Meus contos

   



1- Emboscada

Era por volta das três da madrugada. Danilo estava acordado, Daniel seu companheiro dormia profundamente. De repente Danilo houve passos de alguém se aproximando, seu coração acelera – seria quem eles estavam esperando há tanto tempo?

- Daniel, Daniel. Acorda, tem alguém vindo ai.

Daniel acorda assustado e mais assustado ainda fica quando imagina o que está próximo a acontecer.

- Será que é ele?

- Não sei, se prepara.

- Sim é ele, é ele. É o Valdão.

Os passos se aproximam, era alta madrugada, mas era noite de lua bonita, estava tudo claro. Era impossível de não reconhecer a figura do Valdão – o nome falava por si só. Era um sujeito grande, maior ainda era a sua fama de valentão. No entanto os irmãos Danilo e Daniel estavam conscientes do que queriam fazer.

Valdão estava se aproximando do lugar onde os dois irmãos estavam amoitados, cada passo do valentão fazia o coração dos dois acelerarem mais ainda.

- É agora, vamos lá.

Valdão segue tranquilamente rumo ao rio. Seu parceiro de pesca já o esta esperando desde as duas horas, mas como sempre antes de ir para o seu compromisso Valdão passou na casa de uma das suas três amantes. Essa era a sua rotina. Ali naquela pequena cidade Valdão não tinha apenas a fama de valente, mas também de galã. Tinha três mulheres, as três ele havia tomado de outros, que não ousaram enfrentar Valdão por tamanha ousadia.

De repente ao passar por trás de uma moita de capim sente um golpe forte na cabeça por trás. Sem reação o valentão cai no chão. Daniel e Danilo não perdem tempo e o furam todo com peixeiras, em poucos minutos Valdão esta morto, sem que se quer ousasse alguma reação e muito menos conseguira ver o rosto de seus algozes. Foi tudo muito rápido.

Danilo e Daniel tremiam por dentro, seus corações continuavam acelerados. Eles haviam acabado de cometer um crime, imaginavam como haviam sido capazes de fazer aquilo. Mas o fato é que haviam.
Os dois irmãos pegaram o Valentão jogaram em uma canoa, remaram até o meio do rio, chegando lá amarrou uma pedra no pescoço desse e o jogou dentro do rio.





2-      Mistério no Segredo

O mês de junho, julho e agosto é verão no Tocantins. As chuvas se vão, os rios secam e ao longo do seu leito formam-se diversas praias onde turistas e tocantinenses buscam para se refrescar do intenso calor que faz nessa região. Mas as belezas naturais do Tocantins não se resumem as praias – o bioma cerrado que é predominante no estado também tem seus encantos. Sua flora e fauna incrível, além das cordilheiras de serras presente em quase todo o território. As festas populares é também um grande atrativo para quem quer conhecer a alma da cultura tocantinense.

E foi querendo conhecer este povo e esta terra que Natalia, Debora e Jessica vieram passar férias por essas paragens, no entanto elas nem imaginavam o que as esperavam.

As amigas se divertiram bastante nas praias de Ipueiras, Brejinho de Nazaré, na histórica cidade de Porto Nacional – Caíram nas rodas de sucia ao som dos tambores do Tocantins, si deliciaram com a gostosa culinária em especial a caranha assada na moqueca. Divertiram-se como nunca.

Ao chegarem ao Lajeado elas cismaram em querer subir o Morro do Segredo. De fato o Morro do Segredo é encantador - uma das belezas naturais mais encantadoras do Tocantins. É impossível não vê-lo e se sentir atraído. Mais encantador ainda era a visão lá de cima, o ar, o clima.

Além das historias que os moradores locais contavam a cerca de luzes misteriosas no topo do morro, de riquezas escondidas protegida por fantasmas.

- Mas isso é historia de pescador. Dizia os incrédulos, entre eles as três amigas.

- O que nós vamos fazer lá em cima? Deve ser impossível chegar lá.

Debora não era muito dada a aventuras. Preferia sombra e água fresca. Quanto menos esforço melhor. Não conseguia entender o que tanto Natalia e Jessica queria fazer lá. Já estava ótimo ver o morro lá de baixo e tirar muitas fotos.

- Vamos, vai ser bacana. Dizem que a vista lá de cima é ótima.

- É verdade.  Imagina as fotos que vamos tirar de lá.

Mesmo com as ponderações de Natalia e Jessica – Debora não se sentia encorajada a subir o imponente Morro do Segredo. Porém ela era incapaz de deixar suas companheiras seguirem sozinha.

- Ok. A gente vai, mas não iremos acampar lá.

- Tudo bem. Concordaram as amigas.

Ao chegarem ao topo do Morro às amigas ficaram encantadas. Não fora fácil a subida, ainda mais para elas que não conheciam o local e nunca foram de aventuras, mas demostraram muita coragem ao desafiar a subida do morro ainda mais sem guias.

- Que lindo!!! Nem mesmo Debora conseguia esconder o encanto que sentia ao ver a bela visão do topo do Morro do Segredo.

O tempo passou tão depressa que as amigas nem perceberam. Logo em breve começaria a anoitecer era preciso começar a descer, pois se anoitecesse seria impossível.

- Meus amigos vão pirar quando virem essas fotos.

- É mesmo vão morrer de inveja.

- Mas temos que começar a descer se não escurece e não conseguimos achar o caminho certo. Ainda bem que o celular pega aqui se acaso nós nos perdermos.

- Vira essa boca pra lá Debora.

Quando as amigas começaram a descer perceberam que não seria tão fácil, se a subida havia sido difícil, a descida não seria menos.

- Vamos depressa, esta começando a escurecer. Dizia Debora nervosa.

- Vamos com cuidado se não a gente se perde.

Jessica e Natalia já não conseguiam esconder o nervosismo e tal como Debora temiam o que poderia acontecer. E para o desespero das amigas tudo escureceu rapidamente, era impossível saber o caminho.

- Meu Deus o que vamos fazer? E nem ligar para alguém tem como, pois a gente não conhece ninguém por aqui. Só se for pra policia?

- Ai meu Deus, o celular tá sem sinal.

- Vamos ter que acampar por aqui, pois é impossível a gente achar o caminho. Amanhã sedo a gente continua a viagem.

Jessica era a mais tranquila das três. Já Debora e Natalia estavam desesperada e se não fosse a Jessica lhes tranquilizando elas teriam entrado em pânico. Mas o pior estava por vir.

De repente as amigas começaram a ouvir passos nas folhas secas.

- Quem estaria andando por ali naquele horário. As amigas gritaram desesperadas, mas ninguém ás responderam.

Os passos continuaram e pararam novamente. As amigas tiveram na hora uma lembrança que as deixaram ainda mais nervosas – lembraram-se das historias dos pescadores sobre visagens no morro.

- Será que são fantasmas? Debora, Natalia e Jessica abraçaram-se e ficaram de joelhos rezando.

De repente uma luz gigante surge do nada no céu e numa velocidade indescritível começa a se mover em direção as amigas.

- O que seria aquilo? Que luz era aquela? A aparência era de uma enorme bola de fogo. Seria um cometa, um asteroide? Um disco voador com extra terrestres?

As amigas já imaginavam que aquele seria o fim delas, não só delas, mas se aquela bola de fogo caísse ali, com certeza tudo ia pelos ares. Naquele momento o que elas mais queriam era esta ao lado de seus familiares, morrer ali tão longe de todos e tudo?

A bola de fogo aproxima delas e de repente desaparece do nada. As amigas ficam boquiaberta. O que teria sido aquilo? Elas se tocam para ver se estavam inteiras e estavam. Melhor ainda foi encontrarem-se com dois caçadores que rondavam por ali e lhes mostrarem o caminho. Mal o dia amanheceu e as amigas jogaram as mochilas nas costas e troaram a caminho de casa.

Da janela do ônibus elas não puderam deixar de olhar o belíssimo Morro do Segredo. No entanto elas esperavam nunca mais voltarem ali. A noite anterior já mais sairia da mente daquelas amigas, como também o questionamento – o que teria sido aquela visagem?




3-      Kátia treck treck

- E ai Kátia quer dá um pega?! Vai lá.

- Eita João, você sabe que o Zé não gosta que você fuma maconha aqui, por causa dos meninos pequeno.

- Eu sei, mais ele tá para o trabalho e não vai chegar agora. Vai meu dá um pega. Só um peguinha.

- Hum eu não. Isso vai me deixar doida. Mais do que eu já sou. E o Zé não deve demorar muito não.

Kátia era discípula da esbornia. Gostava de tomar cachaça como poucos. Quanto mais, melhor. Dificilmente encontrava alguém que disputava com ela na cachaça. No entanto esse era o seu único vicio, além de um porronca (fumo de palha), mas outro tipo de entorpecentes não usava, sobretudo a tal da maconha que era comum por ali.

Ela não era contra, ao contrario, tinha muito amigos que gostavam da erva. Ouvia varias historias a cerca do efeito da maria joana, no entanto nunca havia visto nenhum comportamento condenável por parte dos seus amigos que fumavam maconha. Mesmo assim ela nunca sentiu vontade de dar um ‘tapinha’ num baseado. Porém naquele dia diante da insistência de João, Kátia sentiu-se tentada a experimentar.

- Só um tapinha meu. É de boa.

- Então tá.

- Puxa, prende e solta viu.

Kátia fez como João havia lhe orientado. Deu uns pega no baseado e ficou de boa. Pensou consigo:

- Isso não é o veneno que todo mundo fala não. Eu tô de boa. Tô de booooooa.

Mas de repente. Algo estranho começou a acontecer. Kátia virou a cabeça para o lado e escutou treck, virou para o outro treck.

- Meu Deus. Que diabos é isso? O que esta acontecendo comigo?

Todas as vezes que Kátia movimentava a cabeça ouvia um barulho no seu pescoço – treck, treck. Ela começou a desesperar.
- João, João você tá ouvindo, olha esse barulho no meu pescoço.
Kátia mexia o pescoço para que João ouvisse o barulho. Para ela todos podiam ouvir o Treck, treck. João percebeu que era a ‘viagem’ da erva e começou a sorrir da amiga. Kátia cada vez mais desesperada imaginava:

- Será que vou viver a vida inteira com esse barulho? Treck, treck.

Ao ver o desespero de Kátia que só aumentava João orientou-a a tomar um copo de leite para cortar o efeito da erva. Após tomar o copo de leite em alguns minutos aliviada Kátia percebeu que o treck, treck havia desaparecido.

Desse dia em diante Kátia que nunca sentiu-se atraída pela erva sagrada dos rastas. Nunca mais iria colocar um baseado na boca. Já pensou se o treck, treck voltasse?

- Não, isso não é para mim. Prefiro cachaça mesmo.





4-      Luna
Quando John viu Luna foi amor à primeira vista, seu coração bateu acelerado tal como as baquetas da bateria do Igor Cavalera do Sepultura. Não era a primeira vez que John se apaixonava, mas nunca havia se apaixonado de forma tão intensa assim por mulher alguma.

Luna não era um mulherão, estava mais para uma adolescente, apesar de já ter 19 anos. Loira, usava o cabelo curto com algumas madeixas pintadas de azul e uma linda flor na lateral, tinha um belo alargador nas orelhas e sua pele clara destacava as belas tatuagens que cobriam seu corpo. Fumava um cigarro em cima do outro e ao lado um copo de conhaque.

Havia muitas mulheres naquele bar, algumas até mais bela que ela, mas ela com certeza era quem mais chamava a atenção de todos, no entanto ela não dava corda para nenhum dos corajosos que ousaram chegar perto dela.

De repente começou a tocar no salão o som pesado do Motorhead. Ela ergueu-se e começou a dançar, todos a observavam, em especial John que estava encantado por ela.

– Ah, como queria ter essa maluca nos meus braços. Pensava John.

Luna olha para John sentado em um canto tomando uma cerveja e olhando para ela. Ela caminha até onde ele esta e pergunta se pode sentar-se com ele, surpreso John gaguejando responde-a que sim.

- Olá tudo bem? Você está sozinho? Quer companhia? Posso me sentar aqui com você?

- Pois não. Fica a vontade. Aceita alguma bebida?

- Um conhaque, por favor.

E assim John e Luna começam a conversar sobre varias coisas, ela tomando o seu conhaque e ele cerveja e ouvindo o som sujo, veloz e pesado do Motorhead que ecoava no salão do bar.

- E então, aqui tá bacana. Mas você não quer ir para um lugar mais tranquilo?  Só eu e você?

- Claro, vamos sim. Respondeu todo animado John.

Nem nos seus melhores sonhos ele poderia imaginar que um dia teria uma mulher daquela nos seus braços, mas o fato é que sem explicação aquela princesa estava a fim de ficar com ele. E assim os dois seguiram no conversível de John até um motelzinho na beira da BR que cortava o local. Quando entraram para o quarto Luna pediu uma garrafa de conhaque. John lembra-se apenas da primeira dose de conhaque que tomou, quando foi no dia seguinte acordou sozinho no quarto de motel, sem roupa, sem grana e sem carro. Luna havia sumido.




5-      E ai. Vamos brincar?

Ele seguia por aquelas ruas com certo receio. Nunca havia andado por ali, mas as historias que havia ouvido sobre aquele local não era animadoras. O bairro era conhecido por toda á Palmas como território de traficantes e prostitutas com altos índices de violência. Mesmo com todas essas informações ele decidiu conhecer o local.

As ruas estavam desertas apesar de não ser tarde da noite. Ele entrou em uma pequena viela e viu dois bares. Decidiu entrar no primeiro. Havia apenas um homem com duas mulheres numa mesa tomando cerveja e o atendente no balcão. Ele sentou em uma mesa e pediu uma cerveja. Logo uma mulher aproximou-se dele e perguntou se podia sentar com ele.

- Tudo bem. Pode ficar a vontade.

- Você não é o tipo de pessoa que anda por aqui.

- De fato. É a primeira vez que ando por esses lados.

Ela não era uma mulher bela. Se ele a visse na rua com certeza não chamaria a atenção dele. Estava longe do padrão de beleza que a sociedade nos impõe. Era negra e gorda. No entanto a sua simpatia era cativante e no decorrer do bate papo que iam tendo ele ia tendo cada vez mais uma forte atração por ela.

- E ai. Vamos brincar hoje?

- Sim, vamos. Mas tomemos mais umas cervejas antes.

- Que bom.

Enquanto iam tomando cervejas iam conversando animadamente. Ele quis saber de onde ela era, qual era a sua historia, quanto tempo estava naquela vida. Ela respondeu a todos os questionamentos dele com muita tranquilidade.

- Eu sou baiana. Estou apenas a 6 meses nessa vida, comecei quando o meu casamento chegou ao fim. Dai deixei o interior da Bahia e vim morar em Palmas. E você de onde vem, o que você faz?

Ele também respondeu os questionamentos dela. Não escondeu a sua identidade tal como muitos homens fazem quando se relacionam com uma prostituta. Ela lhe passava tanta confiança e tranquilidade que ele ficou totalmente à vontade.

- Vamos lá então. Se não eu fico bêbado e não dou conta de nada. Rs.

- Sim, vamos! Rs.

Na cama ela mostrou toda a sua experiência fazendo com que ele ficasse relaxado e conseguisse o que havia ido procurar ali. Ele por sua vez não teve do que reclamar.

- E então, você gostou?

- Sim, foi muito bom. Quanto é o programa?

- Trinta reais.

- Agora eu tenho que ir. Muito obrigada.

- Obrigada você. Volta tá?!

- Sim, eu volto. Tchau.

 



6-      A morte de John

- Garçom manda mais uma garrafa de Whisky meu. Gritou John.

- Já deu, vamos fechar. É a ultima.

Era 6 da manhã, John era o único de pé, juntamente com seus amigos já havia tomado umas quatros garrafas de Whisky, além de bastante cervejas. Seus amigos já tinham pedido arrego. John saiu então com uma garrafa na mão procurando mais um bar aberto. Naquela hora, impossível.

Não queria voltar para casa, odiava a vida ali, trabalhar e estudar a um tempo desistira. Também não queria voltar para sua terra natal. Sua vida era de bar em bar em busca de sexo, drogas e rock in rol. Mesmo assim não estava feliz.

Cansara-se de tudo e de todos, cansara de viver. Ele que nunca foi de beber, estava bebendo, nunca foi de fumar, estava fumando. Já tinha sido preso por brigar na rua, e porte de maconha. Tudo isso apenas em 6 meses.

Quando John deixou sua terra natal, sua mãe e queridos familiares tinha na cabeça o projeto de começar uma nova vida naquela capital. Estudar, se formar, construir uma nova historia enterrando os fantasmas do passado que sempre vinha lhe incomodar.

Inicialmente conseguira um trabalho bem como estava se preparando para o vestibular, mas de repente tudo mudou, sem explicação John começou a beber, fumar, brigar. Tornou-se um ser noturno, habitante da vida boemia da capital.

Há seis meses que John vivia aquela vida, e há três dias que não voltava para casa. Como não obteve êxito em busca de um bar aberto às seis da manhã de uma segunda-feira, decidiu voltar para casa.

- Onde você estava John? Isso é vida?

John seguiu silenciosamente para o seu quarto sem da atenção aos questionamentos do seu irmão. Fechou a porta, procurou uma Gilette e ao som de Janis Joplin cortou seus pulsos e dormiu profundamente, eternamente.





7-      Últimos suspiros

Seu corpo estava estendido no chão do quarto, ainda tinha vida e dava os últimos suspiros. Sentia uma dor imensa no peito e estava banhado de sangue do tiro que acabara de receber.

O gosto do whisky que tomava a poucos minutos, já tinha sido substituído pelo gosto do sangue. Estava só, não conseguia gritar e mesmo se conseguisse ninguém o escutaria. Estava morrendo e era irreversível. A dor maior não era do tiro em si, mas de quem o dera.

Saiu do trabalho as 18h e foi direto para casa, no caminho parou apenas para comprar um whisky. Os telefonemas insistentes continuavam, mas ele mantinha a sua posição de não atende - lo. Era preciso por um fim naquela historia, já estava cansado, não via futuro naquilo que se tornara uma questão demasiadamente desgastante.

Ligou a TV, mas não achou nada de interessante para assistir, desligou e em seguida ligou o som e preparou uma dose de whisky. Queria esquecer-se de tudo aquilo, mas não conseguia parar de pensar, sabia que por algum tempo sofreria e que até nunca estaria curado totalmente, sempre haveria uma cicatriz. Mas com certeza não doeria tanto.

Desde o primeiro momento ele sentiu que era algo arriscado, mas o desejo falou mais alto e ele não teve como resistir, jogou-se totalmente, entregou-se de corpo e alma aquela historia. Pobre diabo, como ele previa aquilo se tornava cada vez mais perigoso. Não tinha mais jeito tinha que por um ponto final aquilo.

Sentiu que por mais que quisesse se continuasse ali naquela cidade aquele problema sempre viria bater na sua porta, era preciso sair dali, ir para outra cidade, quem sabe outro estado, começar uma nova vida, sim era preciso fazer isso, era preciso fugir dali. E foi isso que fez com que ele jogasse uma mochila nas costas e partisse daquela cidade.

Passara-se dois meses, tudo ia caminhando de forma tranquila, já estava em outra cidade, trabalhando e estudando. Ainda não conseguira sair e não tinha amigos, gostava de fica só ouvindo musica, trancado na quitinete que morava com uma garrafa de whisky na mão.

Não sabia como cargas d’águas conseguiram o telefone dele, mas nas ultimas duas semanas as ligações eram frequentes, imaginava consigo - Será que descobriram onde estou morando?

Decidira não atender, não queria ouvir a voz de ninguém, estava sofrendo por dentro, mas permaneceria firme sem recuar no seu proposito de concretizar por ali uma nova vida.

Quando preparava mais uma dose de whisky ouviu de repente as batidas de alguém o chamando na porta. Assustou – se, imaginou quem seria, pois ninguém além de sua família sabia onde estava morando. Nem mesmo os colegas do trabalho e do cursinho sabiam onde ele morava.

Hesitou em abrir, mas as batidas continuaram, perguntou quem era, mas ninguém o respondeu. Decidiu não abrir, mas as batidas continuavam, tentou ver quem estava lá fora, mas não tinha como. De repente tudo se fez em silencio, decidiu então abrir a porta para ver se via rastro de quem estivera por ali. Não havia ninguém.

Retornou então para dentro, trancou a porta e foi preparar mais uma dose de whisky , era o ultimo da noite, em seguida iria dormi, tinha que acordar cedo para ir até o cursinho e depois seguiria para o trabalho. Com o copo de whisky na mão decidi abrir a janela para observar o movimento na rua, era algo que não fazia com frequência.

Quando abriu a janela viu alguém conhecido na rua, mas foi rápido, de repente um tiro acerta seu peito e ele cai para trás, o copo de whisky voa longe, ele esta mortalmente ferido. Sim, não tinha enganado, vira muito bem quem fizera aquilo com ele, como podia ter sido tão cruel assim. Estava morrendo, já sentia o frio da morte percorrendo todo o seu corpo.

Tudo se fez em silencio, no seu quarto apenas a voz roca de Janis Joplin ecoava vindo do seu aparelho de som, um vento frio entrava pela janela, lá fora também tudo era silencio. No chão ao lado do copo de whisky que quebrara com o impacto da queda, ele acabava de dar seus últimos suspiros.






8-      Despedida

Chegara à hora, ela o abraçou tão forte como que sentisse que seria a ultima vez, não queria solta-lo nem um instante, mais teve que fazê-lo, suas mãos que pousavam sobre o corpo dele foram recuando levemente, no rosto um sorriso triste que transparecia a dor de uma despedida. Virou-se e entrou no ônibus.

Ele por sua vez saiu dali rapidamente, como sempre tentando esconder seu lado humano, demasiado humano. Caminhava rapidamente como se precisasse fugir dali, no entanto parou por um momento e ficou observando o ônibus partir – Talvez esperasse que ela desistisse e voltasse correndo para os seus braços.

Naqueles segundos ali, veio tudo a sua cabeça – nos momentos que passaram juntos, de tudo que tinha acontecido. Conheciam – se já há algum tempo. Por caminhos diferentes se encontraram no mesmo ideal, lutar por uma sociedade justa e igualitária, e desde o primeiro momento se apaixonou pelo sorriso e pelo olhar dela.

Com o tempo sua paixão por ela só aumentava, queria tê-la, no entanto esse sonho cada vez parecia mais distante. Era um sonho vê-la, tocá-la, tê-la, o sonho tornou se realidade, mesmo que por apenas alguns dias, algumas noites, mais que noites foram aquelas.

Os dias que passaram juntos foram de uma felicidade imensa – Ele que vivia com a cabeça voltada pra militância política construindo a luta da classe trabalhadora. Pela primeira vez pensou em casar, ter filhos, morar no interior, claro com ela.

Agora naquela fria rodoviária ele observava todos os seus sonhos irem embora naquele ônibus. Não era o ônibus em si, mas sim quem ele levava. Não era para tanto, ela não iria para tão longe assim.

Mais ao ver o ônibus partindo da rodoviária e perde-lo de vista nas curvas do caminho, era como se ele adivinhasse no seu intimo – Nunca mais haverei.

Ao chegar à solidão do seu quarto, onde ainda podia sentir o perfume dela impregnado no ar, onde há poucos dias pela primeira vez se entregaram a mais intensa paixão. Leu a carta que ela lhe deixará que apenas confirmava o que ele já sentia.

“...Se lembra quando a gente chegou um dia acreditar, que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba.”   Renato Russo






9-      O Reencontro

Paulo estava sentado no ponto de ônibus esperando o veiculo para seguir até a capital. Fumando um palheiro e observando a belíssima serra na sua frente. - Precisava arrumar algumas coisas na capital que era impossível de serem realizadas na pequena cidade em que morava.

Desde que voltara para sua terra natal pensava em encontra-la, aquela que fora a sua amada, o seu grande amor. No entanto após tanto tempo ali já havia perdido a esperança de reencontra-la. Perguntou alguns amigos se por acaso sabiam alguma noticia dela, no entanto ninguém sabia. As coisas por ali não haviam mudado tanto, mas muita gente da sua geração havia ido embora dali tal como ele o fizera. Assim Paulo ficava pensando o que será que havia acontecido com sua amada.

- Será que ela continua casada com aquele cara? Será que teve filhos? Em que cidade esta morando, em que estado?

Paulo conheceu-a no colégio. Ambos tinham apenas 14 anos. Paulo ainda não namorava, ela já estava noiva e logo se casou. Desde que há viu pela primeira vez ele se apaixonou por ela, já ela gostava de outro. Com o tempo eles se aproximaram e ela que vivia um momento de crise no seu casamento começou a se aproximar de Paulo e também se apaixonou por ele.

A cada dia a paixão dos dois só aumentava, no entanto ela continuava casada. Paulo a amava com todas as suas forças, mas não tinha coragem de toma-la em seus braços e rouba-la do seu marido. Paulo era um covarde. – Amava-a muito, mas não tinha coragem de se declarar.

Ela o amava, Paulo bem sabia. Todos que os viam juntos falavam que eles estavam tendo um caso. O boato se espalhou e o marido dela proibiu-a dela se aproximar dele. Percebeu que estava perdendo sua mulher para aquele menino e se ele não tomasse uma atitude a perderia de vez.

A duras penas Paulo teve que se afastar de sua amada isso lhe doeu muito no coração. Ele bem sabia que se tivesse coragem ela largaria o seu marido e ficaria com ele, mas ele não tinha força para rouba-la.

De repente o ônibus surge na estrada. Paulo levanta e dá com a mão para que o automóvel pare. Quando Paulo entra não pode acreditar em quem ele está vendo na sua frente sentada sozinha em uma poltrona. Sim era ela. Continuava linda como sempre. Mas estava com a cara de poucos amigos. Si quer olhou para Paulo e quando fez, o fez com certa indiferença.

Paulo não pode deixar de se sentir desapontado. Esperou tanto por aquele momento, imaginou tanto como seria. Fez tantos planos. Mas as coisas já não era como antes, como pode passar por sua cabeça que ela continuava gostando dele e que agora depois de tantos anos ele teria a chance de viver o amor que não puderam viver na juventude.

Chegou a pensar em sentar ao lado dela. Puxar conversa com ela. Saber como ela estava o que tinha feito em todos esses anos que não se viam. Mas o olhar de poucos amigos dela o afugentou. Paulo pensava: - Tudo bem que ela não o amasse mais, mas esse olhar dela de ódio o machucava por dentro. Aquela raiva que transparecia no seu olhar seria dele?

Paulo teve medo de cumprimenta-la e sentar junto dela, imaginou que ela seria áspera com ele e não suportaria mais essa decepção. Eles que se amaram tanto outrora estavam ali, mas si quer se cumprimentaram.

O ônibus entra na capital. Ela se levanta e caminha para porta. Para diante de Paulo abre um grande sorriso e diz:

- Olá Paulo quanto tempo? Tudo bom contigo?

Paulo não pode deixar de se sentir surpreso e responde-a:

- Oi menina tudo bem?! Onde você esta morando?

- Continuo morando lá e estou trabalhando aqui na capital.

Paulo pensou na ultima vez que viu ela. Encontraram-se na rua, ele a cumprimentou, tomou coragem e falou com ela.

- Menina casa comigo?

Ela olhou para ele e sorriu. Agora ali diante dela ele pensava nessa proposta que fizera a ela há tantos anos atrás. O ônibus estava chegando ao ponto em que ela iria descer. Paulo toma coragem e quando o ônibus para ele pergunta:

- Você pensou na proposta que eu ti fiz?

- Que proposta?

- Aquela proposta meu.

- Não me lembro. Qual?

- Casa comigo?

Ela abriu um grande sorriso e não lhe respondeu. O ônibus seguiu e ele teve a certeza que a historia deles ainda não havia acabado. Ele a amava e ela ainda o amava.

  
Um corpo

O corpo estava ali estendido na rua. Centenas de curiosos cercavam o local tentando saber o que havia acontecido. Era uma jovem, tinha cerca de 16 para 17 anos, voltava da faculdade para casa, havia sido violentada brutalmente. Todos estavam consternados, revoltados. Ela não era a primeira vitima, outras mulheres haviam tido o mesmo destino daquela jovem. Infelizmente todos ali sabiam os culpados por aquele crime absurdo dificilmente seriam pegos, julgados e condenados. Não ao contrario, continuaram soltos cometendo mais crimes bárbaros.

O corpo estava estendido no chão do bar, o copo de cerveja quebrara com a queda, o cigarro que fumava ainda estava na sua mão aceso. Era uma bela mulher, havia decidido por um ponto final naquele relacionamento com aquele cara que mostrara si ser extremamente violento. Ele não aceitava, tal como muitos por aqui. Disse que queria conversar com ela. Ela concordou, seria a ultima vez que iria encontrar com ele. Ela encontrou com ele em um bar, pediu uma cerveja, ascendeu um cigarro. Ele mais uma vez lhe pediu perdão, jurou como tantas outras vezes que nunca mais bateria nela. Mas ela estava irredutível, era o momento de por um ponto final naquela historia, começar uma nova vida. Ele não aceitou, puxou o revolver que carregava na cintura e descarregou nela. Mais uma vitima do machismo, mais uma vitima da violência contra a mulher, mais uma estatística que não terá uma solução.

O corpo foi encontrado em baixo de uma ponte, no mato, em um lugar isolado. Ela era tão jovem, tinha apenas treze anos. Seu corpo havia sido todo esfaqueado, mais de vinte facadas. – Por que tanto ódio. O assassino acreditava que ela era um empecilho para o seu romance com a mãe dela. Ela só queria ver sua mãe feliz, ao lado de um homem que realmente a merecia, e este homem não era ele. Tanto que ele mostrou ao assassinar uma criança que tinha todo um futuro pela frente.

O corpo foi encontrado em um quarto, em cima da cama. Era jovem, havia acabado de deixar a casa da mãe para morar na capital, não tinha um bom relacionamento com o padrasto. Estava feliz, estudava e trabalhava, arranjou um namorado. Acreditava que ele era um príncipe encantado, queria casar, ter filhos, constituir uma família junto com ele. Mas todos os seus sonhos tiveram fim nas mãos daquele que ela acreditava ser o grande amor de sua vida.

O corpo foi encontrado boiando no rio Tocantins, amarrada, após ser abusada violentamente. Era mais uma jovem vitima da violência contra as mulheres, mais um numero mais uma estática, mais um crime sem solução no nosso estado, no nosso país.

Todos os dias as mulheres do nosso estado vão estudar, vão para o trabalho sem saber se voltaram. Em cada esquina, em cada beco poderão se tornar mais uma vitima, mais um número, mais uma estatística. As mulheres da minha terra sabem que a qualquer momento podem se tornar a próxima vitima da violência contra a mulher, mesmo em suas casas, onde deveria ser seu porto seguro.

Corpos e mais corpos, a cada dia mais corpos. Jovens, mulheres trabalhadoras vítimas da violência. E o governo o que faz? E as autoridades o que fazem? Nada. Até quando continuaremos sem fazer nada? Infelizmente isso não são histórias fictícias, são baseadas em fatos reais de violência contra as mulheres no Tocantins.

– Basta de violência contra as mulheres já!






   A morte do encantador de serpentes em uma madrugada sangrenta

Era madrugada fria. Os pelotões de soldados em marcha vasculhavam todos os cantos da cidade. O som da batida dos tambores marcava o marchar das tropas. As ruas da cidade estavam desertas e escuras. Ao contrario de poucos minutos antes das tropas adentrarem na cidade.

Em poucos minutos tudo era correria e tiros - O corpo dele ainda se encontrava estendido no meio da praça, solitário sob o próprio sangue e crivado de balas. O vento frio zunia como uma canção melancólica, o belo luar desaparecerá sob as nuvens, o céu estrelado se extinguiu.

Não haviam matado um terrorista, bandido ou reacionário. Era apenas um jovem sonhador, um poeta que com seus versos melódicos encantava serpentes. Não foi o único que tombara sob o fogo das metralhadoras e fuzis das tropas golpistas. Homens, mulheres e crianças banharam aquela madrugada com sangue.

Mas ele era apenas um poeta, um jovem poeta que tentava através dos seus versos, despertar o amor e o fogo revolucionário escondido dentro dos corações de todos os filhos da classe trabalhadora. Fora perseguido como um cão, executado como um monstro. Agora como um troféu seu corpo ensanguentado e crivado de balas era exibido em praça pública.

É alta madrugada e o dia parece que demorara nascer. O povo daquelas bandas enfrentaram dias tenebrosos sob o jugo dos fascistas golpistas. Não será fácil.  Muitos tombarão, outros tantos serão torturados, alguns exiliados.

Mas nada será como aquela madrugada, a madrugada em que o encantador de serpentes foi morto brutalmente. Sem julgamento, sem condenação, sem se quer cometer qualquer crime. Fora morto sem explicação. Seria, no entanto seus versos clamando o amor e chamando a revolução?

Não, não foi por nada que o mataram, sabiam do seu fervor revolucionário e de como era perigoso para os golpistas aquele encantador de serpentes e, sobretudo seus versos. Por isso foi caçado como um cão e morto como um monstro.

Mataram um poeta, um jovem poeta. No entanto seus versos não serão esquecidos, ecoaram nos quatros cantos daquela cidade sendo declamado de boca em boca e fazendo com que o povo se organize, se desperte e lute contra o exercito golpista.

O jovem poeta que fora morto naquela madrugada sangrenta já mais será esquecido, tornou-se um Martim e seu exemplo guiara o exercito popular que se formará através da leitura dos seus versos, continuando assim a luta por seus ideais. E enfim chegará o dia em que o exercito popular de encantadores de serpentes triunfarão sob os golpistas-fascistas.





Um certo José

Após mais um dia de trabalho José pega o ônibus de volta para casa, é o primeiro dos quatro que terá que pegar para chegar à periferia onde mora. Há oitos anos desde que chegou do interior que trabalha como faxineiro em um supermercado. Tinha mulher e quatro filhos.

José nasceu e cresceu em uma pequena cidade como muitas que existem no interior do nosso país. Não há trabalho, não há infraestrutura, não há condições para se viver dignamente. Nem se quer terra havia. A pequena chácara onde nasceu e cresceu juntamente com seus irmãos teve que abandonar devido à construção de uma usina hidrelétrica sobre o rio.

Quando morava na chácara mesmo passando dificuldade conseguia tirar da terra o suficiente para viver com dignidade, no entanto desde que fora obrigado a deixar sua terrinha passou a sobreviver às duras penas naquela pequena cidade que não lhe dava nenhuma condição para viver dignamente, assim ele juntou sua mulher e seus filhos e decidiu partir dali em busca de uma vida melhor em um grande centro.

Assim que chegou naquela cidade não teve dificuldade para arrumar um trabalho como faxineiro em um supermercado, havia muita gente do interior trabalhando na capital, e os trabalhadores de sua terra tinham a fama por ali de serem bons funcionários.

No entanto nem tudo eram flores, o salario mínimo que recebia se quer dava para sobreviver, mal podia pagar o aluguel do barracão onde morava com sua esposa e seus filhos, a comida era escassa, não havia nenhuma mordomia, mesmo com a esposa de José o ajudando com o seu salario de diarista.

José tinha a esperança de quem sabe um dia comprar sua casa própria, mas como se o dinheiro que ganhava mal dava para sobreviver? Passou se um ano, três, seis, já havia oito anos que estavam ali, mas a vida não melhorava. José continuava pagando aluguel e sobrevivendo com um salario de fome.

As vezes ele pensava na sua terra, no interior onde vivera, na chácara onde crescera e teve que abandonar para que o governo pudesse construir uma usina hidrelétrica para vender energia e encher o bolso de dinheiro das elites locais. Pensava em voltar um dia, mas sabia também que a vida por ali não seria fácil, naquela cidade pelo menos tinha trabalho, não era grande coisa, mas era melhor do que nada.

José continuava a sua rotina, tinha a esperança de um dia sair do aluguel, sua esposa já não tinha tanta esperança assim e, portanto decidiu voltar para o interior com os filhos e deixar José só ali. No dia em que ele chegou ao barracão em que morava e viu que sua esposa havia o deixado, ele perdeu o chão, não podia acreditar, foi para um bar bebeu todas, no outro dia não conseguiu ir para o trabalho.

No outro dia quando chegou ao trabalho seu gerente deu lhe uma grande bronca e o fez assinar uma advertência por ter faltado o trabalho, nos oito anos que estava ali ele nunca havia faltado e mesmo assim na primeira vez que fizera levara uma grande bronca do patrão e teve que assinar uma advertência.

José seguia no ônibus de volta para o barracão onde morava de aluguel, sentia muita falta de sua mulher, de seus filhos, queria tê-los a seu lado, sonhava um dia sair do aluguel e ter uma casa própria. Ouvia a propaganda política do governo dizendo que estava acabando o déficit habitacional, já havia oito anos que José havia assinado um cadastro e nada de sua casa sair.

Passou se dez, vinte, trinta anos e José continuava como faxineiro no chão daquele supermercado. Nunca mais soube noticia de sua mulher, dos seus filhos, não voltou mais para terra onde nascera e crescera, continuava morando de aluguel em um barracão, sozinho.

Após mais um dia de trabalho e enfrentar o transporte caótico de volta para o barracão onde morava. José tranca-se no seu quarto, deita em sua cama e adormece. Sonha com sua mulher, com seus filhos, todos estão na cidade do interior onde ele nasceu e cresceu. Vivendo felizes na pequena chácara de sua família.

José adormece profundamente e já mais acorda novamente, enfim realiza o sonho de conseguir uma casa própria, sete palmos de terra de onde já mais será tirado. No cemitério da cidade do interior onde nasceu e cresceu, ali viverá eternamente ao lado de seus pais, irmãos, mulher, filhos e amigos.





1  Coquetel molotov

- Tá confirmado. O governo decidiu aumentar a tarifa do transporte coletivo. O aumento de 20 centavos passa a valer a partir de amanhã.

- Precisamos Fazer um ato contra esse aumento. Pode ser que a partir desse a população se levante e se mobilize contra tal absurdo.

- O que fazer então?

- Capitalista só sente quando mexemos nos bolsos deles.

- A ação tem que ser hoje à noite. Não temos tempo para articular. É planejarmos e fazer nós mesmos.
- Que tal tocarmos fogo em uns ônibus.

- Ótima ideia.

- O melhor ainda é irmos a uma garagem e tocarmos fogo em vários.

- Quem topa ir?

- Vamos todos!

- Ok. Do que precisamos?

- Vamos fazer uns coquetéis molotov.

- Sim. Umas garrafinhas de cerveja, gasolina e pano. E claro, fogo.

- Que horas são?

- Quinze minutos para meia noite.

- Ótimo horário. Vamos arrumar todo o material para confeccionar os coquetéis molotov dai vamos para ação no máximo até duas da madrugada que é o horário ideal.

Camilo que estava na sala ao lado organizando uns materiais para uma atividade de formação com o campesinato. Não pode de deixar de ouvir toda a conversa da turma da direção do DCE sobre o plano de incendiar a garagem da empresa de ônibus que comandava o transporte coletivo na capital.

Ele acompanhou toda a luta da direção do DCE para que a tarifa do transporte coletivo não aumentasse por ali, no entanto isolados, o movimento estudantil não conseguira barrar o aumento.

Como não estava havendo muitas manifestações por parte da população contra o aumento da tarifa, e esta já era um ato consumado. Camilo via como importante a ação clandestina do DCE em incendiar alguns ônibus na garagem da empresa de transporte coletivo como protesto pelo aumento da passagem.

- Então Camilo. O que achou do nosso plano? Vamos com a gente?

- Só se for agora!

- Então vamos.

Ele que era calejado com ações de ocupações com o movimento campesino tanto no campo como na cidade, não precisava de muito convencimento para engajar em qualquer luta pelos direitos do povo trabalhador. Ainda mais se fosse para atingir o bolso dos capitalistas.

Tudo pronto à turma partiu em dois carros rumo à garagem da empresa de ônibus. Quando chegaram na primeira garagem avaliaram que não seria prudente incendiá-la, já que estava localizada no meio da cidade, poderia ocorrer um incêndio maior do que eles previam e a vigilância por ali era maior.

- Então camaradas. Há mais duas garagens na cidade. Sei que uma delas fica em um lugar afastado. Disse Camilo

- Ok. Então vamos passar nas duas dai vemos qual é a melhor para gente fazer nossa ação.

Todos concordaram e seguiram. No entanto Camilo começou a perceber que quanto mais chegavam perto do local onde realizariam a ação, o entusiasmo de seus camaradas ia diminuindo. E assim aqueles jovens a cada passo, menos iam se parecendo com os jovens que horas antes planejavam com entusiasmo o incêndio dos ônibus.

Ao passarem pela segunda garagem a maioria avaliou que também seria arriscada a ação por ali. Havia muitos moradores em volta. Seguiram para ultima garagem.

- Essa aqui é perfeita. É bem afastada. Não tem muita segurança e tem um matagal próximo aonde podemos nos refugiar. Disse Camilo

De fato o local dava uma grande condição para que realizassem a ação sem serem identificados.

- Ok. Vamos para o bar ali para planejarmos melhor como fazer e quem irá fazer.

Ao chegarem ao bar começaram a montar o plano. Pois não dava simplesmente para chegarem jogando coquetel molotov sem se protegerem das câmaras e dos seguranças e mesmo da policia que hora e outra fazia ronda por ali.

- Então camaradas, a gente vai de três ou quatro pelos fundos da garagem, pulamos o muro e incendiamos os ônibus. Deixamos os carros bem afastados e qualquer coisa nós nos escondemos nesse matagal que fica ao lado da garagem. Disse Camilo

- É muito arriscado, não vamos conseguir.

- A Policia vai chegar em minutos. Tem um batalhão próximo daqui. Os seguranças podem nos pegar e ainda tem as câmaras.

- Sim, mais nada disso pode acontecer também. E além do mais, ninguém faz uma ação dessas sem correr nenhum risco, não é camaradas. Disse Camilo que continuou: - Vamos lá camaradas. Não andamos tanto para nada, estamos aqui do lado, preciso só mais de dois camaradas comigo, o restante espera nos carros.

- Acho melhor a gente adiar essa ação. Vamos articular algo maior e com mais gente. Só nós, é muito arriscado.

- Meu a gente vai por dentro desse matagal. Ninguém vai nos ver. Não há segurança lá no fundo da garagem, não há nem iluminação lá. E não precisamos nem pular o muro, acendemos os coquetéis molotov e jogamos.

- Acho melhor não, vamos pra casa.

Mesmo com todos os argumentos de Camilo. Os camaradas do DCE desistiram da ação. Camilo já vinha percebendo que cada vez mais que se aproximavam da garagem, menos entusiasmo eles iam demostrando. E assim procuravam obstáculos onde não havia, simplesmente para justificar seus medos.

Camilo voltou para o escritório decepcionado com seus companheiros. Abriu uma cerveja e retomou novamente o trabalho anterior de organizar o material para atividade com o campesinato. O final de semana prometia muita ação no interior. No entanto ele não conseguia tirar da cabeça a experiência frustrante que acabara de viver. Pensava consigo uma velha cisma que tinha com o movimento estudantil – muito entusiasmo no debate, mas na hora de agir, o entusiasmo se esvai.

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