segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O filme diário de um jornalista bêbado: Imprensa e poder

Uma entrevista recente do Fernando Haddad (Ministro da Fazenda do Governo Lula) em que ele fala sobre o sacrifício que todos devem fazer no ajuste fiscal, incluindo a imprensa que é fartamente beneficiada com isenções fiscais. Me fez lembrar do filme diário de um jornalista bêbado (2011), mais um exemplo que coloca em xeque o mito da neutralidade da imprensa.

Na trama, Paul, um jornalista estadunidense é contratado para escrever num periódico, ameaçado de ser fechado, em Porto Rico. Imediatamente um empresário tenta recrutá-lo para que escreva favoravelmente a seus projetos no jornal. Convencendo a opinião pública e pressionando o governo a fazer concessões para que os projetos saiam do papel. Em troca disso, o jornalista terá abertas as portas da alta sociedade porto-riquenha. E sair da situação de miséria que se encontra.

O filme dirigido por Bruce Robinson e estrelado por Johnny Depp é uma adaptação do romance Rum: Diário de um jornalista bêbado (1998), do escritor e jornalista estadunidense Hunter Thompson. E trás uma dose de memórias já que quando Thompson escreveu a obra contava com 22 anos e morava em San Juan (Porto Rico).

No decorrer do filme as concepções éticas do jovem jornalista vão sendo testadas.  Hal Sanderson (Aaron Eckhart) surge como o diabo surgiu para Jesus Cristo no deserto prometendo-lhe tudo. Mas nesse caso, Paul (Johnny Depp) está longe de ser um santo, é um amante de bebidas alcoólicas e mulheres. E acaba se apaixonando justamente pela mulher de Hal Sanderson - Chenault (Amber Heard). Ou seja, parece o perfil de alguém fácil de ser comprado. Mas há um ponto que faz de Paul alguém difícil de ser dobrado. Ele não está ali por necessidade. E quando você não é refém de uma situação ou de um lugar é mais fácil de você se libertar.

A forma com que Paul se refere ao Presidente Estadunidense (Nixon), mostra que a sua ida para Porto Rico está ligado a um descontentamento com a política do republicano a frente da casa branca:

- Imagina passar a vida toda mentindo. Meu Deus, nunca foi pior! A única coisa pior é sabermos que um dia surgirá um canalha sujo que o fará parecer o liberal.

No entanto, ele perceberá que quem dá as cartas em Porto Rico não são indivíduos diferentes daqueles que ele abomina. Durante um jantar na casa de Hal, ele percebe isso durante um diálogo com um dos empresários e sua esposa que faz parte dos esquemas de corrupção:

- Paul tem um ponto de vista meio liberal. Diz a senhora.

- Liberal não existe. Um liberal é um comunista universitário com ideias de negro. Responde o empresário.

Haddad durante o seu discurso apelando para a sensibilidade da imprensa parece se esquecer que estas são empresas que visam o lucro e não o bem comum. Esperar que o discurso da grande mídia seja contrário ao interesse da classe dominante parece ser  um tanto ingênuo. Há certamente jornalistas tal como Paul com suas convicções éticas, contrário a colocar na conta do povo trabalhador os cortes dos ajustes fiscais. Mas a partir do momento que estes profissionais fazem parte de uma empresa não terão liberdade para dizer o que pensam. E caso tenham, as retaliações certamente virão tal como retratado no diário do jornalista bêbado.

Além das reflexões que suscitam, o filme é divertido, nos brindando com situações hilárias. Ninguém melhor do que Johnny Depp para incorporar esse jornalista bêbado num país caribenho. Alguma semelhança com o seu famoso Jack Sparrow? Talvez a capacidade de se colocar em encrenca e improvisar. Mas aqui o temos numa atuação mais contida. Mas não menos brilhante. 

Temos uma boa atuação do elenco no geral. A fotografia e a trilha sonora também não deixam a desejar. De modo que o fato de não ter feito sucesso comercial não diminui o seu valor. Talvez esse fracasso, além das questões pessoais envolvendo o relacionamento de Johnny e Amber na vida real, seja a mensagem do filme sobre os bastidores da relação entre imprensa e poder - uma relação que alguém como Fernando Haddad certamente conhece bem. E portanto não deveria esperar uma postura contrária. Mas vindo de alguém que acha que é possível conciliar os interesses do mercado com as pautas sociais e ambientais não é muito surpreendente.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

Nenhum comentário:

Postar um comentário