terça-feira, 31 de maio de 2022

Planejamento urbano e preservação ambiental nas Cidades

Quando falamos em planejamento estamos falando em organização. Essa organização tem como objetivo o desenvolvimento de ações eficientes e eficazes. Desse modo o planejamento urbano tem como fim organizar o espaço urbano de modo que este propicie o mínimo de qualidade de vida para os seus cidadãos. Diante disso fica evidente uma questão: A participação da população na construção desse processo. Pois as consequências desse planejamento lhes afetará.

Para Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) o que se observa é que essa organização pressuposta pelo planejamento urbano não vem ocorrendo. O que tem acontecido sobretudo pelo fato de não se seguir a legislação vigente. Essas autoras salientam para as mudanças que as cidades sofreram ao longo da história. Essas mudanças provocaram problemas diferente das cidades antigas. A partir daí foi preciso pensar num planejamento que correspondesse aos desafios das cidades contemporâneas – desafios que passam pelo desenvolvimento sustentável. 

Ainda de acordo com Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) no Brasil a concepção de cidade tal como concebemos hoje, foi introduzido na Constituição Imperial de 1824 – onde perecebe-se uma mudança radical em referência ao que eram os municípios no período Colonial. Já na Constituição de 1988 um aspecto importante é o reconhecimento da população como responsável pela organização da cidade. Essa organização é autônoma por meio da Lei Orgânica Municipal (LOM). 

Se cabe a população a organização da cidade por meio do planejamento urbano é inadmissível que o Plano Diretor seja aprovado pela Câmara de Vereadores sem a realização de audiências públicas como vemos ocorrer em alguns lugares. Para Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) o Plano Diretor deve ser elaborado com a participação da Sociedade. E entre as suas funções está o de estabelecer a Função Social da Propriedade e a inclusão social. Por isso nesse processo é preciso seguir o Estatuto das Cidades. 

Ainda de acordo com nossas autoras (2012) nesse processo de planejamento urbano deve ser levado em consideração o desenvolvimento sustentável e o respeito ao código florestal, sobretudo no que se refere a ocupação e mobilidade urbana. Por que isso se faz necessário?

Sabemos que no processo de urbanização, o ser humano desenvolve ações que terão impactos no Meio Ambiente. O problema é que essas ações, que teoriacamente buscam propiciar uma melhor qualidade de vida, acaba provocando consequências catastróficas como as inundações e deslizamentos no período chuvoso – expressões entre outras coisas dos desmatamentos, das modificações nos diversos ecossistemas, da impermeabilização e da erosão do solo, da poluição e posterior canalização dos rios.

Tais consequências são frutos da visão apontada por Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) de que “a melhora na qualidade de vida da população está diretamente ligada ao desenvolvimento econômico e à transformação da natureza em bens materiais e de consumo.” Para os defensores dessa perspectiva “a urbanização implica em transformar o ambiente natural em ambiente construído; por isso, muitas vezes, a defesa do meio ambiente é vista como antidesenvolvimentista.” De acordo com essas autoras (2012) “bens são projetados e construídos, e seus resíduos são depositados no meio, com a visão de que os recursos naturais são infinitos e que a natureza é capaz de absorver quantidades ilimitadas de entulhos.”

A partir das colocações acima podemos afirmar que a falta de planejamento urbano trás enormes consequências para o meio ambiente. E isso por sua vez acaba refletindo na qualidade de vida da população. Diante disso nos cabe alguns questionamentos: existe um planejamento urbano no seu município? Esse planejamento respeita as especificidades da sua Cidade? A expansão urbana do município respeita esse planejamento? A população tem conhecimento desse palnejamento e participou da sua elaboração? Ficam essas questões para reflexão. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 25 de maio de 2022

Educação Ambiental em Lajeado: para além dos muros da Escola

O patrimônio natural do município de Lajeado é a sua grande riqueza. No entanto, a relação exploratória que estabelecemos com esses recursos não só coloca-o em risco, como também acaba voltando contra nós mesmos através das mudanças climáticas, das doenças advindas dessas mudanças e a esquecez de alimentos. 

Nesse contexto a educação ambiental é uma ferramenta importante, através dela podemos vislumbrar uma mudança de comportamento em relação ao meio ambiente. Por isso, que desde 1999 temos uma lei que institui a política nacional de educação ambiental  (lei 9.795/99) – que tem entre outros objetivos estimular os estudantes e a comunidade em geral na busca de soluções dos problemas ambientais.

Seguindo essa linha, Takemore Silva e Menezes Silva (2016) defendem a importância da inclusão da educação ambiental no currículo da educação básica. Sobretudo diante do contexto que vivemos, isto é, de avanço da crise climática – que é reflexo da ação humana. Ora, mesmo dependendo dos recursos naturais, nós agimos de forma contrária – que se dá em grande medida, segundo os autores (2016), por uma perspectiva de desenvolvimento que visa o lucro.

Quando se fala em educação ambiental no município de Lajeado o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (CENSP-LAJEADO) tem uma importante contribuição. O CENSP desenvolve a educação ambiental de forma sistemática e nos últimos anos numa perspectiva para além dos muros da escola, isto é, com ações que envolve e chama atenção de toda a comunidade para necessidade de valorizarmos, preservarmos e conversarmos nossos recursos naturais. Tal perspectiva parte da compreensão de que uma mudança de paradigma para um modelo sustentável de relação com o  meio ambiente só será possível com o envolvimento de toda a sociedade.

Nessa linha é importante salientar o que defende Takemori Silva e Menezes Silva (2016), sobre o fato de que a conservação deve ser ensinada em todos os lugares. Nessa afirmação temos um elemento importante. Isto é, para nossos autores, a educação ambiental  (que está presente na Lei de Diretrizes e Base da Educação como um tema transversal) deve ser desenvolvida na perspectiva da conservação e não do cuidado. Mas qual é a diferença?

A educação ambiental na perspectiva do cuidado tem como meta a limpeza simplesmente. Já na perspectiva da conservação a meta é mudar o modo de Vida. Temos assim duas perspectiva antagônicas, pois em última análise, enquanto uma está ligada a uma manutenção a outra a ponta para a ruptura. Por isso, para nossos autores (2016), a educação ambiental não pode ficar só na teoria.

Nesse sentido outro aspecto das ações desenvolvidas pelo CENSP é a valorização dos saberes populares na preservação do Meio Ambiente. Por isso, além das discussões teóricas, há uma preocupação de dá voz a pessoas da comunidade que através de suas ações são exemplos de respeito e cuidado com os nossos recursos naturais. Pessoas que compreendem a nossa dependência da natureza, mais do que isso na verdade – que somos natureza.

Entramos assim numa discussão filosófica, isto é,  estamos na natureza ou somos natureza? O Filósofo Juvenal Savian Filho (2016) desenvolve muito bem essa discussão no seu “Filosofia e filosofias – existência e sentidos”. Para esse autor ao longo da história foi se consolidando duas visões acerca da natureza: Uma que a compreende como se fosse uma máquina, isto é, algo que podemos dominar e usar em nosso proveito. Já a outra compreende como um organismo vivo, do qual nós fazemos parte. Desse modo nossa relação com a natureza seria o reflexo da forma com que a enxergamos.

Savian Filho (2016) destaca que, “hoje mais do que nunca, somos solicitados a rever nossa maneira de encarar a Natureza. Repensá-la significa repensar a nossa própria morada e o tipo de relação que estabelecemos com nossos companheiros de jornada, os minerais, as plantas e os animais não humanos”.

A educação ambiental é certamente um esforço nesse sentido. E o CENSP tem feito isso de forma contínua. Por isso é inegável a sua contribuição na mudança de paradigma em relação a visão da natureza como uma máquina, com recursos inesgotáveis que podemos usar como bem nos aprouver sem nos preocuparmos com sua preservação e conservação. 

Por Raimundo Oliveira e Pedro Ferreira Nunes - Professores da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Mario Vargas Llosa e o apoio a Bolsonaro

A primeira coisa que me veio a cabeça quando vi a confirmação da vitória do Gabriel Boric para Presidente do Chile, foi de que deveríamos fazer uma campanha para que o escritor Mario Vargas Llosa apoiasse a reeleição do Presidente Bolsonaro. Não foi necessário. Recentemente ele deu uma declaração nesse sentido.

Vargas Llosa é prêmio Nobel de literatura. Entre as sua obras estão “A casa Verde” (1966), “Conversa no Catedral” (1969), “A guerra do fim do mundo” (1981) e “Travessuras da Menina Má” (2006). Peruano de Arequipa – onde nasceu em 1936. Atualmente mora na Espanha. E colabora com periódicos como o El país. Mais recente tornou-se imortal da academia francesa de Letras. É considerado, por tanto, um clássico da literatura latino-americana e mundial. 

Ter o apoio politico de uma figura dessas é motivo para comemorar, não?! Ainda mais para alguém que não tem lá grande prestígio no âmbito Internacional como é o caso do nosso mandatário. 

Confesso que nunca li nenhuma das produções literárias de Vargas Llosa. Não por qualquer preconceito contra esse autor, mas por ainda não ter tido a oportunidade de encontrar numa biblioteca ou adquirir alguma obra de sua autoria. O meu contato com ele é apenas através dos seus artigos de opinião que são publicados no El país (diga-se de passagem, um tanto medíocres que nunca consegui ler até o final). E a partir do momento que ele declarou apoio a eleição da Keiko Fujimori contra o Pedro Castilho na disputa pela Presidência da República nas eleições Peruanas, meu ranso com ele só aumentou.

Não vou fazer aqui a ficha corrida de Keiko  e do que a familia dela representa no Peru. Vargas Llosa como um intelectual filho daquela terra sabe mais do que ninguém. De modo que o seu apoio a esse clã político é asqueroso. Já nas eleições Chilenas o nosso prestigiado escritor latinoamericano voltou a aparecer declarando o seu apoio ao ultradireitista – José Antonio Kast contra o jovem Gabriel Boric. Felizmente,  tanto no Peru como no Chile, o povo, na sua maioria ignorou a opinião de Llosa.

Foi então que me pareceu (agarrado as tradições místicas latino-americana) ser um bom presságio se Vargas Llosa declarasse apoio a reeleição do Presidente Jair Bolsonaro. E assim ele fez. Óbvio que não será isso que selará o destino desse goveno. A sua derrota virá de qualquer forma – virá, parafraseando uma canção da banda punk Garotos Podres, como um grito de liberdade preso na garganta. Pois ao contrário de Vargas Llosa que vive tranquilamente num país comandado por um governo socialdemocrata, desfrutando de suas benesses. O povo trabalhador brasileiro que senti diariamente na pele as consequências de um governo ultraliberal, saberá em quem votar.

De acordo com informações da imprensa, o escritor Peruano declarou que apesar das palhaçadas e erros cometidos por Bolsonaro, prefere ele ao ex-presidente Luiz Inácio Lula. Pois segundo ele o atual mandatário acabou com um mau que assola o nosso continente que é a corrupção. Sim, isso mesmo. “Acabou com a corrupção”.

Ora, dizer que o governo Bolsonaro acabou com a corrupção, é no mínimo falta de informação. Mas sabemos que não é disso que se trata, e sim do mau caratismo típico dos liberais. O fato é que como vimos pontuando ao longo dessas linhas, Vargas Llosa nos últimos processos eleitorais na América Latina tem se posicionado ao lado de políticos que defendem os interesses das elites.

Felizmente, o seu posicionamento político na América Latina tem sido irrelevante. E se ainda perdemos tempo escrevendo sobre é pelo fato dele ter uma relevância inquestionável no campo literário. Nesse sentido não defendemos o seu cancelamento – essa coisa tão na moda nos dias que vivemos. Sabemos o quanto é difícil separar o autor da sua obra, mas talvez não precisamos fazer isso. Devemos antes conhecer para poder criticar, e conhecer significa ler o autor em questão. 

Para finalizar, diria que numa coisa concordo com Vargas Llosa, não tenho nenhuma simpatia pela candidatura Lula. Preferiria um nome alternativo a esquerda. Por exemplo, do Deputado Federal Glauber Braga (PSOL). Não sendo possível, seguindo a linha do Professor José Paulo Netto, apoiaremos o nome que tiver mais condição de derrotar Bolsonaro. Se esse nome for o do Lula, que seja então. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 15 de maio de 2022

A questão do Conservadorismo no filme o Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade

Num povoado, no interior de Minas Gerais, um casal de jovens se apaixona perdidamente. Até ai tudo bem, se ele não fosse Padre. Para viver esse amor, além da guerra interna entre a sua fé e o seu desejo, o Padre juntamente com sua amada terá que superar a revolta da comunidade local.

Esse é enredo do filme “O Padre e a Moça” (1966) de Joaquim Pedro de Andrade, baseado num poema do Carlos Drumond de Andrade. Na contramão do seu “Macunaíma”, o cineasta nos intrega um filme denso, num ritmo lento, num cenário de decadência tal como as figuras que ali vivem. Mas ao mesmo tempo, uma história que prende, que nos provoca, que nos faz refletir. É sem dúvida um belo filme da cinematografia nacional.

O filme tem início com a chegada do jovem Padre (Paulo José) ao povoado, que se deu devido a morte do Padre António – vigário da igreja local. A partir daí somos levados a conhecer os indivíduos que ali vivem, bem como os seus dramas. Entre eles está Mariana (Helena Ignez), uma linda jovem, que vive como prisioneira na casa do homem mais rico da localidade – Honorato (Mário Lago). Este cria a jovem desde pequena, após ela ficar órfão, mas vive com a moça como se fosse sua mulher. E agora com a morte do Padre António, pretende oficializar aquela união. Já Vitorino (Fauzi Arap), um comerciante local, também é apaixonado por Mariana, e vive embriagado, como reflexo da sua impotência de enfrentar Honorato para ficar com ela.

A chegada do Padre mexe com a vida desses personagens. Sobretudo de Mariana que se apaixona por ele, e vê ali uma chance de sair da prisão ao lado de um homem que ela não ama. Mas o Padre resiste a abandonar sua batina para ficar com a jovem. E busca reprimir o sentimento que nutre por ela. Enquanto isso o plano de Honorato de fazer de Mariana sua esposa avança, mesmo diante da revolta de Vitorino, que clama ao Padre para que possa intervir diante daquela “pouca vergonha”.

A cena que dá uma virada na história é quando Mariana, sai escondida a noite e vai procurar o Padre para declarar o seu amor. No dia seguinte o Padre cai em desgraça. Toda a cidade vira as costas para ele, até mesmo Vitorino. Diante disso o Padre se vê num beco sem saída. Agora, só lhe resta apressar o seu retorno, mas não pode deixar Mariana naquele sofrimento. Irá leva-la com ele –os dois partiram em fuga, mas não se iluda, não será para serem felizes para sempre. 

Aqui não nos interessa falar sobre como termina o filme. O ponto que gostaríamos de chamar atenção é para conduta da comunidade diante do drama de Mariana. Não se vê nenhuma atitude de repreensão, por parte da comunidade, a conduta de Honorato em relação a moça. Mesmo que se percebe ali claramente, nas palavras de Vitorino, “uma pouca vergonha”. No entanto essa mesma comunidade que se omite diante da conduta de Honorato, não pensa duas vezes em condenar o Padre e a Moça.

Estamos assim, diante de um bom exemplo de como o conservadorismo funciona na prática. Isto é, há uma espécie de seletividade para determinar o que é certo ou errado do ponto de vista moral. Para compreendermos melhor essa seletividade é preciso entender uma característica do conservadorismo – o senso de comunidade. Se você faz parte dessa comunidade, como é o caso do Honorato (e tem poder), relava-se a sua conduta imoral, mas se não, o julgamento é impiedoso. 

Diante dos tempos que estamos vivendo, o filme “O Padre e a Moça” ganha relevo importante. Sabemos o quão é difícil fazer o debate sobre costumes na nossa sociedade. Sobretudo diante da hipocrisia que há por trás do discurso conservador. No entanto,  é uma discussão necessária, se não quisermos ser queimados em praça pública por ir contra “a moral e os bons costumes”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

terça-feira, 10 de maio de 2022

Crônica: Ventos Gerais

O dia amanheceu diferente. Ah, são os ventos gerais. A mim me parece que por essas bandas do norte o ano só inicia mesmo quando começam os ventos gerais. Tudo bem que com eles vem o período de estiagem – o que significa dizer que chuva agora só lá para setembro. E olhe lá!

Com os ventos gerais também vem a poeira e as queimadas. Sem falar naquele calor para vendedor de picolé nenhum botar defeito. Mas para compensar tem as praias, não é mesmo?! Apesar que com o lago da usina temos praia o ano todo. No entanto a temporada oficial é diferente. As exposições agropecuárias e as festas juninas formam a trinca que movimenta a vida cultural, fazendo desse período, um período diferenciado. Por isso que quando os ventos gerais começam é como se o ano de fato começasse.

De certa forma, no interior nortista o tempo é vivido de um modo cíclico. Indo portanto, numa perspectiva contrária ao modelo de tempo linear que o calendário tenta nos impor. É a partir dessa compreensão que podemos entender a representatividade dos ventos gerais para a vida local. Pois em última análise estamos falando do início de um novo ciclo, mais relacionado com os fenômenos da natureza do que com o calendário. 

Para mim os ventos gerais trazem saudades. Lembro da minha infância, da baixa Preta, da chácara dos meus avós, da Ilha da praia, dos parentes e amigos que partiram. Tomo consciência que o tempo está passando – ainda que no interior ele parece se mover mais devagar. Mas de repente quando você percebe, o rio não é mais o mesmo, a Ilha verde não é mais a mesma, as festas não são mais as mesmas, seus vizinhos não são mais os mesmos, você já não é mais o mesmo.

De repente você está falando: - Ah, no meu tempo as coisas eram diferentes. Quer prova maior de que você está ficando velho? O pior não é envelhecer e morrer. O pior é ver pessoas queridas partir (algumas partem mesmo antes de morrer). Numa conversa qualquer, numa esquina, numa fotografia você se dá conta que fulano de tal não está mais aqui. Ai vem na sua memória a bela canção do Elomar Figueira Melo:

“Mas cadê meus cumpanhêro, cadê/ qui cantava aqui mais eu, cadê/ Na calçada no terrêro, cadê/Cadê os cumpanheros meus, cadê/Cairo na lapa do mundo, cadê/Lapa do mundão de Deus, cadê...”.

Mas assim é a vida, camarada. Ela é constituída das memórias dos encontros e desencontros que vamos tecendo ao longo da caminhada – de uma caminhada que um dia terá um fim, afinal de contas somos finitos. E talvez ai esteja a beleza da vida – o fato de que ela um dia acaba. De modo que devemos nos esforçar ao máximo para que essas memórias, além de saudade, nos traga orgulho do que vivemos – da história que construímos, das amizades que fizemos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Manoel Duarte de Souza: Um pioneiro das letras em Lajeado


Quando Manuel Duarte de Souza lançou lá nos idos de 2009 o seu “Cansanção”, não só realizou a máxima do Poeta Cubano José Martí sobre plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Deu também uma enorme contribuição para construção de uma cultura literária lajeadense. Por isso os seus textos devem ser divulgados e trabalhados na esfera educacional. E o seu nome merece um reconhecimento maior por parte do poder público local.

Manuel Duarte de Souza nasceu no Estado do Maranhão (como tantos outros que foram e são fundamentais na construção da cidade de Lajeado), no munícipio de Pastos Bons, no ano de 1929. Ao ingressar nos quadros de funcionários do Banco do Brasil sua vida teve uma guinada importante. Viveu em diferentes Estados e regiões do Brasil, em cidades como Areia (PE), Cachoeira do Sul (RS), Juiazeiro (CE) e Goiânia (GO). Foi na capital goiana que se aposentou do serviço público. Para então se fixar, até sua morte, no município de Lajeado (TO). 

Mesmo não tendo feito curso superior a sua riqueza cultural era inegável. Proporcionada, sobretudo, por um nível de vida privilegiado (em relação a maioria da população brasileira), devido a sua condição de servidor público federal. O hábito da leitura e da escrita o acompanhava desde os tempos do antigo ginásio, como podemos ver em suas memórias. Lia de tudo – Filosofia, Política, Psicologia, Poesia e Literatura em Geral. Toda essa bagagem de leitura certamente influenciou na sua escrita.

Em “Cansanção”, Manuel Duarte de Souza trafega por diferentes gêneros literários, mas poderíamos afirmar se tratar de um livro de memórias. Que começa com o nosso autor relatando sobre o seu prazer de viajar. E se encerra, 244 páginas depois, com um álbum de fotografias. 

Certamente teríamos mais páginas se a editora (Anapolina LTDA) tivesse feito uma edição melhor. Creio que isso deve ter ocorrido por questões de custos. Pois não é fácil bancar uma publicação com recursos do próprio bolso sem nenhuma garantia de retorno. Mas ainda que a edição não é das melhores, a obra não perde o seu valor. Um aspecto interessante, é que ela não precisa ser lida de forma linear. Fica essa dica, portanto. 

Outro aspecto que me chamou atenção foi a justificativa para o nome da obra. Para quem não conhece “Cansanção” é uma planta muito comum no sertão. Me recordo que na minha infância quando nossos pais falavam em bater em alguém com cansanção é por que a coisa era séria. Nosso autor faz uma analogia com os passarinhos que fazem ninho no Cansanção para proteger suas crias dos predadores. Ao utilizar o nome dessa famosa planta, ele estaria protegendo seus textos das críticas. 

Aliás, nota-se uma indignação muito grande do autor com as possíveis críticas acerca da sua obra. Além dessa passagem onde ele justifica o nome do livro. Na introdução Manuel também volta ao assunto. Se referindo inclusive a críticas que recebera antes mesmo da publicação: “Aos tolos desafisados e burros motivados que já lançaram veneno sobre a minha obra, sem ao menos haverem lido um capítulo sequer do seu conteúdo,  o meu repúdio” (Souza, p.12).

Manuel Duarte de Souza sabia, ou deveria saber, que aqueles que ousam se expor dessa forma estão sujeitos a críticas. Mas o mínimo que se espera é que essa crítica seja fundamentada, ou seja, no caso em questão, que se tenha lido a obra. Se não for assim, não há por que se incomodar tanto. Por ser o seu primeiro livro publicado, e pelo cunho pessoal, é compreensível a sua insegurança. 

Entre os textos que compõem a obra destacaria o de abertura: O prazer de viajar – aqui percebemos o quanto o estudo foi importante para que o nosso autor tivesse uma perspetiva de vida diferente daquela que Pastos Bons poderia lhe proporcionar. Do desafio de tirar melhores notas para ir a São Luiz. Ou aos estudos para passar no concurso do Banco do Brasil. É a educação mostrando o seu poder de transformação. 

Em textos como a “CASSI no Tocantins” temos o exemplo de alguém que sempre teve consciência dos seus direitos e lutou por eles com consciência de classe. Em textos como “Demagogice” e “Resposta a Joelmir Beting” temos alguém antenado ao debate político nacional crítico dos Governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e seu projeto privatista. E entusiasta de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) desde a sua primeira campanha a presidência do Brasil. 

Aqui cabe ressaltar que apesar do seu interesse pelo debate político, não se envolvia com política partidária. Dessa forma compreendia a politica tal como os gregos – como a busca pelo bem comum.

 Em textos como “Meu querido jatobá” temos a memória da infância. Em textos como “Mano José”, o reconhecimento da importância da família na sua vida. E por fim, em “Lajeado, teus encantos” nosso autor narra a sua saga por essas bandas. Os primeiros moradores que conhecera, as amizades que fizera, um novo amor e a sua luta pela iluminação do setor Aeroporto – atuando na perspectiva política que falamos anteriormente. 

Enfim, “Cansanção”, nos mostra a história desse Maranhense que deixou sua marca na história de Lajeado e do Tocantins. Não é uma história diferente, como ele mesmo reconhece, de tantos outros jovens que nasceram no interior do Brasil. Mas ao transformar essa história numa obra literária, Manuel Duarte de Souza se diferencia dos demais. Com ela, ele alcançou a imortalidade, tornando uma referência não só para os seus familiares. 

Quando tivermos uma literatura lajeadense. Manuel Duarte de Souza deverá ser lembrado necessariamente como um dos pioneiros das letras em Lajeado. Muito dos exemplares da sua obra “Cansanção” não foram comercializados. Por tanto seria uma grande homenagem, por parte do poder público local, adquirir esses exemplares junto aos seus familiares e distribuir gratuitamente para os estudantes da rede municipal de ensino. Ou então disponibiliza-los em órgãos públicos. Pois trata-se de um crime imperdoável deixar esses livros engavetados. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.