“...quem não tem visão bate a cara contra o muro”.
Raul Seixas
Já se vão 30 anos que Raul embarcou com o moço do disco voador rumo a outras estrelas. E nessa data especial não poderia deixar de escrever algumas palavras sobre o nosso maluco beleza. Ainda mais no contexto político que vivemos onde a obra do Ralzito se converte numa espécie de manual de resistência contra o autoritarismo. Destaquemos por tanto alguns pontos desse manual.
1- Não ao discurso moralista;
O discurso moralista é aquele que tenta nos impor determinados valores de como devemos agir – valores que diminuem a nossa potência de agir pois são forjados em afetos como o medo e o ressentimento. Contra qualquer tipo de imposição Raul canta a “sociedade alternativa” onde o princípio da noção ação é o nosso querer (“se eu quero e você quer”) e não o que determina quem quer que seja, inclusive Deus. Raul, aliás, diz que “não existe Deus se não o homem”. Por tanto não dê ouvidos aqueles que usam Deus como álibi para lhe aprisionar.
2- Não ao ódio, viva o amor;
E “o amor só dura em liberdade” como cantou Raul em “a maçã”. Poderíamos dizer portanto que sem liberdade não há amor e sem amor não há liberdade – liberdade para amarmos quem e quantos quisermos. Seja homem, seja mulher, gays, lésbicas, travestis, transgeneros e etc... Aliás o gênero não devia importar como importa tanto para os fundamentalistas cristãos – estes os propagadores do ódio – o que devia importar é se há amor ou não nas relações. Havendo amor não há espaço para o certo e o errado.
3- Não a discriminação;
Em “meu amigo Pedro” nosso maluco beleza canta “...não me critique como eu sou. Cada um de nós é um universo, Pedro. Onde você vai eu também vou”. Vivemos numa sociedade em que alguns se acham no direito de dizer quem é de bem e quem não é – quem merece viver ou não. Uma sociedade em que alguns se acham superiores aos demais devido a cor da pele, devido ao seu lugar de origem e por ai vai. Raul nos chama a respeitar as diferenças e ressalta que no final das contas teremos o mesmo destino.
4- Se queres respeito, respeite;
Raul nos ensina que o respeito é uma via de mão dupla. Por isso ele cantou em “sapato 36” o verso “você só vai ter o respeito que quer na realidade, quando conseguir respeitar a minha vontade”. O que consiste em dizer que para termos respeito devemos dar respeito, pois se não damos respeito não recebemos respeito. E quando não há respeito parte-se para o autoritarismo como via de se impor. E no terreno do autoritarismo prevalece o medo como elemento de dominação. E onde há dominação não há liberdade. E para Raul não devemos abrir mão da liberdade.
5- Não ao antiintelectualismo;
“Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais” é uma das frases da canção “Metrô linha 743” onde o Raul nos alerta para a perseguição à aqueles que pensam – para o antiintelectualismo. Os regimes autoritários não gosta de pessoas que pensam, mas que se submetem aos interesses de quem está no poder. Portanto é preciso estar atento para não cair nas mãos do exército de seguidores á serviço desse tipo de regime. Mas renunciar a pensar já mais.
6- Não a autoridade militar;
Na canção “Mamãe eu não queria” uma das frases mais emblematicas é: “não quero bater continência nem pra sargento, cabo ou capitão”. Aqui temos uma repulsa á autoridade militar. Raul nos ensina que não devemos nos submeter a quem quer que seja. Sobretudo a estes senhores que se acham o dono da verdade e acreditam poder controlar o que pensamos e o que fazemos. Em tempos onde grupos pedem o retorno da ditadura militar e que temos um capitão reformado do exército na presidência da República (que defende o legado desse regime) o recado do Raul, nessa canção especificamente, é fundamental.
7- Resistir, lutar e vencer;
As coisas mudaram camaradas, mas para tanto precisamos resistir e lutar, pois é através da nossa resistência e luta que venceremos o autoritarismo e o fundamentalismo. Para tanto precisamos aprender que somos mais forte que qualquer regime que limita a nossa potência de agir. Esse é mais um dos ensinamentos do nosso maluco beleza que cantou em “rockxe” – “você é forte, faz o que deseja e quer. Mas se assusta com o que eu faço, isso eu já posso ver. E foi com isso justamente que eu vi. Maravilhoso, eu aprendi que eu sou mais forte que você...”. Sim, nós somos mais forte que eles, mas infelizmente nos falta consciência dessa força, ou pior, temos consciência da nossa força, mas por medo ou covardia, deixamos que nos domine. Raul nos instiga agir na contramão do que nos impõem.
8- Se não pode com eles....;
Um dito popular diz: - junte-se a eles. Não para o Raul – para o nosso maluco beleza devemos ser a mosca na sopa deles. Devemos incomoda-los, fazer com que não tenham um sono tranquilo, que não tenham uma vida fácil. Que saibam que mesmo nos matando, outros tantos viram no nosso lugar para continuar incomodando. Por tanto sejamos a mosca que perturba 24h os propagadores do discurso do ódio (autoritários e fundamentalistas).
Concluimos dizendo que nunca foi tão necessário celebrarmos a memória do nosso maluco beleza – um provocador nato, um filósofo verdadeiro. Nunca foi tão necessário gritarmos aquele bordão conhecido nos bares de Norte a Sul desse país: - Toca Raul!!!
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
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