quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Além do que se lê

A notícia em questão foi publicada no portal G1 Tocantins (em 04 de janeiro de 2019) e o que me chamou bastante atenção é a contradição entre o que se afirma no titulo e o que o conteúdo propriamente trás. O que nos leva a refletir até onde vai à “neutralidade” desses veículos de imprensa. 

É importante destacar que não se trata de uma matéria isolada, mas bastante comum não só nos veículos de comunicação tanto a nível regional como nacional. E por falta de uma análise crítica esses episódios passam despercebidos. É por isso que precisamos ir além da aparência como nos diria Hegel e Marx – é por isso que precisamos ir além do que se lê. 

O título da matéria é a seguinte: “Ex-presidiário é morto dentro de casa após troca de tiros com a PM em Palmas”. É um título que não deixa brecha para questionamento – com um tom afirmativo e bastante direto. Sendo assim, quem vai questionar a morte de um “ex-presidiário” que estava em liberdade condicional após ser preso por tráfico, que pelo jeito continuava cometendo crimes, pois se não, não teria resistido à abordagem da policia.

Mas quando começamos ler a matéria completa (coisa que nem todo mundo faz) percebemos que a coisa não é tão obvia assim. A versão de que o ex-presidiário havia sido morto em casa após trocar tiros com a polícia é a versão da polícia, a versão oficial. Há uma segundo versão que é a dos familiares – que afirmam ter ocorrido uma execução. E é a própria matéria que trás essa outra versão. 

De acordo com o G1 “a namorada do jovem disse que estava dormindo com ele e que os militares ordenaram que ela saísse do quarto. Pouco depois, vizinhos ouviram pelo menos sete disparos”. Na versão da policia, eles receberam uma denúncia de que o rapaz “estava armado e ameaçando outras pessoas e que ele reagiu à prisão”. Qual é a versão verdadeira? Só uma boa pericia pode revelar. 

Mas uma coisa é certa, o fato de se tratar da morte de um ex-presidiário não me dar o direito de descartar a versão dada por seus familiares. Coisa que a reportagem da TV Anhanguera (publicada no portal G1 notícias) sugere ao afirmar que “Ex-presidiário é morto dentro de casa após troca de tiros com a PM...”. Ainda que no decorrer da matéria apresente a outra versão dos fatos.

Ora, não havendo condições para fazer qualquer tipo de afirmação, faz-se necessário levantar a dúvida. E assim ao invés de falar em “troca de tiros” quando não se sabe se de fato isso ocorreu, deveria se falar em “suposta troca de tiros”. Com isso não se esta descartando nenhuma das duas versões. Em tese houve uma troca de tiros (segundo a versão da PM), mas não se pode descartar ter ocorrido uma execução (segundo a versão da família). O que convenhamos, não seria nenhuma novidade, – aliás, é um crime bastante comum nas grandes cidades brasileiras.

Mas quando um jornal de referência publica uma matéria com um titulo bastante sugestivo – deixando evidente qual a versão apoia. Dificilmente haverá clamor popular questionando as circunstancias da morte de um “ex-presidiário”. Ainda mais em tempos em que o slogan da moda é: - “Bandido bom, é bandido morto”. Não sabe esses que propagam esse grito insano, que amanhã poderão e serão vitimas dessa política genocida. Ora, a imprensa fortalece essa política ao publicar esse tipo de matéria. E assim, ao invés de combater a violência avança-se no sentido contrário, pois não se combate violência com mais violência. 

Mas a imprensa faz isso de forma tão sutil que muitas vezes passa despercebido. De modo que nunca foi tão necessário o alerta de Malcon X sobre o poder da imprensa na construção de imagem – sendo capaz de fazer um criminoso parecer vitima e a vitima parecer criminoso.

Com isso não quero dizer que esse seja o caso. A ideia aqui não é definir qual é a versão verdadeira – isso não está ao nosso alcance. Mas problematizar o que nos é apresentando sim. Ainda que isso não nos leve a lugar nenhum. E nesse processo de problematização um ponto fundamental é ir além do que se lê. E isso passa por interpretar e compreender o que está escrito. E mais ainda, o que não está escrito. Pois o que deixamos de escrever explicita mais a nossa opção do que aquilo que escrevemos.

Pedro Ferreira Nunes - é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

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