quinta-feira, 25 de abril de 2024

Crônicas aurenianas – sobre relacionamentos

“Se a gente já não sabe mais,
rir um do outro, meu bem
Então o que resta é chorar e, talvez
Se tem que durar
Vem renascido o amor
Bento de lágrimas...”.

Los Hermanos



Não raramente vejo situações que me lembram que está sozinho é a melhor escolha possível. E honestamente não sinto nenhuma necessidade de estar com alguém. Olha que já não sou tão jovem. Estou mais próximo dos 40 do que dos 30. Apesar da minha aparência de 22 – segundo alguns dos meus alunos, rs.

A situação que me motivou a escrever essas linhas ocorreu esses dias quando estava fazendo um planejamento e não pude deixar de ouvir a conversa entre minha vizinha de kit net com sua mãe a respeito do seu namorido. Ela estava acabando com o pobre diabo. E a forma que ela dizia trata-lo me pareceu um relacionamento abusivo por parte dela. – não aceito que fume e que beba na minha casa. E ela fez uma ênfase bem  grande na frase “minha casa”. Não aceito isso. Não aceito aquilo. Não quero isso, não quero aquilo.

Não pude deixar de pensar comigo. Oh mulherzinha. Já mais me relacionaria com um tipo desses. Pois se tem uma coisa que não aceito de forma alguma é alguém que acha que pode dizer o que tenho que fazer – onde e quando. Nem mesmo meus pais, sobretudo minha mãe – que foi com quem mais convivi, descobriram ainda na minha adolescência que eu era uma espécie de um espírito livre. Ou seja, que teriam que respeitar as minhas escolhas, ainda que essas nem sempre fossem as melhores.

Enquanto a conversa continuava me deu vontade de fumar um palheiro. E assim fiz. Eles provavelmente perceberam. Lembrei da cerveja na geladeira. Só não abri uma naquele momento por que estava tomando tereré. Mas ela provavelmente sabia que eu bebia umas, por que toda noite pelos menos umas três vão pro saco.

Outra aspecto que observei na criatura é que ela acredita em misticismo. Pensei comigo, tão jovem e tão alienada. Só falta ser bolsonarista. Coisa que não é muito raro por essas bandas da capital.

– Mãe, ele anda carregado. Mas também os lugares que ele frequenta. As amizades. Vive dizendo que não tem dinheiro. Mas chama ele para ir pro buteco beber para ver se ele não dá um jeito.

Lembrei de uma canção da banda Saco de Ratos: “Ela me propôs não ter amigo chato. Isso é quase impossível, vai pra casa do caralho...”. Oh meu caro, aguentar uma mulher daqueles tem que ser alcoolizado mesmo.

Assumidamente barraqueira, o tom de voz dela não me agradou nem um pouco. Se numa conversa aparentemente normal ela falava quase gritando. Imagina numa discussão. Se tem uma coisa que me incomoda por demais num relacionamento é a incapacidade das pessoas em conversar, como diz Rubens Alves, mansamente.

Não acredito num relacionamento em que um tenha que fazer a vontade do outro. Isso vale tanto para o homem quanto para mulher. Compreendo que as vezes precisamos ceder. Mas quando isso é apenas de uma parte vira escravidão. Outro fator importante é o diálogo. Ora se a pessoa com quem você está, está agindo de uma forma que lhe incomoda só há duas possibilidades,  pelo menos na minha visão. Conversar para tentar resolver ou terminar. Pois afinal de contas ninguém precisa ficar se torturando num relacionamento abusivo.

O que vai resolver você ficar falando para terceiros um problema que é seu com o seu parceiro? 

A minha vizinha aparentemente não tem  mais que 20 anos. Espero que a vida lhe ensine. Quem sabe o que ela não passou na infância para ter se tornado aquele tipo de pessoa. Não julgo. Mas quero distante de mim. Por enquanto estou muito bem sozinho.

Pedro Ferreira Nunes –  É apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

sábado, 20 de abril de 2024

Origem da Comunidade e o Papel de Dona Aureny Siqueira Campos

A aula teve início com o nosso questionamento aos estudantes acerca de quem teria sido Aureny - a mulher que dava nome a quatro bairros que compunham aquela região. Ninguém sabia. Seria pelo fato de serem jovens que nasceram já há um bom tempo da criação dos bairros? Pela falta de interesse pela história local? Ou seria reflexo da importância que se dá a figura feminina na nossa sociedade? Desafiei-os a conversar com pessoas mais velhas do bairro para ver se sabiam ou quem sabe até conheceram aquela figura e por que havia sido escolhido para dar nome a quatro bairros (Areny I, II, III e IV). 

Salvo algumas exceções, o resultado foi decepcionante. Novamente seria falta de interesse ou apagamento histórico do papel feminino? O fato é que quando pesquisamos acerca dessa figura na internet só aparece a notícia do seu falecimento com 96 anos em Brasília, em 2020. Quando ligamos Dona Aureny ao sobrenome Siqueira Campos, a coisa mudou de figura. Os estudantes logo ligaram ela ao histórico político tocantinense, responsável pela elaboração da emenda que criou o Estado do Tocantins e que o governou por vários mandatos. De modo que logo deduziram que era uma homenagem à mulher de um político. 

Mas não é isso que dizem alguns relatos, inclusive trazido pelos estudantes, de que a homenagem partiu das próprias pessoas que iniciaram os loteamentos que deu início aos bairros, e teve na figura de Dona Aureny um apoio solidário fundamental. Ou seja, a homenagem não foi de cima para baixo, mas de baixo para cima. Um reconhecimento da comunidade a sua contribuição às famílias que ali chegavam, na sua grande maioria vindo de Estados do Nordeste (Maranhão, Piauí, Bahia), pudessem sobreviver num lugar afastado do plano diretor e sem nenhuma infraestrutura por parte do Estado. 

Mas o fato é que essa região prosperou e tornou-se um dos territórios mais populares da capital. Nas entrevistas realizadas pelos estudantes há esse reconhecimento. Todos falam do carinho pelo lugar, mas não deixam de apontar os problemas como por exemplo a criminalidade e insegurança. As entrevistas também mostram pessoas de diversas origens, que chegaram aqui já depois dos anos 2000. Ou seja, já chegaram num lugar um pouco mais desenvolvido do que aquele encontrado pelos pioneiros. 

Enfim, acredito que conseguimos alcançar o objetivo da atividade proposta. Refletimos sobre a origem da comunidade - que está ligada à origem da capital do Tocantins (Palmas). Digamos que é o berço daqueles que não tinham condições de se estabelecer no plano piloto. A peãozada, os retirantes - que vinham dos interiores em busca de uma vida melhor. E que encontraram numa figura feminina o apoio para que superassem os momentos mais difíceis - que todos aqueles que se dispõem a ser pioneiros passam. Sua condição privilegiada como mulher de um político de nome como José Wilson Siqueira Campos e mãe de uma figura não menos relevante como Eduardo Siqueira Campos. Certamente lhe abria portas para que fizesse esse trabalho. E a partir daí construísse o seu próprio legado. Não ficando na sombra das figuras masculinas da família.

Pedro Ferreira Nunes, in Revista A mulher, a comunidade local e a luta por igualdade de gênero. Cemil Santa Rita de Cássia, 2024.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Revista: A mulher, a comunidade local e a luta por igualdade de gênero

Nos últimos anos o calendário escolar da rede estadual de educação do Tocantins tem indicado a realização da semana de combate a violência contra a mulher, na semana em que é celebrado o dia internacional da mulher (8 de março). Com isso observamos uma orientação de que o 8 de março não pode ser reduzido à homenagem às mulheres com flores e bombons, mas também como um momento de reflexão e discussão sobre a condição feminina na sociedade.

É nesse contexto que se insere esse projeto, que buscou trazer a discussão para o território em que a escola está inserida - território que inclusive é formado por alguns bairros batizados com nomes de mulheres. Até que ponto a comunidade conhece quem foram essas mulheres? Por que elas foram homenageadas dando nomes a bairros? Quem fez essa homenagem? Esse foi apenas o ponto de partida para discutirmos outras questões como violência e igualdade de gênero. 

Pelo discurso de alguns estudantes, a importância dessa discussão no ambiente escolar é mais do que justificável. Discurso que reproduz a violência e o machismo estrutural da nossa sociedade. Discursos que inclusive vão contra os direitos humanos. Por outro lado percebemos a sensibilidade daqueles que reconhecem o problema e percebem a necessidade de uma mudança de paradigma. Em consonância com o que propõe a Organização das Nações Unidas (ONU) nos seus desafios para o desenvolvimento sustentável, que entre eles está a igualdade de gênero.

Para que isso se efetive acreditamos que a educação cumpre um papel importante. Sobretudo contribuindo com a construção de uma cultura de respeito e reconhecimento dos direitos do outro. 

Enfim. O material que segue nesta publicação foi elaborado pelos estudantes e mostra um pouco da nossa estratégia pedagógica para trabalhar a temática. Foram muitas atividades, mas tivemos que optar por aquelas, que na nossa visão, tiveram uma melhor elaboração. Como o desenho da capa feito pelas estudantes da 1ª série do Ensino Médio (13.06) - Mariahthe, Anny e Millena. 

Baixe a versão digital da Revista acessando o link:https://drive.google.com/file/d/1auiJUwMZCksBMPdseVs2lurC3YyXwhRK/view?usp=sharing

Pedro Ferreira Nunes - Professor da Educação Básica no CEMIL Santa Rita de Cássia.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Sobre os afetos e a importância da sua compreensão

O que faz com que os indivíduos ajam de uma determinada forma, em situações e contextos determinados? Eis um problema que diversos pensadores buscaram responder ao longo da história. A partir dessas reflexões uma questão chama atenção: O poder dos afetos – uma questão que se tornou um ponto central nas diferentes teorias no campo da ética. 

Antes de falarmos do poder dos afetos, precisamos defini-los. Salientando que em Filosofia nem sempre há uma única compreensão de determinados conceitos. Desse modo optaremos de início pela definição dada pelo filósofo holandês Baruch Espinoza, que compreende afetos como (2014, p. 38) “afecções do corpo que aumentam ou diminuem, ajudam ou limitam, a potência de agir deste corpo e ao mesmo tempo as ideias destas afecções”.

A partir dessa definição percebemos que existem afetos que nos fazem bem, e outros que nos fazem o contrário. Desse modo devemos agir buscando conservar os afetos que aumentam ou ajudam a nossa potência de agir e destruir aqueles que limitam ou diminuem a nossa potência de agir. Que afetos seriam esses? 

De acordo com o nosso filósofo existem três afetos primários, a saber: Alegria, Tristeza e Desejo. Sendo que é a partir deles que se originam os demais, como por exemplo, o amor, o ódio, a esperança, o medo entre outros. 

As afecções que derivam da tristeza seriam aquelas que diminuem ou limitam a nossa potência de agir, já as que se originam da alegria ajudam ou aumentam a nossa potência de agir. E as afecções originadas do desejo também são da mesma natureza, por exemplo, a audácia é apontada pelo nosso filósofo como (2014, p. 68) “o desejo que leva alguém a fazer algo correndo um perigo que seus iguais teriam medo de suportar”. O contrário da covardia, “que se diz de alguém cujo desejo é limitado pelo temor de um perigo que seus iguais ousam suportar”. Desse modo percebemos que o primeiro seria um desejo que ajuda ou aumenta a nossa potência de agir, e a covardia seria o contrário. 

É importante ressaltar que para Espinoza mente e corpo não são substâncias separadas. Pelo contrário, pois segundo o nosso filósofo (2014, p. 41) “a primeira coisa que constitui a essência da mente é a ideia de um corpo existente em ato”. Desse modo mente e corpo são unos. Uma compreensão que o afastará não só do racionalismo do filósofo francês Descartes, como também da ética cristã - que defendiam uma visão dualista em que mente e corpo eram substâncias separadas, sendo que a mente deveria comandar o corpo. Chamamos atenção para esse ponto pelo fato de que a compreensão que o nosso filósofo tem acerca de determinados afetos, é diferente da compreensão que a cultura ocidental, fortemente influenciada pelo cristianismo, tem. Um exemplo é a respeito da Esperança, que veremos mais à frente.

Antes de Baruch Espinoza, Aristóteles no período clássico, também buscou compreender os afetos e apresentou uma definição dos mesmos. Para o filósofo grego afetos são sentimentos acompanhados de prazer ou dor. Logo podem provocar bons ou maus encontros.

Aparentemente pode se pensar que a compreensão acerca dos afetos Aristotélica vai na mesma linha da Espinozana. Mas não é bem assim. Para Aristóteles a classificação de uma paixão entre boa ou má não se dá a priori como em Espinoza. Mas sim a partir dá forma que a sentimos. O que significa dizer que o problema não é o afeto, mas o modo como somos afetados. Por exemplo, em relação a cólera, para Aristóteles (1991, p. 33) seria considerado mal “se a sentimos de modo violento ou demasiado fraco, e boa se a sentimos moderadamente”.

Um aspecto importante na compreensão do Aristóteles acerca dos afetos é que estes fariam parte da nossa natureza. E sendo parte da nossa natureza não tem como nega-los. Pois (1991, p. 34) “sentimos cólera e medo sem nenhuma escolha da nossa parte”. Mas se não temos esse poder de escolher se seremos afetados ou não, e por quais afetos, temos condição de modera-los. E é nesse ponto que tanto a perspectiva Ética de Aristóteles como do Baruch Espinoza entra em concordância, isto é, ambos defendem que é possível moderar – agindo racionalmente – as afecções. Aristóteles dirá (1991, p. 36),


Tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão, e em geral o prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consiste o meio-termo e a excelência característica da virtude (ARISTÓTELES, 1991, p. 36).


Baruch Espinoza por sua vez salienta que sem conhecer a origem e natureza dos afetos será impossível agir de forma racional. Para o filósofo holandês antes de jugarmos as ações dos homens a partir das suas afecções, devemos sim buscar compreendê-los. 


Nada há que possa ser atribuído a um vício da natureza, pois a natureza é sempre a mesma e sua virtude e potência de agir são sempre em qualquer lugar as mesmas, isto é, as leis e regras da natureza, segundo as quais tudo acontece e passa de uma forma a outra, são as mesmas sempre e em qualquer lugar (ESPINOZA, 2014, p. 38).  


A partir da análise do que Aristóteles e Baruch Espinoza falam sobre os afetos podemos fazer algumas conclusões: Primeiro, que estamos falando de algo que faz parte da natureza. E como parte da natureza que somos não podemos escolher ser afetados ou não por eles. Segundo, o modo como somos afetados pelos afetos determinam as nossas ações. Isto é, se serão ações virtuosas ou viciosas. Terceiro, é possível agir evitando, ou moderando, os afetos que nos proporcionam maus encontros. Ou seja, que limita ou diminuem a nossa potência de agir. Quarto, controlar os afetos, racionalmente, é agir eticamente. 

Dito isso, temos então a visão do filósofo brasileiro Vladimir Safatle, que digamos, não está preocupado em apresentar uma nova teoria sobre a origem e natureza dos afetos. Também não está preocupado em saber como os afetos determinam as ações dos indivíduos na sociedade. Mas sim com o problema de que os afetos que circulam numa determinada sociedade definem o modo de vida nessa sociedade. Tal compreensão é importante, sobretudo se se pretende buscar uma mudança. Dessa forma a leitura do filósofo se afasta um pouco da questão ética e se aproxima da política. Cabe, no entanto, ressaltar que em Filosofia ética e política estão intrinsicamente ligadas.

Para Safatle (2015, p. 15-16) normalmente a sociedade é compreendida como “um sistema de normas, valores e regras que estruturam formas de comportamento e interação em múltiplas esferas da vida”. Tal compreensão não é equivocada. No entanto ele salienta que além de normas explicitas existem as implícitas - que estão sempre em conflitos. Desse modo se faz necessário compreender a sociedade a partir da sua subjetividade, dos afetos que circulam no seu seio. Nosso filósofo salienta que (2015, p. 16) “há uma adesão social construída através das afecções. Nesse sentido, quando sociedades se transformam, abrindo-se à produção de formas singulares de vida, os afetos começam a circular de outra forma”. 

Percebemos que assim como em Aristóteles e Espinoza, em Safatle há uma defesa da necessidade de se compreender os afetos a partir de uma perspectiva racional. E ainda mais, utilizar o seu poder para transformar uma determinada realidade...

Pedro Ferreira Nunes. In. OS AFETOS QUE CIRCULAM ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: A Importância da Ética para Promoção dos Direitos Humanos, 2021. Trecho do artigo apresentado como requisito para conclusão da Especialização em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

As eleições municipais e a força do discurso conservador em Palmas

Os levantamentos acerca da intenção de votos para eleição do novo gestor ou gestora á frente da Prefeitura Municipal de Palmas apontam até agora a força da deputada Estadual Janad Valcari do Partido Liberal (PL). De onde vem essa força? Sobretudo pensando no fato de que estamos falando de uma personalidade que não tem uma tradição na política tocantinense.

Valcari está apenas no seu primeiro mandato como Deputada Estadual na Assembléia Legislativa. E anteriormente havia sido eleita para um primeiro mandato na Câmara de Vereadores da Capital – onde fora alçada para presidência da casa de leis e ganhou destaque se opondo a gestão da Prefeita Cíntia Ribeiro. Mas muito pouco se compararmos há alguns nomes com uma tradição maior na política palmense – como o Eduardo Siqueira Campos, Júnior Geo ou Carlos Amastha.

É óbvio que ainda há muito jogo até o dia da votação. Poderíamos dizer que, comparando com o futebol, os atletas ainda estão no aquecimento. Muitos nem sabe se vão jogar. Mas esse não é o caso de Janad Valcari que já se coloca como à favorita. 

Se é fato que favoristimo não ganha eleição, assim como não ganha jogo, tem lá a suas vantagens. Como por exemplo, articular mais apoio e uma maior estrutura para fazer a campanha. Óbvio,  que estamos falando de uma capital e eleitor da capital muitas vezes nos surpreende. Palmas mesmo tem na sua história momentos assim. No entanto, a cidade parece ter dado uma guinada conservadora pelo competente trabalho de base das igrejas neopentecostais nas periferias. E creio que é ai que se explica a força de Janad Valcari.

À relação entre religião e política não é uma novidade no cenário político da capital. Mas isso acabou ganhando contornos extremos a partir do fenômeno Bolsonaro. As igrejas neopentecostais foram transformadas em comitês de campanha e o reflexo desse movimento foi a votação do Bolsonaro (enquanto Lula obteve 39,68% dos votos do eleitor palmense no 2° turno, Bolsonaro alcançou 60,32%) e de candidatos aliados a sua figura, entre eles Valcari que foi a deputada mais bem votada com mais de 4 mil votos de diferença para o 2° colocado. Para Câmara dos deputados os dois candidato mais votados também foram do PL e ligados a igrejas neopentecostais – Filipe Martins e Eli Borges.

Confesso que me surpreendi com os números das eleições de 2022 em Palmas. Por ser uma capital esperava uma postura mais progressista da parte do eleitorado. Mas agora, vivendo na periferia da cidade, compreendo totalmente esses números. E quem decide a eleição em Palmas é a periferia. Assim como, no Estado quem decide é o interior.

Janad Valcari compreendeu esse movimento e é daí que vem sua força política. Ainda que do ponto de vista ideológico ela tenha uma linha mais liberal do que conservadora, ao contrário dos seus correligionários, Filipe e Eli. Isso a torna uma figura palatável para outros setores. Ou seja, é um nome com maior capacidade de atrair diferentes grupos políticos. No entanto, não há dúvida que ela vai buscar surfar na força que o bolsonarismo tem na capital.

Conscientes desse cenário, há não ser que tivéssemos um candidato da esquerda revolucionária, seus adversários também não irão se comportar de forma diferente. Ou seja, vão flertar com o conservadorismo para atrair o voto dos evangélicos. Nesse sentido um aspecto preocupante é a imposição de um pensamento único - e se há um pensamento único não se vislumbra mudanças qualitativas.

O discurso conservador tem se caracterizado pela disseminação do ódio e consequemente de negação dos direitos humanos para determinados setores da sociedade. E no caso que tenho observado na periferia de Palmas é que esse discurso está sendo assimilado pelas maiores vítimas dessa lógica. E infelizmente não há perspectiva de mudança a curto e médio prazo. Sobretudo, dependendo de quem será eleito nas eleições municipais.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Educação.


sábado, 30 de março de 2024

Poema: Para menina que vi no supermercado e provavelmente nunca mais verei


Eu não conseguia parar de olhar para ti.
Mesmo tentando ser discreto,
creio que você tenha percebido.

Algo no seu jeito,
me transmitia uma energia diferente.
Não, não era uma mulher qualquer. 

Esse não é o tipo de criatura,
que você encontra em qualquer lugar.
E não está ao alcance de um reles plebeu como eu.

Você estava acompanhada,
e muito bem acompanhada,
de outra mulher.

Seria uma amiga,
namorada?
Me pareceu que sim.

Quando eu ia saindo,
você magicamente surgiu na minha frente
empurrando um carrinho.

Sorriu para mim,
e moveu a cabeça 
num cumprimento terno.

Eu correspondi 
e segui
um pouco sem acreditar.

Me deu uma vontade de voltar
e falar:
- Meu, você é muito linda.

Mas....

Escrevo essas linhas para não esquecer,
da menina que vi no supermercado 
e provavelmente nunca mais irei ver.

Foi numa quarta á tarde, 
por volta das 18h, 
véspera de feriado.

Não tinha mais que 1,60 de altura
pele branca,
ruiva.

Usava óculos, 
não mais que 30 anos,
uma mancha no queixo.

Aparentava delicadeza, 
sem tatuagens á vista,
brilho de estrela. 

Enfim...

Que realize teus sonhos, 
que tenha sempre motivos pra sorrir. 
que seja feliz.

Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 


segunda-feira, 25 de março de 2024

Balanço da gestão Júnior Bandeira (2021-2024) em Lajeado


Júnior Bandeira  segue para finalizar mais um mandato como Prefeito da Cidade de Lajeado. Esse é o seu quarto mandato á frente do Paço municipal (levando em consideração o mandato tampão com a cassação do Dr. Tércio em 2019 pela justiça eleitoral). Ou seja, nos seus trinta e poucos anos de emancipação política Lajeado teve á frente da sua gestão essa figura – que gostem ou não – deixará sua marca. Mas nesse mandato especificamente que se finda em 2024 – e pode ser o último – qual seu legado? É uma gestão que merece continuidade através da eleição de outro nome desse grupo político ou é hora de mudança?

Mudança teremos de qualquer jeito. Pois ainda que o candidato eleito em 2024 seja do grupo político do Júnior Bandeira o estilo de administração será outro. Fala-se no vice-prefeito Edilson Mascarenhas (Nego Dilson). Será que mesmo com a máquina pública na mão ele tem alguma chance contra o principal candidato da oposição? Candidato esse que atende pelo nome de Dr. Tércio – e que além do apoio do Governador Wanderlei Barbosa também conta com o apoio de um histórico alinhado do Júnior Bandeira – o Senador Eduardo Gomes. 

Enfim, o próprio Júnior Bandeira parece ter se conformado que seu grupo político não tem um nome pelo qual vale a pena sacrificar a sua imagem. E se futuramente vier hipotecar o seu apoio a alguém será meramente protocolar. Há não ser que esse nome fosse do seu genro e secretário de finanças – Carlos Cacá. Mas o apoio do Eduardo Gomes a pré-candidatura do Dr. Tércio mostra que esse projeto não existe. Talvez no futuro, afinal de contas Cacá é jovem e deixa uma boa impressão para população lajeadense.

Aliás se a atual gestão Junior Bandeira sairá com uma visão positiva por parte da população isso se deve ao Secretário de Finanças Carlos Cacá – que fez com que o turismo em Lajeado de fato se tornasse uma política pública. Daí que os principais feitos dessa gestão seja a reforma do Balneário Ilha Verde, da Praia do Segredo e a realização de um calendário de eventos com atrações artísticas para atrair turistas. Além do arroz com feijão que todo gestor faz que é a manutenção dos serviços básicos como educação, saúde e limpeza urbana.

Muito pouco para o que a cidade necessita e tem condições financeiras de fazer. Por isso não temos dúvida em afirmar que se trata de uma gestão mediana – que do ponto de vista da melhoria da qualidade de vida da população pouco avançou. E se há um campo que mostra bem isso é a educação. 

Ora, é inadmissível que uma cidade com as condições financeiras que Lajeado tem, não tenha unidades escolares de excelência – que atendem em regime integral. Com laboratório de informática, laboratório de ciências da natureza, laboratório de produção audiovisual, refeitório, piscina entre outros (não vou nem entrar aqui na questão da valorização dos profissionais da educação). Assim como cursos técnicos profissionalizantes que de fato prepare o jovem para o trabalho, bolsas de estudo universitário para jovens de família de baixa renda, bem como a melhoria da rede de apoio ao turista por meio de qualificação profissional.  

A gestão dos resíduos sólidos é outro problema que não foi enfrentado por essa gestão. É inadmissível que a cidade tenha um lixão ativo (podem negar, mas não podem esconder a realidade). Para piorar, na entrada do principal ponto turístico da cidade.

Outro ponto crítico dessa gestão é o enfrentamento das expressões da questão social como a fome, a falta de moradia, a gravidez na adolescência, drogas entre outros. 

É importante destacar que a gestão atual não teve uma oposição ferrenha como foi com seus antecessores. Sobretudo na Câmara de Vereadores. O único momento de questionamento a gestão foi por parte dos professores da rede municipal reivindicando valorização salarial. O fato é que o principal adversário da gestão foi as restrições impostas pela pandemia de COVID-19 no biênio 2020-2021- o que não pode servir de desculpa para o que não foi feito.

Diante disso somos levados a afirmar que essa gestão não tocou nos reais problemas da cidade. Estava mais preocupada em promover uma imagem positiva para o público externo do que com as necessidades da sua população. Com isso respondemos as nossas questões iniciais da seguinte forma: em relação ao legado que essa gestão deixa salientamos sobretudo um investimento no turismo – o que não deixa de ser positivo por que gera emprego e renda. Mas ainda há muito o que se avançar para que o turista se sinta acolhido na cidade – a começar por um centro de atendimento ao turista. No entanto,  pensando nos problemas estruturais nada se avançou. Por isso não temos dúvida em defender a necessidade de mudança á frente da gestão municipal,  não só de nome. Mas de alguém que esteja de fato preocupado com o desenvolvimento sustentável de Lajeado.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E Professor da Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Está na comunidade ou com a comunidade

Quando estudante de Filosofia na Universidade Federal do Tocantins (UFT) participei como bolsista do Programa de Iniciação a docência  (PIBID) – que na prática consistia em acompanhar as atividades de um professor de filosofia numa unidade escolar em Palmas – auxiliando-o quando necessário. Inclusive ministrando aulas. No meu caso fui encaminhado para a Escola Frederico José Pedreira Neto. E vendo a minha desenvoltura a professora logo me encarregou de assumir as aulas da 3° Série do Ensino Médio. E posteriormente da 2°Série.

As aulas aconteciam nas sextas-feiras no período vespertino. Com isso eu tinha toda a semana para planejar o que e como fazer. Ou seja, tinha tempo mais do que o suficiente para planejar uma boa aula. Os estudantes eram bem participativos e com isso as aulas rendiam muito. Houve oportunidade que a aula acabava e eles queriam continuar discutindo. Mas nunca me senti parte da comunidade escolar. Nunca convivi verdadeiramente. Ia de forma pontual, dava minhas aulas e depois seguia para faculdade. Não vivia o dia a dia, não participava dos eventos, não vivia no território em que a escola estava localizada. Ou seja, eu estava na comunidade, fazia parte dela de alguma forma, mas não vivia com a comunidade. Não estava integrado a ela verdadeiramente.

Sempre acreditei, sendo coerente com a perspectiva educacional que me insiro, na necessidade do educador criar um vínculo com a comunidade em que irá atuar. E criar esse vínculo significa conhecer o território que a escola está inserida. E não há melhor maneira para isso do que viver no território. A partir daí terá mais condição de desenvolver o seu fazer pedagógico tendo como ponto de partida a realidade que o estudante está inserido. 

Do contrário, ou seja, não vivendo no território que a escola está inserida não significa que não fará um bom trabalho – que não possa dar boas aulas – aulas que certamente contribuíram para formação do estudante. Mas não é só a isso que resume o processo formativo – pelo menos não na minha perspectiva. A saber, uma educação libertadora fundamentada na ideia de que não basta conhecer, é preciso transformar determinada realidade.

Essa perspectiva pedagógica acredita que no processo formativo, além do aspecto educacional há um aspecto social – que só estando no território em que a escola está localizada. E conhecendo a realidade dos estudantes, podemos dar a nossa contribuição para a sua efetivação. De modo que nunca me passou pela cabeça, ao me tornar um educador, apenas está na comunidade, mas sobretudo está com a comunidade.

Isso é importante quando vamos trabalhar em territórios marginalizados. Sobretudo porque há toda uma narrativa preconceituosa acerca desses lugares e consequemente das pessoas que vivem ali – o que pode nos levar a uma postura arrogante – inclusive quando nos comportamos como uma espécie de salvadores com a missão de tirar aqueles pobres diabos da escuridão. 

Vivendo com a comunidade conseguimos perceber os seus reais problemas como também suas potencialidades. E a partir daí conseguimos desenvolver um trabalho mais consequente.

Pedro Ferreira Nunes – Graduado em Filosofia. Com especialização em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Educação do Tocantins.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Algumas impressões do romance “O canto da carpideira”, da Lita Maria

Com o avançar dos anos acredito ser natural que aja uma evolução na literatura produzida no Tocantins, sobretudo no campo da prosa. O romance “O canto da Carpideira”, da Lita Maria é um exemplo nesse sentido. Trata-se de uma obra bem escrita na qual a sua trama narrativa consegue nos envolver, nos fazer pensar e nos emocionar. 

Lita Maria é o pseudônimo da goiana, radicada no Tocantins, Lucelita Maria Alves. E a sua vivência como filha de um trabalhador rural e de uma costureira certamente a inspirou no seu processo criativo. Como também autores como Raquel de Queiroz, Gabriel Garcia Márquez, Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa. Membro da academia palmense de letras, Lita Maria é certamente uma das escritoras mais talentosas produzindo literatura no Tocantins. Além do “o canto da carpideira” (2014, EDUFT), ela já publicou outras obras como o livro de poemas: “Carretel de Rosas” (2012).

A obra retrata a vida sofrida de pessoas que aprendem desde muito cedo a conviver com a morte. Daí que o nome do romance faz alusão a personagem responsável por conduzir o ritual funebre com inselenças e orações – a carpideira. Um aspecto interessante em relação as mortes retratadas no romance é que não são por causas naturais ou como produto das relações conflituosas entre os indivíduos do lugar. Mas pela falta de condições básicas para uma vida digna. Tanto que as famílias quando se vê numa situação difícil em relação a assistência em saúde recorrer ao serviço das anciãs do lugar que possui o domínio de saberes populares. Essas senhoras dão assistência mesmo quando as famílias não possuem condições. Como no caso da família da pequena Dora que se vê órfão aos 6 anos de idade.

Temos consciência de que o sertão retratado na obra já não é o mesmo de hoje. Ainda que muitas famílias, mesmo nas grandes cidades, continuam sem ter acesso á condições de vida digna. Mas é importante para compreendermos nossas origens e ter uma ideia maior do que aqueles que denominavam esse território (o antigo norte goiano) de corredor da miséria.

É interessante como a partir das figuras femininas que aparecem no romance, além da carpideira também a raizeira e parteira. Analisarmos o lugar que as mulheres ocupa  nas comunidades tradicionais – como detentoras do conhecimento científico, digamos assim. Enquanto o papel dos homens é o serviço braçal por meio do qual alimentam a família. 

Já do ponto de vista da escrita, a autora consegue elaborar uma trama envolvente em que ela vai tecendo as estórias transformando monotonia em dinamicidade. Afinal de contas como ela diz estamos num lugar “onde tudo é igual, sem ser rotina.” Há algumas repetições desnecessárias. Mas nada que prejudique a leitura e a qualidade do romance. Talvez tenha sido intencional no sentido de evidenciar o que queria passar. Percebemos que há uma preocupação da autoria em descrever detalhadamente o cenário. E conseguiu de maneira competente.

O que a autora consegue também é nos sensibilizar diante de tantas tragédias que poderiam ser evitadas. Na sua apresentação da obra a Professora Rose Bodnar salienta a influência de autores como Gabriel Garcia Márquez e Graciliano Ramos. Concordo totalmente. Mas também acrescentaria Raquel de Queiroz, sobretudo no romance O quinze.

É importante destacar que do ponto de vista estilístico a obra não traz nenhuma novidade. Quanto a temática também não. No entanto isso não diminui de forma alguma a obra, sobretudo em relação ao conteúdo – esse sim é original.

Abro um parentese para dizer que cheguei a esse livro a partir de uma conversa com um estudante do Ensino Médio de uma turma que eu ministrava aula. Ele ia fazer o vestibular da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e não sabia qual seria a obra regional que iria cair na prova. Demos uma olhada no edital e descobrimos que seria “O canto da carpideira”, da Lita Maria. A autora não me era estranha, mas a obra nunca havia lido. Me comprometi então com o estudante que iria trabalhar o livro numa aula,  para tanto eu tinha que ler. E assim fiz.

Gostei tanto da obra, tanto do ponto de vista literário como das questões filosóficas e sociológicas que ela sucinta, que escolhi para trabalhar num projeto de filosofia e literatura. E não poderia deixar de recomendar a leitura para o público em geral. Aqueles que se interessarem podem encontra-la numa versão digital (em pdf) pesquisando no Google. Já os que assim como eu prefere o papel, pode adquirir junto a editora da Universidade Federal do Tocantins.

Pedro Ferreira Nunes – Graduado em Filosofia com especialização em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor na Rede Estadual de Educação do Tocantins.

domingo, 10 de março de 2024

Conto: - Aquela filha da puta está conseguindo mexer com minha cabeça

Entrei no bar. Estava tocando Rolling Stones. Sentei num canto, pedi ao garçom uma dose de conhaque. E perguntei se havia algum problema fumar ali. Ele disse que não. Então acendi uma cigarrilha e comecei a degusta-la juntamente com o conhaque enquanto apreciava os riffs do Keith Richards. Ela disse que estaria por ali, mas ainda não havia chegado. Que horas chegaria?

- Aquela filha da puta está conseguindo mexer com minha cabeça. 

Aquela frase me  chamou atenção. Olhei discretamente para o lado para ver quem havia dito. Não conhecia. Mas a partir dali não pude deixar de prestar atenção na conversa.

- Confesso que quando nos conhecemos, ela não me chamou muito atenção. Apesar das provocações, que eu levava como brincadeira, não passava por minha cabeça qualquer intenção de ficar com ela. Inclusive naquela noite. Mas as coisas foram acontecendo de um jeito que... aconteceu.

- Como assim?

- Quando estávamos naquele rolê na nigth teve um momento que ela chegou e disse que tinha uma mulher afim de mim. Eu sinceramente não tinha percebido. Ai essa mulher chegou e confessou o seu desejo. Mas disse que tinha outra afim de mim. E me questionou com quem eu iria ficar.

- Tava podendo, ein?!

- Maluquice isso, não?!

- Mas e aí?!

- Entre as duas. Ela é quem tinha alguma chance. Álcool demais na cabeça. Coração mole. E... Vou ver de qual é. Daí investi. E vi que eu de fato tinha muita chance. Não deu outra acabamos na cama. 

- A galera Tava comentando que você tinha pego.

- Não sei  como vazou. Mas digo para ti, que sei que não vai falar para ninguém. Peguei sim.

- Rapaz. E qual o problema?!

- Ela tem namorado.

- Fodasse. O problema é dela (e dele que é corno).

- Mas o povo comenta. Não pega bem.

- Não pega bem para ela.

- E a gente ficou de novo. 

- De novo?

- Sim. Naquele outro rolê lá. 

- Hum. E daí?!

- E daí que agora não consigo tirar aquela filha da puta da cabeça. 

- Apaixonado, meu?!

- Não. De forma alguma. Não é paixão. Não sei ti explicar o que é. Mas não é paixão. 

- Olha, olha.

- Não quero namoro ou qualquer compromisso sério. Apenas ficar, apenas transar. O nosso beijo se encaixou de uma forma. E o sexo foi tão gostoso que agora não consigo esquecer.

- Isso é paixão, meu caro. 

Enquanto ouvia aquela conversa eu me questionava quem seria aquela mulher que tinha fudido com a mente daquele pobre diabo. Foi então que quem eu estava esperando chegara. E ouvi o seguinte comentário. 

- Caralho. Ela acabou de chegar.

Eu olhei para ver se estava chegando mais alguém além da minha namorada. Mas não havia mais ninguém. 

I'll never be your beast of burden

I'll never be your beast of burden

Never, never, never, never, never, never, never be...”


Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 5 de março de 2024

Algumas questões sobre a educação pública no Tocantins

Os problemas que têm ocorrido nesse início de ano letivo na rede estadual de educação do Tocantins, sobretudo a falta de professores, já eram previsíveis devido ao ritmo de tomada de posse daqueles aprovados no último concurso. Pois por mais que o Governo do Tocantins tenha otimizado o processo através da posse digital. Há um prazo a que todo convocado tem direito, que deve ser observado. Sem falar que nesse meio tempo alguns acabam desistindo da vaga. Portanto, não há muito o que fazer. Se não esperar que todo o processo de tomada de posse dos novos concursados se efetive. Enquanto isso as escolas precisam se organizar para atender a comunidade escolar, sobretudo os estudantes, sem maiores prejuízos.
No nosso ponto de vista o problema se deu no cronograma do concurso público. Esse deveria ter sido melhor organizado para que ao iniciar o ano letivo de 2024, o processo de tomada de posse já tivesse sido concluído. Mas é importante ressaltar que apesar desse problema o ano letivo não está prejudicado. É certamente um início difícil, mas os ganhos a médio e longo prazo são enormes. Diante disso, devemos reconhecer a importância da realização do concurso público por parte do atual Governo do Tocantins (Wanderley Barbosa) e a convocação dos aprovados - uma bandeira que levantamos há vários anos como um passo fundamental para melhoria da educação pública no Tocantins.
Nós que atuamos na educação sabemos da importância que é ter estabilidade para poder exercer um trabalho de excelência. De modo que não poderíamos estar mais felizes por essa conquista por parte de diversos colegas. Para a rede também é muito importante pois ela pode investir na formação continuada desse profissional, sabendo que este investimento gerará um retorno positivo para as escolas e consequente a qualidade do ensino. Por fim, é uma conquista de todos os tocantinenses, que é quem colherá os frutos de uma educação pública de qualidade.
Outro fator que devemos reconhecer é a melhoria da estrutura das unidades escolares, ainda que haja muito o que se avançar nesse sentido. Tanto que quando se fala hoje em ampliação da educação em tempo integral, muitas escolas, sobretudo no interior, não tem condição de ofertar esse regime de ensino por falta de condições estruturais. O investimento em tecnologia e laboratórios precisa também ser enfatizado. Como também a valorização, do ponto de vista financeiro, dos profissionais que estão na sala de aula, como também a oportunidade de aperfeiçoamento através de cursos de Especialização e Mestrado.
No entanto há questões que precisam avançar e outras ser revistas. Por exemplo em relação a gestão democrática das escolas. Sobretudo no que diz respeito à eleição de diretores pela comunidade escolar. Nesse sentido o município de Palmas, dá um passo à frente - exemplo que esperamos ser seguido pela Rede Estadual de Ensino. Já em relação ao currículo esperamos que sejam revistas modificações que reduziram o espaço das humanidades na grade curricular de ensino - por exemplo a retirada do Componente Curricular de Filosofia da 3ª Série do Ensino Médio, de Sociologia da 2ª Série do Ensino Médio e de Arte da 3ª Série do Ensino Médio. 
Imagine o quanto isso não é prejudicial para o estudante da Rede Estadual de Ensino, que está cursando a Terceira Série do Ensino Médio e no final do ano se depara com questões de filosofia no ENEM e outros processos seletivos para ingresso no Ensino Técnico ou Superior. Mas esse não é o principal. Uma educação que se pretende formar para o exercício da cidadania e para o trabalho não pode abrir mão das competências e habilidades desenvolvidas pelas humanidades. Nessa linha, acreditamos que precisa ser revista a carga-horária dos ditos itinerários formativos em detrimento da formação geral básica. Sobretudo referente aos componentes curriculares da área de humanidades mas também da dita ciências da natureza.
Enfim, não podemos negar os avanços significativos que a educação pública no Tocantins tem vivido, sobretudo no que diz respeito a valorização profissional e a melhoria das estrutura das unidades escolares. Como também a realização do concurso público e a convocação dos aprovados, inclusive daqueles que foram aprovados acima das vagas imediatas disponibilizadas no edital. Por outro lado, não podemos deixar de pontuar questões que precisam avançar, além de outras que precisam ser revistas. Pautar essa discussão é fundamental para que vislumbremos mudanças nesse sentido.
Pedro Ferreira Nunes - Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

sexta-feira, 1 de março de 2024

A importância da comunicação comunitária na Escola Pública

Com a popularização da internet tivemos uma revolução no campo da comunicação (ainda que as grandes empresas midiáticas continue controlando o fluxo da informação). A internet quebrou o monopólio dos veículos tradicionais. Permitindo uma comunicação direta com um público determinado. Isso permitiu o fortalecimento da comunicação comunitária. De modo que hoje qualquer organização pode construir canais direitos de comunicação e a partir daí fortalecer vínculos e promover a participação.

Dito isso é importante definirmos conceitualmente a nossa compreensão do que é comunicação comunitária. De acordo com Cavalheiro e Iser (2018), citando Peruzzo (2006), “significa o canal de expressão de uma comunidade por meio do qual os próprios indivíduos possam manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes”. Ou seja, feita pela comunidade e para a comunidade.

Não é possivel pensar uma comunidade sem processos de comunicação que articule, direcione e promova as ações dos grupos que a compõem. Nesse sentido as instituições de ensino, enquanto comunidades escolares, não podem abrir mão de uma política de comunicação – que deve está explicitada no seu Projeto Político Pedagógico  (PPP). 

É evidente que sempre houve uma politica comunicacional nas escolas. No entanto, com a suspensão das aulas no contexto da pandemia de COVID-19. Tornou-se necessário uma atualização dessa política comunicacional com a apropriação das mídias digitais fundamentais para manutenção de vínculo entre a comunidade escolar. Como também divulgar para o público em geral as ações que estavam sendo realizadas. Pois ao contrário do que alguns pensavam, professores e demais servidores não estavam de braços cruzados (recebendo sem trabalhar).

Superado a pandemia de COVID-19, a necessidade das escolas manter ativo os canais criados não perderam sua função. Pelo contrário. A necessidade de uma politica de comunicação, que vai além dos meios tradicionais, é fundamental. E aqui estou falando sobretudo da escola pública que tem uma função social importante na sociedade. Nessa linha nada melhor do que mostrar essa importância divulgando as ações realizadas pela comunidade escolar entre os muros da escola.

A escola pública tem sido atacada cotidianamente a partir da justificativa de que a mesma seria sinônimo de fracasso. Tal discurso tem como objetivo privatiza-la, transforma-la em mercadoria. Resistir a esse processo é fundamental.  E uma estratégia importante nesse sentido é divulgar o que – apesar da falta de condições adequadas – produzimos na escola pública. E quem melhor do que nós que estamos no chão da escola, assumir essa missão. 

Outro fator importante é o fortalecimento de uma gestão democrática. Ora, uma gestão democrática se faz com participação. Mas como participar sem informação/formação. Nesse sentido uma comunicação efetiva é fundamental.

Como efetivar uma comunicação comunitária? O ponto de partida é compreender-se como parte de uma comunidade. Entender que o fortalecimento dessa comunidade passa pela participação de todos. Em termos mais práticos é necessário a elaboração de um plano com estabelecimento de objetivos, metas, ações e responsáveis por concretiza-las. Ou seja, colocar no papel o que se quer comunicar, com qual objetivo, através de quais canais e quem será o responsável. 

Óbvio, para que isso aconteça de forma eficaz é necessário se apropriar das técnicas comunicacionais. Isso significa necessariamente que os indivíduos responsáveis precisaram passar por formação. A partir do momento que a comunidade se apropria dessa técnica torna-se independente dos meios tradicionais – que são pautados por interesses comerciais. Ou seja, por conteúdos que dão mais ibope. Já a comunicação comunitária está preocupada com a cidadania. Com a busca pelo bem comum.

Diante disso enfatizamos a nossa defesa da comunicação comunitária na Escola Pública. Acreditamos que essa é fundamental para o fortalecimento da comunidade escolar, do processo educacional. E consequentemente de uma sociedade democrática. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica. 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Uma noite em Macondo

Cheguei em Macondo por volta de umas 18h. Nunca havia estado ali. Mas era como se eu conhecesse cada palmo daquele lugar. Percorrir as ruas do povoado e vi dezenas de rostos que me pareceram familiares. Pietro Crispi ainda não havia fechado sua loja de música. Ou seria o seu irmão? O padre Nicanor na porta do seu templo pregava para as moscas. Arcadio voltando da escola provavelmente seguia ao encontro de Santa Sofia de la Piedad. Numa esquina, Pilar Terneira nos braços de um amante qualquer. 

Ao passar pela taberna de Catarino não me contive e entrei. Pedi uma bebida e fiquei observando o movimento das mulheres cheirando flores mortas, atendendo a clientela. Num canto atracado com uma qualquer me pareceu Aureliano José. Provavelmente tentando esquecer de Amaranta. O lugar estava animado. Mas eu precisava seguir viagem. Aquela pequena de olhar convidativo ficaria para outra oportunidade. Quem sabe?!

Segui caminho e avistei a casa dos Buendias. Vi uma jovem senhora bordando. Creio que era Amaranta. Em outro canto um senhor conversava sozinho em baixo de um pé de árvore. Era o velho José Arcadio Buendía conversando com o espírito do Prudêncio Aguilar. Visitacion passou apressada rumo a cozinha onde estava Dona Úrsula preparando algumas guloseimas. Como não admirar dona Úrsula – ela representa a figura trágica da mulher que é obrigada a deixar de ser para si – doando-se integralmente a família. E aquela, não era uma família qualquer. 

Que coisa estranha. No interior o tempo parece passar mais lentamente. Mas aquela noite não. Quando me dei conta já era quase manhã. E eu precisava ir embora dali. Mas não podia fazer isso sem antes passar no cemitério e visitar o túmulo do grande Melquiades. E assim o fiz. No caminho passei numa casa que provavelmente pertencia a José e Rebeca. Por um segundo me pareceu ver o vulto de uma figura toda tatuada – sim, era a casa do casal que se formou de uma paixão avassaladora.

Passei no cemitério. Sentei ao lado do túmulo do velho Melquiades, acendi um palheiro, e enquanto fumava fiquei meditando sobre aquela figura – que dedicou toda a vida a busca pelo conhecimento. E havia impregnado naquele povo – sobretudo no José Arcadio Buendía – a paixão pelo extraordinário. Só esqueceu de dizer que quem ousa seguir o caminho do extraordinário é tido como louco. E acaba tendo um final trágico. E de tragédia os Buendias entendiam bem – afinal de contas estavam condenados a cem anos de solidão.

De repente me pareceu ouvir um trotar de cavalos. A frente da tropa três figuras se destacavam. Roque Carniceiro, Gerineldo Márquez e o grande Coronel Aureliano Buendía – com seu ar solitário e um olhar perdido no horizonte. Pronto, agora eu podia partir satisfeito de Macondo. Tinha visto o mais famoso dos Buendias – o terror dos conservadores. 

Segui viagem esperando voltar um dia aquela cidade. Reencontrar aqueles rostos conhecidos, tomar umas na taberna de Catarino. Quem sabe me deitar com uma daquelas mulheres cheirando a flores mortas. Vai saber o que a vida nos reserva. Talvez eu até me case com uma das filhas do Sr. Moscote e fique morando ali. 

Ou não. Talvez quando eu retornar, Macondo já tenha se modificado bastante. Sobretudo com a chegada das modernidades trazida pelos gringos da companhia bananeira. Muito desses rostos conhecidos estarão descansando no cemitério – José Arcadio Bundía e seus filhos – netos e bisnetos – que herdaram não só sobrenome, mas também os nomes que vão se repetindo – Joses e Aurelianos. E as tragédias. Visitacion, Dona Úrsula, Rebeca, Amaranta. Já não encontrarei a taberna de Catarino, Pilar Terneira e nem as mulheres cheirando a flores mortas.

Nessa Macondo não me interessa viver. Apenas passarei buscando em alguma paisagem, lembranças do passado – dos velhos rostos e lugares. E seguirei meu caminho. Quem sabe eu não sou um desses condenados a cem anos de solidão.

Pedro Ferreira Nunes – apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler  escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Sobre o livro Desvendando o Tocantins na Escola...

Quem atual na sala de aula sabe a dificuldade de encontrar um bom material didático para trabalhar o Tocantins. Geralmente o que encontramos não é de boa qualidade, sobretudo por que não foram produzidos a partir da realidade da sala de aula. Esse não é o caso do livro Desvendando o Tocantins na Escola: Canções regionais e ensino (Editora Scienze, 2021). De autoria de Liliane Scapin Storniolo e Karylleila Andrade Klinger.

A obra em questão é fruto de uma pesquisa de doutorado. E certamente foi produzido a partir de uma pesquisa que contou com uma intervenção na sala de aula. Aliás, é importante ressaltar a importância desses programas de mestrado e doutorado no âmbito educacional que instigam a pesquisa e criação de produtos educacionais a partir do chão da escola. O livro em questão tem como foco o ensino sobre o Tocantins – tanto do ponto de vista sociocultural como territorial. Para tanto utiliza como estratégia didática letras de músicas de cantores regionais, a saber: Genésio Tocantins, Juraides da Cruz e Dorivã.

As autoras propõem uma sequência didática que trabalha o objeto a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Ou seja, as atividades propostas perpassam diferentes componentes curriculares tais como: Arte, Ciências, Geografia, História e língua Portuguesa. Já a metodologia segue a linha do que se denomina de metodologias ativas. Rodas de conversa, atividade de escrita, leitura são algumas das estratégias sugeridas. Em relação ao público as autoras ressaltam que o material se destina aos estudantes dos anos finais do ensino Fundamental  (6° ao 9° Ano).

A apresentação da obra fica por conta do Genésio Tocantins – que salienta a importância do trabalho. E a partir dai segue a seguinte organização: apresenta uma breve biografia do artista. Em seguida a letra da canção a ser trabalhada. E posteriormente as propostas de atividade. 

Um exemplo nesse sentido é a sequência didática a partir da canção Romeiro do Bonfim, do Dorivã – que é trabalhada a partir de leitura e pesquisa sobre a religiosidade em torno dessa festa. Do Juraides da Cruz, entre as canções trabalhada temos nós é jeca mais é joia. Uma composição bastante conhecida do cancioneiro popular brasileiro – regravada por diversos artistas. A proposta das autoras é trabalhar entre outros o regionalismo. Tendo como ponto de partida uma “roda de conversa iniciada com a leitura oral do texto e, em seguida a audição da canção.” Do Genésio Tocantins, uma das canções trabalhadas é: O rio que corre em mim. É uma das canções, na minha visão, mais belas do cancioneiro tocantino – que aborda a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães e a formação do Lago e todo o seu impacto no nosso modo de vida. A proposta entre outros é trabalhar a questão da memória e resistência. 

Um aspecto importante é a utilização de recursos audiovisuais que permita ao estudante fruir artisticamente da canção trabalhada. Além de outros materiais propostos para o aprofundamento dos objetos de conhecimento trabalho. 

Ao final da obra temos as considerações onde as autoras fazem uma breve análise de cada letra escolhida, deixando explícito o por que dá escolha.

Enfim, estamos diante de uma obra muito interessante. Que traz ótimas sugestões para trabalhar o ensino acerca do Tocantins na educação básica – especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental. Uma coisa que devemos ter em mente quando utilizamos um material assim. É que não se trata de uma receita. Ou seja, de algo que devemos seguir a risca. Mas termos a capacidade, de a partir dele, desenvolver a nossa própria sequência, levando em consideração a  realidade em que estamos inseridos. Significa portanto que podemos pensar em outros artistas, outras letras e outros objetos.

Por fim, onde encontrar o livro? Deve ser a pergunta que você que se interessou pelo mesmo deve está fazendo. “Desvendando o Tocantins na Escola: Canções regionais e ensino”, está disponível na internet em pdf. Por tanto é só pesquisar, baixar e se apropriar do mesmo. Você certamente irá apreciar e lhe será muito útil, caso seja um professor, na sala de aula. Também não poderia deixar de ressaltar a importância da pesquisa para vislumbrarmos a melhoria da educação no Tocantins. Obras como essa evidenciam isso.

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica. 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Adaptabilidade

Depois do primeiro dia no meu novo local de trabalho e de toda receptividade que fez com que me sentisse acolhido. Achei que merecia uma cerveja. Desde que chegará ali mapeara todo o lugar. E percebi que o que não teria dificuldade era de encontrar um bar para tomar umas. E não precisaria nem ir muito longe.

Cheguei num lugar que não precisei dar mais do que dez passos de onde eu estava hospedado. Além do dono do bar e sua esposa não havia mais ninguém ali. Me chamou atenção a música que estava tocando – Roberto Carlos. Como um local aparentemente frequentado por peão de trecho estava tocando aquele tipo de música? Me questionei. A maioria dos bares atualmente tocam pop sertanejo. Ou por essas bandas do norte coisa pior do tipo Thiago Jhonathan. Perguntei qual cerveja que tinha e se eu poderia fumar um palheiro dentro do bar. O senhor que me atendeu apresentou o cardápio de cervejas e disse que não havia problema algum. 

Peguei a cerveja e sentei num canto escuro e o senhor sugeriu que eu sentasse num lugar mais claro por causa das muriçocas. A priori recusei dizendo que não tinha problemas. Mas como ele insistiu não me opus. Ele então sentou ao meu lado e começou a puxar conversa. Pelo rumo da prosa a minha ideia de que aquele lugar era frequentado por peão de trecho se confirmou. Foi no momento quando falei para ele que estava trabalhando no Colégio. E ele me perguntou se fazendo alguma reforma ou manutenção. Ou seja, deduzira que eu era um peão. Optei por não desaponta-lo e fiquei com a segunda opção. No final das contas ele não estava de todo errado. Nós professores da educação básica somos operários, ou seja, na linguagem popular, peões. 

Como não gosto de falar muito sobre mim. Logo tratei de reverter a situação. E comecei a questionar sobre a sua vida. E ele então se abriu. E a medida que eu demonstrava interesse pelo que ele estava falando. Ele ia se abrindo mais ainda. Enquanto o ouvia me passava pela cabeça que talvez não seria tão difícil aquela mudança. Logo eu estaria adaptado aquele bairro e aquela rotina. Iria conhecer pessoas novas, suas estórias e acabaria me integrando a comunidade. 

Eu tinha tido o primeiro contato com os estudantes em sala de aula e já havia me afeiçoado a eles. E eles também a mim (pelo menos alguns) por uns comentários que ouvi de uma coordenadora. E agora aquela interação com alguém da comunidade. Vai saber o que a vida nos reserva. Por enquanto vivamos o momento - Carpe Diem. 

Seu José, como se chamava o dono do bar. Me falou de quando chegará ali. De quando construiu o bar. 

– Aqui era só cerrado. Fui o primeiro a construir. Depois veio o dono dessa serralheria que fica aqui do lado. O povo dizia que a gente era doído. Pegavamos água para construir num córrego que existia onde é esse viaduto hoje. Eu sabia que um dia isso aqui ia ser movimentado. Ninguém acreditava. Meu pai mesmo tinha muita terra. Perdeu tudo.

E então ele me contou o início da capital, como foi surgindo aquela região a margem do centro. 

– Todos esses setores ai são frutos de ocupação (as aurenis). E virou o que virou – uma região bastante desenvolvida. 

Ao longo da nossa conversa descobri que o bar não era a principal fonte de subsistência do Seu Zé. Ele era servidor do município de Palmas e trabalhava como vigilante num posto de saúde. Além de possuir duas kit net de aluguel – que juntamente com o bar lhe proporcionava uma renda extra. Durante nossa conversa também descobri que ele tem o projeto de ser vereador. Perguntei se ele já tinha se candidatado alguma vez e ele disse que a vereador seria a primeira. Mas já tinha se candidatado a deputado estadual, no entanto percebeu que não estava tendo o apoio financeiro que deveria por parte do partido e acabou desistindo.

Fiquei curioso para saber com qual grupo político ele iria embarcar nessa aventura. Sobretudo quando notei numa fala dele uma simpatia pelo Presidente Lula. Ele disse que seria com Eduardo Siqueira Campos. Questionei-o sobre a aparente força da deputada estadual Janad Valcari. Ele disse que ela, enquanto vereadora não fez nada pela região Sul. De modo que preferia o herdeiro político do velho Siqueira Campos. Me disse que ele sempre lhe atendia e mostrou uma foto de uma visita que o Eduardo fizera ao seu bar.

Assunto não faltava. E a conversa seguiria até mais tarde. Mas eu tinha que repousar. Pois no dia seguinte teria que acordar cedo e seguir para o meu segundo dia na nova escola. Paguei a conta, me despedi de Seu Zé desejando-lhe boa sorte na empreitada como candidato a vereador da capital. E segui para o meu repouso. 

Agora que escrevo essas linhas lembrando desse episódio, me veio á cabeça uma característica minha – a adaptabilidade. Característica expressa nas muitas tatuagens de lagartos que tenho pelo meu corpo. Confesso que tenho uma certa resistência em mudar a minha rotina. Mas quando essas se tornam inevitáveis não há por que ficar lamentando. É se reorganizar e se adaptar a nova realidade. Por mais que doa vou conseguir. E seguir.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Resenha: Amostra complexa, da Simone Campos

A juventude é um período da nossa vida marcada por conflitos – conflitos que fazem parte da nossa formação. E entender isso, tanto da parte do jovem como daqueles ao seu entorno, é fundamental. É um período marcado pela necessidade de conhece-se e aceitar-se. Como também achar seu lugar numa sociedade – que nem sempre é acolhedora – muito pelo contrário.

Simone Campos, escritora carioca, transformou essas questões em inspiração para escrever um livro de contos intitulado de “amostra complexa” (Editora 7 letras, 2008). Os contos, lembram crônicas – o olhar de uma jovem, em conflito consigo e com o mundo, para o cotidiano. É como se tivéssemos acesso a um diário pessoal de uma adolescente do colegial.

“Eu falo e rio menos que as outras garotas, e pessoalmente acho que as pessoas ficam muito feias quando mostram os dentes, portanto falo e rio menos ainda”.

O trecho acima é do conto Mousmé (conto japonês). A partir do qual podemos imaginar o perfil da nossa narradora – uma jovem introvertida. Ao longo da leitura do conto isso fica mais evidente a partir da visão que ela tem dos seus colegas e professores – que na visão da narradora sempre se apaixonaram por ela desde o 6° Ano do Ensino Fundamental,  ainda que ela nunca tenha correspondido. Eis aí mais uma coisa que conseguimos capitar na nossa personagem – Ela é observadora. Como podemos perceber no trecho a seguir do conto herói. 

“Há em toda praça um mendigo maluco. O daqui de baixo tem mania de saudar freneticamente o nada; pela observação assídua, descobri que está fazendo sinal para um ônibus que só ele vê, e que nunca pára.”

Percebemos também uma certa indiferença com as expressões da questão social. Típico de um sujeito individualista que só pensa em si – que se acha o centro do universo. É a linha que se segue no conto sexo em anegue (conto africano).

Eu queria mesmo era poder entrar em outra pessoa e espiar o que elas estão sentindo sobre elas mesmas. Por que aqui dentro eu já sei como é; e também já consigo sair e me ver como elas me vêem.”

Temos aí uma boa dose de prepotência. Alguém que se acha capaz de saber exatamente como as pessoas á vêem. Ora, a gente imagina, mas saber exatamente é demasiado taxativo. A maturidade certamente a fará mudar essa visão. 

“Mas queria saber como elas se vêem, de verdade, por dentro. Saber se elas também se sentem mal assim quando pensam em si mesmas e, se sim, como conseguem disfarçar e levantar a cada dia e ir trabalhar, ou estudar, ou pelo menos andar pela rua sem que ninguém pense: lá vai a coisa toda errada. Assim pelo menos eu não me sentiria sozinha”.

A maturidade a fará compreender também que não precisamos trocar de lugar com o outro para saber que ele também sofre – que também se sentem sozinhos. Afinal de contas, como diz o ator Paulo Autran numa célebre entrevista – a solidão faz parte da condição humana.

Eita, acho que acabei divagando e fugindo do objetivo desse texto – fazer uma resenha (não uma análise filosófica) da obra. Voltemos então. Além dos contos citados acima. O livro é composto por mais 9 contos – que seguem a linha dos exemplos que demos acima.

Do ponto de vista estético diria que a obra, com exceção de alguns trechos, poderia ser melhor lapidada. Mas é preciso compreender que se trata de uma autora em formação – que demonstra muito talento pelas exceções que citamos – o que torna a leitura interessante. Assim como esse aspecto pessoal a partir do olhar feminino que faz com que nos tornamos uma espécie de cúmplice dessa criatura em conflito consigo e com o mundo:

“Era muito crueldade. Quer dizer, ela está tentando ser boazinha, más usa método de má. Acho que muitas mulheres fazem isso – as melhores, tenho que reconhecer” (Campos, Simone. In Tão bonito que dói, 2008).

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.