domingo, 10 de novembro de 2024

A música do Aureny I

O filósofo alemão Friedrich Nietzche diz que sem música a vida seria um erro. E seguindo esse raciocínio disse: “e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam ouvir a música”. Essa frase me faz imaginar o quanto não é triste a vida daqueles que não podem ouvir a música. Corroborando com a visão do autor, de entre outros, “ O crepúsculo dos ídolos”, não consigo imaginar a minha vida sem música.

Por algum tempo, sobretudo no período da adolescência, o que me importava numa canção era a letra e o ritmo. Leitor de poesia desde a infância era natural que eu buscasse aqueles artistas que tinham uma força poética maior nas suas composições. Com o tempo fui me interessando mais pela música - identificar uma linha de baixo, o groove da bateria, um solo de guitarra. E até outros instrumentos como teclado e metais. Foi a partir daí que compreendi a grandeza de um The Beatles, por exemplo. Ou um Pink Floyd. O que não me fez deixar de apreciar uma letra poética. Ou ainda, canções pobres musicalmente mas subversivas.

A música está presente no meu cotidiano desde quando eu sequer tinha consciência disso. E com o tempo percebi que elas se tornaram o elo de ligação com um momento da minha vida. Há determinadas canções que quando ouço me remete há uma época passada, há um determinado lugar. A partir daí comecei a pensar que cada lugar tem uma música. Assim, quando ouvimos essa música somos levados a esse lugar, mesmo que ele já não exista. 

No entanto, nem todos vivem o lugar da mesma forma. De modo que essa música sempre depende da ótica de cada um. Ou seja, a música que me remete a Miracema da minha infância não é a mesma que remete a Miracema da infância do meu irmão Paulo. A música que marcou o meu período no colegial não é a mesma do meu amigo Joe. E daí por diante. Ou seja, a música do lugar está relacionada às nossas vivências pessoais.

Pensando nisso fiquei imaginando qual será a música do Aureny I - qual canção, ou canções, irá me fazer recordar desses dias quando eu já não estiver por aqui? Uma coisa é certo será um blues rock, pois nunca ouvi tanto esse estilo quanto tenho ouvido ultimamente. Em especial Saco de Ratos, Bebados Habilidosos e Celso Blues Boy.

Não sei porque, o Aureny me remete a uma zona boêmia de uma cidade grande como São Paulo - um lugar um tanto marginalizado, mas apreciado por amantes da noite dispostos a se aventurar por becos escuros atrás de álcool e sexo. Justamente aquilo que é retratado nas canções dos artistas citados.

“Na casa da luz vermelha
Só tem dor e solidão
Vejo tantas almas tristes
E mesmo assim estão sorrindo pra mim.
Cartão esquecido
Que a sorte abandonou
Quem chega aqui está perdido
Sem abrigo e sem amor
Mas nem conseguem entender.
Que nessa beira de estrada
É um jeito triste de viver
Na sala cheia de fumaça, ninguém vê
Que estou chorando por você
Chorando por você
Por você…”

Não me entendam mal, não estou dizendo que o Aureny I é um cabaré. Pelo menos, não no sentido que as pessoas geralmente imaginam, como um lugar sem regras. Mas eu não diria que o retrato que o Celso Blues Boy apresenta na sua canção (na casa da luz vermelha) seja muito distante do que encontramos nas ruas do Aureny I: almas tristes que apesar dos pesares sorriem para mim.

Talvez eu mesmo seja uma alma triste que nunca nega um sorriso para quem quer que seja. O artista tem sua razão em dizer que esse é um jeito triste de viver. Mas eu diria que tem lá sua beleza. E daqui há algum tempo isso ficará mais nítido. Ou não, né. Vai saber. Por enquanto essa canção é para mim a música do Aureny I. E para você? Qual é a música do lugar onde você vive?

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Resenha: o homem unidimensional, Herbert Marcuse

Quando você ler um livro que foi escrito há alguns anos e tem a impressão de que ele foi escrito hoje, que dizer que você está diante de um clássico. Pelo menos, é uma ideia que eu corroboro, e que me veio à cabeça quando estava lendo “o homem unidimensional”, do filósofo alemão Herbert Marcuse. A minha impressão ao ler a obra completa é que o problema ao qual o filósofo se dedica é: numa sociedade administrada por uma racionalidade tecnológica, em que os indivíduos são levados a abrir mão da sua liberdade em troca de conforto, é possível vislumbrar mudanças qualitativas?

Antes de adentrarmos a obra, conheçamos o nosso filósofo. Herbert Marcuse nasceu em Berlim (Alemanha), no ano de 1898. Sua formação se deu nas Universidades de Berlim e Freiburg. Lecionou nas Universidades de Columbia, Harvard e Brandeis. Integrou a famosa escola de Frankfurt tendo tido uma enorme contribuição na resistência ao regime nazista e na popularização da teoria crítica. Tornando-se uma referência para a chamada nova esquerda. Além da obra em análise, ele publicou: Eros e civilização (1957), Cultura e sociedade (1970), A dimensão estética (1977) entre outros.

“O homem unidimensional: a ideologia da sociedade industrial” é de 1964, ou seja, em 2024 completa 50 anos da sua publicação. E trás uma profunda análise das sociedades desenvolvidas industrialmente e a importância da teoria crítica da sociedade como uma trincheira de resistência a um projeto totalitário caracterizado por novas formas de controle.

A obra é organizada por seções composta por capítulos. Segundo a seguinte lógica: na primeira seção o objeto é a sociedade. Na segunda é o pensamento unidimensional. A terceira é acerca de possíveis alternativas. A partir dessa sequência podemos perceber a linha de raciocínio do filósofo. Ou seja, primeiro ele faz um diagnóstico da sociedade contemporânea, mais especificamente as mais desenvolvidas industrialmente como os Estados Unidos da América (EUA). No segundo momento ele analisa como o pensamento é moldado fazendo com que os indivíduos se comportem de determinada maneira. E no terceiro momento ele aponta para possíveis alternativas, que na sua visão, passam pela defesa da teoria crítica como um contraponto ao projeto dominante.

Vale a pena ressaltar o texto introdutório da 1ª edição escrita por Marcuse intitulada de “a paralisia da crítica: sociedade sem oposição.” Que já dá o tom do que iremos encontrar no decorrer da obra. Ou seja, um diagnóstico de uma sociedade autoritária que impõe o seu projeto de dominação não mais pelo uso da força mas pela introjeção de falsas necessidades. Com isso o nosso filósofo ressalta que nessa conjuntura a liberdade é transformada num poderoso instrumento de dominação. Diante disso é importante lembrar de Karl Marx quando ele nos diz que não há liberdade verdadeiramente quando não podemos escolher entre duas alternativas concretas.

“Nós vivemos e morremos racionalmente e produtivamente. Nós sabemos que a destruição é o preço do progresso, assim como a morte é o preço da vida, que a renúncia e o esforço são pré-requisitos para gratificação e o prazer, que os negócios têm que continuar, e que as alternativas são utópicas. Essa ideologia pertence ao aparato social estabelecido; ela é requisito para seu funcionamento contínuo e faz parte de sua racionalidade”.

O trecho acima nos dá uma ideia da escrita do Marcuse. Ou seja, um texto acessível. Óbvio que temos consciência de que para quem não é da filosofia haverá uma certa dificuldade em relação a compreensão de determinados conceitos. Mas creio que isso não é limitador para que o público no geral possa ler e compreender a obra. Sobretudo a caracterização da sociedade contemporânea e como sua lógica de funcionamento forma indivíduos submissos.

Nesse contexto é possível vislumbrar alternativas? Para um materialista histórico dialético tal como Marcuse sempre há alternativas. E na sua concepção a alternativa passa pela restauração do pensamento crítico. Não num sentido moral, como percebemos muitas vezes, sobretudo na atualidade. Mas se opondo negativamente a uma consciência feliz positiva.

Enfim, não é nosso objetivo fazer uma análise profunda dessa obra aqui. Mas apenas resenha-lo brevemente, salientando a sua importância e relevância. E a partir daí recomendar a sua leitura. Por tanto encerramos por aqui com um verso do Maiakovski que acredito representar o espírito com o qual Marcuse encerra o livro: “é preciso arrancar alegria ao futuro”.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).