sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Da série contos interiorano: Na boca da vinte

*Por Pedro Ferreira Nunes

- Rapaz, cê viu que baixinha linda. Cê conhece ela?

- Tu tá doido home. Aquela menina é namorada de um dos chefes da gangue dos ‘cabelo molhado’. Mexer com ela é morte na certa.

Paulo desde pequeno sabia da fama da gangue dos cabelo molhado. Dificilmente havia uma festa em Miracema em que os cabelos molhados estivessem presente que não acabasse em briga. E se fosse na boca da vinte era certeza que no dia seguinte haveria velório em Miracema.

Mesmo assim ao saber do rala coxa que aconteceria na boca da vinte, Paulo não pensou duas vezes. Já havia oito anos que ele morava em Goiânia. Quantas saudades ele não sentia da sua terra natal. Ia muito aos forrós na capital goiana, mas nada que se comparavam as festas de Miracema. Além do mais depois de tantos anos imaginava que a famosa gangue dos ‘cabelo molhado’ já não mais existia, como também que a boca da vinte já não era tão violenta como fora outrora.

- Uai, a gangue dos ‘cabelo molhado’ ainda existe?

- Fica esperto rapaz, num mexe com essa muie não que é confusão na certa. 

Paulo não deu ouvidos para seu primo que o alertava a cerca do perigo de se mexer com a mulher do líder da gangue dos ‘cabelo molhado’, e logo se aproximou da garota chamando-a para dançar. Essa por sua vez muito faceira não negou fogo.

- Oh morena que remexe gostoso.

Fazia tempo que Paulo não dançava daquele jeito. Não há coisa mais gostosa que dançar um forró no estilo tocantinense – pensava Paulo. A mulher requebrava gostosamente nos braços de Paulo, este por sua vez não ficava para trás, não negando o seu sangue tocantinense.

Mas a felicidade de Paulo durou pouco. Logo ele estava rodeado pela gangue dos ‘cabelo molhado’.

- Tu não sabe que essa mulher me pertence? Chega de fora querendo arrotar bacaba aqui na nossa área? Aqui tu não se cria não.

- Desculpa rapaz, eu não sabia que ela era tua namorada. Mas também a gente estava só dançando.

Ao ver a confusão armada o primo de Paulo em vez de ajuda-lo caiu no braquiara. Ele estava só agora diante da famosa gangue dos ‘cabelo molhado’.

De repente Paulo leva um soco por trás e cai no chão. Ao cair no chão leva chute de todos os lados é tanto chute que ele não consegue se defender, pois não conseguia ver de onde vinha tanto chute. O sangue já descia de tudo quanto era buraco do seu corpo.

Todos haviam corrido do salão, ali permanecia apenas Paulo no chão sendo massacrado pela gangue dos ‘cabelo molhado’. Ninguém ousou entrar para salva-lo, nem a policia estava por ali.

De repente Paulo sentiu algo frio entrando no seu corpo, uma, duas, três e muitas vezes. Paulo não conseguia ver da onde vinham as punhaladas, vinham de vários lados e sendo desfechada por varias pessoas ao mesmo tempo. Á ultima imagem que Paulo viu antes de morrer foi da garota sorrindo, a garota que havia sido o pivô de toda aquela historia. E ainda por cima fora ela que lhe deu a ultima facada.

- Paulo, Paulo. Acorda Paulo. Você estava tendo um pesadelo.

Paulo assustado levantou-se passando a mão por todo o corpo, ainda sentia o corpo todo doendo das facadas que acabara de levar dos caras da gangue dos ‘cabelo molhado’. Mas aliviado Paulo percebeu que fora apenas um pesadelo. E que pesadelo.

*Pedro Ferreira Nunes – “é apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Breve comentário sobre as eleições para o governo do Tocantins: Pesquisas eleitorais.

Se as pesquisas eleitorais estão certas as eleições para o governo do Tocantins caminham para serem decididas no primeiro turno com a reeleição do atual governador – Mauro Carlesse (PHS). O problema é que as pesquisas eleitorais no Tocantins não são muito confiáveis. É só lembrar do que estas mesmas pesquisas apontavam na eleição suplementar. De modo que ao invés de comemorar é bom a frente governista colocar a barba de molho.

É fato que Carlesse saiu fortalecido da eleição suplementar não só por ter saído vitorioso, mas pela forma com que essa vitória se efetivou – com larga vantagem em relação ao segundo colocado. Uma vitória contrariando as pesquisas eleitorais que num dado momento lhe colocavam na quarta colocação. Com a máquina pública na mão não foi difícil construir uma coligação forte para disputar as eleições regulares. O difícil seria conseguir arrumar vaga para tanta gente. 

Difícil não, missão impossível. Com isso os descontentes tiveram que pegar o chapéu e ir buscar um assento em outro lugar. Mas apesar dos atritos a candidatura de Carlesse segue firme – com as pesquisas eleitorais apontando sua vitória no primeiro turno.

A candidatura de Carlos Amastha (PSB) tem se configurado como a única capaz de fazer frente a Mauro Carlesse – também é o que apontam as pesquisas. E sem dúvidas, mesmo com a derrota na eleição suplementar. O colombiano conseguiu construir uma coligação forte que lhe deu mais capilaridade. E isso refletirá na sua votação. Se essa votação será suficiente para levar a disputa para o segundo turno é difícil dizer. Porém se conseguir esse feito, que me parece ser bem provável, sairá mais fortalecido ainda para uma disputa de segundo turno.

A chapa governista por sua vez ficará com o sentimento de derrota, pelo fato da peleja não encerrar no primeiro turno. 

Ora, se tem algo que tem marcado a política tocantinense é a imprevisibilidade. O próprio Carlesse é fruto desse fenômeno. Antes da cassação do mandato de Marcelo Miranda ele não aparecia com o mínimo de chance de se tornar governador do Tocantins. De modo que é sempre recomendável uma boa dose de precaução para não se deslumbrar diante do que ainda não está dado. Afinal de contas como recomendam nossos avós “precaução e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém”.

Aliás, esse é um ponto que vem sendo levantado por comentaristas políticos que acompanham o dia a dia dos bastidores da política tocantinense. Esses comentaristas alertam que o clima de já ganhou na base governista pode atrapalhar a eleição de Mauro Carlesse no primeiro turno. Fazendo um paralelo com o futebol dizem que o jogo não acaba antes de terminar. E pontuam a capacidade de Amastha surpreender levando a eleição para o segundo turno. Porém deslumbrados pelos números das pesquisas eleitorais tais alertas são ignorados pela chapa governista.

A questão é que como já pontuamos – as pesquisas eleitorais nem sempre trazem resultados confiáveis – sobretudo no Tocantins. Mas é claro que aqueles que são favorecidos pela pesquisa não deixaram de utiliza-la no intuito de influenciar o eleitor indeciso. Até ai tudo bem. Tentar iludir o eleitor faz parte do jogo político, o problema é se autoiludir. Já os candidatos que não aparecem tão bem nas pesquisas lhes restam desqualifica-la.

O fato é que as pesquisas atendem certos interesses de modo que é preciso analisa-las criticamente. É preciso observar quem são as organizações por trás dessas pesquisas e os interesses que representam. Há claramente por parte dessas empresas que recomendam pesquisas eleitorais, não o interesse de informar a população, mas controlar o processo. Inclusive influenciando diretamente no voto do eleitor.

Diante disso nos cabe citar o que diz Sonia Guajajara candidata a co-presidência da república pelo PSOL: “Uma eleição não pode ser vista como uma corrida de cavalo que se aposta em quem ganha. É preciso conhecer os projetos e votar naquilo que acredita”. Afinal de contas a eleição não tem um fim em si mesma. A questão é o que vem depois – e o que virá depois dependerá de quem elegermos.

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Estuda Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Sistema CUBO: Tecnologia a serviço da Burocracia.

“A racionalidade tecnológica revela o seu caráter político ao se tornar o grande veiculo de melhor dominação...”.
Herbert Marcuse

Se não era fácil à vida de quem buscava junto a Pró-reitoria de Assuntos Estudantes (PROEST) alguma bolsa ou auxilio. Essa tarefa se tornou ainda mais burocrática com a implementação do Sistema Cubo (Cadastro Unificado de Bolsas e Auxílios). E assim o que tinha como objetivo agilizar os processos tornando-os menos burocráticos, culminou num processo nebuloso justificado na racionalidade tecnológica.

Quando da implantação do sistema Cubo não houve nenhuma resistência por parte dos estudantes até por que era unanime entre estes a critica pela morosidade do processo de distribuição de bolsas e auxílios. Morosidade justificada pela falta de técnicos da área de assistencial social para analisar os processos de forma mais célere, sobretudo diante da grande demanda. Mas ao invés de reforçar o quadro da assistência social na UFT, preferiu-se desenvolver um programa tecnológico. De modo que a analise Socioeconômica dos acadêmicos passou a ser feito eletronicamente.

Ainda no inicio da implantação do sistema Cubo os problemas começaram a surgir, no entanto compreendeu-se que tais problemas eram naturais para algo que estava sendo implantado. A perspectiva era que com o tempo esses problemas seriam superados - inclusive a Proest não poupando esforços no sentido de ofertar formação para que as dificuldades dos estudantes em acessar o sistema cubo fossem superadas. Com o tempo os estudantes começaram a perceber que o problema não era ter acesso ao sistema, mas atender todas as etapas exigidas através da apresentação de documentação. Aliás, a esse respeito às coisas continuavam tão burocrática como antes.

Além de toda a dificuldade de conseguir providenciar a documentação exigida, sobretudo para quem é de outras cidades. Soma-se a isso a necessidade de organizar tudo num único arquivo e enviar pelo sistema Cubo (tudo via internet). A questão é que nem todos tem acesso a um computador com internet. Uma alternativa seria os laboratórios de informática nos campus. Mas pelo menos em Palmas o acesso é restrito há alguns cursos. 

Como não é possível ter acesso a nenhum dos programas coordenados pela PROEST sem estar cadastrados no Cubo muitos estudantes estão abrindo mão dos seus direitos por não suportar toda a burocracia exigida para se ter acesso a uma bolsa permanência, auxilio alimentação, auxilio moradia ou auxilio viagem. Dessa forma o sistema Cubo tem servido para fazer uma peneira. E mesmo assim nem todos que conseguem passar por essa peneira têm acesso aos programas e auxílios da assistência estudantil.

É importante destacar a importância da política de assistência estudantil para garantir que os estudantes, que estão em situação de vulnerabilidade social, não abandonem o curso. Tal importância é comprovada por pesquisas realizadas na própria UFT. De modo que a política de assistência estudantil não pode ser restrita, mas sim atender a todos que dela precisam. 

É de se esperar o discurso por parte da gestão de que faltam recursos. O problema é quando a representação estudantil compra esse discurso. É o que se percebe nos fóruns de assistência estudantil. Aliás, a Proest tem utilizado os fóruns de assistência estudantil para aprisionar os representantes discentes – fazendo com que estes comprem o discurso de cortes orçamentário – tendo que estabelecer prioridades. E se tornam refém dessas prioridades. Pois quando se vai na Proest reivindicar algo importante mas que não foi estabelecido como prioridade. Justificam: - o fórum estudantil estabeleceu isso.

Os estudantes e suas entidades representativas não podem se submeter a isso. Não é nosso papel. O nosso papel é cobrar que seja feito o que for necessário para que os interesses de todas e todos os estudantes sejam atendidos – de todos os cursos, de todos os campi. Nós não somos um braço da Proest, uma correia de transmissão dos interesses de quem esta na gestão. De modo que quando necessário, devemos partir para o enfrentamento. Ou se não nos tornamos cúmplices de determinadas políticas.

Determinadas políticas que são lançadas como um avanço, mas que acaba sendo uma armadilha. Mas pelo fato de estarmos numa sociedade cada vez mais dominada pela tecnologia, essa armadilha acaba sendo imperceptível. É ai por tanto que o filósofo alemão Herbert Marcuse nos trás uma importante reflexão sobre essa questão. De acordo com ele “a tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e coesão social.” É a partir dai que podemos compreender a lógica do sistema Cubo.

Pedro Ferreira Nunes - Cordenação Geral do CAFIL Professor José Manoel Miranda - UFT

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Eleições no Tocantins: Oportunismo e as Três faces de um mesmo projeto.

Tem ocorrido um fato interessante no processo eleitoral em curso no Tocantins – o apoio de prefeitos e lideranças políticas não a uma coligação, mas a candidatos, inclusive de coligações diferentes. Tal fenômeno é bastante revelador do que representa as três principais coligações que disputam a hegemonia política no Tocantins. No fundo são três faces de um mesmo projeto.

Ainda que não seja garantia de vitória, ter na base de apoio uma gestão municipal na disputa eleitoral é um peso inquestionável. É por isso que os candidatos fazem questão de divulgar na imprensa o apoio de prefeitos e outras lideranças políticas. Tal peso se torna relevante ainda mais no interior onde se sabe o peso da máquina pública é decisivo. Mas o que se vê no processo eleitoral em curso é que a maioria dos prefeitos e lideranças políticas não estão fechando com uma coligação, mas com candidatos individualmente. 

É o caso, por exemplo, do prefeito da segunda maior cidade do Tocantins (Ronaldo Dimas de Araguaína) que apoia tanto candidatos da Coligação encabeçada por Mauro Carlesse (PHS), o próprio Mauro Carlesse ao governo, como também que estão na chapa comandada por Marlon Reis (Rede), que é o caso de Irajá Abreu para o senado. Moisés Avelino (MDB) prefeito de Paraiso também apoia à candidatura a reeleição de Mauro Carlesse, já para o senado um dos seus candidatos é Vicentinho (PR) da coligação liderada por Carlos Amastha (PSB). Já o prefeito de Lajeado – Tercio Neto (PSD) apoia candidatos de três coligações diferentes: Mauro Carlesse ao governo; Irajá Abreu (PSD) e Vicentinho (PR) ao senado; Vicentinho Jr (PR) para a câmara dos deputados e Toinho Andrade (PHS) para a assembleia legislativa.

Esses são apenas alguns exemplos do que está ocorrendo de norte a sul do Estado. Inclusive há relatos de que em alguns municípios esta ocorrendo dobradinha entre candidatos a deputado estadual e federal de coligações diferentes. 

Teoricamente isso seria um contrassenso partindo do pressuposto que essas três coligações representam projetos diferentes. De modo que seria inviabilizar o governo elegendo candidatos adversários, não é mesmo?! O ideal para um governo forte e estável não é ter uma boa base de sustentação? Isso não obrigará o governo a ter que comprar o apoio destes que forem eleitos e que não são da sua base?

O fato é que na prática as três principais coligações (“A verdadeira mudança” encabeçada por Carlos Amastha; “Frente alternativa” encabeçada por Marlon Reis e “Governo de atitude” encabeçada por Mauro Carlesse) representam o mesmo projeto de desenvolvimento. E no final das contas independentemente de quem for eleito os interesses das elites estão garantido.

Se hoje estão em palanques opostos trata-se de uma questão circunstancial. Nada impedirá que amanhã estejam juntos, como já estiveram no passado. Tudo dependerá das negociatas por um carguinho aqui, outro acolá. E não precisa ir muito longe para confirmar essa tese, é só analisar o que ocorreu após as eleições suplementares – quem antes estava de um lado e agora esta do outro. 

Ora o que justifica essa mudança de galho se não interesses em obter mais vantagens para si e para seu grupo político?! Sobretudo quando se pula para um galho que antes se criticava. O que fez com que de uma hora para outra o que era ruim passa a ser bom? Na vida ser uma metamorfose ambulante pode até ser algo belo, mas em política isso se chama oportunismo. E em política, o oportunismo é visto como uma atividade parasitária. E está presente tanto no campo da direita como na esquerda. Catarina Casanova (2016) afirma que “o oportunismo pode ser visto como uma espécie de prática política que se define pela acomodação às circunstancias, que busca retirar proveito destas não respeitando, normas, regras ou estatutos”.

É assim que têm agido os candidatos dessas três coligações. E é assim que têm agido aqueles que os apoiam.

O que fica evidente é que a briga entre essas três coligações é única e exclusivamente pelo poder. Chegando ao poder não se iludam quanto ao projeto que estes senhores irão implementar – é o velho projeto de governo que aprofundará o modelo hegemônico de desenvolvimento tão nefasto para os trabalhadores e o campesinato pobre. 

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O que não se deve fazer no ensino de Filosofia: Algumas questões sobre o papel da avaliação.

“[... avaliar... é uma atividade que põe em questão a nossa própria concepção de educação...]”. 
Savian Filho

Planejamento, diálogo e processo avaliativo;

Em uma disciplina do curso de licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Tocantins tive uma experiência bastante significativa que me fez querer refletir sobre o papel da avaliação no ensino de Filosofia. Uma experiência que vale a pena ser refletida não no sentido do que se deva fazer, mas sim do que se deva evitar.

No primeiro dia de aula o professor apresentou o plano de disciplina e neste estava contido como seria o processo avaliativo – que teria uma parte teórica e outra prática. Sendo que o peso de cada uma dessas partes na somatória da nota seriam iguais, isto é, 50% teoria e 50% prática. Até ai tudo bem. Quando se faz um planejamento colocamos no papel a nossa intencionalidade. No entanto é preciso ter sensibilidade (ainda mais quando se diz ser um educador progressista) para flexibilizar o planejamento a partir do contato com a realidade da sala de aula e as especificidades que ali surgiram. O que significa que se o planejamento pode e deve se modificar o processo avaliativo também tem que se modificar como reflexo dessa mudança.

Nessa linha é importante o que diz Gallo (2010) de que “[... cada professor, no contexto de seu trabalho, precisa criar os mecanismos próprios que lhe permitam perceber o desenvolvimento dos estudantes, podendo intervir para seu aprimoramento, uma vez que este é o único sentido aceitável para um processo avaliativo...]”. Ora, não levar em consideração o desenvolvimento do estudante no processo avaliativo, mas apenas buscar a nota pela nota, não há de fato nenhum sentido. Gallo é enfático ao dizer que podemos e devemos intervir para que esse processo de aprendizagem se aprimore. O que não é possível num processo avaliativo fechado.

Não foi isso que aconteceu com o nosso professor. Mesmo ele reconhecendo que no decorrer da disciplina havia priorizado mais a parte teórica do que a parte prática. Ainda assim, insistiu no mesmo método avaliativo, não modificando nada do que fora apresentado no primeiro dia de aula. Mesmo que visivelmente o que fora planejado não foi o executado na sua totalidade. 

E mesmo que cerca de 80% da disciplina tenha sido focada na parte teórica ele manteve o peso igual das avaliações. Ignorando totalmente o questionamento dos estudantes. E pior, numa postura totalmente autoritária negou-se ao diálogo – impondo o que ele acreditava que era o correto. Uma postura bastante reveladora da sua opção pedagógica. É o que nos diz, por exemplo, Savian Filho (2016) que “[... avaliar... é uma atividade que põe em questão a nossa própria concepção de educação...]”. 

Não se engane com discursos progressistas e práticas conservadoras como a do nosso nobre professor que se diz aliado à tradição marxista na educação e tem Paulo Freire como referência. Mas na prática se esquece de um ensinamento vital em Freire que é o diálogo. “[... E o que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers)... só o diálogo comunica...]”. Já o antidiálogo que foi praticado pelo nosso professor e que encontramos em muitas salas de aula “[... implica numa relação vertical de A sobre B... É acrítico que não gera criticidade... por tudo isso, o antidiálogo não comunica, faz comunicados...]”. E é justamente no processo avaliativo que estas questões ficam mais claras. É no processo avaliativo que se revela uma opção que muitas vezes se tenta camuflar.

Há aqueles que buscam justificar a opção por tais processos avaliativos através do discurso de que o sistema de ensino nos limita bastante. E de fato há uma pressão muito grande do Estado no sentido de processos avaliativos que correspondam a interesses de organismos internacionais que avaliam a qualidade da educação através do resultado dos estudantes em provinhas e provões. Sobretudo no ensino médio. No entanto não devemos nos acomodar nesse discurso. Temos sim certa autonomia para subverter determinadas imposições. Na academia então (onde aconteceu o exemplo trabalhado aqui) essa possibilidade é ainda maior.

A questão da avaliação no ensino de Filosofia;

A primeira questão que se deve ter claro em relação à avaliação no ensino de Filosofia é que não há um receituário pronto e acabado que devemos seguir. Dai que devemos ter em mente o que diz Silvio Gallo (2010) sobre a necessidade de elaborarmos um processo avaliativo a partir do contexto que estamos inseridos. Um processo avaliativo que leva em consideração o desenvolvimento do estudante, e que podemos e devemos intervir para aprimora-lo.

Ainda de acordo com Gallo (2010) “[... devemos nos ater menos àquilo que o estudante eventualmente assimilou dos conteúdos que foram transmitidos, mas precisamos nos preocupar em avaliar em que medida ele foi ou não capaz de aproximar-se da experiência do pensamento conceitual...]”. Tal afirmação vai na linha do que foi colocado anteriormente de que não há um modelo de avaliação no ensino de Filosofia. No entanto aponta para necessidade de uma avaliação que prioriza o “saber como” mais do que o “saber que”. Por que isso se dá? Por que a filosofia tem um caráter diferente das outras disciplinas. 

Para Murcho (2008) a filosofia se distingue de outras disciplinas por apresentar poucos resultados consensuais, dando-lhe um caráter em aberto. Porém, “[... defender que a filosofia é fundamentalmente uma disciplina em aberto não é necessariamente o prelúdio de um elogio ao permanente “questionamento” sem rumo...]”. Fazer isso seria cair no equivoco que o filósofo Mario Ariel Gonzalez Porta (2017) diz que muitos fazem por não compreender que “[... o núcleo essencial da filosofia não é constituído de meras convicções, mas de problemas e soluções...]”. Dai que ele estabelece o “problema como base de estudo da filosofia”. 

Seguindo essa linha, defendemos que a avaliação em Filosofia também tenha esse caráter em aberto. E aos que criticam essa perspectiva, recorremos mais uma vez a Murcho (2008) ao afirmar que “[... o caráter aberto da filosofia em nada diminui o seu valor cognitivo e social, a sua seriedade acadêmica ou escolar, ou a sua importância existencial...]”. Outro aspecto importante em relação à avaliação no ensino de Filosofia é o que trás Savian Filho (2016) de que “[... os estudantes não podem ser avaliados pelo tipo de engajamento ético-politico que adotam... mas pelos recursos que conseguem acionar para justificar suas posições...]”.

Savian Filho (2016) também chama atenção para o fato de que não devemos avaliar o desempenho dos estudantes apenas com base nos objetivos e expectativas que estipulamos. Foi o que ocorreu com o exemplo do professor que descrevemos acima. Caminhar nesse sentido é ter uma boa probabilidade de se frustrar. 

Ainda de acordo com Savian Filho (2016):

Não se trata aqui de pensar que avaliar é atribuir notas; nem de insinuar que nossa atividade de docência consiste em apresentar conteúdos complexos, para, depois “fechar os olhos” e aceitar resultados que não correspondem à complexidade dos assuntos. Pelo contrário, trata-se de desenvolvermos uma atenção especifica a cada estudante ou a cada grupo de estudantes, sem adotar um padrão avaliativo definido apenas pelas expectativas, ainda que sejam sempre as melhores. (2016; 417).

Savian Filho (2016) aborda dois tipos de avaliação. A avaliação diagnóstica e a avaliação classificatória. Sendo que é mais comum no ensino de filosofia a primeira - que permite ao educador o reconhecimento do desenvolvimento cognoscitivo do estudante “apresentado na sua capacidade discursivo-filosófica”. Já a avaliação classificatória tem como finalidade averiguar o desempenho. Na perspectiva de Savian Filho (2016): 

não deixa de ser importante expor os estudantes a esse tipo de avaliação... no entanto, justamente tendo em vista o desenvolvimento de competências cívicas, exige-se de nós, professores, um cuidado pedagógico redobrado, a fim de não associarmos à avaliação classificatória um sentido de incentivo à concorrência ou à afirmação narcisista de si.

Diante do exposto voltamos a nossa questão inicial: O que não se deve fazer no ensino de Filosofia, especificamente em relação ao papel da avaliação? Não se deve fazer um processo avaliativo fechado, calcado nas nossas expectativas. Também não se deve fazer um processo avaliativo que não leve em consideração a realidade da sala de aula e a especificidade de cada estudante. Ainda, não se deve fazer um processo avaliativo autoritário e antidiálogico. Por fim, não se deve fazer, pois é inaceitável, um processo avaliativo incoerente, onde prática e teoria estão em campos opostos.

*Pedro Ferreira Nunes – É graduando do Curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – UFT.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS  

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 27ª ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

GALLO, S. Ensino de Filosofia: Avaliação e Materiais Didáticos. In Gabriele Cornelli; Marcelo Carvalho; Marcio Danelon (Org.). Coleção Explorando o Ensino – Vol. 14: Filosofia. 1ª ed. Brasília. Ministério da Educação, 2010, v. 14, p. 159-170.

MURCHO, Desidério. A Natureza da Filosofia e o seu Ensino. Edu. e Filos., Uberlândia, v 22, n 44, p. 79-99, jul/dez, 2008.

PORTO, MARIO ARIEL GONZALEZ. A filosofia a partir de seus problemas - Os momentos essenciais do “modo filosófico de pensar”.   São Paulo: Ed. Loyola, 2002.

SAVIAN FILHO, Juvenal. Filosofia e filosofias: existência e sentidos. 1. ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.