domingo, 17 de dezembro de 2023

Discurso aos formandos da Turma Pedro Ferreira Nunes (33.01) - 3° Série do Ensino Médio de 2023 do CENSP Lajeado

Senhora Luiza Brasileiro – Secretária Municipal da Educação. Professora Alzirene – Representante da Superintendência Regional da Educação de Palmas. Senhora Leila Márcia Ascenso Gama – Diretora da Unidade Escolar. Na pessoa a qual cumprimento as demais autoridades presentes.

Senhoras e senhores: Mães, pais, familiares, amigos e amigas de nossos formandos que hoje nos prestigiam com sua presença, boa noite!

E uma boa noite especial aos meus queridos afilhados, formandos e formandas razão desta solenidade. 

Que missão essa que vocês me deram, não?! Mas é com muita honra que cumpro esse papel nesse rito de passagem. Isso mesmo. A conclusão do Ensino Médio não é apenas o final de mais uma etapa na formação de vocês.  É sobretudo um momento de transição para uma nova perspectiva da vida – a infância vai ficando cada vez mais distante e a vida adulta cada vez mais próxima. Ainda que dentro de nós a criança que fomos sempre existirá. 

Nunca se esqueçam disso, pois essa criança tem muito a lhes ensinar. Sobretudo acreditar que tudo é possível. Ok, nós sabemos que nem tudo é possível. Com o avançar dos anos vocês aprenderam isso. E compreenderam que tudo bem. Nem sempre vamos conseguir tudo na vida. Mas o que não podemos, é deixar de tentar – desistir sem lutar. 

Gosto muito da palavra – persistência. Ela é utilizada para descrever um determinado comportamento. A saber: não desistir diante das dificuldades. Pelo contrário, buscar de diferentes formas superá-las.

Foi esse comportamento que fez com que vocês chegassem a esse momento. O momento de conclusão do Ensino Médio. E consequentemente da Educação Básica. 

Sei que não foi fácil para nenhum de vocês. Para alguns menos ainda. Mas conseguiram. Quantas batalhas diárias não tiveram que enfrentar para chegar aqui. E sem o apoio de toda uma rede – a começar pelos seus familiares – isso seria impossível. 

Quantos não desistem da escola, quantos não abandonam no meio do caminho. Vocês não. E isso lhes colocam num lugar especial – por tanto celebrem, celebrem.

Eu também celebro esse momento com vocês. Mas confesso que com uma certa tristeza. Afinal de contas é uma despedida. E toda despedida tem um tanto de tristeza.  

Mas como educador sei que é necessário essa despedida. Vocês estão prontos para alçar novos voos. E isso não pode me deixar triste. Pelo contrário, me alegro em saber que muito em breve vocês estarão brilhando nos caminhos que escolherem. E direi com orgulho. Eles foram meus alunos.

O grande educador Rubens Alves disse certa vez que educar é um exercício de imortalidade. Pois de alguma forma continuamos a viver naqueles que educamos. Assim, espero. Paulo Freire por sua vez nos lembra que o educador ao ensinar também aprende. Isso é um fato – aprendi muito com vocês. Tanto a ser um profissional como um indivíduo melhor.

Por fim, concluo evocando as palavras do Professor John no filme A sociedade dos poetas mortos:

“Carpe diem. Aproveitem o momento, garotos. Façam suas vidas serem extraordinárias."

Professor Pedro Ferreira Nunes – patrono da turma. Lajeado do Tocantins. 15 de Dezembro de 2023.


domingo, 10 de dezembro de 2023

Poema: Cassia Eller

Tua voz rouca no aparelho de som 
me tele transportou para o passado.
Ai estas canções,
estas velhas canções ainda falam
tanto ao meu coração,
sobretudo de tempos
de tempos que não voltaram.

Ai estas canções
estas velhas canções 
da minha juventude
que embalaram:
 – amizades, paixões e amores.

Mas hoje tudo mudou
tudo se perdeu
tudo acabou.
Tal como você se foi
naquele triste final de 2001.

Você se foi deixando 
tanta saudade.
Tal como os amores 
da minha juventude. 

Pedro Ferreira Nunes - um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Considerações sobre a possiblidade do CENSP se tornar uma Escola em tempo integral

Quando era estagiário do curso de Filosofia da UFT no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência em Lajeado (CENSP), analisando a unidade escolar no relatório de estágio, cheguei a conclusão de que esta deveria caminhar para se tornar um centro de Ensino Médio em tempo integral. Quatro anos depois já como membro do corpo docente voltei a defender essa tese numa discussão sobre o fechamento de turmas do Ensino Fundamental e a redução no número de matrículas. Na ocasião, durante uma formação, pontuei que até poderíamos fazer ações de busca ativa para aumentar o número de matrícula, mas a médio e longo prazo a comunidade precisaria discutir e se mobilizar para buscar junto ao Governo Estadual a transformação da escola em uma escola de tempo integral – de preferência que atendesse apenas o Ensino Médio  (Regular e EJA).

Era o início de 2022 e a prioridade do Governo então era ampliar as Escolas Civicos-Militares e a implantação da nova estrutura curricular do Ensino Médio. No entanto com a vitória nas eleições presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva e posteriormente a nomeação do Camilo Santana para o Ministério da Educação  (MEC), essas prioridades mudaram. Desse modo começamos 2023 com a espectativa de quais medidas o novo governo tomaria no campo educacional.

Enquanto isso nas ruas ecoava o grito pela revogação do Novo Ensino Médio – que acabou culminando numa proposta, por parte do Governo Lula, que está em discussão no congresso nacional, de reforma da reforma. Ou seja, melhora alguns pontos amplamente criticado, mas mantém a lógica de atendimento aos interesses das fundações empresariais. 

Programa de Escola em Tempo Integral do Governo Federal

Outra medida tomada pelo Governo Federal foi abandonar o Programa das Escolas Civicos-Militares e propor a ampliação das matrículas em tempo integral – muito inspirado numa política exitosa desenvolvida no Estado do Ceará – onde Camilo Santana exerceu o cargo de Governador. Daí nasceu o Programa de Escola em tempo integral, criado pela lei federal n° 14.640 de 31 de Julho de 2023 – aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Lula.

De acordo com a lei 14.640/23 a responsabilidade pelo programa é do Ministério da Educação (MEC) que deverá ofertar assistência técnica e aporte financeiro para que as redes estaduais e municipais amplie o número de matrículas em tempo integral na educação básica. Ou seja, o Governo Federal, através do MEC, orienta e financia, e Estados e Municípios executam. 

O Tocantins

O Estado do Tocantins é um dos entes da federação que aderiu ao programa. Tendo garantido aporte financeiro para 12.489 matrículas. Esse quantitativo será dividida entre Rede Estadual (6.902) e Municipal (5.587). Até o momento já foram liberados R$ 12.9 milhões. E expectativa é a liberação de R$ 42.27 milhões até o final do ano. Ou seja, os recursos financeiros, que são fundamentais para que as escolas possam ter condições de se tornar escolas de tempo integral, estão garantidos.

Por outro lado é necessário garantir o que a lei do Programa das Escolas em Tempo Integral prevê no seu artigo 13°. Ou seja, a assistência técnica que consiste em:

I – Aprimoramento da eficiência alocativa das redes;

II – Reorientação curricular para educação integral;

III – Diversidade de Materiais Pedagógicos;

IV – Criação de indicadores de avaliação contínua. 

Sem isso, de nada adianta organizar as unidades escolares, do ponto de vista estrutural. Pois teremos a ampliação do número de matrícula, mas não teremos de fato uma educação integral. E o pior, podemos transformar uma solução em problema. 

Outro aspecto que a lei n° 14.640/23 trás, mais especificamente no seu artigo 3° é que: o programa deverá priorizar “as escolas que atendam estudantes em situação de maior vulnerabilidade socioeconômico”. Esse ponto é importante por que nos faz voltar ao início. Ou seja, na possibilidade do CENSP se tornar uma escola em tempo integral.

Antes é importante termos claro o que é considerado uma escola de tempo integral – aquela que o estudante permanece na unidade escolar desenvolvendo atividades pedagógicas em dois turnos, contabilizando 7h diárias ou 35h semanais.

Possibilidade do CENSP se tornar Escola em tempo integral 

A partir de toda essa discussão percebemos que a possibilidade do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência se tornar uma escola em tempo integral não é mais só uma ideia de um indivíduo qualquer. No entanto, um ponto a se ressaltar é que essa possibilidade não surgiu de um  movimento da comunidade como sugerimos. Pelo contrário. Isso leva a um grande desafio – convencer a comunidade da importância de uma escola estadual em tempo integral no Lajeado. Esse desafio é ainda maior num contexto pós-pandemia em que o estudante, e a família, parece não priorizar mais a educação. Aja visto o esforço contínuo de ações de busca ativa para que o estudante não evada – mesmo assim o índice de infrequencia é preocupante. 

Ora, como convencer o estudante (e a família que muitas vezes precisa que ele trabalhe) que é melhor ficar mais tempo num lugar que ele não tem ânimo para ficar nem meio período? Vai ser preciso mais do que palavras. Só para início de conversa temos a questão estrutural (sem refeitório, sem banheiros com duchas para banho, sem quadra coberta, sem laboratório de informática). Por outro lado não podemos esquecer o aspecto pedagógico – o que será ofertado de diferente? E por quem? Ou seja. Com as condições atuais é impossível o funcionamento em tempo integral minimante com qualidade.

No entanto,  não quer dizer que essas condições não possam ser criadas. Recursos financeiros não faltam. Desse modo com a melhoria da infraestrutura e a qualificação do pessoal teremos criado as condições para que isso ocorra. Tudo isso passa por muita discussão, planejamento e organização. Sem isso a possibilidade da solução virar um problema é enorme. 

De todo modo estamos diante de uma oportunidade que não podemos deixar passar. Sabemos quem é o público atendido pelo Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência – estudantes que na sua grande maioria se encontra numa situação de vulnerabilidade socioeconômica. E que uma escola em tempo integral seria um espaço importante de acolhimento desse estudante proporcionando não apenas um cobertor social mas também um ensino que lhe proporcione o desenvolvimento do seu projeto de vida.

Diante disso, reafirmamos o que sempre defendemos – que o CENSP se torne uma escola em tempo integral. O que não temos dúvida – será um ganho para cidade do Lajeado – carente de políticas públicas voltadas para juventude. No entanto também reforçamos a nossa posição de que não basta torna a escola uma unidade escolar em tempo integral – é fundamental criar as condições para que isso não fique apenas no papel.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Crônica: Aula da saudade ou mais uma vez sobre o tempo

Aqui estou eu novamente escrevendo sobre o tempo. Escrever sobre o tempo é refletir sobre a nossa condição de finitude. E refletir sobre a nossa condição de finitude é pensar sobre a morte. A morte está no nosso horizonte como um “mal” incontornável. E o fato de evitarmos falarmos sobre isso não muda esse destino. Mas o que isso tem haver com aula da saudade?

Dizem que saudade é uma palavra genuinamente brasileira – que de acordo com o dicionário Barsa se refere a recordação de algo ou de pessoas. Desse modo, uma aula da saudade seria um momento de recordação de uma trajetória construída ao longo dos anos. Além da recordação é também um momento de reflexão sobre um tempo vivido – e se é um tempo vivido quer dizer que não há mais retorno. Aquela aula massa, aquela aula chata, aquele professor doido, aquela professora divertida, aquele passeio, aquele projeto, aquela dancinha, aquele lanche, aquele sorriso, aquele olhar, aquele beijo – tudo é passado. Tudo é memória. 

Em filosofia o conceito de memória tem uma longa tradição. Por exemplo, para os filósofos clássicos como Platão e Aristóteles, a memória é constituída de duas condições ou momentos distintos: o primeiro é retentivo, ou seja, “conservação ou persistência de conhecimentos passados, que, por serem passados, não estão mais à vista”. E segundo, pela recordação, ou seja, a “possibilidade de evocar, quando necessário, o conhecimento passado e de torná-lo atual ou presente” (Abbagnano, 2015). Nesse sentido percebemos um aspecto importante, o caráter ativo da memória. 

Foi isso que fizeram os estudantes da terceira série (33.01) do Ensino Médio do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência ao organizar a aula da saudade. Eles evocaram suas trajetórias ao longo desses anos de educação básica – que agora se finda com a conclusão do Ensino Médio. É uma morte, por que não. Por isso que esse momento de despedida que se encerrará com a formatura tem um aspecto de luto.

Mas nesse caso o luto é vivenciado não como uma coisa ruim. Mas como uma transição necessária para que possa haver um renascimento. É isso que acontecerá com esses estudantes. A conclusão do Ensino Médio é um passo fundamental para que eles possam renascer em outros espaços onde construíram outras memórias. Óbvio, sem deixar de recordar o que viveram entre os muros da escola. Essa recordação é importante, até para que não esqueçam de suas origens.

Quando retornarmos no próximo ano letivo. Sentiremos, no ambiente escolar, a falta de cada um deles (com o seu jeito singular). A nerd, o desligado, a esforçada, o jogador, a extrovertida, o tímido, a turista, o rebelde, a leitora, o prestativo, a crítica,  a dançarina, o dorminhoco, a patricinha, o galã e etc. Eles também sentiram falta, nem tanto das aulas ou de acordar cedo para ir para escola. Mas das conversas, das risadas, das dancinhas, da convivência diária. Pois mesmo morando na mesma cidade e frequentando os mesmos ambientes, não será a mesma coisa.

E com o passar do tempo o afastamento será natural. Alguns mudaram de cidade, estudaram em outra universidade, se casaram. Mas independente de qual caminho seguiram sempre haverá algo em comum – uma memória compartilhada de uma fase da vida. Talvez um dia quando encontrar um colega na rua nem o comprimente. Mas no fundo você vai se lembrar – ele foi meu colega do colegial. E vai evocar alguma memória daquele tempo.

Assim é a vida. Precisamos entender que nada é para sempre. No entanto, mesmo que nada não seja para sempre, sempre fica alguma coisa de tudo que vivemos. Ainda que o que fica sejam apenas memórias.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sábado, 25 de novembro de 2023

Resenha: Ensino de Filosofia e a Educação em Direitos Humanos

Pensar como o ensino de filosofia pode contribuir com a educação em direitos humanos é o objeto de uma coletânea de textos organizados por Lúcia de Fátima Guerra Ferreira, Maria de Nazaré Tavares Zenaide e Marconi Pequeno. Direcionado para educação superior, a obra trás múltiplos olhares que nos ajuda a pensar esse desafio não só na formação de professores mas também na educação básica – onde a violência no ambiente escolar tem mostrado a necessidade dessa discussão.

A obra em questão intitulada de DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: subsídios para a Educação em Direitos Humanos na Filosofia. Não é uma publicação recente. Saiu em 2010 pela Editora da Universidade Federal da Paraíba  (UFPB). No entanto nos parece que a sua relevância é ainda maior no contexto atual. Apesar de serem voltados para o ensino superior, em especial a graduação em Filosofia, os textos são bastantes acessíveis. Fazendo com que a obra não fique restrita a esfera acadêmica, mas possa ser apropriada pelo público em geral. 

Mas certamente quem tem uma formação em Filosofia ou está se formando nessa área terá uma facilidade maior tendo em vista que o esforço dos autores é refletir sobre os direitos humanos a partir de uma perspectiva filosófica, de modo que há conceitos, referências e articulações que dificulta um pouco o entendimento de quem é totalmente alheio a tradição filosófica. Nesse sentido ter do lado um dicionário de filosofia pode contribuir bastante.

A obra é dividida em 5 partes. Sendo que a primeira trás apenas um texto do Paulo César Carbonari abordando a problemática de como o Ensino de Filosofia pode contribuir com a educação em direitos humanos. As demais parte segue a seguinte lógica: Num primeiro momento busca-se conceituar o que são direitos humanos e a sua fundamentação. Já num segundo momento busca-se um olhar mais prático a partir de uma relação com a ética e a política. E em todos eles há o problema central que é a educação em direitos humanos. 


Ensino de Filosofia e Educação em direitos humanos

Para Carbonari (2010) a filosofia tem como tarefa uma abordagem crítica dos direitos humanos. Ele ressalta que essa temática não é estranha a Filosofia. E que por tanto, essa área do conhecimento pode contribuir para que se tenha efetivamente uma educação em direitos humanos. Para tanto um aspecto importante que esse autor ressalta é a “carência de material de apoio didático-pedagógico para o ensino de filosofia e para educação em direitos humanos na educação básica” (2010, p. 46). Desse modo um grande desafio é o desenvolvimento desse material a partir da realidade vivenciada em sala de aula.


O que são Direitos humanos 

Entre os artigos que buscam definir conceitualmente o que são direitos humanos destacaria o de autoria do Giuseppe Tosi intitulado de O que são esses tais direitos humanos? O seu ponto de partida é uma contextualização histórica de como a questão dos direitos humanos foi introduzida no Brasil – no processo de resistência aos crimes cometidos no período da ditadura Cívil-Militar (1964-1985) e na luta pela redemocratização. Para esse autor (2010, p. 57), a Constituição Federal de 1988 criou as condições jurídicas e políticas para efetivação dos direitos humanos – falta ainda essa efetivação. É a partir daí que ele definirá os direitos humanos como “um conjunto de princípios que regem a convivência civil e o contrato social de uma nação” (2010, p 68). Ou seja, normas para uma boa convivência num determinado território. Diante disso para esse autor (2010, p.74) “os direitos humanos constituem um horizonte irrenunciável do nosso tempo”. 


Fundamentação dos direitos humanos 

Entre os textos que buscam fundamentar os direitos humanos a partir de uma perspectiva filosófica temos o do Ralph Ings Bannell (O problema da racionalidade e os direitos humanos) – que pontua a racionalidade humana como fundamento desses direitos – destacando que é através dessa racionalidade, que é inerente a nós, que reconhecemos os direitos humanos. De acordo com esse autor (2010, p. 93) “uma sociedade liberal é a única ordem social aceitável para agentes autônomos e racionais”. Logo, só é possível vislumbrar a efetividade dos direitos humanos nesse contexto. 

O texto do Milton Meira do Nascimento (A tradição crítica dos direitos humanos) faz de certa forma um contra ponto ao texto anterior. Sobretudo por questionar a sua efetividade nos marcos de uma sociedade burguesa (liberal), onde esse acaba tendo um caráter abstrato. Desse modo, esse autor (2010, p. 140) salienta que a crítica aos direitos humanos é importante para que não deixemos que o mesmo se afaste da realidade concreta. 

O texto do Marconi Pequeno (O sujeito dos direitos humanos) busca fundamentar os direitos humanos a partir da compreensão do sujeito titular desses direitos – que tem sua origem na modernidade, tendo em Descartes um dos seus idealizadores. Pequeno (2010, p. 166) destaca que esse sujeito não pode ser compreendido unicamente da perspectiva da sua racionalidade, mas também emocional. Pois estamos falando de um “ser que é cognitivo, reflexivo, passional, moral, político e social” (2010, p. 157).


Educação em direitos humanos 

A efetividade dos direitos humanos passa necessariamente pela educação como um instrumento importante no processo de socialização, sensibilização e apropriação dos conhecimentos historicamente construídos e a partir daí mudar determinada realidade. Mas que educação seria essa? O texto do Eduardo C. B. Bittar (Os direitos humanos e a sensibilidade estética: educação em direitos humanos, resistência e transformação social) é muito interessante. Sobretudo por propor trabalhar os direitos humanos a partir da estética, buscando sensibilizar os indivíduos por meio da arte. Para Bittar (2010, p. 181) “a educação em direitos humanos e para direitos humanos” deve utilizar diferentes estratégias para resgatar o sujeito, incluindo a sensibilidade. Ele ressalta que (2010, p. 182) “para ensinar liberdade, solidariedade, equidade, diversidade, igualdade, respeito, é necessário, do ponto de vista metodológico,  algo mais que simplesmente falar”. 

Castor M. M. Bartolmé Ruiz também apresenta uma contribuição muito interessante acerca da educação em direitos humanos no seu texto (Os direitos humanos como direitos do outro), sobretudo a ideia de que, partindo da compreensão de que os direitos humanos deve ser compreendido como direitos das vítimas,  ou seja, daqueles que são aleijados desses direitos. Uma educação em direitos humanos tem como desafio superar a visão individualista que coloca o Eu no centro, tendo como fim a defesa da propriedade privada. É importante compreender que eu só sou quem sou, só possuo direito, por que existe um outro. 


Direitos Humanos, Ética e Política 

Quando falamos em direitos humanos de uma perspectiva filosófica estamos falando de um problema ético-político. Desse modo não dá para abordar esse tema sem trazer esse aspecto. Nesse sentido o texto do Marcelo Andrade (Direitos Humanos, diferença e tolerância: sobre a possibilidade de fundamentos éticos-filosóficos) dá a sua contribuição ao pensar os direitos humanos “longe das pretensões sobre falso ou verdadeiro e próximo dos questionamentos sobre justo e injusto” (2010, p. 235). A partir daí ele vai analisar diferentes perspectivas éticas com a kantiana, aristotélica e habberniana. Enfatizando a busca por uma sociedade pluralista. 

O texto da Maria Clara Dias (Direitos Humanos e a crise moral: em defesa de um cosmopolitismo de direitos humanos) segue a linha anterior ao defender que não é possível vislumbrar a efetividade dos direitos humanos num contexto em que não aja respeito a diversidade. Esse respeito por sua vez é fruto de valores construídos. Daí que para essa autora, “direito humanos são, antes de tudo, direitos morais” (2010, p. 268).

Trazendo mais para o âmbito político o texto do Edson Luiz de Almeida Teles (Memória e verdade: Ação do passado no presente) salienta que não é possível falar em direitos humanos no presente sem tocar nas feridas do passado. Ele enfatiza que o direito a memória é uma questão fundamental para que não se repita os crimes do passado. Um aspecto importante é o seu entendimento de que o controle da memória é um ato político. Desse modo ele afirma (2010, p. 308) “a busca pela verdade do passado é,  antes, uma ação de rejeição à impunidade e ao respeito aos direitos e a formação de um valor ético, mas também uma ação política”. 

Para fechar temos os textos do Guilherme Assis Almeida (Questão do mal, direitos humanos e a perspectiva cosmopolita) e da Helena Esser dos Reis (Democracia e Direitos Humanos: relações sociais e políticas). Ambos apontam que o desafio para uma cultura de respeito aos direitos humanos está na participação efetiva das pessoas na esfera pública. Reis, por exemplo, afirma que (2010, p. 338) “é na ação dos cidadãos,  muito mais do que nas instituições, que o Estado Democrático demonstra sua utilidade”. E consequemente na efetivação de políticas públicas de promoção aos direitos humanos.

Enfim, temos ai uma coletânea de textos acerca da educação em direitos humanos muito rica – que certamente, diante da escassez para se trabalhar essa temática, é um excelente guia não só para educação superior, mas sobretudo para educação básica onde essa carência é maior ainda. 

Diante disso não poderíamos deixar de indicar a leitura do mesmo. Tanto como um exercício de reflexão e entendimento da temática. Mas também como subsídio para elaboração de material didático a ser trabalhado em sala de aula.

Pedro Ferreira Nunes – É Professor da Educação Básica. Educador Popular. E Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

bell hooks e o amor na luta contra o racismo



- Amar é um ato de resistência. Você provavelmente já ouviu essa frase por ai. Para bell hooks não se trata de uma retórica vazia. Essa filósofa estadunidense acredita mesmo que amar é um ato de resistência. No entanto para que essa frase não se torne uma retórica vazia. Primeiro: É preciso compreender o que é o amor. Segundo: Entender o seu poder transformador. Em relação a esse segundo. Para entender o poder transformador do amor é necessário amar. Ou melhor – se amar em primeiro lugar. O que não é fácil para aqueles que sofrem opressão,  que são inferiorizados. É o caso do povo preto - em especial as mulheres – vítimas do regime escravocrata. É portanto para essas que bell direciona o seu poderoso discurso em defesa do amor como um instrumento político na luta contra as opressões. Mesmo compreendendo que a escravidão afetou a capacidade de amar dos negros, sobretudo das mulheres. Ela acredita que o amor pode curar – tornando os indiviudos mais fortes na luta pela construção de um mundo melhor. 

Mas voltemos ao início quando dissemos que para que a frase: - amar é um ato de resistência. Não caia numa retórica vazia. Precisamos compreender o que é o amor. bell seguirá uma definição do amor como “uma intenção e uma ação”. Ou seja, o amor não é apenas sentimento. É também ação. Se eu não expresso o que sinto por meio de atos. Então não estou praticando o amor. É aquela velha história – falar ti amo é fácil. Mas a nossa filósofa lembra que o amor é mais do que palavras. Nesse sentido ela nos diz que é “preciso reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar”. E para fundamentar sua fala ela trás o exemplo da escravidão – que criou, segundo bell, no “povo negro uma noção de intimidade ligada ao sentido prático de sua realidade”. Ou, seja, num contexto de violência extrema reprimir os sentimentos era uma questão de sobrevivência. 

Não nos falta obras para entendermos o que bell está falando. Mas não poderia deixar de citar algumas como os filmes: 12 anos de escravidão (EUA) e Vazante (BRA). Gosto também dos poemas do Castro Alves. Entre tantos destacaria “a canção do africano” (1863), que destaco aqui os versos finais:

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tratasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada 
Deita seu filho, calada,
E põe se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo”.

É de que se compreender o por que que os indivíduos que lutam pela sobrevivência não deem espaço para o amor. Porém, mesmo num contexto de extrema dificuldade, bell defende ser possível encontrar espaços para amar. E mais. Para essa filósofa, amar é uma condição sine qua non para irmos além da sobrevivência. Desse modo ela enfatiza que o autoconhecimento e o autocuidado são dois aspectos fundamentais para que não nos tornemos pessoas frágeis. De acordo com suas palavras “a arte e a prática de amar começam com a nossa capacidade de nos conhecermos e afirmar”. E quando conhecemos a nós mesmo. Nos aceitando – e não se deixando afetar pelo que os outros acham ou dizem. Teremos mais força não só apenas de seguir em frente mais também de contribuir com aquilo que acreditamos.

Nossa filósofa encerra sua reflexão ressaltando que “quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enchergar o passado com outros olhos: é possível transformar o presente e sonhar o futuro”. Para ela esse é então o poder do amor – o amor cura. Essa cura não é de fora para dentro. Mas o contrário. Quando, através do amor, conseguimos curar nossas feridas internas, nos tornamos mais fortes na luta contra toda forma de opressão.

Para finalizar, talvez desviando do nosso foco inicial ou não, a partir dessa leitura da bell hooks a consciência negra acabou fazendo mais sentido para mim. Diante disso não podemos deixar que ela se torne apenas mais uma data no nosso calendário. Mas como um momento de olhar com outra perspectiva para nossas raízes – com suas heranças, buscando assim transformar o presente e sonhar um futuro sem racismo – em que as vidas negras realmente importa.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Na oficina de Narrativas Imagéticas

Para Jádyla Patrícia 


Uma das atividades da oficina de Narrativas Imagéticas ministrada pela Jádyla foi o compartilhamento de uma fotografia acompanhada de uma legenda sobre: 1- O que vejo; 2- O que sinto e 3- O que mudaria. Ao ver os estudantes compartilhar suas memórias me empolguei e também decidi compartilhar as minhas. Imediatamente me veio na cabeça a lembrança de uma fotografia minha com minha mãe tirada numa noite fria de festa junina em Trindade (GO).

Bem, a fotografia eu já tinha, me faltava pensar o que via, o que sentia e o que mudaria. 

A imagem da fotografia mostra duas pessoas sorridentes, felizes. E era sempre assim. O que me fez lembrar de tantos momentos que vivemos juntos. Daí não me veio outra coisa na cabeça se não colocar que o que sentia ao ver aquela imagem era saudade e gratidão. Saudades de uma convivência amiga, das conversas, do companheirismo, dos sonhos e projetos que divididiamos. Por outro lado a gratidão de ter tido o privilégio de tê-la na minha vida. De tê-la proporcionado pequenas alegrias e termos vividos momentos inesquecíveis. Diante disso não poderia concluir de outra forma se não dizendo que não mudaria nada. Pois a nossa relação era tão bonita e a convivência tão tranquila que não poderia me sentir de outra forma senão agradecido.

Depois dessa experiência fiquei pensando como uma dinâmica aparentemente simples pode mexer tanto com  a gente. No meu caso me proporcionou um olhar diferente para minhas memórias com minha mãe. A partir de agora não só aquela fotografia compartilhada vai me fazer sentir gratidão. Mas todas as outras que me farão lembrar da nossa convivência. 

Não sei se os demais participantes da oficina tiveram uma experiência tão profunda assim. De todo modo, não tenho dúvida de que todos foram afetados de alguma forma ao fazer esse exercício de olhar para suas memórias de forma reflexiva. 


Diante disso ficamos contentes em termos proporcionado a realização da Oficina de Narrativas Imagéticas para estudantes do Ensino Médio do CENSP Lajeado, numa parceria com o curso de Teatro da UFT. Além dessa atividade em especial, os participantes puderam também refletir e vivenciar outras experiências como uma aula-campo por lugares (antigo prédio da escola municipal, Praça das Crianças e Praça dos Buritis) num exercício de memória coletiva sobre a cidade.

Nesse sentido as atividades da Oficina de Narrativas Imagéticas foram de encontro com a análise que o Michael Pollak faz da relação entre memória e identidade social. Inclusive, Pollak foi um dos autores utilizado pela Jádyla nas aulas teóricas em preparação as atividades práticas. 

Um aspecto que Pollak (1992) ressalta sobre a memória é que ela tem um caráter mutável ou seja,  ela está em constante transformação. O olhar que temos hoje para um determinado fato do passado tende a se modificar com o passar dos anos. E essa mudança se dá não apenas numa perspectiva individual, mas também coletiva. Pois para o nosso autor (1992) a memória não diz respeito apenas ao indivíduo, ela é produto da coletividade. Por isso que ele ressalta que a memória é constituída tanto das lembranças do que vivemos pessoalmente como por tabela. Ou seja, “são acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ou não.” Além dos acontecimentos nosso autor também pontua as pessoas (personagens) e os lugares como parte constituinte da memória. 


Na aula-campo que realizamos na oficina de Narrativas Imagéticas nosso objeto foi lugares. E um lugar bastante especial que visitamos foi os escombros do antigo prédio da Escola Municipal Sebastião de Sales Monteiro onde alguns dos que estavam ali já haviam estudado (ou mesmo os que não estudaram mais trazem alguma lembrança a partir da memória de seus familiares). Aliás, esse foi outro momento da oficina que fui instigado a fazer uma imersão ao meu passado, já que eu havia estudado naquele prédio. A sensação que senti durante a visita me fez lembrar o poema Velha Chácara, do Manoel Bandeira:


A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...
— Mas o menino ainda existe.


A escola já não existe. Mas o estudante sonhador (que queria mudar o mundo) sim. 

Enfim, com isso concluímos ressaltando mais uma vez a riqueza que foi essa oficina ministrada pela Jádyla. Acredito que atividades como essa são fundamentais para uma formação mais humana dos nossos estudantes – contribuindo tanto para o autoconhecimento como para sua identidade social enquanto parte de uma determinada comunidade. Acreditamos também que atividades como essa amplia o leque de possibilidade dos nossos estudantes quanto a sua formação profissional. 

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Poema: Mulher tatuada

Loira, preta, 
india ou mulata.
Eu prefiro as tatuadas,
Eu prefiro as tatuadas.

Europeia, Latina, 
Africana ou asiática.
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Gorda ou magra, 
Alta ou baixa.
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Doutora, camponesa
Ou operária. 
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Que tenha grana 
Ou seja rodada.
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Comunista, anarquista, 
Ou alienada. 
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Roqueira, hipponga
Ou punkada. 
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Católica, ateia 
ou desligada.
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 

Seja assim,
Seja assada.
Eu prefiro as tatuadas. 
Eu prefiro as tatuadas. 


Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

domingo, 5 de novembro de 2023

Now and Then e o belo

O que faz uma canção nos afetar tão profundamente? Sobretudo uma canção cantada numa língua que não é a sua. Sempre que isso acontece tenho a curiosidade de buscar alguma tradução para entender o que está sendo enunciado e algumas vezes somos surpreendidos. Mas no caso de Now and Then dos The Beatles, não. Melodia e letra se complementam de forma perfeita. Ou utilizando um conceito da estética – sublime. Por isso que qualquer pessoa com sensibilidade estética não pode negar estar diante de algo belo.

 Alguns vão dizer que é por causa dos The Beatles e toda a áurea que envolve a banda. Todos os membros desse grupo britânico de rock foram transformados em ícones da cultura pop. E o John Lennon,  por exemplo, numa lenda. Mas o fato é que do ponto de vista cultural, e por que não político, não é possível compreender o século XX – tanto no campo da música como comportamental – sem falar na obra construída pelo quarteto de Liverpool.  Desse modo, não é de se admirar que um lançamento inédito da banda após tantos anos cause tanta euforia. Ainda mais pelas circunstâncias – John Lennon e George Harrison,  mortos. E Paul McCartney e Ringo Starr já se aproximando da aposentadoria. De modo, que ao que tudo indica esse será o último lançamento inédito da banda – que foi possível graças a registros deixado tanto por John como por Harrison. Em resumo, tudo corrobora para que a composição se torne icônica.

Todo esse contexto pode até favorecer do ponto de vista publicitário a obra. Mas não é isso que a torna algo belo. Para compreender essa afirmação um texto do filósofo estadunidense John Hospers sobre atitude estética é muito oportuno. 

De acordo com esse autor (2016) “quando contemplamos esteticamente uma obra de arte ou a natureza, fixamos-nos apenas nas relações internas, ou seja, no objeto estético e nas suas propriedades, e não na sua relação com nós próprios, nem se quer na sua relação com o artista que o criou ou com o nosso conhecimento da cultura em que surgiu”. Ou seja, devemos ter uma postura neutra ao contemplar esteticamente uma obra de arte – uma tarefa um tanto difícil. Diria quase impossível. Por isso que muitas vezes julgamos uma obra de arte a partir de uma perspectiva moral ou cognitiva.

Ainda de acordo com Hospers (2016) o valor estético de uma obra de arte está na sua unidade: “O objeto unificado deve conter dentro de si um amplo número de diversos elementos, onde cada um contribui em alguma medida para a total integração de todo unificado, de modo a que não exista confusão apesar dos elementos díspares que o integram. No objeto unificado, todas as coisas são necessárias, e nenhuma é supérflua”. Ou seja, não é possível alterar nenhuma vírgula sem que isso prejudique o todo.

Todos os elementos internos que compõem Now and Then formam uma unidade única. Mostrando que estamos diante de uma obra de arte de um enorme valor estético. Ou seja, um clássico. 

Mas como não somos seres puramente racionais não poderia deixar de destacar o aspecto emotivo da canção – que a mim me remeteu a ausência, ao luto. A melodia em si já nos remete a uma época que se foi. E a letra então vem afirmar esse sentimento nos fazendo recordar de outros invernos e de pessoas que aqui já não estão – mas que sobrevivem na nossa memória.

“De vez em quando,
eu sinto a sua falta.
Oh, de vez em quando,
eu quero que você esteja lá para mim.
Sempre retorne para mim...”

Desse modo somos levados a refletir sobre a vida. E o clip da canção (que é uma obra de arte a parte)  comandado por ninguém menos que Peter Jackson (O Senhor dos Anéis ), remete mais ainda a isso ao abordar tempos distintos e conciliar juventude com maturidade – passado com presente. Enfim, é para ouvir, ouvir e ouvir. E agradecer a oportunidade de apreciar obras desse nível em tempos como os nossos em que o supérfluo domina.

Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Byung-Chul Han e a Sociedade do Desempenho

“Hoje o indivíduo se explora e acha que isso é realização”. Essa frase é do Filósofo Sul-Coreano Byung-Chul Han, autor de obras como “Sociedade do Cansaço”, “Morte e alteridade”, “O que é poder?” entre outros. A frase em questão pode ser melhor compreendida a partir da leitura do seu texto intitulado de “Sociedade do Esgotamento” – onde ele afirma que a Sociedade da Disciplina apontada por Foucault se tornou primordialmente uma sociedade do Desempenho.

Como isso se deu? Antes de responder essa pergunta precisamos compreender o que seria a Sociedade Disciplinar. Para responder precisamos recorrer ao filósofo francês Michel Foucault. Mais especificamente a sua obra “Vigiar e Punir” (1975) – onde ele analisa o surgimento das prisões. Chegando a conclusão que a sociedade moderna inaugura novas formas de disciplinar o indivíduo – não mais utilizando o suplício característico do período anterior. Até por que o novo modo de produção precisa de corpos produtivos – corpos dóceis – por meio de um aparato disciplinar onde a estrutura panóptica permite um estado de vigilância contínuo. Essa lógica está presente em toda a sociedade – nas escolas por exemplo através da imposição de toda uma rotina por meio de um regimento escolar que determina horários, formas de se vestir e comportar. E caso aja alguma transgressão vem a punição. Ou seja, a lógica do vigiar e punir – que tornou-se até mais eficaz com os aparelhos eletrônicos de monitoramento.

Han por sua vez vê uma mudança de paradigma. Para esse filósofo não estamos mais numa sociedade onde a disciplina é o fator primordial, mas o desempenho. Óbvio que para alcançar determinado objetivo é necessário disciplina. Porém essa não é mais imposta por um fator interno, mas assimilada pelo próprio indivíduo como algo necessário para alcançar uma meta.

“A sociedade de hoje não é mais primordialmente uma sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho, que está cada vez mais se desvinculando da negatividade das proibições e se organizando como sociedade da liberdade” (2017, p. 79).

Enquanto na sociedade disciplinar não há liberdade. E são imposta aos indivíduos uma série de “tu não deves” – proibições. Na sociedade do desempenho o sentimento é de liberdade.

Marcuse já apontava para esse fato ao analisar a ideologia da sociedade industrial e a construção do homem unidimensional. Para o filósofo Frankfurtiano, os indivíduos acreditam ser livres para fazer escolhas quando não são. Ele ressalta a introjeção de valores que faz com que os indivíduos auto se explorem. Por isso, ele não fala mais em alienação, mas em autoalienação. Marcuse chegará a conclusão de que sob um manto de liberdade, a sociedade atual é tão autoritária como a anterior.

Retornemos a Han. Para esse filósofo o sujeito atual tem como lema: liberdade e boa vontade. Desse modo ele não se submete a um trabalho obrigatório. E nem se move a partir de deveres ou da relação com o coletivo. “Ele ouve a si mesmo. Deve ser um empreendedor de si mesmo. Assim ele se desvincula da negatividade das ordens do outro”. Conseguindo assim emancipar-se e libertar-se do outro. 

Nosso filósofo aponta porém que essa “dialética misteriosa da liberdade transforma essa liberdade em novas coações” (2017, p. 83). O ponto chave desse processo é a transformação do indivíduo no seu próprio algoz. Ele coage a si mesmo a ter um determinado desempenho – forçando-se a produzir cada vez mais sem já mais alcançar um ponto de repouso da gratificação. Pois essa se dá na relação com o outro. Assim “vive constantemente num sentimento de carência e culpa” (2017, p. 87). O que leva-o a um estado de adoecimento mental.

Para Han (2017) o sujeito do desempenho só se realiza na morte. Ou seja, a sua realização é a autodestruição:

“O sujeito do desempenho esgotado, depressivo está, de certo modo, desgastado consigo mesmo. Está cansado, esgotado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando a autoerosão e ao esvaziamento” (2017, p. 91).

As palavras de Han bate forte como um soco no estômago. Elas nos mostra um fato que está aí mas que, submersos nesse contexto, nos negamos a ver. E não é fácil mesmo. Há todo um aparato tecnológico (o mundo digital) desempenhando um papel central nesse sentido. Logo as perspectivas de mudanças não são animadoras. Mas pensando dialeticamente não podemos dizer que é impossível. Ainda que o horizonte nos parece cada vez menos animador. 

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Juvenal Savian Filho: Somos ou estamos na Natureza?

O modo como nos relacionamos com a Natureza tem a ver com a nossa visão acerca dela. É a reflexão que nos propõe o filósofo Juvenal Savian Filho ao abordar essa questão no seu livro “Filosofia e filosofias – existências e sentindos”. Nessa obra ele nos aponta duas visões que foi se formando ao longo da história: uma que parte da ideia da Natureza como uma máquina e a outra como um organismo vivo. Nas linhas a seguir vamos conhecer melhor essas visões e refletir sobre as suas consequências. 

O primeiro aspecto para o qual Savian Filho (2018) chama atenção é a de que ao mesmo tempo  que nos colocamos entre os demais animais, nos destacamos do seu conjunto. Isto é, “tomamos o ser humano como parte da Natureza e marcamos sua diferença em meio ao conjunto”. Somos um animal, mas um animal que tem sentimento e pensa. Nosso autor ressalta porém que “há um risco em descolar os seres humanos do grupo dos outros seres, o risco de encararmos a Natureza como uma casa que é nossa, mas da qual não nos sentimos realmente membros” (2018, p. 230). 

Por outro lado há aqueles que defendem uma integração total a natureza, voltando a um estado primitivo. Para Savian Filho (2018) é preciso buscar uma síntese entre essas duas posições. Levando em consideração a crise ambiental e suas consequências para o planeta terra e aos que aqui vivem.

Na contemporaneidade, a questão ambiental vem sensibilizando e mobilizando parte significativa da população, sobretudo a juventude. Mas ainda é muito forte a visão da Natureza como uma máquina.  Isto é,  como algo que está a nosso serviço, que quando sofre algum problema pode ser consertado. 

Savian Filho (2018) salienta que a ideia da Natureza como máquina surgiu do seu funcionamento mecânico e independente. A partir daí filósofos e cientistas passaram a pensar que as próprias leis da Natureza eram matemáticas, utilizando inclusive como metáfora a dinâmica de um relógio. Entre os pensadores que consagraram essa metáfora destacam-se: Galileu Galilei, Johannes Kepler e René Descartes.

Com a revolução industrial, no século XVIII, temos uma imposição dessa visão mecanicista acerca da Natureza. Podemos então afirmar que ela caminha em consonância com o modo de produção capitalista. 

Savian Filho (2018) salienta que a perspectiva mecanicista gerou importantes avanços, proporcionando uma melhor qualidade de vida para população, por outro lado os problemas ecológicos decorrente desse modelo não podem ser negados, levando a uma crise climática que tem se agravado cada vez mais diante da inércia dos Governos.

Em contra partida a visão mecanicista temos a ideia da Natureza como um organismo vivo. Desse modo, quando destruímos a Natureza, estamos destruindo a nós mesmos. Pensadores como Leonardo da Vinci, Friedrich Schelling e Alfred North Whintead, são alguns dos que defendem essa visão que tem ganhado bastante força na contemporaneidade, sobretudo a partir do movimento ambientalista e da luta dos povos originários. 

Porém o modelo mecaniscita permanece como hegemônico, sobretudo por que de acordo com o nosso autor (2018) há interesses comerciais que o sustenta. Isto é, há toda uma economia que opera a partir dessa lógica de desenvolvimento que enxerga a Natureza como um objeto que nos fornece recursos ilimitadamente.

Savian Filho (2018) salienta que do ponto de vista da Filosofia, não cabe a defesa de uma ou de outra visão acerca da Natureza. Mas analisar as razões que as fundamentam. Porém, na minha perspectiva, ao fazermos essa análise certamente não ficaremos numa postura neutra.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Resenha: Era uma vez... na Barra da Aroeira

Para quem nasceu no sertão tocantinense ou nas barrancas do Rio Tocantins, uma das lembranças da infância era quando sentavamos ao redor de uma lamparina para ouvir os mais velhos contar estórias de troncoso ou dos tempos da caroxinha. Eram contos da tradição oral que iam sendo passadas de geração em geração – que nos encantava e alimentava nossas mentes de crianças. Uma mostra dessa tradição pode ser conferido no livro Era uma vez... na Barra da Aroeira, organizado por Irma Galhardo.

Publicado em 2022, a obra trás uma coletânea de contos tradicionais da Comunidade Quilombola da Barra da Aroeira, localizado no territorio do Estado do Tocantins. São contos oriundos da cultura oral que perpassa pelo mundo fantástico, o enfrentamento de desafios, a superação de dificuldades, lições morais entre outros. E partir do trabalho de lapidação da Irma Galhardo, referência literária no Tocantins, podemos dizer que estamos diante de um clássico – que inclusive foi contemplada com o Prêmio Aldir Blanc Tocantins. 

Na apresentação do livro, Amanda Fernandes – Doutora em Letras pela USP. Chama atenção para o fato dos 13 contos presente na coletânea terem como porta voz – mulheres. Diante disso ela afirma que “as mulheres, cuidadoras ancestrais da infância,  são as grandes guardiãs dos contos tradicionais” (2022, p. 15). Lembrando da minha infância isso de fato se confirma. Geralmente quem nos contava essas estórias eram mulheres – minha avó Jovelina, minha mãe Maria Lúcia, Dona Caetana e Dona Júlia.

Ao final da obra a gente pode conhecer visualmente essas guardiãs dos contos tradicionais do Barra da Aroeira – Diolina Fernandes Rodrigues, Erminia Rodrigues, Andressa Rodrigues e Salviana Rodrigues. 

Já a organizadora da obra dispensa maiores apresentações. Como já dissemos, é uma referência literária no Tocantins. Já tendo publicado diversas obras entre elas o clássico Epopéia Tocantinense. Ela é também Mestre em Literatura pela UFT e em Cultura Popular pelo Ministério da Cultura. Além de ser uma divulgadora da literatura tocantinense por meio do Projeto Tocantins Poético e Lendário. 

A capa do livro de autoria do Danilo Itty merece uma menção especial – um belo desenho que mostra a beleza afro. O livro também conta com um pequeno glossário e um texto da Professora Maria Aparecida de Oliveira Lopes – da Universidade Federal do Sul da Bahia – que nos situa a Comunidade Quilombola Barra da Aroeira.

A leitura vale pela obra completa, mas para destacar um que me lembrou um personagem icônico da literatura brasileira – João Grilo do Auto da Compadecida, destacaria O rei e o esperto, narrado pela Andressa Rodrigues. A estória narra o desafio que o rei impõe a um jovem apaixonado que quer se casar com sua bela filha. Nessa narrativa encontramos o exemplo da inteligência do povo para superar os obstáculos. Já no O rico e o pobre, narrado pela Diolina Fernandes Rodrigues, temos uma lição moral típico das grandes fábulas, ou seja, uma lição de onde a ambição pode nos levar e a mensagem de que a maldade que fazemos com o outro pode se voltar contra nós. 

Além de já ter lido a obra. Também trabalhei a mesma com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental. E a reação deles durante a leitura me surpreendeu. Eu tinha consciência da importância da obra, por isso da escolha em trabalha-la. Mas não tinha noção da potência. E foi o envolvimento dos estudantes que me mostrou isso.

Diante dessa experiência não só recomendo a leitura do mesmo, como também recomendo a utilização do livro em aulas diversas – arte, literatura, história, geografia e projeto de vida. Tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 15 de outubro de 2023

Conto: Dois espíritos livres numa madrugada

Eu sei que houve um tempo em que tu e eu
Fomos dois pássaros loucos
Voámos pelas ruas que fizemos céu
Somos a pele um do outro...

Pedro Abrunhosa

Estávamos ali na frente um do outro – tomando cerveja e conversando alegremente. Quem diria que há poucos dias eu havia dito a ela que precisaria me afastar. E jurado para mim mesmo que não iria mais procura-la. 

É. Se afastar, e até mesmo bloquear, alguém é fácil quando estamos no mundo virtual. Mas no mundo real a coisa muda de figura. Ainda mais quando se mora numa cidade pequena, e para piorar, se trabalha no mesmo local. 

Não tinha jeito, precisávamos conviver. - Como será essa convivência depois de tudo que dissemos? Pensava comigo. A ideia era agir profissionalmente. De modo algum misturar questões pessoais com questões profissionais. 

Quando nos encontramos no trabalho busquei agir da melhor forma possível. Mostrando para ela que não precisaria se preocupar. Mas internamente eu estava destroçado. Seria muito difícil superar aquela paixão convivendo com ela todos os dias. Fazer o que? Pedir um afastamento do trabalho ou cortar os pulsos estava fora de cogitação. O remédio é meter a cara no trabalho. Até por que os relatórios não se fazem sozinhos.

Ela agia normalmente – como se nada houvesse acontecido. – Quanta maturidade. Pensava comigo. Não sei por que. Me fez lembrar de Capitu.

Se a minha ideia era evitar conversar assuntos não relacionados ao trabalho. Ela fez questão de me lembrar de umas promessas que eu havia feito no âmbito pessoal. O que me desconcertou e me desarmou totalmente. Pensei no quanto estava sendo imaturo. Se não nutríamos o mesmo sentimento um pelo outro, não era motivo para agir assim. Ora, nos privar da companhia um do outro naquele lugar onde espíritos livres como nós eram raros, não era muito inteligente.

E foi a partir desses questionamentos que chegamos aonde estávamos. Sentados na sala da casa dela, tomando cerveja e conversando alegremente. Eu gostava de estar com ela – me sentia tão a vontade. Até parecia que nos conhecíamos há séculos. Ela também gostava da minha companhia. Dizia que comigo conversava horas e horas, e não faltava assunto. 

Não era a primeira vez que nos encontrávamos em sua casa para tomar cerveja e conversar até alta madrugada. No entanto naquela noite havia algo diferente. Ela estava sob uma áurea de leveza e felicidade. Eu não nutria nenhuma esperança de que teríamos algo mais do que uma ótima conversa. E para mim, tudo bem.

Conversávamos sobre tudo. De Fato nunca faltava assunto entre a gente. De repente começamos a conversar sobre dança. Ela confessou que as vezes ficava dançando sozinha enquanto cuidava de afazeres domésticos. Daí ela me perguntou se eu sabia dançar. Respondi que enganava bem. E o assunto então foi encerrado com nós dois arriscando um forró agarradinho.

O tempo parecia voar quando estávamos juntos. Já era alta madrugada. A cerveja acabara e naquele horário não encontraríamos nada aberto para comprar mais. Mas já estava ótimo. Tudo tinha sido maravilhoso, tomamos todas, conversamos e até dançamos forró agarradinho – coisa que nunca tínhamos feito. Era hora deu ir para casa.

Ela propôs ficarmos mais um pouco. Tinha uma cachaça com murici. Propôs um jogo de palito. Quem perdesse tomava uma dose. Sorri da ideia. – Se eu tomar isso não vou conseguir chegar em casa. Mas vamos tentar.

Como não haviam palitos improvisamos com macarrão palito. Ali percebi por que nos dávamos tão bem, por que gostávamos da companhia um do outro. Éramos dois pássaros loucos. Bem distante do que aparentávamos ser no trabalho. 

Ganhei a primeira, ela teve que beber a dose. E assim o fez. Ganhei também a segunda. Ela bebeu novamente. Eu estava com sorte. Então decidi arriscar. Já que estávamos livres, leves e soltos. – Se eu ganhar a próxima quero um beijo na boca. Para minha surpresa ela não recusou. – Agora que vale um beijo vou perder. Disse sorrindo. Mas não é que ganhei!

– Um beijo, né?! Agora? Ela perguntou. E eu respondi afirmativamente. Ela então se levantou e veio até mim, que continuei sentado. Ela então aproximou o rosto do meu para me dar o prêmio e eu recebi. E que prêmio. Achava que seria um beijo para cumprir tabela. Mas foi um beijo com paixão. Pronto o mundo podia acabar naquele momento que eu estaria feliz.

Continuamos a disputa e a minha sorte parece que foi roubada com o beijo. Ela então ganhou a primeira. Tive que tomar a dose de cachaça. Perdi novamente. Outra dose de cachaça. – Desse jeito não chego em casa. Comentei. Ela deve ter ficado com pena. Disse que se ganhasse a próxima eu deveria beijar a sua nuca de um jeito especial. Pronto, agora eu não fazia nenhuma questão de ganhar. Seria um prazer. Perdi novamente, agora era hora de lhe dar o prêmio. 

Levantei e fui até ela – que continuou sentada. Segurei-a levemente pelos ombros e encostei meus lábios na sua nuca. Enquanto a beijava sentia sua respiração. Para finalizar dei umas leves mordidas o que a fez respirar profundamente.

Estávamos nos divertindo como duas crianças (sem a inocência). Riamos, riamos tanto e tão alto que comentei com ela que os vizinhos iam pensar que estávamos loucos. Falar em vizinhos pelo avançar da hora logo o sol nasceria e toda a cidade despertaria. 

Tudo estava perfeito mas era hora de ir para casa. Sei que se continuássemos com o jogo poderíamos terminar na cama. Mas alcoolizados como estávamos não seria legal. 

Então nos despedimos – nos abraçamos, eu a agradeci pela noite inesquecível. Ela também me agradeceu, por tudo. Nos beijamos mais uma vez. Agora de forma breve. E prometemos nos encontrar logo, logo. No entanto, quando voltava para casa, numa esquina, um tiro... aquela seria a última vez que nos veríamos. 

Por Pedro Ferreira Nunes – É Poeta, Escritor e Educador Popular

terça-feira, 10 de outubro de 2023

A Construção do Projeto Político Pedagógico da Escola

Como o documento norteador da unidade escolar, o Projeto Político Pedagógico (PPP) não pode deixar de refletir a realidade da comunidade escolar. Para tanto ele deve ser construído por muitas mãos. E aqui está o desafio – envolver todos os membros da comunidade escolar na sua construção. Não é algo simples, pois si tem a ideia de que é uma coisa burocrática que não vai refletir na sala de aula e nas ações e projetos desenvolvidos pela escola.

Como o próprio nome diz, o PPP é o documento onde a comunidade escolar explícita a sua linha política e pedagógica. Essa deve ser precedida de um breve histórico da escola bem como do território que ela está inserida. Da construção do perfil da comunidade escolar e de uma análise dos dados da aprendizagem, incluindo o fluxo – aprovação, reprovação, evasão e abandono. Também é necessário descrever as condições estruturais, o quadro de pessoal bem como toda a rotina escolar. É a partir dessa estrutura que emergirá as opções políticas e pedagógicas da comunidade escolar – isso se o documento tiver a participação efetiva dessa no seu processo de construção. 

Nesse contexto é importante ressaltar alguns aspectos. O primeiro é que se trata de um documento construído a partir de uma metodologia cientifica. Segundo, segue as orientações e normativas vigentes. Desse modo, não estamos falando de um documento elaborado de qualquer forma. Tal cuidado se dá sobretudo para que se evite ações e projetos que não estão em consonância com aquilo que o PPP aponta. Ou seja, fora da realidade da comunidade escolar.

É esse cuidado que devemos ter ao elaborar o plano de ação do PPP, que será executado anualmente. Esse plano de ação deve ser uma resposta aos desafios, apontados na análise feita no documento, e dos objetivos traçados a partir daí. 

É aqui que geralmente, sobretudo quem está na sala de aula, sente a importância do PPP. Ou seja, no momento de transpor para prática o que está escrito no documento. Se o que está escrito no documento não reflete a realidade, esse processo se torna algo praticamente impossível.

Nesse momento surge reclamações de que as coisas são impostas de cima para baixo. No entanto, durante o processo de elaboração, grande parte desses não deu a importância devida. 

Por outro lado há de se questionar também até que ponto a gestão da escola criou as condições para essa participação efetiva. Pois de nada adianta convocar a comunidade escolar para contribuir na construção e revisão do PPP (atendendo exigências burocráticas), sem criar as condições para tal.

Outro fator que interfere nesse processo é deixar de fora da sistematização do documento as contribuições do coletivo. Fazendo com que se perca o interesse nesse processo. Há também a falta de identidade de determinados servidores com a unidade escolar – estão ali apenas para dar suas aulas – cumprir a carga-horária. 

Tomei conhecimento da existência de um projeto político pedagógico na escola durante a faculdade. Tendo como um dos exercícios do estágio estudar o PPP da unidade escolar onde estava estagiando (Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência). Foi uma atividade muito significativa que depois me ajudou na adaptação quando me tornei professor dessa mesma escola.

Desde então tenho contribuído na revisão anual do PPP e feito um esforço para que o mesmo seja um reflexo da comunidade escolar. Também temos buscado envolver o máximo de mãos possíveis nesse processo criando mecanismos de participação na sua elaboração. De modo que não tenho receio em afirma que o documento atual reflete a comunidade escolar.

Óbvio que ainda é necessário avançar bastante no que consiste uma maior apropriação do PPP por parte de toda comunidade escolar. E um envolvimento mais efetivo nas discussões e deliberações durante o processo de elaboração. No entanto,  podemos dizer que hoje se trata de um documento acessível a toda a comunidade escolar (inclusive virtualmente). Além de está sempre em pauta nas reuniões de alinhamento pedagógico-administrativo e nas formações continuadas. Ou seja, conseguimos mudar a cultura de um PPP visto apenas como algo que diz respeito a Coordenação Pedagógica que depois de elaborado tem como destino o fundo de um armário ou uma pasta num computador.

Como isso foi possível? Por meio de ações contínuas que pauta o PPP. O desenvolvimento e aplicação de instrumentais que promova a escuta, o desenvolvimento de metodologias que permite uma apropriação maior do documento e, sobretudo, mostrando nas reuniões estratégicas a relação do cotidiano escolar com o que está no documento. Ou seja, se estamos avançando ou retrocedendo, se dá em grande medida pela capacidade de execução do que foi planejado. 

Nesse sentido cabe destacar a contribuição do Professor Celso Vasconcellos acerca do planejamento. De acordo com este autor: “planejar é antecipar ações para atingir certos objetivos, que vêm de necessidades criadas por uma determinada realidade, e, sobretudo, agir de acordo com essas ideias antecipadas”. É justamente isso que fazemos com o PPP. Ou seja, o PPP é o nosso planejamento macro. Logo, se os objetivos estabelecido pela unidade escolar não está sendo atingido, há que se questionar como que se deu esse planejamento  (a construção do PPP). Sob quais bases e daí por diante.

Enfim, esse é um desafio permanente – a construção de um Projeto Político Pedagógico pela comunidade escolar. Esse é inclusive um dos elementos de uma gestão verdadeiramente democrática. Eu diria, para polemizar, que até mais do que a eleição de um diretor ou diretora para comandar a gestão da unidade escolar. Quando a comunidade escolar se atentar para isso perceberam que tem mais poder na efetivação de uma educação consequente do que imaginam. Mas entendo que é mais fácil culpar o sistema de ensino por tudo. Assim, justificamos para nós mesmos a nossa mediocridade.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Resenha: Documentário “Filhos do Rio Tocantins”

E se amanhã não tivesse mais o rio? É com uma pergunta mais ou menos assim que encerra o documentário “Filhos do Rio Tocantins”. A resposta que sintetiza as demais é mais ou menos assim:  - seria como quebrar nossas pernas. Façam esse exercício também: Como seria se do dia para noite lhe tirassem a sua fonte de subsistência e existência?

O documentário “Filhos do Rio Tocantins” (2022), produzido por Lucas Sales Reges, retrata a relação dos pescadores de Praia Norte – município tocantinense – localizado na região do Bico do Papagaio – com o Rio Tocantins. Através da câmera de um aparelho celular, somos levados a conhecer o cotidiano de pessoas que tem o rio como sua fonte de sobrevivência – seja por meio da pesca ou transportando turistas no verão tocantinense. Num ambiente majoritariamente masculino, uma voz feminina se destaca – a da Presidenta da Colônia de Pescadores do município – Enilcilene Cardoso.

A partir dessa personagem outro aspecto não menos importante que o filme mostra é a organização coletiva – fundamental para que eles se coloquem como agentes políticos, no sentido aristotélico do termo, em defesa das suas demandas e consequentemente da comunidade. Pois, apesar da baixa escolaridade, eles mostram ter consciência de que uma melhor qualidade de vida passa pela preservação do Rio Tocantins. E fazer isso coletivamente é mais eficaz do que cada um individualmente. 

Daí a importância da organização na Colônia de Pescadores. “A finalidade da organização é despertar e juntar a parte do povo que se dispõe a entrar no processo de luta, organizar uma base social, elevar seu nivel de consciência e mobilizar o conjunto da classe visando alcançar seus objetivos imediatos e interesses históricos” (Peloso, 2012, p. 57).  Ou seja, quando um determinado grupo se organiza em defesa dos seus direitos acaba se tornando exemplo para que outros também o faça. 

Um momento marcante no documentário é quando eles se reúnem para decidir o preço da tarifa a ser cobrado durante a temporada de praia bem como a organização para construção do pier que facilitará o embarque e desembarque de passageiros. Percebemos aí o exercício democrático no processo de tomada de decisões do grupo. Nesse processo o conflito faz parte, e diria que necessário. Mas desde que não leve a ruptura. E sim na busca por consensos. Quando este não é possível, prevalece a maioria.

Todos nas suas falas ressaltam a importância desse período para melhoria de suas rendas e da economia local. Sobretudo em relação ao período de incerteza em que dependem da pesca artesanal – ou seja, quase o ano todo. Ressaltando o período de piracema – em que devem respeitar a reprodução dos peixes.

Percebemos que não é uma rotina fácil. Acordar cedo, ficar dias longe da família, enfrentar perigos, ter que lhe dar com a imprevisibilidade – ou seja, tem dia que você pega o pescado e tem dia que você não pega. No entanto percebemos uma certa paixão deles por aquela vida. São homens experientes – que inclusive herdaram isso dos pais. E não demonstram arrependimento. Pelo contrário, diante do questionamento do que fariam se não tivesse o rio é como se alguém lhes tirasse o chão. 

Enfim, o documentário Filhos do Rio Tocantins não é o primeiro a abordar essa temática e mostrar a importância do rio  (da natureza, na verdade) como fonte de sobrevivência para muitas famílias. O que não faz desse trabalho um trabalho menos necessário. Pelo contrário. Precisamos cada vez mais chamar atenção da sociedade e sensibiliza-la para importância de um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido outras produções como essa são fundamentais. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.