1- A triste partida
Hoje mais um amigo
deixou a cidade rumo a capital, como tantos outros irá em busca de trabalho, em
busca de uma condição de vida melhor. Trabalho encontrará provavelmente na
construção civil, como tantos outros. Já uma condição de vida melhor não esta
garantido. Mas pelo menos não precisará ficar se humilhando no pé do gestor
público municipal por um cargo comissionado em algum canto da cidade ou
sobreviver fazendo bicos ou no rio pescando.
Eis a sina de quem mora
no interior do interior do Brasil, sair vagando pelo país em busca de trabalho
e uma condição de vida melhor. Já que isso lhes é negado em sua terra natal.
Todos os dias parte um, sobretudo os mais jovens, já que os mais velhos cansados
vão permanecendo por aqui. Alguns depois de um tempo retornam, outros só vem à
visita, mas há também os que nunca voltaram.
E assim a cidade vai
sendo mutilada, pois quando alguém parte é como se um pouco de nós também
partisse. As coisas vão se envelhecendo, o lugar vai se empobrecendo e o futuro
vai se perdendo. Sem o frescor e o entusiasmo da juventude perdemos a
capacidade de renovação, de transformação, de mudar essa triste sina que nos é
tão cara.
E o que mais nos deixa
triste é saber que tudo poderia ser diferente. Que se as riquezas da cidade,
que não são poucas, fossem utilizadas para o bem comum e não para privilegiar
uma pequena elite. Nosso povo não precisaria deixar o município em busca de
trabalho e uma vida melhor nos grandes centros urbanos do país.
No entanto enquanto as
riquezas que produzimos continuar sendo apropriada por uma pequena elite, e o
resto da população esperando pelas migalhas, esse suplício continuará. Como
também continuará a decadência da cidade. Decadência essa que interessa a essa
elite retrograda que há anos domina o local.
Nos entristece também o
fato de saber que enquanto continuarmos abandonando o município em vez de
permanecer aqui para lutar e mudar essa realidade, as coisas não mudaram. As
coisas continuaram sendo como sempre foram, pois a depender da elite que
controla o poder na cidade, as coisas permaneceram como sempre foram.
E assim as velhas e
futuras gerações de interioranos continuaram fadadas ao mesmo destino. Sair
vagando pelo país em busca de trabalho e uma condição de vida digna. Mas não
demoraram a perceber que a vida não é dura apenas no interior, ao contrario, na
cidade grande a exploração é ainda mais intensa. Ai alguns resolve voltar,
outros tantos já não tem mais animo.
“Distante da terra
Tão seca mais
boa
Exposto a garoa
A lama e o pau
Faz pena o
nortista
Tão forte, tão
bravo
Viver como
escravo
No norte e no
sul”
Patativa
do Assaré
2- O Tempero de vovó
Fazia quase três anos
que não ia à chácara dos meus avós. Não por morar distante ou falta de
oportunidade, ao contrario, hoje moro a meia hora de carro, quase no terreiro
da casa deles. Há dois anos tinha até a justificativa de que morava em outro
estado, mas agora não.
O fato é que pra mim
tem sido sempre muito emocionante reencontrar lembranças da minha infância.
Lembro-me da ultima vez que estive com meus avós, na hora de me despedir
chorei, chorei tão caudalosamente, tal como uma criança que foi preciso que meu
avô viesse me consolar. Mesmo assim segui chorando por boa parte do caminho.
Carrego comigo o desejo
que as coisas da minha infância se conservem tal como eram. No entanto para
minha tristeza, a vida não é como á musica do Roberto Carlos ‘o portão’ que sai
pelo mundo e quando volta encontra tudo como deixou. Para minha tristeza vejo
que muita coisa se perdeu, outras como é natural envelheceu.
Mas enfim após três
anos sem pisar o pé na chácara dos meus avós decidi ir lá, é claro, não sem
muita insistência de minha mãe. Como passo muito tempo sem ir aos lugares
qualquer mudança já mexe comigo, assim quando desci do ônibus já fui me
incomodando pelo fato de terem construído outra estrada.
Quando cheguei à
chácara fui recebido com muita alegria pelos meus avós. Mas não podia deixar de
ficar incomodado com tantas mudanças que ocorreram por ali. As mudanças me
teletransportavam para minha infância, ai eu reconstituía na memoria a velha
chácara. Mas de repente eu voltava para realidade e via o quanto eu havia
envelhecido, como as coisas haviam mudado tanto por ali. Menos o carinho dos
meus avós.
O que também não havia
mudado era o tempero da comida de vovó. Quando fui almoçar fiquei surpreso.
Minha avó havia feito uma curimatá cozida. Quando experimentei, lembrei-me da
minha infância. Dai imaginei comigo – o tempero da minha avó tem gosto de
infância.
Comi como há muito não
comia peixe cozido, quem me conhece sabe que sou amante de frituras. Mas o
tempero de minha vó é tão gostoso e me faz lembrar momentos tão especiais de
minha infância – das férias escolares, das brincadeiras e aventuras que
vivíamos ali quando se reunia toda a primaiada, que é impossível resistir.
Muita coisa mudou, eu
mesmo tornei-me bem diferente da criança tímida que era (a timidez continua). E
a criança que fui ainda mora dentro de mim. Talvez por isso que a camarada
Maria Clara diz que tenho um olhar de menino.
As mudanças geralmente
me incomodam, sobretudo por que nem sempre as coisas mudam para melhor. Ao
contrario, o que é ruim geralmente se conserva e o que é bom vai se perdendo.
No entanto o tempero de minha avó me fez recordar do meu tempo de criança. E
que tempos foram aqueles. Tempos de muitas felicidades, onde não tínhamos
preocupações, tempos que nos deixaram muitas saudades. Mas que lamentavelmente
não voltaram, não voltaram.
3- Salve o tricolor paulista!
Geralmente nós acabamos
herdando dos nossos pais a paixão por um time de futebol. Às vezes somos
influenciados pelos irmãos mais velhos, por amigos, ou por nossa própria
escolha, sobretudo quando temos um bom envolvimento com o esporte. Comigo foi
diferente, a maneira que comecei a torcer para o São Paulo Futebol Clube foi um
tanto peculiar.
Um amigo de infância
chamado Fabio deu-me um chaveirinho da camisa do tricolor de presente e me
disse que eu deveria torcer por aquele time. Como até então não tinha nenhum
envolvimento com o esporte, não era ligado ao mundo do futebol, não conhecia os
times brasileiros, aceitei a sugestão do amigo.
Não me recordo em que
ano foi precisamente, mas me lembro que era pelos idos de 1993 ou 1994. Eu
tinha de 8 para 9 anos. Meus pais não gostavam de futebol, não torciam por
times, já meus irmãos tinham os seus – dois eram corintianos, um flamenguista e
outro palmeirense. No entanto nenhum deles quis me converter para que eu
torcesse pelo time deles.
Assim sempre que me
perguntavam para que time eu torcia dizia que era para o São Paulo. Mesmo sem
ter consciência de quem era o tricolor paulista. Com a copa de 1994 e o
tetracampeonato do Brasil e toda comoção que essa vitória causou na população é
que me fez começar a me interessar mais entusiasticamente pelo futebol.
Nesse período meus
irmãos e outros amigos tentaram me convencer a torcer por outros times, no
entanto já era tarde cada vez mais que eu ia conhecendo o esporte, o mundo do
futebol. Eu ia me apaixonando mais ainda pelo São Paulo.
Passei a acompanhar o
time, sua historia, seus ídolos, jogadores e jogos. Tornei-me de fato um
são-paulino, considerado por muitos um fanático. Tal o estado de espirito e
emoção que ficava durante, mas, sobretudo após os jogos.
Houve um tempo que se o
São Paulo perdesse uma partida eu não conseguia dormir durante a noite – ficava
imaginando se o nosso goleiro tivesse feito aquela defesa, se tivéssemos feito aquele
gol que perdemos na cara e por ai vai. Felizmente hoje em dia já não sofro
tanto assim.
No entanto quando minha
mãe me ver um pouco cabisbaixo, triste, sem querer muita conversa com ninguém a
primeira coisa que ela pergunta é – o São Paulo jogou ontem? Perdeu? Dependendo
da resposta ela me diz – Meu filho por que você não deixa esse time de mão,
essa merda não presta ou então mais meu filho tu só quer que o São Paulo ganha,
os outros tem que ganhar também.
Mas por mais conselho
que ela me dê eu não deixo de ficar com um humor intragável, sobretudo quando o
time joga ruim. Juro para mim mesmo que não irei mais assistir os jogos, que
não vou mais me envolver tanto torcendo pelo time. No entanto não tem jeito, na
próxima partida estou eu lá na frente da tv torcendo pelo tricolor paulista.
E foi por pena de mim,
dá minha tristeza quando o São Paulo perde que minha mãe tornou-se são-paulina
também, assim como a minha querida irmã Vera e a minha sobrinha Bia. Mas com o
tempo a minha irmã Vera, sobretudo tornou-se são-paulina não por mim, mas por
amor ao time. Ultimamente até um amigo que se diz Vascaino, quando o São Paulo
esta jogando torce para que o tricolor ganhe e se o tricolor perde ele tenta me
tranquilizar. Pois também não gosta de me ver para baixo.
Durante os jogos então.
Eu que sou conhecido como um cara extremamente calmo, quase um monge. Incapaz
de gritar com qualquer um. Não imagina o quanto eu me transformo durante os
jogos. Grito, xingo, pulo, fico andando de um lado para outro, não paro um minuto.
Meu coração acelera, parece até a bateria de uma banda de punk, rock, hardcore.
Fico a beira de um ataque cardíaco.
Minha mãe nunca se
esquece de quando eu quebrei o braço de um sofá com um murro que eu dei de
raiva durante um jogo da libertadores em 2004, de uma pesada na porta durante a
final de um campeonato paulista. Tanto que para evitar que eu quebre alguma
coisa eu costumo assistir os jogos sem nada na mão. Mesmo assim hora e outra eu
chuto alguma coisa.
No entanto toda essa
violência nunca foi dirigida contra qualquer pessoa. Nunca discuti ou briguei
com ninguém por que torce por outro time ou por que criticou o time pelo qual
eu torço. Infelizmente no meio do futebol nem todos agem assim, muitos veem os
torcedores de outros times como se fossem inimigos que precisam ser
exterminados, dai a crescente violência que assola os estádios brasileiros. Eu
não ajo assim, pois o que me deixa com raiva não é o outro time e a sua
torcida, mas sim o meu próprio time que não teve competência de ganhar. Mas a raiva
maior é de mim mesmo por não me controlar e me envolver emocionalmente tanto
assim com um time de futebol. Logo eu que tenho um controle emocional razoável
em varias questões como, por exemplo, política ou casos amorosos.
Passaram se tantos anos
e mesmo que eu tente não me envolver tanto com o São Paulo Futebol Clube não
tem jeito. O tricolor paulista é uma grande paixão para mim e será enquanto eu
viver. O amigo que me dera aquele singelo presente na infância não sabe o
quanto aquilo marcaria a minha vida eternamente.
4- O jogo em que me chamaram de
Ronaldinho – o fenômeno.
O jogo estava difícil
para o nosso time, estávamos levando uma pressão danada do bom time de futebol
de salão do Rio do Sono. Eu estava no banco do time do Colégio Estadual Nossa Senhora
da Providência de Lajeado.
Toda a torcida do
ginásio começou a gritar – Põe o Ronaldinho, põe o Ronaldinho!
Para eles o Ronaldinho
era eu. Ora por que eles me chamavam de Ronaldinho se nem me conheciam, se
nunca haviam me visto jogar? Onde eles haviam visto o meu ‘enorme talento’ com
a bola? O jogo era em Miracema no ginásio Irmã Beatriz pelos Jogos Estudantes
do Tocantins (JETS). Todos torciam pelo nosso time, porque éramos mais fracos e
não sei por que cargas d’águas a torcida sempre acaba torcendo pelos mais
fracos.
E o fato de me chamarem
de Ronaldinho era por que eu tinha a cabeça raspada. Visual utilizado por muito
tempo pelo fenômeno e que estava em alta naqueles idos de 2002 onde o Brasil se
sagraria pentacampeão mundial de futebol.
Atendendo ao apelo da
torcida o nosso técnico me colocou em quadra. Mais pelo meu posicionamento e
talento com a bola a torcida que há poucos minutos gritava para que eu entrasse
no jogo começou a gritar novamente, mas agora era para que o técnico me
tirasse.
- Tira o Ronaldinho ele
é zagueiro. Tira o Ronaldinho ele é ruim de mais.
A torcida não podia
imaginar que aquele maluco com a cabeça raspada estilo Ronaldinho era um
zagueiro perna de pau – que não sabia dominar uma bola, só dava chutão para
frente e que tinha o lema – se a bola passar o jogador não passa.
Ouvindo o clamor da
torcida mais uma vez o técnico me tirou de quadra. Mesmo com todos os esforços
de nossa brava equipe ao final do jogo levamos uma goleada de 11 x 0 se não me
engano.
A verdade é que apesar
de ser um torcedor fanático por futebol, nunca fui um bom jogador – sou um
perna de pau assumido. O fato d’eu esta na equipe de futebol de salão do
Colégio Nossa Senhora da Providência era simplesmente por que havia uma
resolução da direção do Colégio que só entraria no time alunos com notas boas.
Com isso os melhores atletas do Colégio ficaram de fora, e eu que tinha notas
razoáveis acabei sendo convocado.
Mas foi uma cena
inesquecível ver a torcida clamando para que eu entrasse no time e poucos
minutos depois a mesma torcida clamando para que eu saísse devido a minha total
falta de talento com a bola.
5- Minutos que parecem horas, horas
que parecem minutos.
Tem momentos das nossas
vidas que sentimos que o tempo passa tão depressa, sobretudo quando estas são
horas prazerosas – é como se o tempo voasse. Por exemplo, quando estamos ao
lado da pessoa amada ou em um momento de diversão com nossos amigos.
Mas também a momentos
de angustias onde as horas passam como se fossem minutos – por exemplo, quando
o nosso time de futebol esta perdendo o jogo, ou quando precisamos chegar a um
determinado lugar em certo horário e estamos atrasados, e foi uma experiência
dessas que me fez querer escrever este artigo.
Estes dias precisei
fazer uma prova de um concurso público em Palmas. Era um domingo e estava no
Lajeado, para tanto precisava me deslocar 53 km ainda por cima dependendo de
transporte público. Como sei que não é fácil conseguir um transporte em um dia
de domingo para qualquer lugar do nosso estado, como também que não há muita
solidariedade por parte dos motoristas que cortam nossas rodovias, decidi ir
bem cedo para que não corresse qualquer risco de perder a prova.
No entanto ao chegar ao
ponto de ônibus o tempo foi passando e nada do tão esperado transporte surgir
na curva do Morro do Segredo. Cada minuto ali parecia uma eternidade, sobretudo
por que eu não havia levado relógio ou celular e por tanto acabei perdendo a
noção das horas. O ônibus não vinha e a certeza de que perderia a prova já era
real. Comecei a sentir um grande ódio por perder todo o tempo que perdi
estudando conteúdos insignificantes ou a grana da inscrição que daria para mim
tomar muita cerveja.
Quase em total
desespero pensei em me jogar no meio da rodovia, quem sabe um caminhoneiro não
pararia para me dar uma carona ou qualquer outra alma caridosa. Mas não tive
tanta coragem assim. Continuava na minha espera pelo ônibus que não vinha.
Lembrava-me da máxima que diz – quando mais queremos uma coisa, mais ela demora
de vir. Assim procurava pensar em outras coisas, cantarolar uns rocks, mas não
tinha jeito.
Por tanto era melhor
rezar para o tempo parar, olhava para o céu tentando decifrar que horas seriam.
Mas infelizmente não herdei o dom do meu avô Chô que tem a capacidade de saber
as horas apenas olhando para o sol.
Quando o meu desespero
já estava no limite chegou uma menina que também iria pegar o ônibus para
Palmas. Animei-me, sobretudo quando perguntei-a que horas eram.
- São 12h35.
- O que? 14h35? Por um
momento achei que tudo havia se acabado. Como eu havia passado tantas horas
ali? Eu achava que o tempo havia passado de pressa, mas o tempo havia passado
mais de pressa do que eu imaginava.
- Não. São 12h35.
Que alivio. Afinal não
havia muito tempo que eu estava ali, mesmo que o ônibus demorasse mais de uma
hora ainda eu conseguiria chegar a tempo de fazer a prova. O alivio maior foi
quando ela falou – é de agora em diante que os ônibus começam a passar e de
fato dez minutos depois da chegada dela ali – o ônibus que esperei tão
desesperadamente surgiu enfim na curva do Morro do Segredo. – Que minutos foram
aqueles, pareciam horas.
6- O triste fim do famigerado raposão
– O maior ladrão de galinhas de Lajeado.
Ontem foi encontrado no
chapadão, na região da fazenda tamanca o corpo do famigerado raposão, o maior
ladrão de galinhas de Lajeado. Seu corpo estava crivado de balas.
Quem havia cometido tal
crime? Quem havia dado cabo da vida de tão terrível delinquente? Já mais
saberemos, muitos devem está dando graças a deus, um ser sem eira e nem beira
não fará falta, ninguém virá reclamar por justiça, a policia fará muito pouco
para descobrir quem cometera tal crime.
Raposão não tinha pai,
não tinha mãe, irmãos, mulher e filhos muito menos. Raposão se quer tinha nome.
Era conhecido por todos pelo seu famoso apelido. Apareceu do dia para noite no
Lajeado, vindo não se sabe da onde, e indo para lugar algum. Gostava de tomar
uma cachacinha e para tirar gosto uma galinha frita, já para tirar a ressaca
gostava de caldo de galinha ou gemada. Como não criava galinhas, por que não
pegar as dos vizinhos?
Ele não era muito dado
ao trabalho, gostava de pescar de vez enquanto, apenas o suficiente para fazer
algum trocado para poder comprar a cachaça. Já o que comer ele arranjava em
qualquer lugar, não tinha casa, morava onde desse.
Reza a lenda que certa
vez raposão estava pescando na beira do rio, em uma área que era proibida. Quem
se arriscava a pescar por aqueles lados devia ter o maior cuidado, pois poderia
ser pego pela policia ambiental. Como na boca da noite não estava bom para
pegar peixe, raposão decidiu dormir, é quando de repente alguém o acorda.
- Deixa eu dormir
rapaz, pois a hora boa de pegar peixes é mais de madrugada.
- Levanta seu
vagabundo!!!!!
Raposão pensava que era
seus companheiros de pescada que estavam lhe acordando, mas na verdade era a
policia ambiental. Pobre raposão, nesse dia sofreu nas mãos dos policiais, que
por aqui não tem boa fama junto ao povo por ser extremamente arrogante e
violenta, sobretudo se você é alguém sem eira e nem beira tal como era o
raposão.
Mas raposão era
conhecido mesmo pelo seu delito predileto, roubar galinhas, não era para
vender, era apenas para comer, raposão adorava comer galinha e tomar uma
cachacinha, o problema é que raposão não criava galinhas, roubava-as, era
odiado por isso. Já havia sido preso, apanhado bastante da policia, já havia
inclusive sido obrigado a pagar pelas penosas que roubava, mesmo assim ele não
abandonava esse oficio.
No entanto agora o
raposão estava morto, alguém havia matado o terrível delinquente, provavelmente
alguém que havia sido vitima dos seus crimes. Mas será que era para tanto?
Merecia o raposão pagar com sua vida o terrível crime que cometia?
Ah quem se importa com
isso, uma criatura sem eira e nem beira. Agora as galinhas de Lajeado viveram
em paz, pois o famigerado raposão – O maior ladrão de galinhas da cidade
encontrou seu fim, seu triste fim.
7- O eterno clássico do futebol
miracemense
A meus irmãos, Zé filho
e Joedson.
O futebol no Tocantins
ainda não é desenvolvido profissionalmente como nos grandes centros do país.
Por isso o time do coração dos tocantinenses geralmente são times do eixo
Rio-São Paulo. No entanto na minha infância em Miracema, nas margens do rio
Tocantins, o que nos encantava e nos movia não era time do Rio e muito menos de
São Paulo. Era o clássico local. De um lado o TEC (Tocantins Esporte Clube) do
outro o MEC (Miracema Esporte Clube).
Todos os domingos era
sagrado irmos ao estádio Castanheirão vermos os times de Miracema duelar pelo
campeonato tocantinense de futebol. O estádio estava sempre lotado com uma
torcida animada. Alguns com o radinho de pilha ao pé do ouvido ligado na
transmissão da rádio Miracema e as reportagem do Jair de Oliveira.
Alguns duelos eram
inesquecíveis como contra o Caburé de Colinas que tinha o perigoso atacante
Nego Bala. Ou mesmo contra o Intercap de Paraíso, o Araguaína e o
Tocantinópolis. Eram jogos pegados que não muito raramente acabava com briga
levando à torcida a loucura. A torcida por sua vez jogava com o time, um dos
setores mais conhecido era do grupo que ficava próximo ao gramado xingando o
juiz e os jogadores do time adversário, claro sempre com muito humor.
No entanto nada se
comparava quando o jogo era entre os dois times da cidade, durante a semana os
boleiros da cidade não falavam de outra coisa. Uma coisa era certa. Seguindo a
tradição de todo clássico do futebol mundial, independente da fase que qualquer
time estava o jogo seria pegado, decidido nos detalhes e como era de praxe com
certeza teria briga.
De um lado o Azul e
Branco do Tecão de aço, do outro o tricolor do Mecão. Arquibancada lotada. No
campo o desfile de atletas impagáveis. O goleiro Deinha, Codó e mangueira na
zaga, Paulão na lateral, no meio de campo Rainel quebrando tudo, Walber na
armação e o Nego Bill no ataque, sem esquecer também do talentosíssimo
Belmiram.
Foram domingos
inesquecíveis que mexiam com toda a cidade. O time vitorioso saia em carreata.
Durante a semana a torcida perdedora tinha que aguentar a gozação. O futebol
era diversão, alegria e não exploração e violência tal como agora.
Hoje o MEC X TEC fazem
parte do passado, foram abandonados assim como o estádio Castanheirão – Palco
desse clássico impagável. Miracema que tem um povo tão apaixonado pelo futebol
e que outrora tinha dois times na primeira divisão do campeonato tocantinense
agora não tem nenhum. Quem sabe um dia não veremos novamente desfilar sobre o
gramado do saudoso Castanheirão o TEC X MEC – O lendário clássico do futebol
miracemense, um lendário clássico do futebol tocantinense.
8- Tudo bem que se fizesse um shopping
em Miracema, mas era mesmo preciso acabar com o mercadão?
A meus avós, Jovelina e
Graciliano.
Quando criança em
Miracema (TO) cidade onde nasci, me recordo com carinho do mercado municipal
lugar onde os produtos produzidos pelo campesinato da região eram expostos para
serem comercializados. Uma diversidade de cores, cheiros e sabores que vem do
campo tocantinense e que enriquece nossa cultura.
Encontrávamos fumo de
corda, milho cozido, macaúba, farinha de puba, tapioca, arroz, rapadura, doce
de buriti, bacaba, banana, galinha caipira, cheiro verde, açougues com vários
tipos de carne, enxada, machado, foice, corda, telas entre outras ferramentas e
utensílios utilizados pelo homem do campo, roupas e etc.
Das cozinhas vinha o
cheiro saboroso da comida caseira que era preparada pelas cozinheiras em
especial o chambari, comida do qual o caldo é muito apreciado no norte, pois da
muita energia para quem come.
Era um lugar belo,
cheio de vida, onde os visitantes e moradores de Miracema podiam sentir o
verdadeiro espirito do povo daquela região. Espirito sertanejo, espirito
campesino. Espirito esse que continuamos sentido ao visitar Miracema, no
entanto não mais como era quando tínhamos o mercadão, como era conhecido o
lugar.
Sim, acabaram com o
mercadão, para que? Construção de um shopping. Em nome da modernidade, do
progresso e do desenvolvimento destruíram um dos corações de Miracema.
Construíram sobre a estrutura do mercadão um shopping que não combina com
Miracema e, sobretudo com o seu povo. Shopping este que hoje está jogado as
moscas, totalmente o oposto do mercadão que outrora ali existira cheio de vida.
Como diz a bela canção
do Belchior ‘ É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem’.
Será que sou assim? Não é que eu odeie o novo e muito menos amo o passado. O
fato é que eu não posso aceitar a logica de que o novo para subsistir precisa
destruir a nossa historia. Não, não posso aceitar essa logica. Claro que o novo
deve vir, mas para tanto não precisamos destruir a nossa historia.
Tudo bem que se fizesse
um shopping em Miracema, mas era mesmo preciso acabar com o mercadão? Não havia
outros espaços na cidade que poderia construí-lo? O que mais farão em nome do
progresso e do desenvolvimento? Destruíram o estádio Castanheirão? O ponto de
apoio? A praça Deroci Morais?
Infelizmente não dá
mais para voltar atrás, o crime já foi executado, no entanto o povo de Miracema
não pode já mais esquecer esse crime e dos responsáveis por cometê-lo. Não
devemos ter orgulho de ter um shopping em Miracema, mas sim lamentarmos por não
termos mais o mercadão cheio de vida e com sua diversidade de cores, cheiros e
sabores.
9- A morte por aqui é um fenômeno
raro, mas ela chegará para todos!
Ontem fomos
surpreendidos com duas mortes na cidade. Há muito tempo que não sentia um clima
tão profundo de tristeza e dor que a morte de uma pessoa amada nos trás. Foi
impossível não sentir também, mesmo que os dois mortos não eram próximos a mim.
Nos últimos 8 anos que
morei em uma grande capital era normal nos depararmos no cotidiano com a morte.
Dificilmente havia um dia que não ouvíamos noticias acerca de vários
homicídios, sobretudo de jovens que tinham suas vidas interrompidas
brutalmente.
Uma rotina totalmente
diferente da pequena cidade do interior onde cresci e que a morte de qualquer
pessoa sempre era sentida profundamente, pois se não era parente de alguém, era
um amigo ou uma pessoa muito conhecida, assim independente de quem fosse ou de
sua origem a cidade toda ficava de luto.
Mas com uma rotina tão
dura na grande capital, onde se mata por questões tão banais, a vida do ser
humano também vai sendo banalizada, bem como sua morte. Tanto que muitas vezes
quando um jovem negro da periferia é assassinado, muitos comemoram, sobretudo
se o mesmo já teve alguma passagem pela policia apenas por ter fumado um
cigarro de maconha.
As mortes viram apenas
estatísticas e os mortos se tornam apenas números, não tem rosto, não tem nome,
não tem famílias. Muitas vezes se quer tem um velório digno. Simplesmente
desaparecem jogados em uma vala qualquer ou queimados em algum matagal.
No interior a morte é
um fenômeno raro, sobretudo dos mais jovens. Geralmente se morre de velhice ou
muito raramente de acidente. Assassinato é algo raro, muito raro. Assim
qualquer pessoa que morre é sentido por todos profundamente, a cidade fica em
luto e mesmo o mais insensível dos insensíveis não pode deixar de sentir.
Eram ainda tão jovens e
cheios de vida, morreram em circunstancias diferentes e em lugares distintos,
mas no mesmo dia, na mesma cidade. Uma tragédia, uma comoção geral. Sentimos
profundamente, refletimos acerca da nossa fragilidade enquanto seres humanos,
imaginamos todo o sofrimento de seus familiares.
Perdas tão trágicas
para uma cidade não serão esquecidas assim do dia pra noite, por muito tempo
haveremos de falar sobre nossos defuntos, até que outros viram substitui-los.
Demorara muito, pois a morte por aqui é um fenômeno raro, mas ela chegará para
todos nós.
Por mais que tentamos é
difícil encara-la, mesmo sabendo que teremos de fazê-lo em algum momento. Que
os versos de Manoel Bandeira nos ajude.
Bem que filho do Norte
Não sou bravo nem
forte.
Mas, como a vida amei,
Quero te amar, ó morte.
— Minha morte, pesar
Que não te escolherei.
Do amor tive na vida
Quanto amor pode dar:
Amei não sendo amado,
E sendo amado, amei.
Morte, em ti quero
agora
Esquecer que na vida
Não fiz senão amar.
Sei que é grande maçada
Morrer mas morrerei
— Quando fores servida
Sem maiores saudades
Desta madrasta vida,
Que todavia amei.
10- Seu Enoque: A Rua Paulino Marques
não será mais a mesma.
Recebemos com muita
tristeza a noticia da morte de seu Enoque, já havia mais de um mês que ele
estava na UTI entre a vida e a morte. No entanto tal como a sua família
tínhamos esperança de que ele se recuperasse e retomasse a sua vida normalmente
ao lado de sua esposa, a querida dona Nelita e dos seus amigos aqui na Rua
Paulino Marques.
Tudo aconteceu tão de
repente, em um dia o vimos feliz, todo disposto, acabara de fazer uma viagem a
sua terra natal, onde pode rever seus familiares e matar a saudade de amigos e
parentes que não via há muito tempo. No outro dia já ficamos sabendo que ele
havia sido internado em um estado bastante preocupante. Dai então passou mais
de dois meses lutando bravamente pela vida, porém ao final acabou sendo
derrotado.
Seu Enoque era um
sujeito incrível, caboclo do Maranhã veio parar por essas bandas devido à
construção da usina hidrelétrica na qual ele trabalhou como operário. Com o
termino da construção da usina hidrelétrica apaixonou-se pelo local e
juntamente com dona Nelita decidiu continuar morando aqui. Carismático, não
havia ninguém que não o conhecesse que não simpatizasse com ele.
Estava sempre com um
cigarro aceso, alias fora com certeza esse vicio que contribuiu para o
agravamento do seu quadro de saúde e a sua morte tão repentina. Mas o que era
mais marcante em seu Enoque, claro além da amizade e da disposição de ajudar a
quem precisava, era sua gaitada, tinha uma gaitada estridente, de longe podia
se ouvir, era uma gaitada tão gostosa, que não havia como não se contagiar com
tão bela gaitada.
Ele gostava de sentar
na porta da sua residência, na rua Paulino Marques, para bater um papo com os
vizinhos bem como observar o movimento. Não raramente entre uma piada e outra,
entre um papo e outro soltava a sua gaitada, e que bela era a sua gaitada.
Às vezes quando estou
no quintal de minha casa, escrevendo ou assistindo TV, imagino que a qualquer
momento ouvirei a gaitada do seu Enoque. É então que volto à realidade e vejo
que é só uma viagem minha. Que seu Enoque não esta mais entre nós. Olho para
rua e vejo que tudo é silencio. É então que percebo que a rua Paulino Marques
nunca mais será a mesma, não terá mais a alegria, o carisma, e a amizade da
figura incrível que era seu Enoque.
A amizade de minha
família com seu Enoque e dona Nelita, o carinho e respeito pelo qual ele sempre
me tratou me fez ver o quanto é bom morar no interior, sobretudo após morar
quase 8 anos em Goiânia.
É triste saber que ele
morreu em um quarto de hospital, entubado, cheio de aparelhos. Sem poder ver a
terra que ele tanto amou, a casa que a duras penas construiu com dona Nelita, e
as amizades que fizera por aqui. Talvez seria melhor ter morrido aqui, sentado
na cadeira de macarrão que ele tanto gostava, olhando para rua e conversando
com as pessoas que por aqui passavam.
Mas não podemos
adivinhar a hora que ela chegará, o fato é que ela chegará para todos nós, sedo
ou tarde ela chegará. Seu Enoque deixara muita saudades, em um mundo onde as
amizades sinceras são cada vez uma utopia, sua amizade fará muita falta a todos
nós que convivíamos com ele no dia a dia aqui na rua Paulino Marques.
- Descanse em paz seu
Enoque. Descanse em paz velho guerreiro! Sentiremos muitas saudades suas por
aqui.
11- Lendas da minha infância
Nasci e cresci no
interior, no cerrado, nas margens do rio Tocantins. Tive uma infância povoada
de lendas, de causos e contos populares contados pelas pessoas mais velhas,
historias que nos metiam muito medo.
Não podíamos tomar
banho no rio Tocantins por que havia o Boto e a Pirarara que comiam gente, além
da sucuri e do nego d´agua. Si andávamos no cerrado era perigoso encontrarmos
com o lobo guará, a onça pintada entre outros animais ferozes.
Já à noite tínhamos
medo de fantasmas, da aparição de luzes misteriosas, de som de passos em grotas,
de fogos que surgiam do nada. Tudo isso fazia com que não saíssemos sós de
casa, sempre que saiamos era no mínimo em dupla. Até mesmo pegar um balde de
água na cacimba.
Ouvíamos historias de
pessoas que morriam afogadas no rio Tocantins. – Que eram engolidos pela boiuna
(grande cobra d’água). De pescadores que desapareciam e eram devorados por
animais encantados que viviam nas profundezas das águas do Tocantins. Esses
animais encantados eram pessoas que haviam morrido no rio e que não eram
batizadas e que seus corpos nunca haviam sido encontrados.
Também ouvíamos
historias sobre crianças que desapareciam no cerrado, que eram roubados dos
braços das próprias mães por lobos guarás ferozes.
A semana santa era o
período mais macabro, pois geralmente era o período em que pessoas se
transformavam em animais ferozes. Havia uma lenda que dizia que quando há
incesto na família, essas pessoas se transformavam em porcos selvagens ou
lobisomem, e essas transformações só chegavam ao fim se essas pessoas fossem
cortadas por alguma lamina. Dia de lua cheia ninguém colocava o pé para fora de
casa.
Sempre ouvíamos essas
historias que aconteciam ao nosso redor. Foi lá na serra, aconteceu com fulano
de tal. Nunca presenciamos nenhuma dessas aparições, mas não ousávamos duvidar
que de fato elas acontecessem.
Hoje refletindo sobre
todas essas historias que povoaram a nossa infância, vejo que era uma forma dos
nossos pais nos protegerem. Para que não saíssemos sozinhos. Pois de fato era
muito perigoso tomar banho no rio Tocantins, no córrego Lajeado, sobretudo em
período de cheia, não por causa de animais ferozes, mas sim pela fúria da água.
É claro que às vezes os
nossos avós e nossos pais exageravam na dose e o medo nos paralisava tanto que
quando precisava não conseguíamos fazer o que nos pediam. No entanto quando
íamos crescendo a vontade de ganhar o mundo e conhecer novas pessoas, viver
novas experiências era maior do que qualquer medo que podíamos ter.
E assim a chácara onde
morávamos que parecia ser tão grande (mas era tão pequena) ficava ainda menor.
Então tínhamos que partir dali em busca de novos ares, novas cores, novos
sabores e novos amores. Essas lendas que povoaram a minha infância ficaram no
passado, hoje as coisas estão tão mudadas. O lugar onde cresci foi destruído,
abandonado, muito das pessoas que me contavam essas historias morreram, mas
elas estão aqui na minha lembrança e no meu coração tal como essas historias
que já mais serão esquecidas.
12- Festa Junina
Ontem fui ao arraial de
Lajeado, fazia um tempo que não ia ver as quadrilhas dançarem nas festas
juninas. O povo do norte e nordeste brasileiro gosta muito dessa festa. Quando
eu era pequeno inclusive gostava de dançar no colégio, passávamos vários meses
ensaiando só para apresentar para comunidade que participava do arraial na
escola. Era muito divertido, além da quadrilha no colégio, também tinha a do
bairro.
As quadrilhas tem
origem na tradição camponesa de comemorar o período da colheita, por isso umas
das coisas marcantes das festas juninas são a culinária, a abundancia de
comida. Muita comida e bebida. Pamonha, milho assado, pé de moleque, quentão
entre outras gostosuras.
Mas a parte melhor sem
duvida eram as quadrilhas. O caminho da roça, o casamento, os figurinos
simples, o chapéu de palha, as camisas quadriculadas, os vestidos de renda. O
som da sanfona, do zabumba, do pandeiro e do triangulo. Tudo era muito simples,
qualquer um podia participar.
As festas juninas era
um jeito de lembrar a nossa origem camponesa, resgatar nossos costumes,
celebrar nossa cultura, matar a saudade do campo. Da nossa terra de onde fomos
obrigados sair para dar lugar à monocultura de soja, cana de açúcar, eucalipto,
pasto pra gado ou para construção de usinas hidrelétricas.
Ontem fiquei olhando a
festa junina aqui no Lajeado, há algum tempo não ia a uma quadrilha. Fiquei
triste pelo que vi, as coisas mudaram tanto. A festa junina deixou de ser um
espaço de diversão para se tornar um espaço de competição. As músicas
aceleradas que nada lembra o forrozinho pé de serra. Agora se tornaram uma
espécie de forró enredo.
O figurino todo cheio
de brilho parecendo fantasias de carnaval, muitos passos foram modificados,
alguns desapareceram a exemplo do bêbado e do veado, dizem que agora é
quadrilha politicamente correta. Ai de nós, não é para tanto. As quadrilhas
pulam alucinadamente, são tudo cronometrado, coreografado, quadrilhas
enlatadas, industrializadas.
Senti saudade do meu
tempo de criança, das quadrilhas no colégio, do grupo do império na baixa
preta, bairro onde morava. Da diversão que era. Da animação. Quando se dançava
quadrilha não para se disputar troféu ou ganhar dinheiro, mas para festejar e
relembrar a nossa origem camponesa. As quadrilhas de hoje infelizmente estão
mais para carnaval. Que pena, que pena.
13- O Chambari e a súcia tocantinense
Cada região do Brasil,
cada estado. - É conhecido por uma característica própria. Pelo sotaque do seu
povo, pelos costumes, pela musica, pela comida, pela dança entre outros. Por
exemplo, á musica sertaneja e a galinhada em Goiás, o samba e a feijoada no
Rio, o acarajé e o axé na Bahia, o Vaneirão e o churrasco no Sul, o forró e o
baião de dois no Ceará, o carimbo e o pato no tucupi em Belém entre tantas
outras expressões culturais Brasil afora.
Em recente conversa com
um camarada pesquisador de musica folclórica brasileira, conversamos a cerca da
cultura tocantinense. Logo percebi que há muita falta de conhecimento sobre o
Tocantins, até mesmo entre as pessoas que moram aqui.
Por ser um estado
bastante novo e ter uma população oriunda de varias partes do Brasil, dando ao
Tocantins por tanto uma característica multicultural, temos por tanto uma
diversidade muito grande de expressões culturais, pois as pessoas que saem da
sua terra natal para morarem no Tocantins acabam trazendo consigo os seus
costumes, enriquecendo assim a nossa cultura local.
Quer dizer por tanto
que o Tocantins não tem uma cultura própria?
Claro que sim. A característica principal da cultura tocantinense é a
diversidade das expressões culturais, sobretudo a partir da formação do estado
com pessoas de varias regiões do país, que vieram construir o Tocantins e
trouxeram consigo as raízes culturais de sua terra natal. No entanto podemos destacar
algumas expressões culturais próprias dessa região, como por exemplo o chambari
na culinária e a sucia – Dança tipicamente tocantinense.
A sucia é uma dança de
origem africana trazida pelos negros que vieram trabalhar como escravos nas
minas de ouro e diamante em Arraias, Natividade, Porto Nacional e outras
regiões do estado.
Dança-se em uma grande
roda ao som de tambores construídos com tronco de arvores e coro de animais.
Não há um passo especifico, a ideia é improvisar ao som dos tambores, dança -
se livremente, as mulheres dança às vezes com objetos cheio de agua na cabeça,
mostrando um grande equilíbrio. É uma dança típica do nosso estado não
encontrada em nenhuma outra região do Brasil. É uma dança que lembra outros
ritmos de origem africana como, por exemplo, o coco, a ciranda e o maracatu.
Já o chambari é um
prato muito apreciado no Tocantins. Pois antigamente não era tão fácil para a
maioria das famílias tocantinenses comprarem carne de gado para fazer a mistura
com o arroz e o feijão, dai comia se peixe ou carne de caça. Quando se comprava
carne de gado geralmente eram as partes menos valorizadas, isto é, a ossada que
era mais barata. O chambari era uma dessas partes da vaca que não era
valorizada, dai as famílias mais pobres conseguiam comprar.
O chambari é uma parte
da coxa do gado que tem muito osso e nervo e quase não tem carne, o mesmo é
serrado e cozinhado por varias horas na panela de pressão para amolecer, quando
pronto é servido o caldo.
O caldo do chambari é
muito forte e dá muita energia para quem toma, antigamente era consumido,
sobretudo pelos trabalhadores rurais, que enfrentavam grandes jornadas de
trabalho nas lavouras tocantinenses. Hoje em dia o Chambari tornou-se uma
comida tipicamente tocantinense, encontrada em feiras populares e restaurantes
do estado, já não é apenas uma comida apreciada pelos camponeses pobres e
trabalhadores rurais, tanto que já não é tão barato como era antigamente. Por
tanto quem visita o Tocantins e quer experimentar o sabor dessa terra deve
comer um bom caldo de chambari com feijão trepa pau, tomar aquela cachacinha
com murici e se acabar numa roda de sucia, e claro depois se refrescar do calor
que por aqui não é pouco nas águas do Tocantins, depois disso com certeza irá
querer voltar aqui um dia.
14- O assassinato de um rio, o
assassinato de um povo!
Um dia desses
conversando com minha mãe falávamos a cerca do desaparecimento de algumas
espécies de peixes e a diminuição de outras, no rio Tocantins após a construção
da usina hidrelétrica do Lajeado. Peixes que outrora havia em abundância como,
por exemplo, o mandi moela e o facão hoje em dia já não se vê como também é
raro pegar um jau, pirarara, dourado entre outros.
O sumiço de algumas
espécies de peixes após a construção da usina hidrelétrica é percebido
facilmente, isso apenas após 12 anos da conclusão da mesma. A população ainda
não percebeu esse grave problema, sobretudo por que ainda há uma grande
quantidade de peixes no rio, mas é fato que se não houver uma maior preocupação
por parte das autoridades responsáveis, órgãos de fiscalização ambiental, mas,
sobretudo da população de Lajeado, que tira do rio Tocantins a sua principal
fonte de sobrevivência o futuro do rio e da população que aqui vive não é
animador.
- Será se teus filhos e
netos terão a oportunidade de ver essa abundancia de peixes? Acho difícil.
Esse questionamento de
minha mãe revela a preocupação com o futuro das novas gerações. E vindo de
alguém que nasceu e cresceu nas margens desse rio muito antes da construção da
usina hidrelétrica de fato torna essa possibilidade real.
É difícil convencer as
pessoas que sempre viram abundancia de peixes no rio Tocantins que no futuro
não poderemos ter toda essa riqueza. Mas é fato que se não preservarmos o meio
ambiente, em um futuro não muito distante sofreremos as consequências. Tanto
que já podemos ver a diminuição da diversidade das espécies de peixes que
outrora eram abundantes por aqui.
Nesse sentido uma das
ações fundamentais que deve ser desenvolvida com a população da cidade e com os
turistas que frequentam o rio é relativo à educação ambiental para que os
mesmos saibam a importância de preservarmos as espécies de peixes que nele
vivem. Assim os órgãos ambientais e a colônia de pescadores tem um papel
fundamental neste processo. Infelizmente o que vemos por parte dos órgãos
ambientais de fiscalização é, sobretudo um processo de tentativa de
criminalização dos pescadores enquanto deveriam atuar fazendo formação e
conscientizando a população.
O rio que dá nome ao
estado do Tocantins vem sendo assassinado há vários anos pelos governos de
plantão com a construção de usinas hidrelétricas ao longo do seu leito. Usina
hidrelétrica de Lajeado, Peixe Angical, São Salvador, além do projeto de
construção de outras. Segundo os seus idealizadores o objetivo é gerar energia
para desenvolver o Tocantins economicamente e socialmente. Na pratica o que
vemos é a destruição ambiental do nosso bioma cerrado, da nossa fauna e flora.
A compensação
financeira que é dada aos municípios pela construção de usinas hidrelétricas.
Não compensa o que a população perde com a destruição do meio ambiente.
Recursos financeiros estes que muitas vezes se esvai pelo ralo da corrupção. E
também não se justifica pela melhoria da qualidade do serviço, já que mesmo
tendo uma das maiores usinas hidrelétricas do país no município a qualidade e o
valor absurdo das contas de energia mostra o contrario.
Assassinar o rio
Tocantins é assassinar o povo que vive no seu leito e depende dele para
sobreviver. Precisamos parar este processo já – vamos juntos!
15- Á minha querida sobrinha Bia
Menina,
Lembro-me quando ainda
na barriga da tua mãe partiste para Goiás em busca de uma vida melhor. Não ti
vi nascer, mas vi você crescer. Mesmo nascendo e crescendo em outro estado não
tem como negar o teu sangue nortista. Desde sempre me preocupei contigo, com
tua formação, sobretudo para que não crescesse achando que era rejeitada. Dai
então me coloquei diante de ti como se fosse seu pai. Um pai amoroso, mas
também duro quando necessário. Porém nem sempre pude está presente para dar lhe
à atenção que você merece.
Você cresceu e que bela
moça você se tornou. Logo se tornara uma bela mulher, mas para mim você será
uma eterna menina. Hoje estamos longe um do outro, logo terá um namorado,
apaixonara-se, casara e então não vai se lembrar mais tanto assim desse seu
tio.
Gosto do seu jeito
rebelde, como eu um subversivo até a ultima gota de sangue poderia criticá-la
por isso, mas deixa-me triste o fato de saber que você não quer mais estudar,
até tua avó com 61 anos voltou a estudar. Seja rebelde, não uma rebelde sem
causa, dando apenas preocupação para tua mãe, para tua família. Seja rebelde
contra esse sistema que aliena, explora e escraviza a classe trabalhadora,
contra essa sociedade hipócrita que vivemos, contra o capitalismo. Para tanto é
preciso que você estude muito, se organize e lute ao lado daqueles que estão
nas ruas lutando para mudar Goiás e o Brasil.
Gostaria que você
estivesse aqui comigo, juntos tocaríamos fogo nessa cidade, nesse estado.
-Faria de ti uma militante revolucionaria.
22 de fevereiro de
2014, hoje tu completa 15 anos, és uma moça agora. Não dou a ti um presente
material, mas algo que acredito ser mais importante. O desejo do fundo do meu
coração que sejas muito feliz e que consiga realizar todos os seus sonhos.
Tenha juízo, escute tua mãe que ti ama muito e se sacrifica por ti e teus
irmãos, cuide deles, tu és a mais velha e deve ser um modelo para teus irmãos.
Mas também seja rebelde, junta-te aqueles que se ‘indignam diante de uma
injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo’. Lutemos
para destruir o capitalismo, façamos a revolução, construamos uma nova
sociedade.
Seja muito feliz
menina, cresça como uma revolucionaria e lembre-se de vez em quando desse teu
tio maluco, sobretudo quando estiver se sentindo sozinha e passar por tua
cabeça que não é amada. Não se esqueça já mais que eu ti amo muito. Sempre que
sentir saudades de mim, olhe para o céu, para a lua, para as estrelas. – Nesse
exato momento você me verá, aonde quer que eu esteja estarei pensando em você,
ti olhando e ti protegendo.
Espero vê-la em breve.
Um abraço apertado e um
grande beijo do seu Tio Pedro.
Lajeado, TO. 22 de
Fevereiro de 2014.
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