quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Sepultura: sobre saber quando encerrar ciclos

I’ve never lost sight of my falte
Many tried to bloco my ways but
Persistence kept 
me going on
Now se trespass the line of time
Going back bit I’m right here, now 
And then, all done...” 

Kairos, Sepultura

O anúncio de que no ano em que celebrará 40 anos de estrada, será também o início da despedida dos palcos de uma das bandas de rock mais importante do planeta pegou a todos de surpresa. Sobretudo por que não estamos falando de um grupo do qual seus integrantes já não conseguem responder ao esforço físico que o estilo da banda exige. Sem falar no nível técnico que eles alcançaram como podemos perceber tanto nos discos como nos palcos. Tal decisão nos provocou a refletir sobre a necessidade de saber a hora de fechar ciclos. E nos chamar atenção para algo que tentamos evitar – a nossa finitude. 

Óbvio que para um fã não é tão fácil aceitar “o fim” do seu objeto de adoração. Da mesma forma que alguém quando perde uma pessoa querida. Demoramos perceber que a banda, na verdade, não vai acabar. Mas continuar existindo de outra forma. A partir daquilo que ela produziu ao longo dos anos e das memórias que temos com ela. No meu caso lembro de ter conhecido o som do Sepultura pela televisão numa madrugada lá no início dos anos 2000, numa performance no Rock in Rio Lisboa. Mas foi quando mudei para Goiânia nos idos de 2005, que passei a apreciar mais metal e punk, e ter mais acesso a essa cultura, que o Sepultura passou a fazer parte da minha trilha musical – no top três das minhas bandas preferidas ao lado do Motorhead e Ratos de Porão.

A primeira vez que fui num show foi em 2007 no Goiânia Noise. Lembro de ter ficado impactado com a performance da banda. Naquele momento tive a exata dimensão do que era o Sepultura – uma banda diferenciada – dessas que a história reserva um capítulo especial. Desde então a banda só melhorou, sobretudo depois da entrada do Eloy Casagrande.

Falar em entrada e saida de integrantes é tocar em polêmica. Alimentada sobretudo pelo ressentimento dos irmãos Cavalera, especialmente o Max. Da minha parte não há nenhuma polêmica. Quando conheci a banda no início dos anos 2000, Derrick já era o vocalista. De modo que a saída do Igor e depois do Jean foram mais significativa para mim. No entanto não tem como deixar de reconhecer a qualidade do trabalho da era Max. 

Para mim não há melhor ou pior. São fases diferentes. No entanto, nós sabemos que a sociedade que vivemos gosta de alimentar polêmica e competição entre os indivíduos. É nesse contexto, por tanto, que compreendemos toda a discussão em torno do que a banda produziu. Confesso que o meu carinho de fã maior é pela formação atual (Andreas, Paulo, Derrick e Eloy). Sem deixar de reconhecer o legado que os ex-membros deixaram. 

Por outro lado, arriscando uma análise mais técnica não dá para comparar o nível do Sepultura atual com o que faz os irmãos Cavalera, seja no Soulfly ou no Cavalera Conspiracy. Fazendo uma comparação com times de futebol, eu diria que o Sepultura atual seria um Manchister City ou um Real Madrid. Já os Cavalera um Palmeiras ou Flamengo.

Por que então parar agora se a banda está perfomando em tão alto nível?  Foi a pergunta que muito se fez. Óbvio que quem acompanha os integrantes sabe que há questões pessoais envolvidas – experiências vividas, pelo guitarrista e líder do grupo – Andreas Kisser – a partir da morte da sua companheira Patrícia, que o fez ter outra compreensão da vida. Tanto é que quando analisamos a turnê de despedida do ponto de vista conceitual está lá de forma muito explícita a sua defesa de uma morte digna.

Estranho isso, não?! Falamos tanto em vida digna, mas em morte digna não. Mas deveríamos, por que disso não tem como fugir – da nossa condição de finitude.

Mas se a questão é o Andreas, por que não substitui-ló? Isso aconteceu durante alguns shows na Europa, tendo o Jean Paton assumindo a guitarra. Simplesmente pelo fato de que a banda decidiu coletivamente que é hora de parar. Ou seja, ainda que a ideia tenha surgido do Andreas, a decisão foi de todos. Quem melhor que eles para decidir a hora de parar?!

Nós ficamos tristes com essa decisão. Mas não podemos deixar de notar uma coerência com o legado construído pela banda – não abrir mão daquilo que acredita. Foi isso que fez com que eles renascessem (a música Kairos representa isso muito bem). Algo que sempre demostraram foi ter consciência do que estavam fazendo. E agora não seria diferente. Por fim, eles nos deixam mais uma grande lição – a vida é feita de ciclos. Compreender isso é estar melhor preparado para encarar outras possibilidades que ela nos oferece. E que muitas vezes,  por medo e comodismo, deixamos passar.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Marx e os direitos humanos

Não queremos antecipar dogmaticamente o mundo,
mas encontrar o novo mundo a partir da crítica”.
Karl Marx 



A discussão sobre direitos humanos é atravessada por muitas contradições. Sobretudo no Brasil. Pois em que pese a origem desses direitos serem frutos da ascensão da burguesia e por conseguinte do modo de produção capitalista. A defesa deste passou a ser assumida sobretudo por setores da esquerda a partir da resistência aos crimes cometidos pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985).  E é atualmente uma bandeira irrenunciável de qualquer organização que se opõem a ordem dominante – caracterizada pela desigualdade e suas expressões que aflinge o povo trabalhador, tanto no campo como na cidade. 

No entanto, sempre que vamos para discussão teórica, sobretudo no âmbito da academia, somos lembrados da crítica Marxiana aos direitos humanos. Essa crítica encontramos no livro sobre a questão judaica (1843). Um texto em que Marx trava uma polêmica com Bruno Bauer (que havia escrito um texto sobre o problema) – fazendo parte dos escritos Marxiano – que marca o seu processo de rompimento com a esquerda hegeliana e a Filosofia Alemã. 

É preciso, portanto, compreender o contexto que a crítica foi feita e ao que se pretendia – apontar, na minha análise, os limites da filosofia idealista para compreensão de uma determinada realidade e por conseguinte a sua transformação.

Num determinado trecho Marx escreve o seguinte: “o homem não foi libertado da religião. Ele ganhou a liberdade de religião. Ele não foi libertado da propriedade. Ele ganhou a liberdade de propriedade. Ele não foi libertado do egoísmo do comércio. Ele ganhou a liberdade do comércio” (2010, p. 53). Ou seja, para Marx, o indivíduo continuava submisso a um estado de coisas. Desse modo, a liberdade conquistada com a passagem da sociedade feudal para burguesa – é uma liberdade abstrata. 

É nesse contexto, por tanto, que se insere a crítica a concepção de direitos humanos. Esses direitos são voltados para o indivíduo burguês – o “homem egoista”. Daí que na definição de Marx (2010, p. 48), “os direitos humanos, nada mais são do que os direitos dos membros da sociedade burguesa”.

De acordo com nosso filósofo (2010, p. 47) estamos falando sobretudo de direitos políticos. Que só podem ser exercido numa comunidade politica – parte de um sistema estatal. A partir daí um aspecto importante ressaltado por Marx é a relação entre direitos humanos e liberdade. 

“O direito humano à liberdade não se baseia na vinculação do homem com os demais homens, mas, ao contrário, na separação entre um homem e outro” (2010, p. 49). Ou seja, esse direito se fundamenta no individualismo – no egoísmo. Por isso para Marx (2010, p. 50) “nenhum desses direitos transcende o homem egoísta”. Sobretudo quando analisamos a aplicabilidade prática dos direitos humanos à liberdade. Que nada mais é do que a garantia do direito a propriedade privada. E assim chegamos no nosso ponto Inicial. O direito humano trouxe ao membro da sociedade burguesa a liberdade de religião, de propriedade e de comércio. Quando que, na verdade, a luta deve ser para liberta-lo da religião, da propriedade e do egoismo do comércio. 

Marx nos aponta portanto os limites dos direitos humanos nos marcos da sociedade burguesa. Pois em última análise, esses direitos servem a um determinado fim, o fortalecimento do indivíduo – o indivíduo egoísta – o indivíduo burguês – que é reconhecido pelo Estado político através desses direitos.

Diante desses apontamentos o que nos resta? Abandonar a defesa dos direitos humanos diante do fato de que eles não apontam para superação do estado de coisas atual? Ou pior, não só não apontam para superação do modo de produção atual, como contribui para manutenção da ordem burguesa. 

No nosso modo de ver é preciso pensar dialeticamente como Marx. Ou seja, a partir do movimento real da história. 

A crítica de Marx aos direitos humanos nos marcos da sociedade burguesa, sobretudo no contexto que ele escreveu (no final da primeira metade do Século XIX), está correta. E inclusive, é uma critica que continua atual para compreendermos o limite desses direitos. No entanto, o que percebemos, é que apesar das suas contradições, a defesa dos direitos humanos é fundamental na sociedade. Ainda que seja o direito de religião ou de propriedade. Pois num contexto em que direitos mínimos são negados. Como por exemplo, de uma comunidade tradicional usufruir do seu território. Defender esses direitos é fundamental se quisermos vislumbrar mudanças qualitativas futuras. 

Essa defesa não será feito pela classe dominante – que busca manter o estado atual de coisas – mas por todos aqueles que acreditam na construção de outro modo de produção – onde as relações tenham como princípio a solidariedade e a cooperação. E não o egoísmo e a competição. Desse modo, a nossa defesa dos direitos humanos deve partir daí – compreendendo os seus limites, mas a sua necessidade no contexto atual.

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sábado, 20 de janeiro de 2024

Conto: O recado

Uma certa noite no meu quarto peguei um caderno para fazer algumas anotações acerca de um texto de filosofia que estava lendo. De repente ao folhear esse velho caderno caiu um pedaço de papel com o seguinte recado: “Estou afim de ti. Me liga” e um número de telefone. A dose de vaidade que existe em todos nós, como escreveu certa vez Ernesto Che Guevara, me deixou bastante envaidecido. Saber que existia uma criatura interessada por esse ser recalcitrante. Quem seria? Alguma aluna? Não podia ser por que aquele caderno eu não costumava levar para escola. Ora, quem teria e como teria conseguido colocar aquele recadinho naquele caderno? Ligar eu não iria. Ainda mais diante da possibilidade de ser uma aluna minha. Pois eu teria que manter total distância. Ora, não havia nenhuma possibilidade deu me relacionar com uma aluna, fosse quem quer que fosse. Mas eu queria saber quem era. Foi então que me veio na cabeça a ideia de salvar o número na agenda do meu celular – se o número fosse do whatsapp talvez eu pudesse descobrir. E não é que deu certo?! De fato eu descobri quem era. Não era nenhuma aluna, mas de uma colega da faculdade. Aquele caderno eu usava na faculdade e aquele recadinho tinha sido colocado ali há alguns anos (no mínimo uns três para ser mais exato – que foi quando eu havia terminado o curso). E só agora que eu estava encontrando. Não pude deixar de sentir raiva de mim. Como eu não percebi aquele recado antes, naquela época. Eu certamente teria ligado, teríamos ficado e quem sabe mais. Pois se ela era afim de mim, eu era muito afim dela. Era. Era é passado. E se é passado não volta. As oportunidades passam e se não aproveitamos o momento, só nos resta lamentar. Caralho!

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.