Literatura Tocantinense - Leituras, Resenhas e Comentários


13- Uma proposta para trabalhar a leitura a partir da literatura feita no Tocantins

“Leia para viver”.
Gustave Flaubert 


Palavras introdutória 

Nesse texto apresentamos uma proposta para trabalhar a leitura a partir de autores que produzem literatura no Tocantins. Começamos refletindo sobre a importância da leitura, para em seguida apresentar a proposta que consiste em trabalhar a leitura de forma prazerosa em rodas de conversas. Propomos o nome de alguns autores, mas não precisa ser necessariamente esses. Um ponto importante da proposta é a realização de um encontro literário e a produção de uma coletânea com os textos abordados. 

A importância da Leitura

A leitura é importante para que o processo de ensino-aprendizagem se desenvolva de forma satisfatória. Quem lê consegui ter uma compreensão melhor daquilo que o cerca – escreve melhor e desenvolve a criatividade através da escrita.

Infelizmente não temos no Brasil uma cultura de leitura como podemos perceber ao analisar as pesquisas que apontam a baixa quantidade de livros que o brasileiro ler anualmente. Daí não é de se admirar os resultados negativos que os estudantes brasileiros obtém no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Por exemplo,  em 2018, o PISA apontou que cerca de 50% dos jovens brasileiros não atingiram o mínimo de proficiência na leitura e interpretação de textos. Isso é ruim, pois mostra que a escola pouco tem contribuído para que a cultura de leitura do brasileiro melhore.

Creio que isso se dá pelo fato de que ao invés de estimular a leitura como um hábito prazeroso, a escola faz o contrário ao exigir determinadas leituras (que muitas vezes os estudantes não foram preparados para serem introduzidos). Desse modo a leitura se torna uma materia obrigatória que os estudantes devem estudar com o objetivo de fazer trabalho ou para o vestibular e o Enem. E sendo algo obrigatório fazem sem prazer – as consequências desse processo é grave sobretudo quando esse estudante entra na Universidade e o nível de leitura e escrita aumenta consideravelmente, independente do curso que irá fazer.

Desse modo propomos uma abordagem alternativa (partindo de uma leitura descompromissada de obras de autores regionais que propiciam uma aproximação maior entre o leitor e as estórias). Essa leitura descompromissada pretende ser apenas uma porta de entrada para que o estudante aprenda o prazer da leitura. E a partir daí poderá se aventurar em leituras cada vez mais complexas. Pois como ressalta Oliveira (2018) a leitura não é algo simples, ela exige a apreensão de determinada técnica para que se decodifique os textos. E a  apreensão dessa técnica não se dá de modo instantâneo, mas através de um processo que deve começar com leituras mais acessíveis e daí em diante vai se avançando para textos mais densos.

Ainda de acordo com Oliveira (2018), a leitura é importante para o desenvolvimento da criatividade, capacidade de elaboração crítica e na construção de opiniões próprias. De acordo com essa autora “a leitura amplia e aprimora os vocabulários e contribui para o desenvolvimento de um pensamento crítico e reflexivo, além do mais possibilita o contato com diferente ideias e experiências”.

Trabalhando a leitura a partir da literatura feita no Tocantins 

A literatura tocantinense está em construção, e nesse processo de construção contamos com importantes personagens, que através de suas obras, tem dado uma enorme contribuição nesse sentido. No entanto nem sempre contam com o reconhecimento devido. Apesar disso, os autores tocantinenses fazem um importante trabalho de construção da identidade cultural do Tocantins – uma construção que se dá justamente pelo fato desses autores falarem da nossa terra, nossos hábitos,  nossos costumes, nossos rituais, enfim, do nosso povo. E isso, acreditamos, acaba sendo um fator maior de estímulo á leitura, a medida que os estudantes se sentem mais atraídos por estórias que nos é familiar – mais próximas do nosso cotidiano.

Ao estimular o hábito da leitura através de obras de autores tocantinenses, acreditamos também contribuir com a formação de novos leitores e por conseguinte de novos autores – sem falar na importância da leitura para um maior desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes no ambiente escolar. Eis ai um ponto importante, sobretudo diante de uma realidade que aponta um déficit na capacidade de leitura dos nossos estudantes á nível mundial, como aponta avaliações como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).

No Brasil, e especificamente no Tocantins, não é diferente. A capacidade de ler e interpretar textos pelos nossos estudantes está muito aquém do desejado. E isso é reflexo da falta de estímulo á leitura. Um problema que se inicia no ambiente familiar e que não é resolvido no ambiente escolar.

No ambiente familiar não há por parte dos pais esse estímulo, sobretudo por que esses pais não adquiriram culturalmente o âmbito da leitura, e se eles não possuem esse hábito fica difícil estimular os filhos a ler. Já no ambiente escolar o estímulo a leitura é feito de forma equivocada ao tornar algo que deveria ser prazeroso em uma obrigação. Com isso o estímulo se torna um desestímulo.

É nesse contexto, que apresentamos essa proposta para trabalhar a leitura a partir da literatura feita no Tocantins  – buscando romper com as abordagens equivocadas de estímulo a leitura, que mais desestimulam do que contribui para criar o hábito da leitura, sobretudo entre os jovens. Buscando tornar o hábito de ler, num hábito prazeroso. 

Diante disso a ideia é realizar rodas de conversa num ambiente diferente da sala de aula, onde depois de uma contextualização da obra, se exercite a leitura, seguida de reflexões e discussões.

No primeiro encontro pode ser feito uma apresentação introdutória da literatura tocantinense – suas características e desafios. Seguido da leitura de trechos de textos em prosa e versos de autores como Pedro Tierra, José Gomes Sobrinho, Fidêncio Bogo e Belinha. Num segundo encontro o foco pode ser a poesia, trazendo para roda poemas de autores como Célio Pedreira, Francisco Perna Filho e Lurdiana Araújo. No terceiro encontro é a vez da prosa, trazendo obras de autores como Jadson Barros Neves, Zacarias Martins e José Cândido Póvoa. Num quarto encontro volta-se a poesia e no quinto encontro, para fechar, volta-se a prosa. Em ambos, com novos autores da nossa literatura.

Ao final pode ser realizado um encontro literário e produzir um material sobre as leituras feitas durante o projeto e disponibiliza-lo na biblioteca da escola para pesquisas e trabalhos posteriores referentes a literatura tocantinense. Algo importante, sobretudo diante da escassez, de obras de autores que produzem literatura no Tocantins, na Escola. 

Conclusão 

Eis ai a nossa proposta para trabalhar a leitura a partir da literatura produzida no Tocantins. Não é uma proposta fechada. Desse modo as escolas poderão, a partir daí,  adaptar a sua realidade. Espero com ela, sobretudo, contribuir para refletirmos sobre a importância de pensarmos ações para trabalhar o incentivo a leitura e o fortalecimento da literatura tocantinense. 

Por onde começar?

Livros 

Literatura Tocantinense (SEDUC-TO, 2016) – Material organizado pela Secretaria da Educação do Tocantins com o objetivo de dá suporte as escolas no trabalho referente ao Dia D da leitura. O mesmo está disponível em PDF no site da Secretaria;

Literatura Tocantinense  (Editora Veloso, 2020) – É uma espécie de Mini-Enciclopédia, apresentando informações acompanhado de uma entrevista de autores que produzem literatura no Tocantins. A obra foi organizada pelo Escritor e Professor Pedro Alberici, em 5 volumes. Indico em especial o volume 01;

Anuário de Poeta e Escritores do Tocantins (Editora Veloso) – Organizado por Eliosmar Veloso é uma das principais vitrines para Poetas e Escritores, de Norte a Sul do Estado, mostrar seus trabalhos em verso e prosa. Há várias edições, mas recomendo em especial a de 2019;

Porto Submerso (Edição do autor, 2005) – livro de poemas daquele que na minha modesta opinião é a maior referência literária tocantinense e um dos grandes da literatura brasileira – Pedro Tierra. Nesse livro em especial, ele faz um retorno a sua terra Natal – Porto Nacional;

Pinga-fogo  (Editora Veloso, 2019) – livro de poemas de um dos autores mais conhecidos do Tocantins – Zacarias Martins. Nesse livro o Poeta nos brinda com obras carregada de humor. Mas como todo poeta, não deixa de falar de amor e mostrar sua indignação diante questões sociais;

Sites e blogs

Site Antonio Miranda - http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/tocantins/tocantins.html. Aqui temos um excelente espaço com trabalhos de 21 Poetas do Tocantins. Entre eles, Pedro Tierra, José Gomes Sobrinho, Zacarias Martins, Belinha, Lia Testa, Osmar Casagrande;

A produção literária no Tocantins - http://flaviodasilva.blogspot.com/2010/05/producao-literaria-no-tocantins.html. Nesse breve texto, o linguista Flávio Alves da Silva, faz uma análise interessante acerca da Produção literária feita no Tocantins;

Literatura Tocantinense – Leituras, resenhas e comentários. https://pedrotocantins.blogspot.com/p/literatura-tocantinense-leituras.html. Espaço dedicado à divulgação e análise crítica de de obras produzidas no Tocantins;

Cantinho do Zaca - http://cantinhodozaca.blogspot.com/. Blog do Poeta, Escritor, Jornalista (entre outros) dedicado a divulgação de informações acerca do mundo literário no Tocantins;

Academia Palmense de Letras. https://www.academiapalmensedeletras.com.br/. O site da APL está bem organizado, oferecendo um excelente espaço onde encontramos informações e um pouco da produção literária dos seus membros 



12- Considerações sobre a literatura tocantinense ou a literatura produzida no Tocantins


✅Não existe ainda uma literatura tocantinense, mas sim uma literatura produzida no Tocantins

✅Essa literatura produzida no Tocantins certamente tem um papel fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense; 

✅Nos últimos anos percebemos uma espécie de Primavera literária no Tocantins com a publicação de obras e uma maior apropriação das mídias digitais pelos autores;

✅Espaço em portais de notícias, Grupos de whatsapp e facebook tem propiciado a divulgação de trabalhos, encontros e a troca de Experiência entre autores de diversos cantos do Tocantins. Tornando-se uma alternativa a falta de um circuito de eventos literários;

✅O principal evento literário tem sido a Feira Literária de Porto Nacional  (FLIP). Sobretudo, com o engavetamento do Salão do Livro pelo Governo do Estado;

✅O Salão do Livro teve um papel importante no fomento da produção literária local;

✅O Salão do Livro não era apenas um lugar de encontro e de troca de experiência. Ele vinha acompanhado de uma política de fomento a produção literária por meio de editais e a aquisição de obras para as bibliotecas escolares. 

✅Essa política propiciou o acesso dos estudantes das escolas públicas a obras de autores locais. Como também o contato com os autores dessas obras;

✅A política de fomento a produção literária no Tocantins, por parte do Governo, tem como característica a descontinuidade. Não sendo, portanto, uma política de Estado;

✅A produção literária local tem sido fomentada por iniciativas individuais dos próprios autores – que encontram muita dificuldade na distribuição e comercialização das suas obras literárias; 

✅Podemos dizer que o problema não é a falta de produção. Há muitos autores escrevendo, seja no campo ficcional ou não, em diversas cidades tocantinenses. É o que percebemos quando vemos iniciativas como a do Escritor e Editor Eliosmar Veloso com o seu Anuário de Poetas e Escritores do Tocantins. E a Enciclopédia Literatura Tocantinense – entrevistas. Organizada pelo Professor e Escritor Pedro Alberici;

✅Nessa produção literária se destaca a Poesia. Ouso dizer que os principais autores que produzem literatura no Tocantins, ou aqueles de maior destaque, são Poetas. Ainda que muitos deles não escrevem apenas poesia;

✅Entre esses nome o do Pedro Tierra, codinome do Hamilton Teixeira, é sem dúvida, o grande destaque. Tierra não é só a nossa maior referência literária como um clássico da literatura brasileira e latino americana. Está no mesmo patamar de Drumond, Nerudo e Benedetti. Para citar alguns;

✅Os demais estão no mesmo patamar, como é o caso do José Gomes Sobrinho, Célio Pedreira, Tião Pinheiro, Gilson Cavalcante, Zacarias Martins, Lurdjanes Araújo, Belinha entre outros;

✅Na prosa não ficcional (crônicas e memória) também tem uma razoável produção. Ainda que não tenhamos um grande destaque aí. Sobretudo por se tratar de autores de ocasião;

✅Já a prosa ficcional (contos e romance) é onde temos menos tradição. No entanto isso tem mudado. E entre os autores que se destacam nesse campo estão o do Jadson Neves e do JJ Leandro;

✅No âmbito acadêmico também há uma grande produção. Liderados sobretudo pela UFT, que inclusive tem sua própria editora. No entanto essa produção ainda é pouco divulgada e acessível ao público fora da academia. Sobretudo nas escolas públicas;

✅Falando em editoras.  O mercado editorial no Tocantins é quase inexistente. As poucas editoras que existem, dentro das suas possibilidades, fazem um trabalho importante de fomento a produção literária. Mas com muita limitação;

✅As academias de letras não desempenham um papel importante na produção literária local e no fomento a leitura;

✅Muitas dessas instituições não deveriam nem existir. Servem mais para alimentar o ego de alguns;

✅Criar movimentos literários locais com o obejtivo de fomentar a produção literária e a leitura. Promover eventos como feiras e sarais, assim como a produção de obras coletivas. É um caminho mais interessante do que a criação de academias de letras;

✅Com uma cultura literária estabelecida aí sim faz sentido pensar em Academias de Letras;

✅A diversidade é o que caracteriza a literatura produzida no Tocantins. Tanto em relação a forma como aos conteúdos;

✅Mais do que a qualidade dos trabalhos o importante é o esforço em construir uma cultura literária no, e do Tocantins. No entanto, ressaltamos que temos sim obras de muita qualidade (ainda que a questão da qualidade é bastante subjetiva).

✅Entre os muitos desafios está a formação de leitores. Nesse sentido a realização de eventos literários e bolsas de publicação por parte do Estado ou Empresas do setor privado é importante;

✅A Rede Estadual, e as redes municipais,  de educação é um espaço importante para formação de um público leitor – de literatura produzida no Tocantins;

✅É necessário incentivar a realização de eventos literários nas escolas com a participação de autores locais. Adquirir obras de autores locais para as bibliotecas e incentivar a leitura dos mesmos.



11- Primavera literária no Tocantins


Enquanto leitor e militante da literatura tocantinense, tenho observado que nos últimos três anos tem ocorrido uma espécie de primavera literária no Tocantins. Tanto a partir de iniciativas individuais como de projetos coletivos. 


Essas iniciativas têm contribuído na mobilização e articulação de escritores de norte a sul do Estado. Propiciando o diálogo e a troca de experiência entre autores mais conhecidos e novos talentos. Desse movimento certamente teremos bons frutos. Já estamos tendo na verdade, com a publicação de obras que entraram para o hall dos clássicos da literatura tocantinense.


Essa primavera literária no Tocantins tem sido possível sobretudo a partir da apropriação das mídias digitais por parte dos autores que produzem literatura no Estado. As mídias digitais propiciam um meio acessível para publicação e divulgação da produção literária tocantinense. Contribuí também para que se construa uma rede de contatos e trocas entre esses autores. Além de uma aproximação maior com o leitor.


O interessante é que isso não tem se restringido ao campo virtual. E tem dado fruto a coletâneas, antologias e outras obras tanto no formato impresso como e-books. Creio que com o fim das restrições decorrentes da pandemia de COVID-19 isso será ainda mais possível, inclusive com a possibilidade de organização e realização de eventos literários. 


Um dado interessante é que esse movimento tem partido sobretudo do interior. Com destaque especial para Araguaína e Gurupi.


Cabe também destacar o espaço que alguns portais de Notícia têm dado a literatura regional. Um espaço ainda pequeno diante da quantidade de portais que temos no Tocantins. No entanto já é algo a se comemorar. Destacaria aqui sobretudo o portal do jornalista Cleber Toledo (Coluna do CT) onde temos a coluna “livros e cia” assinada pelo imortal da Academia Tocantinense de Letras – Zacarias Martins. E também mais recentemente o Espaço Literatura.


Os portais de noticia tem um alcance de público mais amplo do que os canais virtuais dos autores. Desse modo são importantes ferramentas para divulgar a nossa literatura. Alguns fazem isso de forma esporádica. Mas o ideal seria seguir o exemplo da Coluna do CT, criando um espaço para literatura. Uma coisa é fato, produção literária no Tocantins para alimentar esses espaços não falta.


É importante ressaltar que tanto os autores ganham com isso, sobretudo pelo fato de poder ter o seu trabalho divulgado em um espaço visitado por um público mais amplo e diversificado. Como também esses portais ao disponibilizar ao seu público um conteúdo diferenciado. E ganha sobretudo a literatura tocantinense que sai fortalecida desse processo.


Diante disso ressaltamos que ainda temos muito a avançar, não só em relação ao aspecto ressaltado acima, mas também quando por exemplo, analisamos a quantidade de editoras que temos no Estado ou de eventos literários. Os custos da publicação de um livro impresso é algo que torna essa tarefa inacessível para muitos autores. E a distribuição e comercialização dessas obras então nem se fala. E se não há uma boa distribuição e comercialização o alcance dos leitores a essas obras fica reduzidíssimo. Já o autor, ao invés de receber pelo seu trabalho tem que pagar.


Essa, porém, não é uma realidade exclusiva de quem produz literatura no Tocantins. E a depender do Governo Federal a situação tende a piorar com a proposta de taxação de 12% sobre os livros – tornando assim algo que já é inacessível para muitos, mais inacessível ainda. Ora, se o Governo não ajuda, pelo menos deveria não atrapalhar. E isso serve tanto para esfera Nacional como Estadual e Municipal.


Apesar de todas as dificuldades, vê o que tem ocorrido no campo literário tocantinense – uma verdadeira primavera literária - nos anima. Resta por tanto, continuarmos semeando frutos para outras primaveras literárias ainda mais fecundas.



10- Música popular tocantinense: Canções tocantinas.

“Venha vestida de roda, morena, espante esse mal, solidão. 
Venha que a roda catira, morena, lhe chama”.
Braguinha Barroso

Ainda criança aprendi a apreciar a música popular feita no Tocantins, especialmente as canções do Dorivan, Genésio Tocantins, Braguinha Barroso, Chico Chokolate, Juraides da Cruz e Orley Massoli. E na ausência de uma literatura regional acessível foram os versos desses artistas através de suas canções que contribuíram com a formação da minha identidade tocantinense e me influenciaram no oficio de escrever poesias, contos e crônicas.

Na minha infância destacaria três canções: Frutos da Terra do Genésio Tocantins, Senhor do Bonfim do Dorivan e Atômico do Chico Chokolate: A primeira é uma linda homenagem ao nosso cerrado e as suas riquezas: “Tem guapeva lá no mato, no brejinho tem ingá, no campo tem curriola, murici, araçá. Tem uns pés de marmelada, depois que passa a pinguela, subindo pro cerradinho, mangaba e mama-cadela”. Essa canção que na infância nos afetava de alegria, hoje nos afeta de tristeza, sobretudo por que com o avanço do agronegócio a diversidade de frutos que o cerrado tinha, já não tem. O que tem é soja, cana de açúcar e pasto pra gado. 

A segunda é um belo retrato da alma religiosa do povo tocantinense que todos os anos segue em Romaria para pedir e agradecer as bênçãos recebidas durante o ano: “Senhor do Bonfim, esse ano eu vou a pé, vou pagar minhas promessas, elevar a minha fé...”. Um povo sofrido que faz enormes sacrifício para sobreviver, mas que não perde a esperança e a fé. 

Já a terceira (uma parceria do Chico Chokolate com o Ronaldo Teixeira) é um primor – uma letra brilhante interpretada numa pegada rock in roll – que rompe com a barreira do regionalismo: “Baby, o Armagedom já aconteceu dentro do meu coração, e eu tive a sensação de ver tudo ruir. Errei ao imaginar, uma metrópole perfeita e segura do nosso amor. O Alicerce era fraco e eu não sabia, que a explosão da bomba eu não suportaria.” A canção que fala de uma história de amor que chega ao fim, e como toda história de amor que chega ao fim deixa seus estragos, é poesia da melhor qualidade: “Baby, esse brilho de mil sois pode nos cegar, Baby, feridos assim aonde vamos parar? 

A partir daí nunca perdi meu interesse na música popular feita no Tocantins – apesar da dificuldade de acesso a rica produção desses artistas diante da falta de espaço, especialmente no interior, para que eles possam divulgar os seus trabalhos. 

Se hoje as coisas ainda são difíceis imagine antes da popularização da internet. Antes a divulgação era restrita a algumas rádios (isso não mudou muito) e a clipes divulgados nos intervalos da programação da TV Anhanguera – e foi assim que eu particularmente tive acesso aos trabalhos desses artistas e de outros como Orley Massoli – autor de canções como Imensidão e Terraguarés (não sei se é assim que se escreve) e da bela Meninos da Candelária: “se tudo jaz, eu canto um jazz, a vida é um jasmim”. 

Outra bela canção de sua autoria é Menino de Paraiso que canta os encantos e a liberdade da infância: “O menino voou no balão, com seus dragões, aviões... Minha branca de neve me leve, sou criança pare com isso. Me abrace e me beije de leve, sou menino de Paraíso”. 

Se tratando de música tocantinense um artista que não pode ficar de fora é Juraides da Cruz – com um pé em Goiás e outro no Tocantins – ouso dizer que ele é um dos grandes compositores da música popular brasileira. Eu particularmente gosto de Meninos: “Não sou tanajura, mas eu crio asas, com os vagalumes eu quero voar... O céu estrelado hoje é minha casa, fica mais bonita quando tem luar... Quero acordar com os passarinhos, cantar uma canção com o sabiá”. Só os amantes da vida interiorana compreendem o quanto isso é prazeroso. 

Outra canção dele bastante conhecida que eu também aprecio é “Ei flor. Cadê o cheiro que ocê prometeu. Ei, flor. Não venha dizer que se esqueceu.... Amor, não lembra mais do seu dodói, eu era o lírio dos teus olhos, nós banhava no riacho, diacho, valha-me Deus”. Além de Memórias de carreiro, não tão conhecida como as duas anteriores e o seu grande sucesso (nois é jeca mas é joiá), mas de uma beleza impar: “Hoje tenho as mãos calejadas, de um trabalho duro e cruel. Só me restou uma sorte marvada: Boi-de-canga de Coronel”. Em outro trecho ele canta “Faço parte dessa manada, na cidade tonta e perdida. Me vem na garganta um nó de laçada, e no peito uma saudade doida...”. E o refrão: “Êh, tempo que se foi, te guardo no coração. Êh, carro de boi, sumiste no estradão”. Eis a sina de tantos que foram expulso do campo diante do avanço do agronegócio devastador.

Outro artista que não poderia deixar de falar é o Braguinha Barroso que trás na sua música toda a força da cultura negra. Um exemplo é a canção Catirandê: “Venha vestida de roda, morena, espante esse mal, solidão. Venha que a roda catira, morena, lhe chama”. Apesar dos pesares é preciso resistir e ninguém melhor que o povo negro sabe resistir com alegria. “Meu bem querer, quando eu for não chore, que eu volto antes do dia nascer, meu bem querer”.

Bem, além desses artistas e dessas canções, existem outros tantos artistas e outras tantas canções que poderiam serem apresentados nessas breves linhas. Mas fiquemos por aqui. Creio que essa pequena amostra cumpre o objetivo de apresentar de forma breve a riqueza da música popular tocantinense. 



9- Algumas palavras sobre o livro “Literatura Tocantinense – Entrevistas”

A literatura tocantinense apesar de jovem, e portanto ainda em construção, tem uma produção considerável fruto do trabalho tanto de autores consagrados como de jovens escritores. Mas essa produção e esses autores nem sempre tem o reconhecimento necessário – seus trabalhos são desconhecidos do grande público. Nesse sentido a publicação em 5 volumes da obra: “Literatura Tocantinense” – Entrevistas, organizada pelo Professor e Escritor Pedro Albeirici, chega para  diminuir essa invisibilidade e oferecer um rico material de pesquisa para quem trabalha com literatura ou gosta de uma boa leitura.
Pedro Albeirici é uma referência literária no Tocantins. Autor de diversas obras, tanto ficcional como não-ficcional, entre elas: “Morte no Atlântico Sul”, “Crônicas do Tocantins e outras viagens” e “A boneca viajante”. Licenciado em Letras e Pedagogia, é Mestre em Literatura Brasileira e Linguística e Doutor em Teoria literária. Exerce atualmente o cargo de Professor na Universidade Federal do Tocantins – Campus de Araguaína. A obra “Literatura Tocantinense – Entrevistas” (Editora Veloso), não só foi organizada por ele, como também financiada do seu próprio bolso – um exemplo da sua militância em busca do fortalecimento da literatura tocantinense. 

A obra

A obra consiste em entrevistas realizadas com autores que produzem literatura, a partir do Estado do Tocantins, acompanhadas de uma breve biografia e dados bibliográficos. Isto é, informações básicas para que o leitor possa conhecer os autores e os seus trabalhos publicados. Trata-se portanto, segundo o idealizador e organizador da obra, de uma espécie de minienciclopédia. O que significa que se o leitor quiser de fato ter um contato com a própria obra dos autores apresentados, deverá buscar em outros espaços. Porém terá em “Literatura Tocantinense – Entrevistas” um conjunto de informações básicas de onde poderá partir.

Um aspecto importante a se ressaltar é o perfil democrático da obra. O leitor irá encontrar durante a leitura não só escritores já consagrados a nível regional, mas também autores que estão buscando o seu espaço. Isso se deu, creio eu, pelo critério de que, para participar do projeto o autor deveria ter pelo menos 1 obra publicada. 

Por outro lado, esse critério também inviabilizou a participação de autores que ainda não tiveram condição de publicar um trabalho. E sabendo o quanto é caro publicar um livro nesse país, ainda mais no Tocantins. Somando-se a isso a dificuldade ainda maior de divulgação e distribuição. Não foram poucos. Certamente não teríamos 5 volumes, mas bem mais. E os custos financeiros também seriam bem maiores para publicar essa obra.

Mesmo assim,  quando a gente lê a obra e vê a quantidade de escritores com livros publicados, de todas as regiões do Estado – de pequenos, médios e grandes municípios. Percebemos o potencial da literatura tocantinense – sua pujança – que não é maior por falta de apoio, sobretudo por parte do poder público. 

Os volumes

Cada volume trás na capa uma imagem de uma paisagem exuberante do Estado do Tocantins. Por exemplo, no volume 1 temos a Cachoeira Véu de Noiva  (numa foto do Marcos Filho Sandes), localizada no município de Araguaína. Já a contracapa trás o Rio Araguaia em Garimpinho, também localizado em Araguaína  (numa foto do Marcos Filho Sandes). No volume 2, temos na capa uma paisagem localizada na terra dos Xerente – município de Tocantinia (numa foto do Edivaldo Xerente) e na contracapa a Cachoeira de Santo Antônio localizada no município de Taguatins (numa foto do Fabiano Vieira). No volume 3, temos na capa a famosa Praia do Paredão (numa foto do Fernando Lucena) localizada no município de Miracema. E na contracapa o Rio Tocantins no município de Tocantinópolis (numa foto do Dirceu Leno). No volume 4, temos duas belas paisagens do Jalapão – na capa a Serra do Espírito Santo e na contracapa o fervedouro do Ceiça (ambas em fotos do Toni Ferreira), localizados no município de Mateiros. Por fim, no volume 5, temos na capa o Morro do Segredo (numa foto da Mirtes Aguiar) e na contracapa a Lagoa da Confusão (numa foto do multifacetado Zacarias Martins).

O volume 1 tem o prefácio assinado por José Manoel Sanches da Cruz Ribeiro (Doutor em Literatura Comparada e Professor da UFNT). E trás 32 entrevistas com autores, segundo Cruz Ribeiro, mais renomados da literatura tocantinense, entre eles estão Belinha, Celio Pedreira e Irma Galhardo. E encerra com um posfácio escrito por Ana Inez Freitas de Oliveira Ferreira (Professora do CEM Filomena).

O Volume 2, assim como os demais, tem a apresentação feita por Zacarias Martins e o posfácio por Rubens Martins da Silva (Professor da UNITINS). Conta com 45 entrevistas, entre elas a da Adriana Rabelo, Consola Brito e Eunete Guimarães. O volume 3 conta com 43 entrevistas com destaque para nomes como Everton dos Andes, Gilson Cavalcante e Juraci Teles. O volume 4 conta com 44 entrevistas com destaque para o Paulo Henrique Costa Mattos, Paulo Albuquerque e Leny Dias. Por fim, o volume 5 conta com 42 entrevistas com destaque para a Rhoselly Xavier, Robson Vila Nova e Zeca Tocantins.

Todos os volumes homenageiam o escritor José Francisco da Silva Concesso (em memória) que nos deixou em 2020. 

Uma crítica 

Uma crítica em relação a obra é que senti nas entrevistas falta de um foco maior no fazer literário de cada escritor – suas inspirações, seu processo de criação, se cria mais no campo da ficção ou não, o seu gênero literário preferido e daí em diante. Me parece que o foco dado é no que o autor pensa da importância da literatura e da cultura. O que não deixa de ser interessante. Enfim, o fato é que ao longo da leitura fiquei com essa sensação, inclusive de que algumas perguntas eram repetitivas.

A importância da obra para a educação 

Quem atua na educação básica como Professor na área de Linguagens, se depara no Documento Curricular do Tocantins  (DCT) com a exigência de se trabalhar a literatura tocantinense. No entanto, salvo exceções, não se encontra obras de autores tocantinenses nas bibliotecas das escolas. Ora, tal exigência deveria vir acompanhada de uma política de apoio e incentivo a produção, divulgação e distribuição de obras literárias Tocantinenses, sobretudo nas bibliotecas públicas. 

Com a ausência de uma política nesse sentido fica-se então dependendo de um professor engajado que possa buscar por iniciativa própria adquirir obras como a “Literatura Tocantinense – Entrevistas”. Geralmente são professores que também são escritores e compreendem a importância da formação de novos leitores para o fortalecimento da literatura e da cultura como um todo.

Mas enfim, a obra “Literatura Tocantinense – Entrevistas” organizada por Pedro Albeirici tende a se tornar uma obra de referência da nossa literatura, sobretudo pela sua importância. Aqueles que tiverem a condição de adquiri-lo, os 5 volumes, terão um rico material em mãos. Além de estarem contribuindo para o fortalecimento da literatura tocantinense. 



8- Algumas palavras sobre a literatura do Zacarias Martins a partir da leitura de “Pinga-fogo” e “Histórias da História de Gurupi”

O Tocantins ainda não tem uma forte tradição literária. De modo que quando falamos de literatura tocantinense na verdade nos referimos a literatura produzida no Tocantins. Essa produção é com certeza fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense. E nesse sentido um nome que se destaca é do Poeta e Escritor – Zacarias Martins.
Das tantas definições sobre a sua figura. Ressalta, na minha visão, a de militante da cultura. Sobretudo no campo literário – seja através da sua obra ou divulgando o trabalho de outros autores. Martins é um artista engajado na linha do que define Marcos Napolitano (2011), que se caracteriza pela defesa de uma causa ampla, coletiva e ancorada em “imperativo moral e ético”. Sua arte é política, mas não partidária.

Vamos comentar, de forma breve, a sua literatura a partir de duas obras. O primeiro é uma coletânea de poemas intitulada de “Pinga-fogo”. Já a segunda é uma coletânea de crônicas intitulada de “Histórias da História de Gurupi”. Ambos publicados pela Editora Veloso.

O primeiro aspecto que se sobressai na literatura de Zacarias Martins é o seu caráter popular. O popular aqui não tem haver com popularidade ou populismo. Mas no sentido de expressar as aspirações e interesses do povo. Isso é perceptível sobretudo nos textos de “Histórias da História de Gurupi”. Temos ali um belo quadro de uma cidade interiorana. Sobretudo em relação a política. Ou seria politicagem? 

O segundo aspecto é o humor. Zacarias Martins consegue de uma forma muito inteligente transformar episódios do cotidiano em situações engraçadas. Não é aquele humor pasteurizado tão em moda. Mas o humor que nos é característico. Aquele de transformar “um limão em limonada”. Podemos ter uma ideia disso nos poemas: “A falta”, “Polivalente”, “Sorriso maroto” e “Resolução”. E nas crônicas: “O defuntódromo”, “Parque mutuca” e “Cadê a bomba?”. 

Na verdade o humor faz parte do aspecto popular da literatura de Zacarias Martins. Sobretudo no sentido de que o humor é uma arma do povo para mostrar a sua indignação diante de situações medíocres como “A cultura desemplacada” e “Defuntódromo”.

Mas nem sempre o humor dá o tom dos textos do nosso autor. Em alguns ele é direto como um punk rock. Por exemplo no poema “Com que cara?” e “Prisioneiro do fumo”. 

Há também espaço para o amor. Como bom poeta, Zacarias Martins, se revela um romântico, inclusive na declaração de amor a cidade que ele escolheu para viver – um amor que não impede de ver os problemas existentes.

Bom. Eis ai de forma breve um pouco da literatura de Zacarias Martins - trata-se de uma literatura popular onde o leitor certamente se reconhecerá e se sentirá representado. Com isso contribuí na formação de novos leitores e no fortalecimento da literatura feita no Tocantins. 

Sua obra não se resume as publicações comentadas aqui. Mas para quem quer conhecer e apreciar a sua literatura, temos ai um bom ponto de partida. 



7- Manoel Duarte de Souza: Um pioneiro das letras em Lajeado

Quando Manuel Duarte de Souza lançou lá nos idos de 2009 o seu “Cansanção”, não só realizou a máxima do Poeta Cubano José Martí sobre plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Deu também uma enorme contribuição para construção de uma cultura literária lajeadense. Por isso os seus textos devem ser divulgados e trabalhados na esfera educacional. E o seu nome merece um reconhecimento maior por parte do poder público local.
Manuel Duarte de Souza nasceu no Estado do Maranhão (como tantos outros que foram e são fundamentais na construção da cidade de Lajeado), no munícipio de Pastos Bons, no ano de 1929. Ao ingressar nos quadros de funcionários do Banco do Brasil sua vida teve uma guinada importante. Viveu em diferentes Estados e regiões do Brasil, em cidades como Areia (PE), Cachoeira do Sul (RS), Juiazeiro (CE) e Goiânia (GO). Foi na capital goiana que se aposentou do serviço público. Para então se fixar, até sua morte, no município de Lajeado (TO). 

Mesmo não tendo feito curso superior a sua riqueza cultural era inegável. Proporcionada, sobretudo, por um nível de vida privilegiado (em relação a maioria da população brasileira), devido a sua condição de servidor público federal. O hábito da leitura e da escrita o acompanhava desde os tempos do antigo ginásio, como podemos ver em suas memórias. Lia de tudo – Filosofia, Política, Psicologia, Poesia e Literatura em Geral. Toda essa bagagem de leitura certamente influenciou na sua escrita.

Em “Cansanção”, Manuel Duarte de Souza trafega por diferentes gêneros literários, mas poderíamos afirmar se tratar de um livro de memórias. Que começa com o nosso autor relatando sobre o seu prazer de viajar. E se encerra, 244 páginas depois, com um álbum de fotografias. 

Certamente teríamos mais páginas se a editora (Anapolina LTDA) tivesse feito uma edição melhor. Creio que isso deve ter ocorrido por questões de custos. Pois não é fácil bancar uma publicação com recursos do próprio bolso sem nenhuma garantia de retorno. Mas ainda que a edição não é das melhores, a obra não perde o seu valor. Um aspecto interessante, é que ela não precisa ser lida de forma linear. Fica essa dica, portanto. 

Outro aspecto que me chamou atenção foi a justificativa para o nome da obra. Para quem não conhece “Cansanção” é uma planta muito comum no sertão. Me recordo que na minha infância quando nossos pais falavam em bater em alguém com cansanção é por que a coisa era séria. Nosso autor faz uma analogia com os passarinhos que fazem ninho no Cansanção para proteger suas crias dos predadores. Ao utilizar o nome dessa famosa planta, ele estaria protegendo seus textos das críticas. 

Aliás, nota-se uma indignação muito grande do autor com as possíveis críticas acerca da sua obra. Além dessa passagem onde ele justifica o nome do livro. Na introdução Manuel também volta ao assunto. Se referindo inclusive a críticas que recebera antes mesmo da publicação: “Aos tolos desafisados e burros motivados que já lançaram veneno sobre a minha obra, sem ao menos haverem lido um capítulo sequer do seu conteúdo,  o meu repúdio” (Souza, p.12).

Manuel Duarte de Souza sabia, ou deveria saber, que aqueles que ousam se expor dessa forma estão sujeitos a críticas. Mas o mínimo que se espera é que essa crítica seja fundamentada, ou seja, no caso em questão, que se tenha lido a obra. Se não for assim, não há por que se incomodar tanto. Por ser o seu primeiro livro publicado, e pelo cunho pessoal, é compreensível a sua insegurança. 

Entre os textos que compõem a obra destacaria o de abertura: O prazer de viajar – aqui percebemos o quanto o estudo foi importante para que o nosso autor tivesse uma perspetiva de vida diferente daquela que Pastos Bons poderia lhe proporcionar. Do desafio de tirar melhores notas para ir a São Luiz. Ou aos estudos para passar no concurso do Banco do Brasil. É a educação mostrando o seu poder de transformação. 

Em textos como a “CASSI no Tocantins” temos o exemplo de alguém que sempre teve consciência dos seus direitos e lutou por eles com consciência de classe. Em textos como “Demagogice” e “Resposta a Joelmir Beting” temos alguém antenado ao debate político nacional crítico dos Governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e seu projeto privatista. E entusiasta de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) desde a sua primeira campanha a presidência do Brasil. 

Aqui cabe ressaltar que apesar do seu interesse pelo debate político, não se envolvia com política partidária. Dessa forma compreendia a politica tal como os gregos – como a busca pelo bem comum.

 Em textos como “Meu querido jatobá” temos a memória da infância. Em textos como “Mano José”, o reconhecimento da importância da família na sua vida. E por fim, em “Lajeado, teus encantos” nosso autor narra a sua saga por essas bandas. Os primeiros moradores que conhecera, as amizades que fizera, um novo amor e a sua luta pela iluminação do setor Aeroporto – atuando na perspectiva política que falamos anteriormente. 

Enfim, “Cansanção”, nos mostra a história desse Maranhense que deixou sua marca na história de Lajeado e do Tocantins. Não é uma história diferente, como ele mesmo reconhece, de tantos outros jovens que nasceram no interior do Brasil. Mas ao transformar essa história numa obra literária, Manuel Duarte de Souza se diferencia dos demais. Com ela, ele alcançou a imortalidade, tornando uma referência não só para os seus familiares. 

Quando tivermos uma literatura lajeadense. Manuel Duarte de Souza deverá ser lembrado necessariamente como um dos pioneiros das letras em Lajeado. Muito dos exemplares da sua obra “Cansanção” não foram comercializados. Por tanto seria uma grande homenagem, por parte do poder público local, adquirir esses exemplares junto aos seus familiares e distribuir gratuitamente para os estudantes da rede municipal de ensino. Ou então disponibiliza-los em órgãos públicos. Pois trata-se de um crime imperdoável deixar esses livros engavetados. 



6- Literatura Tocantinense: “Metamorfose” de Virgínia Nery

Minha arma é meu poema

Virgínia Nery 

Há um tempo encontrei num sebo um livro de poesia de uma autora tocantinense. E como um leitor de autores Tocantinenses não pensei duas vezes em adquirir. O livro em questão chama-se “Metamorfose” e a sua autora é Virgínia Nery. Como estamos no mês das mulheres, decidi escrever algumas linhas sobre essa obra, como uma forma de homenagear nossas mulheres que são referências em várias áreas, inclusive na literatura.

“Metamorfose” foi publicado em 2004 pela editora kelps. Conta com uma carta prefácio do ótimo Poeta de Divinópolis – Paulo Aires. E com 88 poemas e mensagens que abordam desde questões sociais, passando pela cultura regional e por questões pessoais. Tudo num estilo livre. Formada em Serviço Social, Virgínia Nery demonstra uma enorme sensibilidade diante das expressões da questão social. E ouso dizer que parte significativa da sua inspiração vem das algúrias enfrentadas na sua profissão. 

“Não posso dormir indolente, por sobre o grito da dor de tantos outros”. Escreve nossa poeta numa espécie de desabafo no poema “Meus braços”. Em “Lamento” ela segue a mesma linha: “Choro por sobre esse povo senhor, de olhar sem brilho, de sonhos desfeitos. Rogo-te por estas mães sofredoras, cujas bocas famintas dos filhos, gritam por um alento que lhes aplaquem a fome”. Em “Tormento” temos o problema da fome novamente: “Sofro no íntimo, a dor mórbida e silenciosa dos gritos dolorosos da fome, e vejo a raça humana se dilacerando e morrendo a míngua pela ausência do indispensável”.

Através dos seus poemas Virgínia Nery se revela, falando da sua origem nordestina e da importância da escrita como um exercício de liberdade. “No mundo das letras, consigo expressar, o tamanho, da minha rebeldia, a dimensão exata, da minha indignação”. Confessa ela no poema “No papel”. Em “Inquietude” destilando rebeldia ela diz: “Não posso aceitar os rótulos, as fórmulas, as fórmulas esdrúxulas, minúsculas, ridículas”. Em “Lunático” ela nos diz: “Há um louco dentro de mim. Que insiste em falar coisas, que os outros não querem ouvir”.

Virgínia Nery reflete sobre o poeta e a solidão no belo poema “Solidão” - “um poeta é quase sempre sozinho/nos versos de sua vida/E ainda que lhe chegue a companhia.../Seus versos/Adormecem incansáveis vezes/nos braços da solidão”. Reflete sobre a vida em “Caminhos” onde diz: “A vida/ é a experiência máxima/que nos ensina a trabalhar/sabiamente nossas falhas/impulsionando-nos para novas direções”. Em “Contagem”  afirma: “Somos prisioneiros do tempo”. Já em “Consciência” nos diz: “Não posso querer dar-me ao luxo de ter frequentes crises existenciais”. E em “Recortes” afirma a sua crença na coletividade: “a paz começa dentro de nós, consolida-se no lar e alcança vitória plena na vida em comunidade”. E é na vida em comunidade, pensando no bem comum que surge a maioria dos poemas contidos em “Metamorfose”.

No poema  “Poética” Virgínia Nery diz: “Minha arma é o meu poema”. Na poesia ela pode se expressar livremente, ao contrário do seu ofício de assistente social onde pouco pode fazer diante de uma burocracia estatal que está mais a serviço da perpetuação da miséria do que da sua superação. “A boca que abro é a voz que não calo/ É o grito que manifesto/no pouco e no resto/de resistência que ainda me cabe”. Sim querida Virgínia, resistir é preciso. Agora  mais do que nunca diante do momento sombrio que vivemos.

Em “As ideias estéticas de Marx” o filósofo Adolfo Sánchez Vásquez diz que “quanto mais se banaliza a existência humana, quanto mais se subtrai sua verdadeira riqueza, tanto mais sente o artista a necessidade de explicitar sua riqueza humana num objeto concreto-sensível”. É justamente isso que percebemos no fazer literário de Virgínia Nery.

Os poemas de “Metamorfose” é um grito de resistência contra a desumanização. Nessa linha voltemos a Adolfo Sánchez Vásquez mais uma vez quando ele diz que “já mais a arte foi mais necessária, por que jamais o homem se viu tão ameaçado pela desumanização”.

Com essa obra Virgínia Nery certamente merece está no hall das referências literárias Tocantinenses. Mas é importante destacar que a sua poesia transcende a barreira do regional e se coloca como uma referência para todos aqueles que se rebelam contra o sistema dominante em qualquer parte do mundo.




5- Literatura: Antologia “Ruas Vazias” – o coronavírus em prosa e verso

Muitos escritores mundo afora estão aproveitando o período de isolamento social (em decorrências da pandemia de COVID-19) para produzir sobre o contexto histórico que estamos vivendo. Entre os diversos trabalhos publicados destacamos a antologia literária organizada pelo editor e escritor Eliosmar Veloso, que acaba de publicar pela Editora Veloso a “Antologia Ruas Vazias – o coronavírus em prosa e verso 2020”. 

A obra conta com trabalhos de 34 autores de 6 Estados brasileiros (Tocantins, Pará, Maranhão, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) – o que nos dá a possibilidade de ver a partir desses diferentes olhares (de lugares distintos) como o isolamento tem os afetado. Com isso a antologia “Ruas Vazias...” serve como um importante registro histórico acerca do contexto atual e como referência para as futuras gerações – estudiosos e curiosos – que buscaram compreender como encaramos e superamos esse momento.

Minha participação 

Entre os autores que participam dessa antologia está esse que vos escreve. São três poemas de minha autoria escrito especialmente para a publicação. O primeiro intitulei de “A canção”, o segundo “Um sonho” e o terceiro “Hoje”. São poemas que foram inspirados em conversas com pessoas próximas á mim, em textos filosóficos e no noticiário sobre a situação atual.

Quando fui consultado sobre o projeto de publicação de uma antologia literária abordando essa temática dei o meu apoio instantaneamente, ressaltando inclusive que eu já tinha escritos sobre o tema. Mas na medida que o projeto foi se concretizando achei que a bela iniciativa do Eliosmar Veloso merecia o meu esforço de criar poemas inéditos. E assim fiz, submeti-os e foram aprovados. 

Quando comecei a escreve-los me dei o desafio de fazer poemas que falassem da situação que estamos vivendo não de forma explícita. Tanto que não há menção a pandemia, a novo coronavírus e nem a COVID-19. Acreditava eu que ao fazer isso meus poemas seriam atemporais – que daqui há 100 anos continuassem relevantes. Prepotência minha, não?! No final das contas são apenas poemas singelos, como é a minha poesia. E espero que possam aprecia-los.


Financiamento coletivo e fortalecimento da literatura

Um ponto importante a se ressaltar é que os custos da publicação da antologia “Ruas Vazias” foi financiado por todos os poetas e escritores que participam da obra. Creio que essa é uma ótima alternativa para que tenhamos nossos trabalhos publicados – um grupo de autores se juntam, publicam conjuntamente e dividem os custos da produção – e assim não fica pesado financeiramente para quem não tem condição de bancar uma publicação do próprio bolso – algo que no Brasil não é tão acessível assim. 

É também uma alternativa de fortalecimento da literatura – aumentando a produção literária – sem ficarmos esperando a boa vontade de algum gestor público de plantão tomar iniciativas nesse sentido.

É óbvio que essas alternativas tem lá suas limitações. Por exemplo no caso da antologia “Ruas Vazias...” o número de exemplares publicados foi reduzido. Para que tivesse uma tiragem maior seria necessário mais recursos. Isso significa que nem todos que se interessarem em adquirir e ler a obra terá acesso a mesma. Mas aqueles que conseguirem terão nas mãos uma importante obra literária com registro do momento que estamos passando.

Enfim, quem sabe nos projetos futuros não contemos com o envolvimento de mais autores. E com a sensibilidade do poder público em olhar com mais atenção para a nossa literatura.




4- Literatura tocantinense: Pedro Tierra e o seu Porto submerso


“Tocantins: veia aberta num brejal
que se derrama pelo cerrado vasto
e reconfigura a estampa da paisagem...”.
Pedro Tierra 

Lá pelos idos de 2009 ganhei um livro de poesia com poemas de um tal Pedro Tierra. Pelo nome pensei se tratar de um poeta espanhol ou de algum país latino-americano de língua espanhola. Mas qual foi a minha surpresa ao descobrir que aquele tal Pedro Tierra era do Tocantins – mais precisamente da cidade de Porto Nacional – “uma cidade com janelas olhando para o rio Tocantins”, escreveu em certa feita o poeta.

Nesse tempo eu morava em Goiânia e fiquei a me questionar por que nunca havia visto no Tocantins (sobretudo na escola) falarem de um poeta daquela envergadura. Hoje, novamente morando no Tocantins, percebo que Pedro Tierra tem tido algum reconhecimento – tendo recebido importantes homenagens como o título de Doutor Honores Causa da Universidade Federal do Tocantins  (UFT). Mas creio que esse reconhecimento ainda é bastante aquém do que ele merece por sua importante contribuição a cultura literária nacional.

Pedro Tierra é na verdade o pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva (1948) – que escreveu  os poemas que comporiam o seu primeiro livro na prisão  (Poemas do Povo da Noite, 1977) durante a ditadura militar. Tierra fora preso por sua militância no movimento estudantil lutando contra a repressão do regime militar. Mas se o objetivo dos militares era silencia-lo o resultado foi outro – através da poesia, Tierra fez ecoar pelo mundo “o grito de liberdade preso na garganta” (Aos fuzilados da CSN, Garotos Podres) dos presos políticos nos porões da ditadura no Brasil – o seu primeiro livro foi publicado primeiro na Itália (1977) e depois na Espanha (1978). E no Brasil quando publicado em 1979 se tornou uma referência para os presos políticos e para os movimentos de luta pela redemocratização do país.

Os poemas do Pedro Tierra se assemelham a preces (talvez por influência da sua formação católica). O que contribuia para manter acesa a chama da esperança no coração daqueles que lutavam contra a ditadura militar: “Prossigo, ainda que a presença do inimigo, a vigiar meus sapatos molhados na rua sem trânsito, me devolva a impressão de ter regressado, aos primeiros dias de treva...”. (Campo de flores, 1974 – do livro Poema do Povo da Noite). Foi portanto na militância política, na luta contra a ditadura militar que Hamilton Pereira da Silva se tornou Pedro Tierra. E Pedro Tierra forjou a sua poesia – como o ferreiro forja o ferro transformando-o em instrumentos diversos. E dessa labuta vieram outras obras como “Água de rebelião” (1983), “Inventar o fogo” (1986) “A palavra contra o mundo” (2013) e “Porto submerso” (2005) que é a obra que enfocaremos aqui – e se trata daquele livro que disse lá no início – onde fui apresentado a poesia de um tal Pedro Tierra. 

Em “O Porto Submerso” (Pedro Tierra que sempre teve uma militância política ativa no campo da esquerda e acabou se radicando em Brasília – onde inclusive por duas ocasiões foi Secretário de Cultura) retorna a suas origens para falar da sua terra natal – á velha Porto Nacional – que já não é a mesma da sua infância. “Piranhas devoram o baú de lembranças/ nos quartos dos fundos dos casarões.../ Algumas paredes ruíram/ sobre os sonhos acalentados na infância:/ não resistiram talvez ao assédio da umidade/ a essa flor que próspera nos pântanos/ forçando os precários alicerces de tudo/ ao abandono de tantos anos...”. Diz o poeta no poema que dá título ao livro. 

Mas ao buscar no baú de lembranças a memória da sua infância ele não deixa de falar da nova Porto Nacional – onde o velho rio Tocantins, que antes via da janela de sua casa, já não é o mesmo – suas águas já não seguem livremente como antes da construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães: “Ao primeiro olhar o rio assume as feições/ De lagoa. De útero. Misteriosa oficina de vida/ Melhor, um avesso de útero:/ vai devorando ilhas/ que se opõem à sua placenta corrosiva./ Dissolve areias e memórias... Tocantins: veia aberta num brejal/ que se derrama pelo cerrado vasto/ e reconfigura a estampa da paisagem... O rio teima em se manter-se rio corrente:/ uma veia de esmeralda líquida e retesa/ varando o ventre do lago,/ feito alma submersa/ e luminosa a lhe dar sentido/ Vencido, o rio se abranda em barros e silêncios...”. Diz o poeta no poema “Barragem”.

Do seu baú de lembranças da infância ele trás poemas como “Querosene” que é um belo retrato dos causos interioranos e do seu povo. “Nunca se soube/ se por fome/ sede/ ou pura danação./ Foi apanhado/ estendido sobre o ladrilho da taverna/ mamando querosene/ na torneira do tambor./ adquiriu desde então/ um tom esverdeado,/ guenzo/ e uns olhos iluminados/ como se tivesse tragado as nascentes da lua./ Os meninos da rua lhe atiravam fósforos/ para conferir se acendia,/ querosene. Eis aí um poema belo, simplesmente belo. Mas o que é o belo? Nos questiona Sócrates. 

Não desviemos o rumo da prosa, deixemos as filosofadas para depois. Voltemos á poesia – não que poesia e filosofia estejam em campos opostos como acreditam uns. E Pedro Tierra mostra isso de forma magistral em vários poemas do seu “Porto submerso”, entre eles “trama”, onde reflete sobre a vida: “E se o corpo é uma canoa/ de madeira amarga/ e terna,/ a alma é um rio agudo/ com dedos de água/ e fuga,/ a marca dos meus roteiros./ dedos sábios de rendeira/ tecem os fios incontáveis/ a trama do meu destino...”. Em “Os bilros” o poeta também filósofa sobre a vida: “Na dança dura do dia/ entre os dedos da rendeira/ Os bilros trançam nos fios/ a renda da vida inteira... Nessa trama dos aflitos,/ nessa dança dos contrários/ a renda tece a rendeira/ na ponta escura dos bilros...”. Já em “Os impossíveis” o poeta reflete sobre a poesia: “Poesia é assim:/ Os impossíveis./ é quando prevalece/ a vontade da palavra...”.

Pedro Tierra também nos faz viajar pelo cerrado com suas riquezas e seus encantos em poemas como “Buriti”: “Em Palma Verde de buriti,/ tranço um balaio de versos/ para tentar uma última vez.../ recolher os milagres das chuvas...”. No poema “Concerto para jacumã e remo”: “Mergulho o remo/ e remo sem rumo/ sem pauta/ sem porto algum/ que me recolha ao fim da madrugada./ jacumã é lugar de partida./ e de chegada...”. No poema “Mirindiba”: “...Entre raizes/ (Mirindiba fruta humilde/ nutrindo peixe celestes...)...”. E no poema “Paus d’arcos”: “Paus d’arcos./ Agosto./ cerrados./ o pau d’arco/ desata os laços/ do tempo que se despede,/ mas permanece contido/ na cortina que protege o tronco/ contra os açoites da seca...”.

E como não poderia ser diferente Pedro Tierra não deixa de denunciar através dos seus versos o avanço da destruição do cerrado pelo agronegócio: “...o trabalho dos homens organiza o cerrado./ Organiza desertos transgênicos de soja./ desertos verdes de soja./ desertos secos de soja,/ desertos.” Lamenta o poeta no poema “Carvoeiros”. E também no poema “Carvão” onde diz: “... meus olhos cansados/ miram a tarde que morre/ e registram ruínas de árvores/ que exigem o silêncio da alma/ como catedrais tombadas./ Ardem os ossos das árvores:/ o Verde derrotado,/ o fulgor da labareda,/ a palha, a cinza, antigas certezas/ pulverizadas,/ a potassa exposta à viração./ a busca feroz do carvão”. Mas o poeta não perde a esperança – sabe que o cerrado é resistência,  sabe que o cerrado é vida: “- O cerrado sabe seus atalhos.../ a promessa de vida que no ovo lateja,/ o trabalho de vida que no ovo lateja,/ o disparo de vida interrompida no ovo/ adia a vida que pulsa nos seus guardados:/ a vida sabe,/ a vida se esquiva para prosseguir...”.

Essa pequena amostra creio dar conta de sintetizar todos os poemas do livro apresentado, por tanto fiquemos por aqui. Não sem antes ressaltar que na minha opinião como leitor – se esse livro (O Porto submerso) não é o maior clássico da literatura tocantinense, está entre eles sem dúvida. De modo que nós tocantinenses não podemos deixar de reconhecer e prestar as devidas reverências a esse poeta e escritor – e a maior reverência que podemos fazer a um poeta e escritor é ler e discutir sua obra – e aqui não estou falando apenas do livro “O Porto submerso”.

Referências 

Tierra, Pedro. O Porto submerso. Brasília: Edição do autor, 2005.

Tierra, Pedro. Quem sou eu. Disponível em: http://pedrotierracultura.blogspot.com/?m=1. Acesso em: 30 mar. 2020.

Revista Prosa Verso e Arte. Pedro Tierra – poemas. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/pedro-tierra-poemas/. Acesso em: 30 mar. 2020.



3- Território em conflito, terra e poder

Não é de agora que movimentos sociais e intelectuais ligados a defesa de bandeiras progressitas denunciam o avanço do capitalismo no campo – um avanço que vem acompanhado do aumento da desigualdade, da violência contra os povos campesinos (indígenas, quilombolas e camponeses pobres) e a destruição ambiental. Nesse contexto surge três questões importantes: que modelo de desenvolvimento para o campo é esse? Quais as suas características? Qual as suas consequências? O livro “território em conflito, terra e poder” nos ajuda a responder essas questões.

Escrito a oito mãos (e publicado em 2014 pela editora Kelps) por professores do colegiado do Mestrado em Geografia da Universidade Federal do Tocantins  (campus de Porto Nacional) a obra nos ajuda a compreender como o avanço do capitalismo no campo tem se dado não só no Brasil, como também em outros países latino americano como, por exemplo, o Uruguai – Um avanço que se dá através do processo de mundialização da agricultura com as empresas multinacionais investindo pesado na expansão das fronteiras agrícolas – uma expansão que se dá com o importante apoio dos governos através de determinadas políticas territoriais. 

O livro é dividido em quatro capítulos. O primeiro “A mundialização da agricultura brasileira” é de autoria do Professor e Geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira – que é sem dúvidas uma das maiores referências a nível mundial no campo da Geografia e da questão agrária brasileira. O segundo “A esquerda progressista Uruguaia e a reforma agrária de mercado: 2004-2011” é de autoria do Professor e Historiador José Pedro Cabrera Cabral. Já o terceiro “Políticas públicas e o agronegócio na Amazônia legal/cerrado: conflitos socioterritoriais” é de autoria do Professor e Geógrafo Roberto de Souza Santos. E o quarto capítulo “Demarcação do território Krahô e as relações socioculturais da comunidade no outro novo território” é de autoria do Professor e Geógrafo Elizeu Ribeiro Lira. 

É preciso destacar também a bela apresentação da obra escrita pelo Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, onde ele salienta os desafios desse grupo de intelectuais que ousaram criar o Mestrado em Geografia na UFT- Campus de Porto Nacional. E se trata de uma ousadia mesmo sobretudo num Estado onde a força do agronegócio é inegável – uma força usada para esconder os conflitos e as relações escusas entre os governos e as elites econômicas como no caso do Projeto Agrícola Campos Lindos. 

A mundialização da agricultura brasileira

Nessa capítulo, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, inicia chamando atenção para o processo de mundialização do capital. Um processo que se deu no final do século XX (fundamentado nas características do capitalismo monopolista) a partir da criação das empresas multinacionais – reflexos da integração do capital em escala mundial. A paritr daí teremos uma produção capitalista internacionalizada. Que se tornou possível graças aos avanços tecnológicos e informacionais (OLIVEIRA, 2014, p. 21).

Outro ponto importante que Oliveira chama atenção é para a relação entre a agricultura capitalista e a mundialização do capital. De acordo com o autor “a agricultura sob o capitalismo monopolista mundializado passou a estruturar-se sobre três pilares: a produção de commodities, as bolsas de mercadoria e de futuros e os monopólios mundiais” (2014, p. 28). E a consequência disso é primeiro, que a produção de alimento deixa de ser prioridade. Segundo, quem controla os preços são os especuladores nas bolsas de mercadoria e futuros. E terceiro, o controle monopolista da produção. 

Ariovaldo Umbelino de Oliveira também chama atenção para o processo de territorialização dos monopólios na agricultura. De acordo com esse autor “a territorialização dos monopólios atua, simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária e florestal (silvicultura)” (2014, p. 30). 

A partir daí o autor apresenta um importante levantamento desse processo em vários setores da agricultura como o sucroenergético – que tem a atuação de multinacionais como a Bunge Limited, Tereos Internacional, Noble Group e a Shree Renuka Sugar. O setor de celulose, papel e Madeira – onde as principais empresas do ramo também tem a participação de capital estrangeiro como é o caso do Grupo Votorantim e Suzano. O setor de grãos e fibras – onde atua empresas como a ADM – Archer Daniels Midland Company. E o setor de lácteos e café.

Oliveira (2014) ressalta que nesse processo “os proprietários de terras e os capitalistas aliam-se a empresas mundiais de diferentes setores, sejam nacionais ou estrangeiros”. Formando assim uma aliança entre a burguesia nacional e internacional. Aliança que tem culminado na metamorfose do monopólio do território em territorialização do monopólio. E o que seria isso?

É um processo que se dá a partir da formação de novas empresas de capital aberto que atua na bolsa propiciando um lucro maior aos envolvidos através das diferentes formas da renda da terra. O processo funciona da seguinte forma: “essas novas empresas de capital aberto, no campo brasileiro, estão juntando de forma articulada na aliança de classe com o capital mundial, o rentismo típico do capitalismo no Brasil, e, assim, estão fazendo simultaneamente a produção do capital via apropriação da renda capitalizados da terra e a reprodução ampliada do capital acrescida do lucro extraordinário, representado pelas diferentes formas da renda da terra” (OLIVEIRA, 2014, p. 93).

A esquerda progressista Uruguaia e a reforma agrária de mercado: 2004-2011 

Nesse capítulo, José Pedro Cabrera Cabral, inicia fazendo uma caracterização e uma retomada histórica do surgimento da esquerda progressista que chegou ao governo no Uruguai, no ano de 2004. Uma esquerda que foi gestada no interior do movimento pela redemocratização daquele país. E que conseguiu colocar  fim ao bipartidarismo secular que dominava a politica no Uruguai. Mas essa vitoria se deu após um processo de atualização ideológica dessa esquerda, culminando assim numa nova esquerda.

Essa atualização ideológica passou pelo abandono de bandeiras da esquerda tradicional e por uma aproximação do ethos neoliberal. O que ficou evidente com a inclusão de novos conceitos como cultura e mercado – que passaram a permear os discursos dessa esquerda, servindo de base para as novas propostas programáticas no governo (CABRAL, 2014, p. 106). Essa nova esquerda passa a defender a revalorização da democracia “como um fim em si mesma, como um estilo de vida, com ‘base no respeito e na tolerância do outro, de outros valores, de outras culturas, de outras religiões’” (CABRAL, 2014, p. 107).

Trata-se de um discurso conciliatório e é com esse discurso que a nova esquerda Uruguaia chega ao poder. Deixando claro, sobretudo para as elites econômicas que não precisavam se preocupar, pois no seu projeto de desenvolvimento para o país, a nova esquerda não deixaria o setor empresarial de fora. 

Um ponto importante desenvolvido por Cabral (2014) é acerca da aliança que o governo progressista fez com as organizações multilaterais para desenvolver um novo modelo rural no país. Esse modelo de desenvolvimento se deu a partir de uma proposta do Banco Mundial – que com o argumento de combater a pobreza no campo propunha uma contra reforma agrária ou reforma agrária de mercado.

Para Cabral (2014, p. 117) “o objetivo deste modelo de reforma agrária de mercado – MRAM é, na sua essência, acabar com qualquer projeto de reforma agrária redistributiva e com as ações de desapropriações de terras”. A questão agrária passa a não ser mais encarado como um problema social, mas sim familiar. Sai de cena a agricultura camponesa e entra em cena a agricultura familiar, que passa a ser incorporada no mercado. Nessa linha nosso autor ressalta que “em muitos casos o setor da pequena agricultura que produz para o mercado nacional deverá ser objeto de maior atenção e apoio em vista de seu potencial e de sua inexplorada contribuição ao crescimento e a geração de empregos” (2014, p. 119).

A partir daí o autor nos mostra como o governo progressista assumiu e desenvolveu o programa do Banco Mundial para o meio rural no Uruguai – transformado no projeto Uruguai rural que culminaria na reforma agrária de mercado que colocará  o país no processo de mundialização da agricultura. Tal como vimos no capítulo anterior em relação ao Brasil.

Nesse modelo de desenvolvimento para o meio rural as elites econômicas é quem ganha. Pois riquezas, de fato, são geradas, ainda que há custos socioambientais altos. Mas a estrutura agrária não se modifica pois o latifúndio permanece intocável como também a pobreza rural. Cabral salienta que “o avanço do agronegócio não só tem marginalizado a agricultura familiar senão que há afetado os pequenos e médios produtores” que acabam perdendo as terras ou arrendandos-as (2014, p. 163). Diante disso Cabral é enfático ao dizer que nunca na história do Uruguai – um modelo de desenvolvimento rural beneficiou tanto as elites agrárias com o discurso de que beneficiaria todos.

Políticas públicas e o agronegócio na Amazônia legal/cerrado: conflitos socioterritoriais

Nesse capítulo, Roberto de Souza Santos, mostra a importância dos governos (através de políticas públicas) para o avanço do agronegócio, especificamente, na Amazônia Legal e no cerrado, bem como os conflitos socioterritoriais que daí derivam. Para tanto ele parte de uma conceituação do que seria políticas territoriais e em seguida analisa o desenvolvimento dessas políticas na região em voga.

A partir de autores como Silva (2002) e Costa (1997), Roberto de Souza Santos irá defender que políticas territoriais “podem ser entendidas como política pública de investimento sobre o foco local e regional ou políticas de desenvolvimento regional estabelecida pelo Estado” (2014, p. 171-172). Seguindo essa linha o autor salienta que as políticas públicas são implementadas a partir da tomada de decisões e tais decisões são tomadas a partir de um plano político ou de um plano técnico. Sendo que no geral o plano político prevalece em detrimento do técnico.

A partir daí Santos (2014) passa a tratar das políticas públicas voltadas para Amazônia Legal e o Cerrado sobretudo no que diz respeito a expansão agropecuária. Essas políticas começaram em 1912 com a criação da Superintendência de Defesa da Borracha, que depois seria transformado em Banco de Crédito da Borracha, que em 1950 se tornou o Banco de Crédito da Amazônia. 

Durante o governo de Getúlio Vargas e no regime Militar também foram pensadas políticas públicas para essa região. Isso não sem conflitos socioterritoriais devido ao fato de que essas políticas públicas eram voltadas para atender as elites econômicas. Como pontua Santos (2014, p. 178) ao afirmar que “no campo, com a introdução do processo de mecanização agrava a questão social. Para início de conversa, a agricultura mecanizada como está colocada, infelizmente, é mais acessível à grande propriedade, fato que, sem sombra de dúvida, torna mais excludente socialmente o sistema produtivo”. 

No ponto seguinte, Santos irá falar sobre a territorialização do agronegócio na Amazônia Legal e no Cerrado. Que se dá a partir de uma estratégia do modelo de desenvolvimento de mundialização da agricultura – que investe na expansão das fronteiras agrícolas. Nesse processo “cada vez mais o capital no mundo do neoliberalismo adquire uma seletividade do espaço para se fixar e reproduzir em pontos em que a busca da mais-valia é mais acessível e eficaz” (SANTOS, 2014, p. 187). Isto é, não há barreiras que impeça o capital de se expandir na busca por mais e mais lucros. 

No ponto seguinte, Santos (2014) trata do processo de modernização e territorialização. Que se dá pela “apropriação da terra e imóveis na área do cerrado pelo capital real”. Esse capital é cada vez maior de origem estrangeira que em 2007 já controlava uma área de 3.800.000,0 hectares de terras em dez Estados, entre eles: Mato Grosso, Goias, Pará e Tocantins. Aliás, em relação ao Tocantins, o autor enfatiza a sua inclusão nesse processo, sobretudo com o avanço do MATOPIBA.

O autor também analisa políticas públicas como o Proceder que teve e tem uma importância significativa na expansão das fronteiras agrícolas sobretudo no cerrado. Esse programa entre 1975 e 2005 investiu US$ 570.000.000 nesse processo de expansão agrícola no cerrado, no qual o Tocantins também está incluído. Mas todo esse processo não se dá sem conflitos socioterritoriais, é o que nos aponta Santos (2014) ao chamar atenção para os altos índices de violência contra os povos do campo  (índios, quilombolas e camponeses pobres).

Roberto de Souza Santos (2014) salienta as contradições desse modelo de desenvolvimento do agronegócio ao enfatizar o caso do município de Campos Lindos do Tocantins. Cidade criada pelo então governador, José Wilson Siqueira Campos – que patrocinou o Projeto Agrícola Campos Lindos – tornando o município por um lado o celeiro do agronegócio tocantinense e por outro uma das cidades com um índice de desenvolvimento humano entre os piores do Brasil, com uma população de mais de 80% vivendo na pobreza. 

Por fim, Santos (2014) ressalta a forma obscura que o então governo Siqueira Campos doou terras para aliados políticos  (entre eles a hoje senadora Kátia Abreu), expulsando camponeses pobres dos seus territórios. Um exemplo que mostra bem como se dá o avanço do agronegócio no cerrado e na Amazônia Legal. 

Demarcação do território Krahô e as relações socioculturais da comunidade no outro novo território

Nesse que é o último capítulo do livro, Elizeu Ribeiro Lira, fala sobre a saga do povo Krahô na luta por um território onde pudesse cultivar a sua cultura ancestral. Uma saga marcada por violência iniciada pelos bandeirantes em 1809 (quando os Krahôs se encontravam em Carolina - MA) e que se repetiu nos anos seguintes por parte de fazendeiros, com destaque para o massacre de 1940, quando os Krahô já se encontravam aldeiados no município de Pedro Afonso.

Lira (2014) destaca que o massacre teve repercussão nacional o que acabou propiciando para que órgãos e agentes federais atuacem na região mediando o conflito entre os índios e os não índios. Garantindo um território definitivo para os Krahô. “Dessa forma, terminou o ciclo do retirantismo Krahô e suas liberdades territoriais foram reprimidas em outro território, isto é, um território descontínuo, com suas descontinuidades bem visíveis e demarcados por limites determinados e determinantes” (LIRA, 2014, p. 229).

A partir daí o autor passa a abordar como se deu o processo de demarcação desse novo território e a adaptação deles nesse espaço no município de Itacajá no Tocantins sob a coordenação dos órgãos do governo federal. Um processo que se deu não sem suas contradições, conflitos e equivocos. Tal como o de transformar os Krahô em criadores de gado. Mas apesar dos pesares, Lira aponta “que a população Krahô no novo território, felizmente, vem crescendo num ritmo muito bom”(2014, p. 244).

Por fim, Elizeu Ribeiro Lira (2014) também analisa a dinâmica da vida Krahô nesse novo território. Por exemplo, as aldeias e seu funcionamento, a relação com a comunidade externa, o sistema matrilinear e a gênese do domínio territorial nas aldeias circulares. Pontuando que nesses “quase duzentos anos de contato, com uma sociedade diferente e antagonica” a história dos Krahô tem sido uma história de resistência em defesa da sua cultura. 

Enfim, nesses quatro capítulos, os autores nos apresenta um importante recorte do modelo agropecuário que tem dominado não só o Brasil mas outros países da América do Sul também, como o caso do Uruguaia. Os autores com uma pesquisa profunda, apresentando diversos dados, nos oferece uma importante obra para compreendermos esse modelo de desenvolvimento no campo. E deixam evidente, a partir de diferentes abordagens que se convergem, como tem se dado o avanço do capitalismo no campo. Sobretudo graças a uma aliança entre os camponeses ricos e as burguesias nacional e Internacional. O que nos faz refletir sobre a necessidade de aliança entre camponeses pobres, indígenas, quilombolas e proletários como a única alternativa para barrar o avanço desse modelo de desenvolvimento. 

Referência Bibliográfica 

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de, e outros.Território em Conflito, Terra e Poder. Goiânia : Kelps, 2014.





2- Literatura: Anuário de poetas e escritores do Tocantins 2019

A literatura tocantinense está em festa com mais uma edição da coletânea “anuário de poetas e escritores do Tocantins 2019” organizada pelo editor e escritor Eliosmar Veloso. A obra é uma oportunidade para poetas e escritores divulgar uma mostra do seu trabalho e dos leitores apreciar a rica e diversificada produção literária tocantinense.

A obra será publicada pela Editora Veloso que tem dado uma importante contribuição no processo de construção da literatura tocantinense. E a previsão de lançamento é novembro durante as comemorações do aniversário da cidade de Gurupi. Também poderam ocorrer eventos de lançamentos em outras cidades. Além disso as unidades de ensino das redes municipais e da rede estadual de educação podem promover eventos com a presença de autores do anuário de poetas e escritores  para discutir o fazer literário e a literatura tocantinense.

Nessa edição de 2019, a organização anunciou a seleção de 154 textos (entre prosa e verso) de 46 diferentes autores de 16 cidades. São números significativos que mostra que mesmo sem políticas públicas (de Estado) de apoio a produção literária, sobretudo no interior, a literatura tocantinense existe e resiste. Especialmente no interior que é de onde vem a maioria dos autores e trabalhos dessa edição do anuário de poetas e escritores do Tocantins – alguns desses autores já estão no hall das referências literárias regional, entre eles Consola Brito, Dourival Santiago e Pedro Alberice.

Das cidades interioranas representadas nessa edição, Tocantinópolis mostra uma pujança literária invejável. É de lá que vem a maioria dos autores que comporão essa edição do anuário – 9 ao todo – o que inclusive tem animado esses autores a pensar na possibilidade de criar uma academia de letras do município. Outras cidades interioranas em destaque é Gurupi e Araguaína (8 e 7 autores respectivamente). Gurupi, aliás, é a cidade de onde vem o organizador da obra. Já a capital Palmas também está representada por 7 autores.

Além dos municípios destacados acima, também terão textos de autores de Filadélfia, Miracema, Miranorte, Lajeado, Tocantinia, Porto Nacional, Paraiso, Palmeiras, Guaraí, Aguiarnopolis, Angico e Babaçulândia – uma lista que tende a aumentar nas próximas edições do anuário, sobretudo na medida que a obra for ganhando mais visibilidade e alcançar um número maior de leitores – isso, creio, animará novos autores a escrever seus trabalhos. Até por que como já dissemos em outros textos em que tratamos sobre arte e cultura no Tocantins – não falta produção artística no Estado, o que falta são políticas públicas de apoio para divulgação desses trabalhos. 

Nessa linha é importante reafirmar a importância do apoio do poder público para produção artística nesse país, sobretudo quando estamos falando de uma produção artística que não se rende aos interesses do mercado – e esse é o caso do anuário de poetas e escritores do Tocantins – uma obra que contribuí para construção de uma cultura literária tocantinense com uma identidade própria.  

Daí é importante destacar a sensibilidade por parte da Prefeitura (através da Secretaria de Cultura) e da Câmara de Vereadores de Gurupi pelo apoio a publicação dessa edição do anuário de poetas e escritores. Que essa iniciativa possa também inspirar outras Prefeituras e Câmaras de vereadores Tocantins afora. E que essas iniciativas não sejam apenas políticas de governo – para que não seja apenas políticas de governo é preciso a aprovação de leis de apoio e incentivo a produção artística tocantinense.

No campo literário especificamente, é preciso retomar o Salão do Livro, fortalecer a FLIP de Porto Nacional e criar mais eventos literários em outras cidades do Estado para que o potencial literário do Tocantins, seja desenvolvido plenamente – o que passa também pelo apoio a produção, publicação, divulgação das obras, formação de novos leitores e por conseguinte de novos autores.

Apesar de ser um Estado jovem, o Tocantins  tem uma riqueza cultural invejável – com uma produção artística diversificada e artistas talentosos. De modo que a partir do momento que o poder público desenvolver politicas públicas para que essa produção artística seja divulgada e os artistas tenham o devido apoio, sem dúvida, o Tocantins dará um salto importante no campo das artes em geral e na construção da sua identidade. 

Vida longa ao anuário de poetas e escritores do Tocantins!!!

Viva a literatura tocantinense!!!



1- Resenha – A Questão Penal e o Direito de Resistência: Controle, Direitos Humanos e Capitalismo

Nas ultimas semanas quase diariamente os noticiários dão conta de uma nova tragédia no sistema penitenciário brasileiro – uma questão que vem se agravando há vários anos, mas que se intensificou no ultimo período, sobretudo no norte do país. E é justamente do norte do país que os autores André Luiz Augusto da Silva e Samuel Correa Duarte publicaram no segundo semestre de 2016 o livro “A questão penal e o direito de resistência: Controle, direitos humanos e capitalismo”. Essa importante obra trás a tona a discussão a cerca do papel do sistema penal vigente no país e a o que em a quem este sistema penal serve. A partir de uma visão critica fundamentada em pensadores como Karl Marx, Louis Althusser, CesareBeccaria, Florestan Fernandes entre outros. Os autores abordaram “... á questão penal, pensada como suposto de gestão do Estado e sua forma típica de legitimar uma resistência intramuros, quase sempre demandando realidades visualizadas pela sociedade através da acepção midiática e com forte apelo ao endurecimento penal”. (2016; 20).

André Luiz Augusto da Silva é Doutor em Serviço Social pela UFPE, além de ter especialização em Gestão da Segurança na Sociedade Democrática pela ULBRA-RS e em Segurança Pública pela PUC-RS. É professor adjunto da Universidade Federal do Tocantins – campus de Miracema, Vice-presidente do Conselho Penitenciário do Tocantins e coordenador do grupo de Estudos em Ética e Área Sociojurídica. Já Samuel Correa Duarte é Bacharel em Ciências Sociais, Mestre em Ciência Politica e em Desenvolvimento e Planejamento Territorial. É também professor de Sociologia e Política no curso de Serviço Social da UFT.

O livro “A questão penal e o direito de resistência: Controle, direitos humanos e capitalismo”. É dividido da seguinte forma: O prefácio do Felipe Athaide Lins de Melo – Doutorando e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos. Prefácio que muito engrandece a obra, trazendo um dado alarmante a cerca da situação carcerária no Tocantins – que ocupa o primeiro lugar no ranking de presos sem condenação, são 75% segundo dados do DEPEN de 2015. Em seguida temos a Introdução da obra onde os autores apresentam o problema que será abordado, os objetivos e a metodologia utilizada. O Desenvolvimento do texto é feito por capítulos. Sendo que no primeiro capitulo os autores abordam a questão do “Estado Penal e Capitalismo” passando pela questão do Estado capitalista no argumento da penalização da pobreza, a ideologia e a lei. No segundo capitulo os autores abordaram a questão da “Sociedade, Cárcere e Barbárie” passando pela questão do cotidiano social, pena e corpo, e o que denominam de viagem sem volta. E por fim, no capitulo terceiro iram falar sobre “Alienação e Barbárie” passando pela questão da sociabilidade e direitos humanos, operacionalizações ideológicas e o cárcere e a necessidade de resistência.

Segundo os autores “... assim como o capital carece de crises para se renovar, o cárcere no Brasil nos moldes existentes, carece de rebelião como elemento de escape da saturação de uma convivência abjeta à espiritualidade humana”. Seguindo essa linha afirmam que “a efetivação de uma espécie de crise do cárcere, em muito supera a fragilidade geoespacial dos equipamentos, se vivência uma batalha social de afirmação societária através do encarceramento e de tudo que o mesmo representa”. (2016; paginas 20 e 21). Tal fato fica latente quando olhamos o perfil dos encarcerados no país, como também pelo fato de que grande parte destes se quer tiveram o direito de serem julgados.

"Prisões da miséria que assola negros, que são assolados pela pobreza, implicando na contradição do segundo item, visto que não há como preservar no sistema penal uma igualdade social que não existe fora dele, ou teríamos que reputar o sistema penal como modelo para toda a sociedade, que longe de obter a igualdade social, utiliza as prisões para vigiar e punir crimes contra a sagrada propriedade privada". (2016; 45)

Os autores destacam o discurso por parte de gestores e agentes prisionais de que há um tratamento igualitário nas unidades prisionais. “O fato é que uma unidade prisional é toda instituída por divisões, que derivam do estímulo do próprio modo de gestão e também pela composição dos grupos que são formados, inclusive extramuros, no conjunto da população carcerária”. (2016;79). Essa questão fica evidente ao analisarmos os últimos acontecimentos nos presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. Para os autores “o Estado afirma o cárcere na sociedade, mesmo concordando com sua falência, sua impossibilidade de êxito, só sendo útil para alguns aproveitadores do caos, mas perigosamente se ajusta cotidianamente os elementos da revolta”. (2016; 101). Os aproveitadores do caos não são poucos, entre eles as organizações não governamentais que gerem os presídios, a exemplo da Umanizzare. E que financiam políticos para defenderem seus interesses junto ao Estado.

No ultimo capitulo “Alienação e barbárie” os autores chamam atenção para o fato de que a compreensão do cárcere na contemporaneidade passa pela necessidade de uma analise densa a cerca da “relação entre categoria que põe determinações na consciência do ser social, e o processo de alienação que neste incorreu pelo capital”. (2016; 108). E é justamente esse caminho que leva a barbárie como também o fato de que os direitos humanos estão apenas no discurso dos lideres mundiais, não sendo garantidos de fato. Os autores questionam o discurso da reintegração na sociedade capitalista, pois “o principio do individualismo baseia a lógica da acumulação e da propriedade privada, constituindo-se esta reprodução, num fator determinante do processo de agudização da violência”. (2016; 110).

Por fim para os autores a superação da situação caótica do sistema penal vigente não será resolvida “as margens corretivas interesseiras do capital” como diria Mészáros (2008). Pois “o caos é atributo da disfunção entre a sociedade e o cidadão, pois que ambos possuem obrigações fundamentais entre si, o Estado como guardião das garantias (pelo menos formalmente), ao permitir os privilégios de alguns, concorre para a afirmação da barbárie”. (2016; 125).

Ao ler “A questão penal e o direito de resistência: Controle, direitos humanos e capitalismo”. Não tem como não comparar com a forma rasa como o tema vem sendo tratado pelo os meios de comunicação e pelas autoridades governamentais. Logo a leitura dessa obra é de fundamental importância para compreender a crise no sistema penal brasileiro e a barbárie que tomou conta das unidades prisionais. Sobretudo para que não nos iludamos com os discursos das autoridades e com a cobertura da mídia. Os autores foram ousados ao proporem a discussão dessa problemática que é totalmente ignorada por grande parte da população brasileira, pelas autoridades e pelos meios de comunicação. Indo profundamente na raiz do problema, e não superficialmente como temos visto. Por tudo isso a leitura dessa obra é fundamental.

Referência Bibliográfica: Silva, André Luiz Augusto da. Duarte, Samuel Correa. A Questão Penal e o Direito de Resistência: Controle, Direitos Humanos e Capitalismo. 1. Ed. – Curitiba, PR: CRV, 2016.

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