terça-feira, 30 de novembro de 2021

Algumas ideias sobre o pensamento de Nietzsche a partir do prólogo do Zaratustra

De que adianta o saber se não passarmos ele adiante? De que vale o conhecimento se ele não pode ser compartilhado? Com quem e por que compartilhar esse conhecimento? Esse nos parece ser o problema central do prólogo de Zaratustra. E ao abordar estes problemas ele bate de frente com duas grandes correntes do pensamento ocidental – o grego, mais precisamente de matriz platônica e o cristianismo. Podemos perceber esse fato quando Zaratustra decide abandonar a caverna e não voltar, mas sim descer o vale – é claramente uma alusão ao mito da caverna de Platão. Pelo caminho ele encontra com um santo que o desaconselha a viver com os homens e dedicar sua vida a Deus. Zaratustra então afirma: Será possível que esse santo ancião ainda não ouvisse no seu bosque que Deus já morreu? Ainda no diálogo com o santo percebemos uma critica a moral cristã. Por exemplo, quando Zaratustra afirma que não dá esmolas pelo fato de não ser tão pobre. Diante disso podemos afirmar que Zaratustra buscará construir um novo caminho – um caminho que rompa tanto com o pensamento cristão como com o pensamento de Platão.

E ao chegar à cidade, como um pregador solitário no meio da multidão, Zaratustra começa a proclamar suas verdades. Ele então anuncia o super-homem. E o que seria o super-homem? Um estágio superior do homem. Para Zaratustra a forma homem deve ser superada, pois se não corremos o risco de nos tornamos animais novamente. É de certa forma a defesa da tese evolucionista de Charles Darwin. Por exemplo, quando Zaratustra afirma: Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem... Está de certa forma corroborando com a concepção darwiniana da evolução das espécies. Logo podemos afirmar que Zaratustra passa a assumir um discurso cientifico se contrapondo a visão cristã. Por exemplo, quando afirma: Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres. Com isso percebemos claramente uma aproximação com o pensamento de Spinoza – só existe uma substância, e tudo é guiado pela razão. Aliás, percebemos que Zaratustra defende a razão como o caminho para alcançarmos o super-homem.

Essa aproximação com o pensamento de Spinoza fica mais claro quando Zaratustra fala de Deus e da Terra, da alma e do corpo. Ele tal como Spinoza critica essa visão dualista. É dessa dualidade que advém nossa fraqueza. Zaratustra criticará fortemente o fato de agirmos não pelo nosso próprio bem, mas sim em clamor do céu. Ou pelo menos agimos a partir dessa crença. Para Zaratustra não agimos assim por que pecamos, mas por parcimônia – é a nossa mesquinhez característica. Ele defende a necessidade de se superar esse comportamento e só o super-homem pode supera-lo. E o que vem em seguida? O que vem em seguida é uma enxurrada de criticas. Zaratustra não poupa ninguém – Da filosofia antiga á filosofia moderna, é obvio, passando pela filosofia cristã. Ele então faz uma ode ao racionalismo e ao materialismo. E não tem como novamente fazer um paralelo com o pensamento de Spinoza, por exemplo, quando Zaratustra diz: o grande do homem é ele ser uma ponte, e não uma meta: o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento. Mas ao mesmo tempo em que se aproxima de Spinoza, ele também afasta, como por exemplo, quando fala: amo o que tem o espírito e o coração livres, porque assim a sua cabeça apenas serve de entranhas ao seu coração, mas o seu coração, o leva a sucumbir.

Além de uma critica ferrenha ao cristianismo e a Platão, percebemos fortemente uma critica de Nietzsche através do seu Zaratustra ao pensamento dominante de sua época. Por exemplo, ao positivismo e ao socialismo cientifico que polarizavam o debate de ideias no século XIX. Zaratustra exalta o individuo e não o social. Seguindo uma linha contrária a Conte, Durkheim, Marx e Engels. Para se chegar ao super-homem o homem tem que se superar. Não é o desenvolvimento da sociedade que trará o super-homem. Seguindo essa linha ele não só critica a dita civilização como o homem fruto dessa civilização. Ai fica mais claro a critica ao positivismo. Zaratustra afirma que esse modelo esta fadado ao fracasso, por isso afirma: eu vo-lo digo: é preciso ter um caos dentro de si... E continuando sua critica tanto ao positivismo como aos revolucionários questiona: Trabalha-se ainda porque o trabalho é uma distração; mas faz-se de modo que a distração não debilite. Já uma pessoa se não torna nem pobre nem rica; são duas coisa demasiado difíceis. Quem quererá ainda governar? Quem quererá ainda obedecer? São duas coisas demasiado custosas. No entanto, ao contrário do que esperava Zaratustra, o seu super-homem não tinha espaço naquele contexto, talvez quem sabe no futuro? E não foi sem tristeza que ele percebeu tal fato.

E agora o que fazer? Continuar a trilhar aquele caminho ou construir um novo? Voltar para caverna? Se isolar no bosque longe dos homens e servindo a Deus? Abrir mão do super-homem? Ao contrário de Sócrates, Zaratustra preferiu a prudência. Resolveu não continuar no meio dos homens, não era aos homens que deveria falar e nem muito menos aos mortos. O morto ali, poderíamos afirmar que simboliza todos os filósofos mortos – Cristo, Platão, Kant entre outros. Para Zaratustra o super-homem devia ser apresentado a um grupo restrito, um grupo de criadores, estes teriam a tarefa na mão de levar adiante a bandeira do super-homem. Zaratustra percebeu que o caminho era mais longo – que as suas ideias não era para o homem do século XIX – mas para os séculos vindouros. No entanto era preciso o quanto antes começar a construir as bases para que o seu pensamento ressoasse no futuro.

Por fim podemos concluir que nesse prólogo de Zaratustra percebemos uma declaração de guerra de Nietzsche contra tudo e todos. Tanto ao pensamento da sua época como ao pensamento clássico. Por outro lado não deixou de beber e ser influenciado por esse pensamento. Outra marca de Nietzsche é a contradição, é dizer e desdizer, é negar e desnegar. Isso fica claro, quando ao mesmo tempo em que critica o pensamento de Platão e o cristianismo – acaba reproduzindo muito das ideias e das concepções destas correntes do pensamento ocidental. Por exemplo, no inicio do prólogo Zaratustra busca um caminho diferente de Platão, no seu mito da caverna e de Cristo que deixa os homens para viver no bosque contemplando Deus. Ao final Zaratustra faz o mesmo movimento retorna ao bosque e decide se afastar dos homens e conviver entre criadores. Com isso o que faz é uma síntese do pensamento de Platão e Cristo. Logo, continua dialogando, ao contrario do que diz, com defuntos.

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Considerações sobre a literatura tocantinense ou a literatura produzida no Tocantins

✅Não existe ainda uma literatura tocantinense, mas sim uma literatura produzida no Tocantins

✅Essa literatura produzida no Tocantins certamente tem um papel fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense; 

✅Nos últimos anos percebemos uma espécie de Primavera literária no Tocantins com a publicação de obras e uma maior apropriação das mídias digitais pelos autores;

✅Espaço em portais de notícias, Grupos de whatsapp e facebook tem propiciado a divulgação de trabalhos, encontros e a troca de Experiência entre autores de diversos cantos do Tocantins. Tornando-se uma alternativa a falta de um circuito de eventos literários;

✅O principal evento literário tem sido a Feira Literária de Porto Nacional  (FLIP). Sobretudo, com o engavetamento do Salão do Livro pelo Governo do Estado;

✅O Salão do Livro teve um papel importante no fomento da produção literária local;

✅O Salão do Livro não era apenas um lugar de encontro e de troca de experiência. Ele vinha acompanhado de uma política de fomento a produção literária por meio de editais e a aquisição de obras para as bibliotecas escolares. 

✅Essa política propiciou o acesso dos estudantes das escolas públicas a obras de autores locais. Como também o contato com os autores dessas obras;

✅A política de fomento a produção literária no Tocantins, por parte do Governo, tem como característica a descontinuidade. Não sendo, portanto, uma política de Estado;

✅A produção literária local tem sido fomentada por iniciativas individuais dos próprios autores – que encontram muita dificuldade na distribuição e comercialização das suas obras literárias; 

✅Podemos dizer que o problema não é a falta de produção. Há muitos autores escrevendo, seja no campo ficcional ou não, em diversas cidades tocantinenses. É o que percebemos quando vemos iniciativas como a do Escritor e Editor Eliosmar Veloso com o seu Anuário de Poetas e Escritores do Tocantins. E a Enciclopédia Literatura Tocantinense – entrevistas. Organizada pelo Professor e Escritor Pedro Alberici;

✅Nessa produção literária se destaca a Poesia. Ouso dizer que os principais autores que produzem literatura no Tocantins, ou aqueles de maior destaque, são Poetas. Ainda que muitos deles não escrevem apenas poesia;

✅Entre esses nome o do Pedro Tierra, codinome do Hamilton Teixeira, é sem dúvida, o grande destaque. Tierra não é só a nossa maior referência literária como um clássico da literatura brasileira e latino americana. Está no mesmo patamar de Drumond, Nerudo e Benedetti. Para citar alguns;

✅Os demais estão no mesmo patamar, como é o caso do José Gomes Sobrinho, Célio Pedreira, Tião Pinheiro, Gilson Cavalcante, Zacarias Martins, Lurdjanes Araújo, Belinha entre outros;

✅Na prosa não ficcional (crônicas e memória) também tem uma razoável produção. Ainda que não tenhamos um grande destaque aí. Sobretudo por se tratar de autores de ocasião;

✅Já a prosa ficcional (contos e romance) é onde temos menos tradição. No entanto isso tem mudado. E entre os autores que se destacam nesse campo estão o do Jadson Neves e do JJ Leandro;

✅No âmbito acadêmico também há uma grande produção. Liderados sobretudo pela UFT, que inclusive tem sua própria editora. No entanto essa produção ainda é pouco divulgada e acessível ao público fora da academia. Sobretudo nas escolas públicas;

✅Falando em editoras.  O mercado editorial no Tocantins é quase inexistente. As poucas editoras que existem, dentro das suas possibilidades, fazem um trabalho importante de fomento a produção literária. Mas com muita limitação;

✅As academias de letras não desempenham um papel importante na produção literária local e no fomento a leitura;

✅Muitas dessas instituições não deveriam nem existir. Servem mais para alimentar o ego de alguns;

✅Criar movimentos literários locais com o obejtivo de fomentar a produção literária e a leitura. Promover eventos como feiras e sarais, assim como a produção de obras coletivas. É um caminho mais interessante do que a criação de academias de letras;

✅Com uma cultura literária estabelecida aí sim faz sentido pensar em Academias de Letras;

✅A diversidade é o que caracteriza a literatura produzida no Tocantins. Tanto em relação a forma como aos conteúdos;

✅Mais do que a qualidade dos trabalhos o importante é o esforço em construir uma cultura literária no, e do Tocantins. No entanto, ressaltamos que temos sim obras de muita qualidade (ainda que a questão da qualidade é bastante subjetiva).

✅Entre os muitos desafios está a formação de leitores. Nesse sentido a realização de eventos literários e bolsas de publicação por parte do Estado ou Empresas do setor privado é importante;

✅A Rede Estadual, e as redes municipais,  de educação é um espaço importante para formação de um público leitor – de literatura produzida no Tocantins;

✅É necessário incentivar a realização de eventos literários nas escolas com a participação de autores locais. Adquirir obras de autores locais para as bibliotecas e incentivar a leitura dos mesmos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Escritor e Poeta Popular. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 


sábado, 20 de novembro de 2021

O trabalho escravo na contemporaneidade a partir da perspectiva artística

“A degradação tem o seu preço/De trecho em trecho para trabalhar/A liberdade em troca de miséria/Mancada séria pode matar./A soma de toda pobreza/Desmoraliza o social/Mão de obra farta escravizada/Direitos Humanos é opcional...”. 

Assim inicia a letra da canção “Expresso da Escravidão” da banda Punk Paulista – Ratos de Porão. É uma das canções que compõem o 15°  álbum do Grupo – “Homem inimigo do homem” (2006). A sonoridade e a temática da letra me instigaram a conhecer tanto a banda como aquele assunto. E é essa segunda questão que nos interessa aqui.

Era a primeira vez que ouvia falar em trabalho análogo á escravidão. Apesar de que para nós que vivemos no interior, não ser uma realidade desconhecida. E a contundência característica da música feita pelo Ratos de Porão, foi como um soco no estômago. Uma letra direta com um som agressivo metendo o dedo na ferida – escancarando uma realidade vivenciada por trabalhadores rurais de Norte a Sul do Brasil.

“Escalado pelo tal de Gato/explorado pelo fazendeiro/Meses, meses, meses de trabalho/enganado e nada de dinheiro./Objeto descartável/coagido pelo medo/Latifúndio escravagista, opressão pelo desespero”.

E o refrão então. É um questionamento que continua atual e cada vez mais necessário: “Quanto custa um homem no.../Expresso da escravidão?/Quanto custa um homem no.../Expresso da escravidão no Brasil?/Escravidão contemporânea no Brasil!/Escravidão contemporânea no Brasil!”.

Temos em “Expresso  da Escravidão” um exemplo de um olhar artitistico para a questão da Escravidão Contemporânea no Brasil. Isto é, um olhar que busca nos sensibilizar para um determinado problema. Essa sensibilização se dá quando o artista consegue expressar algo que nos afeta. E somos afetados sobretudo por algo que nos modifica – essa modificação se dá a partir do momento que começamos a questionar – a pensar sobre algo que achávamos que era natural.

A temática do trabalho em condições análogas a escravidão tem sido recorrente no campo da Arte. Sobretudo pelo que dissemos anteriormente. Não só Na música, mas também na poesia, na pintura, na fotografia, na teledramaturgia e no cinema.

Em relação ao cinema temos algumas produções importantes. Entre elas, o documentário “Nas terras do bem virá” (2007) do Diretor Alexandre Rampazzo. É uma obra de arte que não só mostra a situação degrante que trabalhadores rurais são submetidos, como também os conflitos por terra no Norte do Brasil. 

Tanto a canção “Expresso da Escravidão” como o documentário “Nas terras do bem virá” apresentam um quadro que se passa sobretudo no interior do Brasil – em grandes latifúndios. No entanto é importante destacar que o trabalho análogo a escravidão está em todas as partes, inclusive nas grandes metrópoles. 

Trata-se de uma realidade, que de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), atinge mais 40 milhões de pessoas em todo o mundo – uma realidade que tem piorado com a flexibilização das leis trabalhistas e o avanço de políticas econômicas ultraliberais.

Nesse sentido o filme “Sete prisioneiros” (2021) Dirigido por Alexandre Moratto, é um bom exemplo ao mostrar o trabalho análogo a escravidão nas grandes metrópoles. Aqui o cenário não é um latifúndio no interior do interior do Brasil, mas a principal cidade econômica do país (São Paulo). Outro ponto importante é que esse filme chega justamente num momento de retrocessos no que se refere ao combate ao trabalho análogo a escravidão, sobretudo no Brasil. 

Por outro lado há que se reconhecer que nos últimos 15 anos o combate ao trabalho análogo a escravidão conseguiu importantes conquistas. Entre elas,  uma que considero bastante significativa, é inserção dessa temática no currículo da Educação Básica. Inclusive, no caso do Tocantins, subsidiando os Professores com materiais e formações para trabalhar a temática. É um avanço importante, por que no meu tempo de colegial não se trabalhava essa questão. Não por que o problema não existisse, pelo contrário. Fazia parte da nossa realidade, mas era naturalizado. Foi só quando ouvi “Expresso da Escravidão” é que comecei a entender isso.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Economia solidária em Lajeado?!

Parque Aquícola Miracema-Lajeado
O serviço público é o setor que mais dinamiza o comércio local – um comércio de pequeno porte focado sobretudo no ramo da alimentação e bebidas. É também o que mais emprega. No entanto o serviço público não tem condição de absolver toda a mão de obra existente no município. 

Diante disso a saída para muitos é ir para outras cidades em busca de serviço ou investir num negócio próprio – é a partir dessa segunda opção que observamos o potencial de criação de um movimento de economia solidária em Lajeado - trazendo empoderamento e melhor qualidade de vida. Dito isso, o desafio é a formação e criação de uma rede que fortaleça iniciativas que já existem localmente. 

Antes de adentrarmos mais profundamente nessa questão,  vamos compreender o conceito de economia solidária. Para tanto ninguém melhor do que o Economista Paul Singer – uma das grandes referências quando falamos em Economia solidária. 

De acordo com Singer  (2002) “a economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual”. São esses princípios que une os trabalhadores que são possuidores de capital em pé de igualdade. Eis ai portanto duas palavras fundamentais ao nos referir a economia solidária – União e igualdade. União por que estamos falando de um empreendimento coletivo e igualdade por que dentro dessa coletividade não pode haver relações hierárquicas.

A partir daí percebemos uma diferença fundamental entre a economia solidária e a economia de mercado. Enquanto a união e igualdade são os pilares de sustentação da primeira. A outra tem como pilar a concentração e a exploração. Quanto mais concentração, mais exploração. Quanto mais exploração mais lucros. E ai temos como motor propulsor a competição. Nessa linha, Singer (2002) salienta o seguinte:

“para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir”.

Quando falamos em Economia Solidária não estamos nos referindo há algo novo. De acordo com Singer  (2002) ela “nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção”.

No Brasil os imigrantes Europeus, no início do Século XX, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da economia solidária através da criação de cooperativas. E desde então podemos perceber importantes iniciativas que buscam promover esse modelo de economia. De acordo com Singer (2002), demonstrando “grande vigor e notável criatividade institucional”.

Perspectivas para Economia Solidária em Lajeado 

Loja da AMAE

Para enfrentar a pobreza que ronda parte significativa da população lajeadense, as pessoas tem investido em empreendimentos comerciais que lhes garantam o mínimo de qualidade de vida. Sobretudo no ramo da alimentação, do artesanato, do turismo e setor de serviços. 

A maioria desses empreendimentos parte de iniciativas individuais. No entanto há também associações como é o caso da AMAE (Associação das Mulheres Artesãs e Empreendedoras) e a Associação de Pescadores. Apesar de percebermos elementos da economia solidária nessas iniciativas, a lógica de mercado é o que permanece, sobretudo pela influência do SEBRAE. A maior consequência disso é que há uma competição onde deveria haver cooperação. A competição leva consequentemente a derrota de alguém. E geralmente essa derrota é dos mais fracos. 

Diante disso o ponto de partida para criação de uma economia solidária em Lajeado é formação. Os trabalhadores que estão a frente desses empreendimentos precisam compreender os princípios desse modelo de economia. A partir daí perceberam a necessidade de se fortalecerem a partir de uma perspectiva coletiva. Inclusive, envolvendo o consumidor no processo. Para tanto este não pode ser visto como um consumidor meramente. Mas como um colaborador. Na linha que se faz, por exemplo, entre fãs de uma banda de Rock Alternativo – comprando ingresso, discos, camisetas e até mesmo participando de iniciativas de financiamento coletivo para gravar um novo trabalho. 

O objetivo, portanto, deve ser buscar com que o consumidor compreenda que ao adquirir um produto das Artesãs e artesãos, dos pescadores e pescadoras,  os legumes do Seu Luiz, o Cheiro Verde do Seu Mano, as plantas da Dona Maria, os jarros da Dona Arlete, a Farinha do Tuta, entre outros. Não está apenas adquirindo um produto, mas está contribuindo para que as famílias de trabalhadores do município tenham uma fonte de renda e uma melhor qualidade de vida.  

Dito isso, ao defender a construção de uma economia solidária em Lajeado – que fortaleça e dê maior autonomia aos cidadãos locais. Não estamos eximindo o poder público municipal de garantir uma renda mínima as famílias de trabalhadores que estão numa situação de vulnerabilidade social. A esse respeito cabe descartar o que diz Paul Singer (2002): 

“mesmo que toda comunidade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável”.

Com mais autonomia do poder público (fruto de um movimento de economia solidária), os cidadãos certamente terão mais força para exigir  tais medidas – o que certamente contribuirá para que aja profundas transformações na sociedade lajeandense.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Relato de Experiência: Escrita como exercício de reflexão e criação

- Será que ninguém conseguiu? Observava um tanto encabulado as atividades devolvidas. O que teria acontecido? Não acredito que tenha sido falta de compreensão. Por outro lado, eu reconhecia que não era uma atividade fácil, exigia reflexão e criatividade por meio da escrita. No entanto era impossível que ninguém ao menos tivesse tentado – pensava comigo. Bem, a atividade consistia no seguinte: Os estudantes deveriam criar uma cena em torno da temática da Biossegurança.

A ideia da atividade me veio ao elaborar um Roteiro de Estudo do Componente Curricular de Arte para a 2° Serie do Ensino Médio. No roteiro o objeto do Conhecimento era o Teatro. A partir daí pensei que mais interessante de falar do Teatro era entender como se faz o Teatro. E nesse sentido um ponto de partida interessante seria a escrita. Levando em consideração que a escola estava discutindo com a comunidade escolar, através de um projeto, a questão da biossegurança. Decidi que esse seria um tema interessante para se pensar uma cena.

Por parte do estudante seria necessário sobretudo, criatividade. E como produto final algo que sensibiliza-se o público para o problema.

Quando eu já acretiva que nenhum estudante havia ousado fazer a atividade proposta, foi que me deparei com duas pérolas. Por um acaso, era as últimas a corrigir. Uma delas não era uma cena, mas praticamente uma peça curta. De todo modo a criatividade das duas estudantes me deixou sem palavras. E imediatamente entrei em contato com elas para parabeniza-las e incentivar a cultivar aquele talento. Também propus fazer uma revisão de um dos textos para publicar no Blog da Escola – o que foi feito (https://censprolaj.blogspot.com/2021/09/juntos-combatendo-leishmaniose.html)

Os dois trabalhos me empolgaram tanto que decidi trabalhar o mesmo exercício em outras turmas com temas diferentes. Nas primeiras séries a questão da Saúde Mental. E no 8° Ano do Ensino Fundamental a violência contra a mulher.  Nessas outras turmas busquei fazer com que compreendessem melhor o que eu queria. Inclusive apresentando alguns exemplos. No entanto não criei muita expectativa. Se eu conseguisse encontrar uma outra Dayelle ou Maria Clara já estava ótimo. 

Com essas turmas a metodologia que utilizei mostrou-se mais acertada – quase 100% dos estudantes tentaram criar uma cena teatral – ainda que algumas era recriação de cenas do cinema ou de seriados. Isso foi importante para que eu percebece que na experiência com a segunda série, o fato da maioria dos Estudantes não terem feito conforme pedi, foi consequência da metodologia que utilizei.

Entre as cenas escrita, uma de um estudante do 8° Ano me chamou atenção e fiz questão de lê-la em sala para mostrar o que eu queria que eles fizessem. A reação da turma após a leitura foi impagável. Fiz uma leitura dramática para que eles fossem arrebatados para dentro da cena. E um dos comentários que mostra que conseguimos foi: - Nossa, parece que eu tava vendo acontecer aqui na minha frente. Todos aplaudiram espontaneamente.

Fiquei pensando comigo o quanto seria rico produzir e representar algumas daquelas cenas. Eis ai algo a se pensar para uma próxima etapa. De todo modo,  só esse exercício já foi algo enriquecedor. O envolvimento deles, as discussões, as trocas de ideia, mostrou que foi uma estratégia pedagógica acertada.

Além da satisfação em proporcionar isso, também assumi, comigo mesmo, o compromisso de não deixar morrer essa força criadora e o talento para escrita que alguns demonstraram. Como? Incentivando e os ajudando a aprimora-lo.

Quanto à o objetivo inicial do plano de aula,  que era trabalhar o Teatro a partir de uma perspectiva prática. Creio ter alcançado. Sobretudo o Teatro a partir da compreensão do Augusto Boal – que salientava a importância dessa expressão artística na  busca pela cidadania plena. O que podemos perceber por exemplo em uma das suas frases célebres: “Atores somos todos nós, e cidadão não é quem vive em cidade: mas quem a transforma.”

Ao quebrar a barreira entre artista e platéia,  entre ator e espectador, o Teatro do oprimido proporciona a empatia, o diálogo e a cooperação. E é a partir daí  que podemos vislumbrar a transformação das relações opressiva e por conseguinte da Sociedade que sustenta essas relações de opressão. A partir de um exercício de escrita criativa, toda essa reflexão foi possível.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Junta Tribo - Pedal em Lajeado

Foto: Daniel Andrade 
Já se aproximava das 08h da manhã quando saímos da Praia do Segredo rumo ao Morro do Lual. 60 Km nos aguardava pela frente num dos lugares mais belos desse Estado. Eu não estava muito certo se conseguiria chegar ao final do percurso. Nem tanto por mim, mas pela minha bike que não é apropriada para esse tipo de pedal. Porém fiquei tranquilo ao saber que se algo acontecesse seríamos rebocado pelo carro de apoio (carinhosamente apelidado de cata osso).

A bike está presente no meu dia a dia como meio de transporte, sobretudo para ir ao serviço – as vezes utilizo para fazer cicloturismo. Já para atividade física prefiro a corrida. O que não é muito comum por aqui – onde utilizam a bike para fazer atividade física e no dia a dia o automóvel. Aliás é uma questão para ser estudada, como uma cidade tão pequena tem uma cultura do automóvel, tão forte. Eu até compreendo a utilidade do carro para resolver algo fora da cidade. Mas aqui no dia a dia? Vai entender.

Lá íamos nós – sem afobação, sem pressa de chegar. Aprendi na corrida que não podemos ficar pensando na chegada por que o risco de bater o desânimo é considerável. Devemos seguir um passo de cada vez e a partir daí a chegada será uma consequência. Nesse contexto a música é uma importante aliada – me relaxa e fortalece. E aquela paisagem pedia um Creedence. 

Pense numa paisagem bela. E vê-la de um ângulo novo é como se estivéssemos vendo pela primeira vez. Bem que o Joatan comentara numa conversa informal sobre quanta beleza tinha atrás da Serra. A gente mora aqui há tanto tempo, acha que conhece tudo, mas não tem noção das riquezas que essa Serra esconde.

Falando em Joatan, foi ele que me convenceu, juntamente com o Professor Raimundo, a participar daquele pedal (Junta Tribo) – um evento que já está na sua sexta edição. Mesmo sem nunca ter participado, eu sempre gostei do Junta Tribo. Por se tratar de um evento diferenciado. E eu acredito que Lajeado precisa desse tipo de evento que valoriza as suas riquezas naturais.

Joatan nos relatou que o evento começou pequeno, juntando alguns entusiastas do ciclismo de Lajeado, Tocantinia e Miracema. Aliás,  é daí que vem o nome junta tribo, pois a ideia era juntar as tribos do pedal dessas três cidades. Hoje o evento já ultrapassou as barreiras do Tocantins atraindo ciclistas de outros Estados. E a tendência é atrair cada vez mais gente. Por que o lugar é encantador. E a organização do evento, com o apoio de parceiros, faz um trabalho muito competente.

“Chupa essa”. A plaquinha carinhosa anunciava que não vinha coisa boa pela frente. Pense numa subida!!! E não era a pior. O que iríamos descobrir logo mais ao nos deparar com outra plaquinha escrita “chupa mais essa”. Essas duas subidas foi o momento de separar as crianças dos adultos. Antes uma parada para tomar uma água. Então, segui deixando uma galera para trás.

Chegamos no topo do Morro do Lual. Agora tínhamos pela frente um trecho um tanto tranquilo em relação ao que havíamos acabado de encarar. Aproveitei para voar embalado pelo CPM22. No entanto a empolgação durou pouco. Algumas decidas exigia cuidado, e agora qualquer subida, por menor que fosse, era um obstáculo enorme diante das forças reduzidas. O momento pedia Sepultura,  e assim avançamos. 

De repente cheguei num trecho que não me era desconhecido. Mas pensei comigo: - Não pode ser. A gente entrou por lá, não tem como sair por aqui. Mais adiante o Professor Raimundo, que estava num ponto de apoio, me informou ao questiona-lo onde estávamos: - logo ali na frente é o Morro do Leão. Fiquei surpreso e sem entender como tinha chegado ali. Mas tinha chegado e isso significava que não estava muito longe do destino final. Isso me deu até animo para dá uma acelerada. Nem parei no último ponto de apoio. Peguei um copo d'água e segui embalado pelos Engenheiros do Havaí: “O céu é só uma promessa. Eu tenho pressa, vamos nessa direção...”

Foto: Daniel Andrade 
Era umas 12h e pouco quando cheguei na Praia do Segredo, finalizando o percurso de 60 KM (que, na minha opinião, equivale uns 200 num trecho normal). Muito cansado, mas um cansaço insignificante diante da satisfação de ter conseguido completar o percurso. Contente também com minha bike que havia resistido bravamente – apenas  tive que parar para colocar a corrente que caiu duas vezes. E regular a sela. No mais foi só comemorar tomando merecidamente algumas cervejas.


Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz Latino Americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock n roll.