terça-feira, 13 de março de 2018

Entre livros e sapatos.

Recentemente fui com uma camarada em uma das principais livrarias da capital tocantinense, localizada num shopping center. E sai dali extremamente revoltado com os valores exorbitantes de alguns livros. Em compensação de passagem por uma loja de artigos de vestuário e calçados vimos sapatos com o custo bastante popular. Pensei comigo, entre livros e sapatos a maioria do povo vai preferir os sapatos. E não por que não tenham “consciência” da importância dos livros e da leitura como dirão alguns. Mas sim porque, além da falta de hábito o valor dos livros torna-os artigos de luxo. 

Até mesmo para quem obrigatoriamente precisa ler que é o caso dos universitários e professores – que preferem baixar livros da internet ou xerocar apostilas. É claro que não é a mesma coisa, a leitura não tem a mesma qualidade e nem o mesmo prazer que o contato com o papel. No entanto é a única alternativa para que se tenha acesso há algumas obras – já que adquirir livros de valores alto mensalmente não cabe no nosso orçamento. Imagine então para o trabalhador, que mal tem tempo para comer, que diariamente tem que se espremer num transporte público lotado, que ganha um salario mínimo e tem que pagar aluguel, água, energia, alimentação, telefone, internet, vestuário e algum restante para a cerveja, já que ninguém é de ferro, não é mesmo?!

Anualmente é divulgada uma nova pesquisa apontando o baixo nível de leitura do brasileiro. Entre elas destaca-se a pesquisa “retratos da leitura no Brasil” que apontou “44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro”. É então que uma velha pergunta surge: Por que o brasileiro lê tão pouco? Existem diversas teses para este problema. A mais comum é a falta de hábito – onde se trás a dimensão cultural. De acordo com Mallon (2016) “os motivos são: o fato da cultura brasileira ser mais transmitida pela via oral e menos textual, alfabetização tardia, pouco investimento em educação, maus exemplos de celebridades que afirmam de uma forma errada que leitura não é importante, preguiça e preconceito...”. Certa vez assisti uma entrevista de um professor da USP (não me recordo o nome) que disse que o nosso problema é que saltamos da linguagem oral para linguagem visual (televisão) e assim pulamos a linguagem escrita. 

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) os países onde há um grande numero de leitores se caracterizam pelo fato de que “1) ler é uma tradição nacional, 2) o hábito de ler vem de casa e 3) são formados novos leitores”. Terminantemente não é o nosso caso. Ainda que tenham ocorrido mudanças, lentamente. Por exemplo, há hoje uma preocupação maior com a formação de novos leitores. Bem como de tornar os livros mais acessíveis através de projetos como das “geladeiras literárias”. Sem falar nos sarais e dos festivais literários de norte a sul do país.

Para Mallon (2016) “a culpa, da população, fugir da leitura não é do preço dos livros. Pois temos excelentes bibliotecas no Brasil, onde é possível emprestar quaisquer tipos de obras gratuitamente. A culpa também não é da internet porque através dela é possível baixar livros maravilhosos...”. Portanto o que se faz necessário é que “as famílias estimulem as novas gerações no hábito de ler”.

Para mim, trata-se de uma afirmação um tanto questionável, como podem imaginar, pois iniciei esse texto falando justamente do meu espanto em relação ao valor dos livros nas livrarias. É óbvio que isso não é determinante, mas que dificulta que tenhamos acesso a obras de qualidade (e não descartes), dificulta. Sobretudo a população que tem que fazer malabarismo com um salário de fome. Também não discordo que tenhamos excelentes bibliotecas, mas há que se questionar a onde elas estão? Com certeza não é no interior, nas periferias, nas escolas públicas – pois as conheço bem e mais se assemelham a depósitos de livros velhos. Já em relação à internet, sem dúvidas pode ser uma boa aliada, desde que saibamos usa-la, mas não nos esqueçamos que nem toda a população tem acesso a rede. E por fim, jogar nas costas unicamente da família o dever de estimular “as novas gerações no hábito de ler” é não querer resolver essa problemática.

Não podemos ser ingênuos. Há determinadas obras que são inacessíveis para maioria da população. Que obras são essas? Outra questão é: Será que é interessante para as elites um povo que saiba lê e escrever? Sobre tudo livros que fazem as pessoas refletirem? E a partir dai questionar. É, de fato é melhor estimular o povo a comprar sapatos.

Pedro Ferreira Nunes é – Educador Popular e Estudante de Filosofia da UFT.

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