terça-feira, 13 de junho de 2017

Arte de resistência: Algo de novo pelos bosques e praças da capital.



É preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento”.
Gadamer
 
Foi numa noite fria lajeadense tomando conhaque e fumando cachimbo que tomei conhecimento do projeto do artista plástico Rogério Caldeira intervindo na paisagem da capital – expondo suas obras de arte nos bosques e praças. Peças feitas a partir de lixo eletrônico.
Se comparado com outras grandes cidades Palmas é um tanto fria, fragmentada, sem uma grande presença de arte urbana nos seus muros, praças e bosques. Não que não exista arte urbana em Palmas, o problema é que está muito guetizada, muito enclausurada em espaços específicos. Rogério Caldeira que divide sua vida entre Palmas e Lajeado tem subvertido isso – em vez de aceitar essa guetização, tem exposto nas praças e nos bosques, ao alcance de tudo e de todos.
Seja na praça dos girassóis, feira do bosque, espaço cultural, rodoviária, prainha da UFT ou em Taquaruçu – se você ainda não se deparou provavelmente irá se deparar com uma das obras de arte desse artista plástico tocantinense – convidando-o a refletir e a interagir já que a intenção de Rogério Caldeira é que o espectador não permaneça passivo diante do seu trabalho. Mas que também possa intervir modificando-os já que não se trata de algo intocável como as obras de artes expostas em museus e galerias. E com isso mesmo sem saber o artista está buscando aquilo que afirmou o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer de que “é preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento”.
O projeto não tem nome, não tem patrocinadores, é ele (artista) por ele mesmo. O que não é de se lamentar já que lhe garante total liberdade de criação. E foi justamente isso que me encantou no projeto e me fez escrever essas linhas. Pois precisamos de mais iniciativas nesse sentido. Iniciativas que fortaleça a arte no Tocantins, libertando-as das amarras do sistema hegemônico. Rogério Caldeira no melhor estilo anticapitalista subverte a ordem estabelecida expondo o seu trabalho na rua.
As obras
Á maioria das peças são feitas a partir de lixo eletrônico, especialmente televisores, além de outras sucatas que o artista recolhe pelas ruas da capital. Ele leva para seu atelier onde a transformação acontece. O que antes seria lixo descartado na rua é transformado em obra de arte. Muitos dirão que não se trata de uma ideia original – transformar lixo em arte. E de fato não é. O que não deixa de ser importante especialmente no contexto regional – onde a arte e a cultura são extremamente desvalorizadas e a questão ambiental completamente ignorada, pelo menos do ponto de vista prático.
No entanto ás obras de Rogério Caldeira vai muito além da questão ambiental, em uma conjuntura de questionamento do papel dos meios de comunicação, elas nos convida a refletir sobre esse domínio muitas vezes invisível – determinando o que devemos vestir, o que devemos comer, o que devemos beber, o que devemos ouvir, o que devemos fazer e no que devemos crer. Em contraposição o artista nos chama atenção para a possibilidade de construção de uma outra narrativa. Dai o convite para interferirmos nas suas obras de arte.
Questão política
Apesar do artista negar uma intencionalidade política, o fato é que se trata de um trabalho extremamente político. Mas compreendemos o seu receio em assumir claramente uma postura política, sobretudo pelo conceito equivocado que a palavra política tomou na sociedade atual, no qual os meios de comunicação que ele crítica tem um papel fundamental nessa desvirtuação. Geralmente quando ouvimos a palavra política ligamos a partidos políticos institucionalizados e a corrupção.
Mas política de acordo com o pensamento grego clássico, o qual devemos resgatar, trata-se segundo Japiassú (2001) de “tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos”. Ainda de acordo com Japiassú (2001) “em sua concepção e na tradição clássica em geral, a política como ciência pertence ao domínio do conhecimento prático e é de natureza normativa, estabelecendo os critérios da justiça e do bom governo e examinando as condições sob as quais o homem pode atingir a felicidade (o bem-estar) na sociedade, em sua existência coletiva”.
Não dá, portanto para negar que o trabalho artístico de Rogério Caldeira seja eminentemente político. No entanto o que cabe questionar é se se trata de uma arte política engajada ou militante. Quanto à diferença entre arte politica engajada e militante recomendo a leitura do seguinte artigo “Resistir é preciso! Arte popular no Tocantins”, de minha autoria ou “O sentido político da arte hoje”, de autoria do Pedro Duarte. Para mim trata-se de uma arte política engajada especialmente pelo fato de que Rogério Caldeira não faz parte de nenhuma organização política, com uma proposta ideológica contra-hegemônica. O que acaba o aproximando da arte politica em geral que é feita no Tocantins.
Á margem
Por outro lado, Rogério se coloca á margem do modelo hegemônico no Tocantins, ao contrário de muitos desses artistas. Por exemplo, ele produz e expõe sua arte a revelia do poder público e dos espaços de exposição artística monopolizados por uma pequena elite de artistas. Também não é dependente de editais públicos, que muitas vezes obriga o artista a abrir mão da sua liberdade. Com isso mostra que é sim possível fazer uma arte comprometida com emancipação. Uma arte que é um convite para que ocupemos as ruas e praças de nossa cidade.
A importância do trabalho
Quem conhece minhas posições através dos meus artigos sabe que sou extremamente crítico a questão artística e cultural no Tocantins. Uma crítica que não é apenas ao governo e a falta de politicas públicas voltadas para cultura, mas também aos artistas que não se organizam e se contrapõe a essa realidade – preferem ficar mendigando por migalhas na forma de edital. Dai a minha felicidade diante desse projeto do artista plástico Rogério Caldeira, pois se trata justamente de uma ação que vem de encontro com o que defendemos para o fortalecimento das artes no Tocantins. E foi justamente por isso que me propus a escrever essas breves linhas que espero contribuir para que o seu trabalho tenha uma maior visibilidade.
Por fim, que iniciativas como essa possa inspirar mais artistas a ocuparem os muros, as praças e os bosques da nossa capital e de todo o estado. Criando um ambiente mais agradável, mais humano – onde os outdoors e as propagandas do comercio não dominem a paisagem.
Pedro Ferreira Nunes – É educador popular e estudante de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins.


3 comentários:

  1. Sim digo sim pra tudo que não for o tédio da popular capsula do tempo que meteram a gente onde depois de amanhã comemoram nosso funeral ideologico. Cade os meus antigos padrões felizes onde está esta Pasargada. Onde esta minha coisa e não dos outros, onde foi a morena do carnaval que nunca mais quiz me ajudar a kombi velha.

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  2. Os dois comentários são meus, Rogério Caldeira. Gratidão pela materia "meu amigoPedro" sejamos as moscas na sopa do caldo padrão. Pra dar um caldo pelo menos,

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