o novo deve vir, mas para tanto não precisamos destruir a nossa história”. (2013; 2).
Já se passaram muitos anos desde que escutei pela primeira vez “saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu descida a minha vida...” Muita coisa mudou, mas continuo fazendo desses versos uma filosofia de vida. E assim continuo sendo um rapaz latino americano com um diploma de sofrer de outra universidade e que ainda é um estudante que sonha e escreve em letras grandes pelos muros do país que viver é melhor que sonhar e que o amor é uma coisa boa. Obrigado Belchior! Obrigado por esta ao meu lado estes anos todos fazendo parte da trilha sonora da minha vida. Uma vida que continua não sei até quando, mas da qual espero me despedir fumando um cachimbo, tomando um conhaque e ouvindo suas canções.

Pedro Ferreira Nunes

Lajeado-TO. Casa da Maria Lucia, Lua Cheia – Outono de 2017.

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