segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Um poema pessimista ou Como diria Schopenhauer

Pessimista

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Não há Deus que nos acuda
não adianta rezar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Encher a cara de cachaça
Não irá ti ajudar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Não adianta se esconder
Eles irão ti achar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Com esse bando de fascista
não tem como conversar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Não se iluda camarada
o pior ainda virá.

Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Lua Cheia, Inverno de 2019.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Lajeado: Análise do resultado da eleição suplementar e perspectiva para 2020.

No último texto que escrevi sobre a conjuntura política em Lajeado, onde pontuei que dificilmente o resultado da eleição suplementar seria outro se não a vitória de Júnior Bandeira e José Edival  (PSB/MDB). Concluía chamando atenção para o quanto esse resultado afetaria as eleições regulares em outubro de 2020. Agora concluído o pleito suplementar podemos refletir melhor sobre esse ponto e a partir dos números revelados pelas urnas projetar alguns cenários possíveis. Eis portanto o que pretendemos fazer nas linhas a seguir.

A afirmação de que dificilmente Júnior Bandeira e José Edival não seriam eleitos na eleição suplementar não foi fruto de um exercício de adivinhação ou previsão astrológica. Mas de uma análise da realidade lajeadense onde se percebia claramente um descontentamento da população com a gestão Tércio Neto marcada pela falta de planejamento e retrocessos em diversas áreas, sobretudo, a educacional, cultural, assistência social, infraestrutura e segurança. 

Somado a isso, Júnior Bandeira e José Edival tiveram maior capacidade em fazer alianças e atrair apoios. Já Tércio sem a máquina pública na mão, não conseguiu manter seu grupo político coeso e viu vários aliados rumar para apoiar seu principal adversário. Restou portanto aos poucos que permaneceram fiéis ao prefeito cassado (com sua desistência de disputar a eleição suplementar) apoiar Toninho da Brilho (PSL) – uma figura oportunista que caiu de paraquedas na política lajeadense pretendendo surfar na onda bolsonarista – tendo no currículo a passagem por diferentes partidos e já tendo sido candidato outras vezes em diferentes municípios.

Durante a campanha percebia-se por parte da população um forte anseio por mudanças. E nesse pleito quem representava a mudança era a dupla Júnior Bandeira e José Edival – ainda que uma mudança para algo que a população já conhece pois afinal de contas Júnior Bandeira esteve por 8 anos (2000 á 2008) á frente da prefeitura municipal de Lajeado. Diante disso pode-se afirmar que a população preferiu apostar em alguém já conhecido do que se arriscar numa incognita. Se essa decisão foi acertada ou não a população terá já em outubro de 2020 a oportunidade de retifica-la.

Vitória de Júnior Bandeira e José Edival

Diante de todo o contexto (ressaltado acima) que se deu a eleição suplementar era bastante previsível que a vitória seria da coligação encabeçada por Júnior Bandeira e José Edival. Inclusive, era previsível que seria por uma margem de diferença significativa. Ainda mais com a desistência do então candidato Tércio Neto (PSD). E isso se confirmou quando as urnas foram abertas e se revelou que Júnior Bandeira e José Edival conquistaram 77,08% (1.779 votos) do eleitorado que compareceu para votar. Para se ter uma idéia do tamanho dessa vitória, se somassemos os votos obtidos por Toninho da Brilho (PSL) 396, mais os brancos 42, os nulos 91 e as abstenções 732, chegaríamos a 1.261. E  mesmo assim não se alcançaria o número de votos obtidos por Bandeira e Edival. Trata-se por tanto de uma vitória inquestionável com a maioria absoluta do eleitorado lajeadense.

Pode ter sido maior

Talvez esse número de abstenção (732) não seja real. É em grande medida reflexo de uma prática condenável que é a transferência de títulos de eleitores de pessoas de outros municípios para votar num determinado candidato de um determinado município. A operação “Colheita” da Polícia Federal revelou que isso ocorreu nas eleições de 2016 em Lajeado. Isso ficou tão evidente que o número de eleitores era maior que o número de habitantes segundo o IBGE. Essa distorção ao que parece não foi corrigida. De modo que o número real de eleitores em Lajeado está mais próximo dos 2.308 que compareceram na eleição suplementar do que dos 3.040 registrados no TRE. O que também pode ter contribuido para esse número expressivo de abstenções foi o fato de não ter havido uma disputa mais acirrada entre os candidatos – havia um sentimento de que a eleição já estava decida a favor do Júnior Bandeira e José Edival e portanto um voto a menos ou a mais não adiantaria. Há também aqueles que estão descrentes com a política e preferem se manter alheios a esses processos. Mas de qualquer forma se as abstenções tivesse sido menor, assim como os votos nulos e brancos, o resultado final não seria diferente. De modo que esses fatores mostram que a vitória do Junior Bandeira e do José Edival foi muito maior do que mostra os números revelados pelas urnas.

Isso não significa que Júnior Bandeira e José Edival sejam imbatíveis

De forma alguma. Em política não existe esse negócio de imbatível. Até por que esses números poderiam ser muito diferente se a oposição tivesse sido um pouco mais inteligente e apostado num nome mais expressivo – conhecido da população e com uma história mais ligada á Lajeado. Ao invés disso, com a desistência do ex-prefeito Tércio Neto, acabaram apostando numa figura inespressivel na política lajeadense, que ainda assim conseguiu quase 400 votos. Com um nome mais competitivo, com uma história em Lajeado, poderiam ter obtido uma votação mais expressiva. Mas nem tudo está perdido, esses 396 votos são poucos, mas é uma base a partir da qual se pode partir para consolidar um grupo oposicionista – um grupo com capacidade de atrair mais gente e fazer frente ao grupo no poder. É importante salientar que em outubro estarão em disputa,  além do cargo de prefeito e vice, as noves vagas na Câmara de Vereadores. De modo que a oposição precisará de uma chapa majoritária competitiva se quiser, se não vencer o pleito, pelo menos eleger um número considerável de Vereadores. Se repetir o mesmo desempenho da eleição suplementar o resultado na eleição de Veradores será decepcionante.

Construção de uma candidatura oposicionista forte

A oposição se quiser fazer frente ao atual grupo político no poder terá a missão de se unificar em torno de uma única candidatura. Pois quanto mais dividida for, em duas ou mais candidaturas, mais fragmentará seus votos e menos chance terá de sair com a vitória. Essa candidatura pode ser do próprio Toninho da Brilho (PSL) que apesar da derrota na eleição suplementar conseguiu se apresentar para população lajeadense e por tanto já não é um completo desconhecido. Ou então do ex-prefeito Tércio Neto (PSD) que ao desistir da disputa na eleição suplementar apontou para intenção de participar das eleições de outubro de 2020. Ou teriam outro nome com capacidade maior de se apresentar a população lajeadense e crescer como alternativa junto ao eleitorado? Quem sabe da Leidiane Mota (PSD) que por enquanto é a única da oposição que está ocupando uma cadeira na Câmara de Veradores?! Independente do nome que será escolhido, o principal desafio da oposição será construir uma única candidatura alternativa com capacidade de atrair os dissidentes do grupo no poder, que poderão surgir a medida que seus interesses forem sendo contrariados, e se apresentar como uma alternativa real ao eleitorado.

O desafio da situação

Ao contrário da oposição,  os nomes para disputa de prefeito e vice-prefeito pela situação estão praticamente definidos (Júnior Bandeira (PSB) e José Edival (MDB) – prefeito e vice respectivamente) sobretudo após a vitória na eleição suplementar. Agora o que lhes restam é  fazer uma boa gestão nesses meses que antecedem ao pleito eleitoral – serão 9 meses e alguns dias em que não se poderá errar. Precisaram também manter as alianças construídas na eleição suplementar – o apoio de 8 dos noves vereadores atuais e de lideranças políticas como Márcia Reis, Leônidas Correia entre outros. E isso não será fácil, pois quando se faz um leque muito grande de alianças, sobretudo em torno de projetos pessoais, a tendência de haver rupturas não são poucas. E a história politica de Lajeado está cheia desses exemplos – de pessoas que estavam num determinado lado e de repente mudaram. Júnior Bandeira e José Edival conseguiram unir diferentes figuras que estavam em campos opostos num mesmo palanque. Mas a pergunta que fica é: conseguiram manter essa união? Isso dependerá de três elementos: Primeiro, atender os acordos firmados; Segundo, fazer uma boa gestão; Terceiro, manter a oposição desarticulada – garantir os acordos firmados mantém um ambiente favorável para uma boa gestão e também evita o fortalecimento da oposição. Se os acordos não são mantidos quem ganha é a oposição e o ambiente para governar passa a não ser tão favorável assim. Tércio Neto durante o seu governo deu uma aula de incompetência nesse sentido – e o maior exemplo foi sua relação conflituosa com o legislativo municipal.  Já Júnior Bandeira é um político mais experimentado e sabe o quanto foi difícil retornar a prefeitura de Lajeado devido aos erros que cometeu nas suas gestões anteriores. E repetir esses erros novamente será fatal para suas pretensões políticas futuras.

A disputa pelas 9 vagas na Câmara de Vereadores

Dependendo de como a oposição, mas sobretudo a situação conseguir enfrentar os seus desafios, a disputa mais acirrada em outubro de 2020 será pelas 9 cadeiras no legislativo lajeadense. Os que lá já estão buscarão serem reconduzidos para mais quatro anos. Alguns que lá já estiveram tentaram voltar. E outros tantos tentarão ser eleitos pela primeira vez. De modo que será muito candidato para pouca cadeira, o que fará com que aja uma grande disputa entre esses. Nessa disputa as famílias tradicionais saem na frente e em seguida vem aqueles que tem capacidade econômica para investir na candidatura (empresários sobretudo). Com isso o espaço para renovação fica bastante reduzido – ainda que aja um descontentamento com o atual parlamento,  assim como havia com o anterior. No final das contas a população acaba pendendo para nomes tradicionais da política lajeadense ou apadrinhados políticos desses. Óbvio, nunca é tarde para quebrar esse ciclo. Nos resta portanto esperar para ver se surgiram candidaturas com essa capacidade de fazê-lo.

Apoio de líderes estaduais

Eis ai outro fator que poderá contribuir para uma polarização maior nas eleições municipais em Lajeado. Esse apoio é estratégico sobretudo para quem pretende ser candidato em 2022 á governador, senador e deputado federal ou estadual. Para esses é importante ter um grupo forte como base de apoio para conseguirem o maior número de votos possível. E geralmente o grupo mais forte é quem está com a prefeitura na mão e tem a maioria das cadeiras no parlamento municipal. Já para os grupos locais o apoio dos lideres estaduais injeta um animo maior em suas campanhas. De modo que é vantagem tanto para os grupos locais como para os lideres estaduais. E sendo importante para ambos, esses apoios com certeza virão. E a magnitude desses apoios dependeram das articulações que seram feitas.

Conclusão

Lajeado passa a ter na sua curta história uma eleição suplementar – o que não é motivo de orgulho, pois uma eleição suplementar significa que o jogo democrático no município não ocorreu como deveria – houve desvios, corrupção de agentes públicos que levou a cassação e a inelegibilidade desses. Isso é por tanto uma mancha na história politica do município. Mas que pode contribuir para que o que ocorreu não venha ocorrer novamente pois quem está no poder pensará duas vezes antes de cometer algum ilícito que pode levar a sua cassação. O TRE, apesar da demora, tem demonstrado uma tendência mais rigorosa em punir quem utiliza a máquina pública para se manter no poder a qualquer custo.

Com a eleição suplementar a população teve a oportunidade de ir as urnas para definir quem administrará o munícipio até o final de 2020. E a maioria absoluta do eleitorado lajeadense optou por votar numa figura conhecida da política local – o advogado Júnior Bandeira que comandou a cidade entre 2000 e 2008. A não ser que aconteça algum imprevisto, Bandeira será o candidato natural á reeleição em outubro de 2020, para um mandato de quatro anos. Já a oposição terá a difícil tarefa de catar os cacos que sobraram e se reconstruir para apresentar uma candidatura alternativa ao candidato da situação.

Para o bom andamento do jogo democrático esperamos que aja sim uma oposição em Lajeado, não só nas disputas eleitorais mais no dia a dia fiscalizando e apontando os limites da situação. Ter uma oposição é importante para baixar a bola do grupo no poder – que tende a se acomodar se não for cobrado. Óbvio, essa cobrança deve partir de toda a população. Mas a oposição tem a missão de liderar esse processo. Por tanto é importante para cidade ter uma oposição, não uma oposição qualquer, mas uma oposição programática que aponte para possibilidade de um novo modelo de sociedade baseado no bem comum – essa oposição com certeza não será representada por Tércio Neto, Toninho da Brilho, Leidiane, Adão Tavares ou Manoel das Neves.

Em outubro de 2020 os lajeadenses também irão escolher seus novos representantes no parlamento municipal, podendo também optar por manter os que lá já estão – que buscarem a reeleição. E essa será provavelmente a disputa mais acirrada nesse pleito eleitoral (não faltaram candidatos querendo usufruir da “vida boa de parlamentar” – muitas benesses e pouco trabalho). Alguns como os vereadores Emival Parente e Edilson Mascarenhas já estão lá há vários mandatos. Outros as mudanças é só nos nomes, já os sobrenomes parecem ter cadeira vitalícia que vai passando de geração em geração. É importante haver renovação para que não aja acomodação do parlamento. Se essa renovação ocorrerá ou não dependerá da população.

Sim, a população. Não poderíamos concluir de outra forma se não falando da importância da população para definição do rumo que Lajeado irá tomar – o rumo de uma cidade que desenvolve seus potenciais para dar condições digna de vida para todas e todos que aqui vivem – protegendo seu patrimônio natural e promovendo justiça social? Ou uma cidade que aprofunda as desigualdades privilegiando uma minoria abastada? No “discurso sobre a origem da desigualdade” o filósofo Jean-Jacques Rousseau diz que “os cidadãos só se deixam oprimir na medida em que são arrastados por uma cega ambição”, o que faz com que abram mão de suas liberdades. Se não agissem assim nem o político mais hábil conseguiria sujeita-los. Diante disso podemos dizer que o rumo que Lajeado seguirá,  dependerá da postura dos seus cidadãos – se será a postura de indivíduos que não abre mão da sua liberdade ou de indivíduos submissos.

Por Pedro Ferreira Nunes –  Educador e Escritor Popular. Cursou a faculdade de Serviço Social e Licenciou-se em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Autor entre outros de “Breve história de Lajeado do Tocantins” e “Estudo sobre o agronegócio tocantinense e seus efeitos econômicos e sociais”.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Como Raul dizia!


“...quem não tem visão bate a cara contra o muro”.
Raul Seixas

Já se vão 30 anos que Raul embarcou com o moço do disco voador  rumo a outras estrelas. E nessa data especial não poderia deixar de escrever algumas palavras sobre o nosso maluco beleza. Ainda mais no contexto político que vivemos onde a obra do Ralzito se converte numa espécie de manual de resistência contra o autoritarismo. Destaquemos por tanto alguns pontos desse manual.

1- Não ao discurso moralista;

O discurso moralista é aquele que tenta nos impor determinados valores de como devemos agir – valores que diminuem a nossa potência de agir pois são forjados em afetos como o medo e o ressentimento. Contra qualquer tipo de imposição Raul canta a “sociedade alternativa” onde o princípio da noção ação é o nosso querer (“se eu quero e você quer”) e não o que determina quem quer que seja, inclusive Deus. Raul, aliás, diz que “não existe Deus se não o homem”. Por tanto não dê ouvidos aqueles que usam Deus como álibi para lhe aprisionar.

2- Não ao ódio, viva o amor;

E “o amor só dura em liberdade” como cantou Raul em “a maçã”. Poderíamos dizer portanto que sem liberdade não há amor e sem amor não há liberdade – liberdade para amarmos quem e quantos quisermos. Seja homem, seja mulher, gays,  lésbicas, travestis, transgeneros e etc... Aliás o gênero não devia importar como importa tanto para os fundamentalistas cristãos – estes os propagadores do ódio – o que devia importar é se há amor ou não nas relações. Havendo amor não há espaço para o certo e o errado.

3- Não a discriminação; 

Em “meu amigo Pedro” nosso maluco beleza canta “...não me critique como eu sou. Cada um de nós é um universo, Pedro. Onde você vai eu também vou”. Vivemos numa sociedade em que alguns se acham no direito de dizer quem é de bem e quem não é – quem merece viver ou não. Uma sociedade em que alguns se acham superiores aos demais devido a cor da pele, devido ao seu lugar de origem e por ai vai. Raul nos chama a respeitar as diferenças e ressalta que no final das contas teremos o mesmo destino.

4- Se queres respeito, respeite;

Raul nos ensina que o respeito é uma via de mão dupla. Por isso ele cantou em “sapato 36” o verso “você só vai ter o respeito que quer na realidade, quando conseguir respeitar a minha vontade”. O que consiste em dizer que para termos respeito devemos dar respeito, pois se não damos respeito não recebemos respeito. E quando não há respeito parte-se para o autoritarismo como via de se impor. E no terreno do autoritarismo prevalece o medo como elemento de dominação. E onde há dominação não há liberdade. E para Raul não devemos abrir mão da liberdade.

5- Não ao antiintelectualismo;

“Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais” é uma das frases da canção “Metrô linha 743” onde o Raul nos alerta para a perseguição  à aqueles que pensam – para o antiintelectualismo. Os regimes autoritários não gosta de pessoas que pensam, mas que se submetem aos interesses de quem está no poder. Portanto é preciso estar atento para não cair nas mãos do exército de seguidores á serviço desse tipo de regime. Mas renunciar a pensar já mais. 

6- Não a autoridade militar;

Na canção “Mamãe eu não queria” uma das frases mais emblematicas é: “não quero bater continência nem pra sargento, cabo ou capitão”. Aqui temos uma repulsa á autoridade militar. Raul nos ensina que não devemos nos submeter a quem quer que seja. Sobretudo a estes senhores que se acham o dono da verdade e acreditam poder controlar o que pensamos e o que fazemos. Em tempos onde grupos pedem o retorno da ditadura militar e que temos um capitão reformado do exército na presidência da República (que defende o legado desse regime) o recado do Raul, nessa canção especificamente, é fundamental. 

7- Resistir, lutar e vencer;

As coisas mudaram camaradas, mas para tanto precisamos resistir e lutar, pois é através da nossa resistência e luta que venceremos o autoritarismo e o fundamentalismo. Para tanto precisamos aprender que somos mais forte que qualquer regime que limita a nossa potência de agir. Esse é mais um dos ensinamentos do nosso maluco beleza que cantou em “rockxe” – “você é forte, faz o que deseja e quer. Mas se assusta com o que eu faço, isso eu já posso ver. E foi com isso justamente que eu vi. Maravilhoso, eu aprendi que eu sou mais forte que você...”. Sim, nós somos mais forte que eles, mas infelizmente nos falta consciência dessa força, ou pior, temos consciência da nossa força, mas por medo ou covardia, deixamos que nos domine. Raul nos instiga agir na contramão do que nos impõem. 

8- Se não pode com eles....;

Um dito popular diz: - junte-se a eles. Não para o Raul – para o nosso maluco beleza devemos ser a mosca na sopa deles. Devemos incomoda-los, fazer com que não tenham um sono tranquilo, que não tenham uma vida fácil. Que saibam que mesmo nos matando, outros tantos viram no nosso lugar para continuar incomodando. Por tanto sejamos a mosca que perturba 24h os propagadores do discurso do ódio  (autoritários e fundamentalistas).

Concluimos dizendo que nunca foi tão necessário celebrarmos a memória do nosso maluco beleza – um provocador nato, um filósofo verdadeiro. Nunca foi tão necessário gritarmos aquele bordão conhecido nos bares de Norte a Sul desse país: - Toca Raul!!!

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A Fazenda Primavera e a Contrareforma Agrária do Governo Bolsonaro

“Quem diz não estar de lado nenhum, mas do lado do Brasil, não está dizendo a verdade: o Brasil não tem lado no conflito agrário, por que é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural”.
Plínio de Arruda Sampaio 

Quem minimamente conhece a luta por reforma agrária no Brasil sabe que essa é uma bandeira marcada por muito suor e sangue – não são poucos os exemplos daqueles que tombaram na luta contra o latifúndio e pela democratização da terra nesse país. Mas a luta continua exigindo enormes sacrifícios daqueles que resistem em barracas de lonas nas margens das rodovias dessa imensa nação. 

Se nos governos comandados pelo PT (Lula/Dilma) não tivemos grandes avanços no campo da reforma agrária. Não há nenhuma ilusão que no governo Bolsonaro seja diferente, pelo contrário. Se antes, mesmo com toda morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) conseguia-se a desapropriação de algumas áreas e a implantação de projetos de assentamentos de famílias sem terra. Agora o órgão vem sendo utilizado não mais com o objetivo de promover a política de reforma agrária no país, mas para barrá-la. Se tornando portanto um instrumento da Contrareforma Agrária do Governo Bolsonaro. 

É o que percebemos ao analisar o processo de desapropriação da Fazenda Primavera (Vera Cruz) no município de Carmolândia (TO). Onde o próprio INCRA, isso mesmo, o INCRA entrou na justiça para barrar o processo de desapropriação da área – com a justificativa de que não tem disponibilidade orçamentária para tanto. Ora, o proprietário da área entrar na justiça para barrar o processo não é novidade, mas o INCRA que deveria promover a política de assentamentos em áreas que não estão cumprindo sua função social, é inaceitável. É o Estado se negando a cumprir o seu dever constitucional.

É evidente que não é por questões orçamentárias, mas ideológica que o Governo Bolsonaro através do INCRA vem se recusando a cumprir o seu papel. A ideia do governo é enfraquecer mais ainda os já fragilizados movimentos de luta pela terra. Mas nessa guerra ideológica quem paga a conta são as famílias de sem terra que vivem na miséria e sonham com um pedacinho de chão para poder produzir alimentos para sua subsistência e para nação. Pois afinal de contas quem é que abastece majoritariamente a mesa do brasileiro se não a pequena agricultura?!

No caso da Fazenda Primavera (no município de Carmolândia) o Ministério Público Federal questionou a alegação do INCRA e afirmou que o requerimento do órgão demonstra uma “nítida omissão no seu dever de promover a devida reforma agrária”. E que isso trás enormes consequências para as famílias que estão numa situação de vulnerabilidade social. O Ministério Público também ressalta que “A paralisação do processo de reforma agrária nesta etapa, após o dispêndio de recursos para a sua efetivação,  pode também consistir em ato de improbidade administrativa”. 

Nessa etapa os técnicos já deram parecer de que a área não está cumprindo a sua função social. De modo que como define a Constituição Federal no seu artigo 184: a União tem o dever de “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária... mediante prévia e justa indenização”. Eis aí um ponto importante que é preciso deixar claro. Pois já ouvi algumas vezes o seguinte argumento: - Sou a favor da reforma agrária, desde que o dono da área desapropriada seja indenizado e as famílias que forem assentadas de fato utilizem a terra para produzir. Ora, não existe nenhuma lei que permite a desaproprição de áreas sem a indenização do proprietário. E se algumas famílias depois de assentadas vendem a área ou transformam em outra coisa (área de lazer, por exemplo), a falha é do INCRA que não fiscaliza.

Por tanto, isso não pode servir de justificativa para que o governo não execute a politica de reforma agrária estabelecida pela constituição federal de 1988 – que na sua essência nem dá para chamar de reforma agrária de fato – pois uma reforma agrária que não muda a configuração agrária do país, caracterizada pela grande concentração de terra, não é reforma agrária. Pelo menos não uma reforma agrária que rompa com a estrutura agrária do país, mas que nas palavras de Plínio de Arruda Sampaio  (2009) busca sobretudo “humanizar o capitalismo agrícola e a preservar o meio ambiente”.

O caso da Fazenda Primavera não é um caso isolado (O que corrobora com a nossa tese de que se trata de uma politica de contrareforma agrária em curso no país) como mostra levantamento do grupo de trabalho da reforma agrária do Ministério Público Federal (MPF) que apontou vários casos nesse sentido. Tanto que foi necessário fazer uma recomendação ao INCRA para que revogue ou deixe de publicar resoluções que trata da desistência de desapropriação de áreas para implantação de projetos de assentamentos, cancelamento de títulos de dívida agrária ou arquivamento de processos administrativos que trata sobre essas questões. 

No entanto não há que se ter nenhuma ilusão de que tal recomendação será acatada por esse governo hostil as causas populares, especialmente as causas dos povos do campo – indígenas, quilombolas e camponese pobres. Sobretudo por que como alertou Plínio de Arruda Sampaio  (2009), “é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural”. Não há nenhuma dúvida que o Governo Bolsonaro quer a concentração – se possível ainda maior do que temos hoje avançando sobre territórios já conquistados pelos povos tradicionais. E nós que defendemos a desconcentração o que faremos para barrar essa Contrareforma agrária?

Acerca dessa questão, Plínio de Arruda Sampaio nos dá um norte: “Em uma sociedade anestesiada, incapaz de sensibilizar-se por argumentos racionais, que se move unicamente pressionadas por gestos ostensivos”. Ações radicais como ocupações são necessárias e se justificam como “forma de chamar atenção para o descaso criminoso do governo com a população rural”. 

Plínio disse isso no auge do segundo mandato do governo Lula, imagine agora num governo extremamente hostil a luta do movimento dos trabalhadores sem terra, como é o caso do governo Bolsonaro. Resta saber se as organizações camponesas de luta pela desconcentração da propriedade rural  estão a altura dessa tarefa histórica. 

Nós que apoiamos incondicionalmente a luta por reforma agrária nesse país. Não poderíamos deixar de nos solidarizar com as famílias que estão na luta pela desapropriação da Fazenda Primavera e por conseguinte a instalação do projeto de assentamento. Acreditamos que esse é um dos caminhos para combater a extrema pobreza que assola mais de 100 mil pessoas no Tocantins – e 13,5 milhões em todo o Brasil. Por isso continuamos empunhando a bandeira por uma verdadeira reforma agrária já. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, licenciado em Filosofia pela UFT e Militante do Coletivo José Porfírio.