segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Breve reflexão sobre “responsabilidade política”

O que seria ter responsabilidade política? O ponto de partida para responder essa questão é entender o que é política. Pois não tem como falar em responsabilidade politica se não sabermos antes o que é política. Tal questão se torna ainda mais fundamental nos nossos dias que parece se caracterizar por uma negação da política.

A palavra política vem do grego polis que significa cidade. E de acordo com Marcondes (2001), é “tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade”. Isto é, aos negócios públicos. E aqui já observamos três conceitos importantes para compreensão da política: Cidadão, Governo e Público. Não, não destrincharemos cada um deles. Mas é importante notar que no seu sentido original, a política é constituída desses três elementos. 

Na tradição clássica em geral Marcondes (2001) nos diz que “a política pertence ao domínio do conhecimento prático e é de natureza normativa, estabelecendo os critérios da justiça e do bom governo”. Tendo como fim a busca pelo bem-estar na sociedade – na existência coletiva.

Aranha (2003) também segue essa linha, apontando a política como “a arte de governar, gerir o destino da cidade”. Ora, quem tem o dever de fazer isso se não os cidadãos através da intervenção na esfera pública?! A autora nos trás dois conceitos importantes para compreendermos a política – poder e força. Para Aranha (2006) “a política se refere às relações de poder” e para que alguém exerça esse poder é necessário força. Ressaltando que quando em política se fala em força não necessariamente está se falando do uso da violência explicita.

Diante dessa questão é possível fazer uma relação com o que diz Marcuse na sua obra: “A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional”. Este autor vai exatamente apontar a instrumentalização da tecnologia para dominação política. Ele nos diz que “a tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e coesão social.” (1973, p. 18) E como fica a política nesse contexto? A política é negada, sobretudo, quando de acordo com Marcuse (1973) o debate político perde a “sua função critica básica” de independência de pensamento, autonomia e direito à oposição. 

Nessa linha de negação da política que nos parece ser uma das características da contemporaneidade é importante trazer a reflexão do filosófo Desidério Murcho no seu artigo sobre “O fim da política”. Murcho (2010) afirma que atualmente um interesse intenso pela vida política só faz sentido para generalidade das pessoas quando o conforto da sua vida privada está em risco, ou quando têm a esperança de que uma mudança política terá resultados importantes para qualidade da sua vida privada. 

Desse modo é plausível falar em fim da política, pelo menos no seu sentido clássico – onde a preocupação como vimos era com o bem comum, o coletivo, o público e não a vida privada de cada indivíduo . Para Murcho (2010) “a generalidade da população sempre encarou a vida pública como um mero meio para ter uma vida privada melhor”. Dai que para o filósofo só há uma preocupação com a política por parte da generalidade dos indivíduos quando seus interesses privados são atingidos. Para o autor isso explica a ascensão de gestores no lugar dos políticos tradicionais. Que inclusive são eleitos justamente com o discurso de negação da política.

Para onde isso nos levará? Quais as consequências disso para nossa existência coletiva na cidade? Todos estão cientes dessas consequências? Bom, é aqui que entra a questão da responsabilidade. De acordo com Marcondes (2001) “a noção de responsabilidade está estritamente ligada à noção de liberdade, já que um indivíduo só pode ser responsável por seus atos se é livre, isto é, se realmente teve a intenção de realizá-los, e se tem plena consciência de os ter praticado”.

Diante disso é interessante retomarmos Marcuse, sobretudo ao abordar a questão da liberdade na sociedade contemporânea. De acordo este autor (1973) “sob o julgo de um todo repressivo, a liberdade pode ser transformada em poderoso instrumento de dominação.” Ora, como falar em responsabilidade política nesse contexto de negação da politica – uma negação que nos parece que se dá justamente pela falta de consciência das suas consequências.  E o que seria essa responsabilidade política? 

O primeiro ponto é seguir a linha que adotamos nesse texto, isto é, começar por entender o que é política. Sem ter consciência a respeito do que é e qual o papel da política não tem como haver responsabilidade política. Nessa perspectiva é fundamental resgatar o conceito clássico de Política, sobretudo no que concerne a busca pelo bem-estar comum. Apontando o fato de que quando nos preocupamos apenas com o nosso bem estar privado ou de determinado grupo, estamos negando a política e caminhando perigosamente para o campo do fundamentalismo e da intolerância – e não precisamos ir muito longe na história da humanidade para perceber que o saldo desse caminho não é positivo. 

Desse modo, para finalizar, a maior responsabilidade política que devemos assumir é a defesa da política como um elemento central na vida em sociedade – o que novamente nos faz voltar ao ponto de que é preciso saber o que é política e a sua importância para construção de uma sociedade democrática.

Referência Bibliográfica

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia – 3 ed. revista – São Paulo: Moderna, 2003.

MARCONDES, Danilo; JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. 3º Edição. Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro; 2001.

MARCURSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Tradução: Giasone Rebuá. 4º Ed. Zahar Editores – Rio de Janeiro, 1973.

MURCHO, Desidério. O fim da Política. Disponível em: criticanarede.com. Acesso em: 30 de Agosto de 2017.

*Pedro Ferreira Nunes – É Graduando em Filosofia pela UFT.

*Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos de Filosofia Política, do curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Tocantins. Palmas, 2018.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Poema: Batuque

O batuque dos tambores toca profundo no meu
coração
Não sei por que
Não tenho explicação.
Quando ouço o som dos tambores
Acelera o meu coração.
Samba de coco
Maracatu
Súcia
Tambor de crioula
Ah, não tem jeito não
O som dos tambores mexe com meu coração.

O batuque dos tambores é o grito dos meus ancestrais
que foram arrancados da mãe África
Que foram escravizados, torturados, maltratados.
Mas que bravamente resistiram:
Batucando
Cantando
Dançando
Amando
E lutando.
E é por isso meus irmãos
Que o batuque dos tambores
Mexe com o meu coração.

Por Pedro Ferreira Nunes 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Sobre as “Noticias do esbulho”.

“Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve, 
sem o agrobiz feroz, 
desenvolvimentista.  
Mas até hoje na verdade nunca houve 
um desenvolvimento tão destrutivista...”
Reis do Agronegócio, Chico César

A divulgação do relatório realizado pela Caravana Matopiba (composta por 34 organizações brasileiras e internacionais) que aponta “indícios de grilagem de terras por empresas nacionais e estrangeiras e as consequentes violações de direitos humanos decorrentes dessas grilagens”. Sem falar dos impactos ambientais. Confirmam o que estamos denunciando já há algum tempo. 

Nunca tivemos nenhuma ilusão que esse projeto tão festejado pelas elites locais traria algum beneficio para os povos tradicionais que vivem na região. E já alertávamos para o fato que “as riquezas que serão geradas por este projeto encherá apenas os bolsos da burguesia agrária e das transnacionais. Enquanto os povos tradicionais dessa região ficaram na miséria e o bioma cerrado será completamente devastado”. (Manifesto: Em defesa do cerrado, em defesa da vida – Não ao MATOPIBA!, 2016) E esse prognostico tem se confirmado como aponta os dados divulgados pela Agrosatélite – de que já foram perdidos cerca de  171,4 mil Km2 do bioma nativo.

O que também tem se confirmado é o aumento da violência e a expulsão dos povos tradicionais – indígenas, quilombolas e camponeses pobres de suas terras. No Tocantins, por exemplo, recentemente tivemos o ataque sofrido pela Comunidade Camponesa Tauá no município de Barra do Ouro. E em Março de 2016 denunciamos as ameaças sofridas por camponeses pobres dos munícipios de Rio Sono e Lizarda. Inclusive naquela oportunidade já alertávamos para o fato de que “casos como esse tendem a se intensificar no MATOPIBA, onde será atingida uma área de mais de 70 milhões de hectares”. (NUNES, 2016)

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) também vem apontando no seu levantamento anual de conflitos no campo o aumento da violência contra os povos tradicionais na região do MATOPIBA. Aliás, violência que nós mesmos sentimos na pele quando nos manifestamos contra o projeto em dois eventos realizado no campus de Palmas da Universidade Federal do Tocantins. E em um desses eventos com a presença de diversas autoridades o objetivo era apresentar o projeto MATOPIBA para investidores internacionais. 

Nessa linha é importante destacar a participação de investidores internacionais no avanço do projeto MATOPIBA. Segundo o documento elaborado pela Caravana Matopiba um levantamento feito na Europa aponta o envolvimento de “fundos de pensão da Holanda, Alemanha e Suécia na expansão do agronegócio e nas apropriações de terras na região” transformando-as em um bem financeiro. E a partir dai a busca é em obter o máximo de lucro possível. De modo que não há nenhuma preocupação com os impactos socioambientais. E a situação se torna ainda mais degradante devido à anuência e omissão por parte dos governos tanto a nível federal, estadual e municipal. 

Essa anuência e omissão são ressaltadas pelo documento ao apontar que “o Estado brasileiro – em níveis federal, estadual e municipal – violou suas obrigações relativas aos direitos humanos ao promover o avanço do agronegócio na região, ao não proteger a população local das ações de grileiros locais, das empresas do agronegócio e dos investidores, e ao não estabelecer uma prestação de contas”. (Caravana Matopiba, 2018).

Diante da conjuntura política atual no Brasil, sobretudo da força da bancada ruralista no congresso nacional e do governo eleito. Infelizmente esse processo tende a se intensificar. O que fica evidente diante do discurso do presidente eleito (Jair Bolsonaro) e do seu futuro ministro da Casa Civil (Onix Lorenzoni) contra as organizações ambientalistas que segundo eles atrapalham o desenvolvimento do Brasil. Nos cabe questionar: Que desenvolvimento? O do projeto MATOPIBA?

O desenvolvimento que vocês prometem conhecemos bem. É o desenvolvimento que Chico César na sua canção-manifesto Reis do Agronegócio denuncia – um desenvolvimento destrutivista. Um desenvolvimento que não interessa aos indígenas, quilombolas e camponeses pobres. E nem a qualquer um que sabe da importância de protegermos e preservarmos nossas riquezas naturais.

É interessante que na hora de criticar as organizações internacionais que apoiam a defesa do meio ambiente o discurso do futuro governo é claro – “não podemos aceitar que essas ONGs ambientalistas interfiram na nossa soberania”. E o que dizer da participação do capital internacional no avanço do agronegócio adquirindo extensas áreas de terra, financiando a violência contra os povos tradicionais e usurpando seus territórios? Isso não vai contra a soberania nacional? 

Diante dessas questões mais do que nunca precisamos nos organizar e nos mobilizar contra esse modelo de desenvolvimento no qual o projeto MATOPIBA esta inserido. Nós do Coletivo José Porfírio temos denunciado e continuaremos denunciando os efeitos nefastos desse projeto, sobretudo no Tocantins. Nos colocamos terminantemente contrários a esse modelo de desenvolvimento que usurpa nossas riquezas e viola nossos direitos. E conclamamos a todos os povos do campo a levantar trincheiras de resistência nessa luta também.

Pedro Ferreira Nunes
Pelo Coletivo José Porfírio

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ainda sobre as eleições no Tocantins: A vitória.

Se na nossa analise Marlon Reis e o seu partido Rede Sustentabilidade foram os maiores derrotados nas eleições tocantinenses. Quem seria então o maior vitorioso? O governador Mauro Carlesse (PHS) que conseguiu a reeleição ainda no primeiro turno? O MDB que mesmo em crise elegeu a maior bancada da assembleia legislativa? A família Abreu com a eleição de Irajá para o senado? Ou Eduardo Gomes e o seu partido Solidariedade?

Sem dúvida todos esses personagens têm motivos para comemorar. No entanto o maior vitorioso nesse pleito eleitoral foi o senador eleito Eduardo Gomes (SD). Gomes teve a façanha não só de ser eleito (com 248.358 votos) o senador mais votado do Tocantins com pouco mais de 34 mil votos de diferença para o segundo colocado – desbancando figuras com mandato como os senadores Vicentinho e Ataídes Oliveira. Mas também foi o principal articulador e estrategista para que seu partido (Solidariedade) ressurgisse das cinzas e tivesse um grande êxito na eleição de deputados estaduais e federais.

Por exemplo, o partido comandado por Eduardo Gomes elegeu mais parlamentares que o partido de Mauro Carlesse – o PHS. E também mais do que partidos tradicionais como PSDB, PR, PP, PSB e PT. Ficando apenas atrás do MDB.  Enquanto o partido comandado por Eduardo Gomes elegeu 3 deputados estaduais, o MDB elegeu 5. No entanto para a Câmara dos deputados o Solidariedade elegeu 2 deputados enquanto o MDB só elegeu 1. E somando a isso a eleição do próprio Eduardo Gomes para o senado faz do Solidariedade o partido mais vitorioso dessa eleição.

Diante disso, ainda que não fosse eleito para o senado, Eduardo Gomes teria o que comemorar. O que não ocorreu com o PR do Vicentinho que sai menor do que entrou na disputa. A mesma coisa pode se falar do PSD, do PSDB e até mesmo do MDB – que, aliás, foi o que mais perdeu em relação ao que conseguiu eleger em 2014. E em 2016 onde elegeu o segundo maior número de prefeitos.

O Solidariedade por sua vez que saíra derrotado em 2014 tanto com Sandoval Cardoso na disputa pelo Governo como para o senado com Eduardo Gomes perdendo para Kátia Abreu. E que em 2016 elegeu apenas 5 prefeitos – não sendo nenhum dos grandes municípios tocantinenses. Se coloca novamente como uma grande força política no cenário regional. Um fenômeno que se deve inquestionavelmente a liderança de Eduardo Gomes.

Eduardo Gomes não é uma figura nova na política tocantinense. Formado nas fileiras da antiga União do Tocantins (UT) ele já ocupou diversos cargos eletivos, incluindo de deputado federal. E foi justamente a atuação como deputado federal que pavimentou a sua eleição agora para o senado. No entanto, mesmo tendo uma forte ligação política com o Siqueirismo, Eduardo Gomes tem algumas qualidades que falta para maioria dos políticos tocantinenses (especialmente os oriundos da UT). E essas qualidades como capacidade de diálogo, articulador e estrategista fizeram com que ele tivesse a maior vitória dessa eleição tanto do ponto de vista pessoal como do ponto de vista partidário.

Eduardo Gomes tinha tudo para deixar o SD após as eleições de 2014, mas não o fez. Não abandonou o barco como fez Sandoval Cardoso e outros. Em 2016 foi outro momento que ele poderia abandonar o barco em busca de uma estrutura partidária mais forte para disputar uma vaga ao senado, mas também não o fez. Mesmo quando foi indicado para ser suplente do velho Siqueira na disputa por uma vaga ao senado –Eduardo Gomes aceitou com humildade – sem espernear. 

Gomes poderia ter feito como outros que foram em busca de espaços mais privilegiados junto a outras coligações. Ou então poderia se lançar a Câmara dos deputados – que não teria dificuldades para se eleger. Mas ao decidir ficar na suplência de Siqueira mostrou ter visão estratégica e de grupo. Pois se levasse o SD para outra coligação muito provavelmente não teria o mesmo saldo eleitoral. E acabou sendo premiado com a desistência do velho Siqueira de concorrer ao senado por problemas de saúde.

Quando isso se deu escrevemos um artigo falando que a imagem do velho Siqueira iria ser usada para fortalecer as candidaturas dos seus aliados. E foi justamente o que fez Eduardo Gomes. No entanto não podemos reduzir a sua vitória ao apoio do Siqueira. Mas sim a um trabalho de base que ele vem fazendo nos municípios há um bom tempo. Aliás, essa é uma das suas grandes características – atuar nos bastidores, longe dos holofotes.

Diante disso para nós fica evidente que Eduardo Gomes e o seu partido tiveram a maior vitória no pleito eleitoral. E a sua capacidade o coloca numa posição privilegiada diante do governo Bolsonaro (É, governo Bolsonaro, quem diria?!). Sobretudo através do desprezível Onix Lorenzoni. Com isso Eduardo Gomes tem tudo para se tornar a principal referencia política do Tocantins a nível nacional – tomando uma posição que até então era da Senadora Kátia Abreu. 

Esse movimento revela uma mudança importante na política tocantinense. Com uma renovação de quadros tomando uma posição de liderança ainda maior do que já ocupavam. Esse movimento pode ser observado não só pela vitória do Eduardo Gomes e o fortalecimento do seu partido (SD). Mas também com a eleição de Irajá Abreu (PSD) e do próprio Mauro Carlesse (PHS). Por outro lado o que fica evidente é que essa mudança é apenas de nomes já que os interesses que eles representam continuam sendo os das elites.

Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente estuda Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Um show do Matanza

“Ergam seus copos por quem vai partir...”
Matanza

Quando fiquei sabendo que o Matanza ia tocar no Martin Cererê em Goiânia decidi que não poderia perder a oportunidade de ver pela primeira vez aquela banda que eu tanto apreciava, tocando ao vivo. Conheci o som dos caras através de uma rádio chamada Venenosa FM – aliás não só o Matanza mas a maioria das bandas que curto hoje – como Ratos de Porão, Inocentes, Cólera, Garotos Podres, Sex Pistols, Motorhead, Metallica entre outros.

No Matanza o que mais me chamou atenção não foi nem tanto o som, mas as letras. Por exemplo, de canções como “Ela roubou meu caminhão”, “Clube dos canalhas”, “Mesa de Saloon”, “O ultimo bar”, “Eu não gosto de ninguém”, “A arte do insulto” só para citar algumas. O slogan dos caras era “música para beber e brigar”. Eu nunca fui de beber (muito) e muito menos de brigar. Mas aquelas estórias me encantavam. Imediatamente me tornei um fã daqueles que vestem a camisa, cola pôster na parede e tudo mais. De modo que quando soube que os caras estariam em Goiânia – e nesse período eu morava lá – não podia deixar de ir vê-los ao vivo. E assim fiz.

Era uma noite de sábado, a data já não me lembro. Cheguei cedo ao local e fiquei tomando algumas cervejas. Tinha pouca gente, mas aos poucos o público foi aumentando, sobretudo na medida em que se aproximava a hora do Matanza subir ao palco. Logo pudemos perceber que houve um erro de calculo da organização – o público era bem maior do que o espaço podia abrigar. De modo que quando ouvimos os primeiros acordes da banda passando o som, formou-se um tumulto na entrada do salão. Como eu queria ficar mais próximo possível do palco me enfiei bem na frente da galera que pressionava a porta do salão para entrar.

Não foi uma coisa muito inteligente a se fazer. Pois quem estava na frente era pressionado pela multidão atrás. E quando escutávamos os acordes à pressão só aumentava. Com isso muita gente que estava na linha de frente ia desistindo. Eu quase fui um desses, mas como tinha uma boa experiência no Eixão – nos horários de pico, persisti e fiquei até que as portas se abrirem.

Quando as portas se abriram a multidão ocupou todo o espaço. E mesmo assim muita gente não conseguiu entrar. As portas não puderam ser fechadas e nem as janelas – com isso o ar-condicionado foi para o pau. E o palco do Martin Cererê mais parecia uma sauna. Todo mundo começou tirar as camisas, inclusive os membros da banda – que não deram tempo para que houvesse reclamação. Era uma pedrada em cima da outra. 

Eles estavam com o show do disco “MTV apresenta Matanza” cheio de clássicos da banda. Como um mestre de cerimonias Jimmy anunciava os petardos: “Meio psicopata”, “Mesa de Saloon” que para mim tem um dos refrãos mais incríveis da banda “Foi numa mesa de bar que a conheci. Bem no meio do saloon me apaixonei. E logo na manhã seguinte eu descobri. Com ela não consigo mais viver dentro da lei”. E o que dizer da “O ultimo bar” – “O ultimo bar quando fecha de manhã, só me lembra que não tenho aonde ir. Bourbon tenho demais, mas que diferença faz, se você não esta aqui pra dividir?”. E da “Tempo ruim” – “quero que a estrada venha sempre até você. E que o vento esteja sempre a seu favor. Quero que haja sempre uma cerveja em sua mão. E que esteja ao seu lado, seu grande amor”.

Além do Jimmy nos vocais, o Jonas na bateria, o China que ainda era o baixista e o Mauricio na guitarra – que já estava substituindo o Donida nos shows ao vivo, estavam inspiradíssimos naquela noite. E assim o set list ainda contou com “Maldito hippie sujo”, “E tudo vai ficar pior”, “Matarei”, “Clube dos canalhas”, “Eu não gosto de ninguém”, “A arte do insulto”, “As melhores putas do Alabama”, “Ela roubou meu caminhão”, “Whisky para um condenado” entre outras. Foi um show memorável, uma noite inesquecível. Que ganha um sabor mais especial, sobretudo agora que a banda encerrou suas atividades, e que muito provavelmente não terei outra oportunidade de vê-los em ação.

Mas não é por isso que fiquei triste com o anuncio do fim da banda. E sim por que eles estavam no auge. É só analisarmos o ultimo disco que eles lançaram “Pior cenário possível”. Cheio de clássicos como “A sua assinatura”, “Matadouro 18”, “O pessimista” e em especial “Sob a mira”. No entanto, como fã, nos cabe respeitar a decisão dos caras e desejar que eles se realizem nos projetos futuros que vierem a desenvolver. Como também agradecer por tudo que eles construíram juntos e que permanecerá nos discos que eles gravaram.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A pergunta que não se fez!

A melhor maneira de desviar o foco do problema é fazendo perguntas que não tem haver com a questão em pauta. E me parece que foi exatamente isso que ocorreu no episódio em que policiais civis mataram um policial militar em Gurupi. E se querem tirar o foco com a conivência da imprensa regional é por que tem algo que querem esconder. Para compreendermos o problema precisamos ir à raiz fazendo a pergunta ou as perguntas que ninguém fez.

Mais do que depressa a cúpula da segurança pública do Tocantins veio a público comunicar que não havia uma crise institucional entre as duas corporações. E foi a isso que a imprensa regional deu ênfase – a meu ver para tirar o foco do problema. O problema é saber o porquê e a mando de quem dois policiais militares a paisana (numa moto) assassinaram duas pessoas e balearam outras duas nas ruas de Gurupi. Quem eram essas vitimas? Que crime cometeram? E se cometeram algum crime por que foram executadas ao invés de serem presas? 

São perguntas que precisam ser feitas e que a segurança pública do Tocantins tem a obrigação de responder. Pois se não, estará sendo conivente com os crimes praticados pelos dois policiais militares – crimes confessado num primeiro momento pelo sobrevivente no confronto com os policiais civis. Ao não responder essas questões o governo estadual através da sua secretária de segurança pública nos dá margem para especular a existência de “um grupo de extermínio” no seio da policia militar.

E é a partir dai que surge a pergunta que ninguém fez: existe um grupo de extermínio na polícia militar? O vídeo gravado em tom de ameaça no velório por um companheiro de corporação do policial militar morto no confronto com a polícia civil só corrobora com essa tese. 

De acordo com o portal AF Noticias no vídeo o policial declara que “amigos e combatentes estarão sempre continuando a guerra que ele começou” bem como “o nosso irmão não morreu em vão e vai ser honrado”. A postura da cúpula da segurança pública diante das declarações foi de “jogar panos quentes” dizendo que não se tratava de uma ameaça. Mas as declarações falam por se só e reforça a conivência com os crimes que ocorreram bem como com o objetivo de desviar o foco do problema.

Ora, não houve confronto entre Policia Civil e Policia Militar. O que houve foi um confronto entre uma equipe da policia civil com dois indivíduos numa moto que estavam cometendo crimes pelas ruas de Gurupi – indivíduos esses que depois veio a se saber – eram policiais militares. E esse fato não dá nenhuma margem para que se avente a possibilidade de uma crise institucional entre as corporações. Mas a cerca da possibilidade de existência de um grupo de extermínio sim. É só analisarmos as características das vitimas – todos jovens. Bem como o modus operandis de agir dos executores.

Porém não cabe a mim dá respostas às questões levantadas. Mas sim a cúpula da segurança pública do Tocantins. Para tanto o Ministério Público e a Defensoria Pública devem cobrar essas respostas. Pois a sociedade tem o direito de saber.

Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.