“Quem diz não estar de lado nenhum, mas do lado do Brasil, não está dizendo a verdade: o Brasil não tem lado no conflito agrário, por que é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural”.
Plínio de Arruda Sampaio
Quem minimamente conhece a luta por reforma agrária no Brasil sabe que essa é uma bandeira marcada por muito suor e sangue – não são poucos os exemplos daqueles que tombaram na luta contra o latifúndio e pela democratização da terra nesse país. Mas a luta continua exigindo enormes sacrifícios daqueles que resistem em barracas de lonas nas margens das rodovias dessa imensa nação.
Se nos governos comandados pelo PT (Lula/Dilma) não tivemos grandes avanços no campo da reforma agrária. Não há nenhuma ilusão que no governo Bolsonaro seja diferente, pelo contrário. Se antes, mesmo com toda morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) conseguia-se a desapropriação de algumas áreas e a implantação de projetos de assentamentos de famílias sem terra. Agora o órgão vem sendo utilizado não mais com o objetivo de promover a política de reforma agrária no país, mas para barrá-la. Se tornando portanto um instrumento da Contrareforma Agrária do Governo Bolsonaro.
É o que percebemos ao analisar o processo de desapropriação da Fazenda Primavera (Vera Cruz) no município de Carmolândia (TO). Onde o próprio INCRA, isso mesmo, o INCRA entrou na justiça para barrar o processo de desapropriação da área – com a justificativa de que não tem disponibilidade orçamentária para tanto. Ora, o proprietário da área entrar na justiça para barrar o processo não é novidade, mas o INCRA que deveria promover a política de assentamentos em áreas que não estão cumprindo sua função social, é inaceitável. É o Estado se negando a cumprir o seu dever constitucional.
É evidente que não é por questões orçamentárias, mas ideológica que o Governo Bolsonaro através do INCRA vem se recusando a cumprir o seu papel. A ideia do governo é enfraquecer mais ainda os já fragilizados movimentos de luta pela terra. Mas nessa guerra ideológica quem paga a conta são as famílias de sem terra que vivem na miséria e sonham com um pedacinho de chão para poder produzir alimentos para sua subsistência e para nação. Pois afinal de contas quem é que abastece majoritariamente a mesa do brasileiro se não a pequena agricultura?!
No caso da Fazenda Primavera (no município de Carmolândia) o Ministério Público Federal questionou a alegação do INCRA e afirmou que o requerimento do órgão demonstra uma “nítida omissão no seu dever de promover a devida reforma agrária”. E que isso trás enormes consequências para as famílias que estão numa situação de vulnerabilidade social. O Ministério Público também ressalta que “A paralisação do processo de reforma agrária nesta etapa, após o dispêndio de recursos para a sua efetivação, pode também consistir em ato de improbidade administrativa”.
Nessa etapa os técnicos já deram parecer de que a área não está cumprindo a sua função social. De modo que como define a Constituição Federal no seu artigo 184: a União tem o dever de “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária... mediante prévia e justa indenização”. Eis aí um ponto importante que é preciso deixar claro. Pois já ouvi algumas vezes o seguinte argumento: - Sou a favor da reforma agrária, desde que o dono da área desapropriada seja indenizado e as famílias que forem assentadas de fato utilizem a terra para produzir. Ora, não existe nenhuma lei que permite a desaproprição de áreas sem a indenização do proprietário. E se algumas famílias depois de assentadas vendem a área ou transformam em outra coisa (área de lazer, por exemplo), a falha é do INCRA que não fiscaliza.
Por tanto, isso não pode servir de justificativa para que o governo não execute a politica de reforma agrária estabelecida pela constituição federal de 1988 – que na sua essência nem dá para chamar de reforma agrária de fato – pois uma reforma agrária que não muda a configuração agrária do país, caracterizada pela grande concentração de terra, não é reforma agrária. Pelo menos não uma reforma agrária que rompa com a estrutura agrária do país, mas que nas palavras de Plínio de Arruda Sampaio (2009) busca sobretudo “humanizar o capitalismo agrícola e a preservar o meio ambiente”.
O caso da Fazenda Primavera não é um caso isolado (O que corrobora com a nossa tese de que se trata de uma politica de contrareforma agrária em curso no país) como mostra levantamento do grupo de trabalho da reforma agrária do Ministério Público Federal (MPF) que apontou vários casos nesse sentido. Tanto que foi necessário fazer uma recomendação ao INCRA para que revogue ou deixe de publicar resoluções que trata da desistência de desapropriação de áreas para implantação de projetos de assentamentos, cancelamento de títulos de dívida agrária ou arquivamento de processos administrativos que trata sobre essas questões.
No entanto não há que se ter nenhuma ilusão de que tal recomendação será acatada por esse governo hostil as causas populares, especialmente as causas dos povos do campo – indígenas, quilombolas e camponese pobres. Sobretudo por que como alertou Plínio de Arruda Sampaio (2009), “é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural”. Não há nenhuma dúvida que o Governo Bolsonaro quer a concentração – se possível ainda maior do que temos hoje avançando sobre territórios já conquistados pelos povos tradicionais. E nós que defendemos a desconcentração o que faremos para barrar essa Contrareforma agrária?
Acerca dessa questão, Plínio de Arruda Sampaio nos dá um norte: “Em uma sociedade anestesiada, incapaz de sensibilizar-se por argumentos racionais, que se move unicamente pressionadas por gestos ostensivos”. Ações radicais como ocupações são necessárias e se justificam como “forma de chamar atenção para o descaso criminoso do governo com a população rural”.
Plínio disse isso no auge do segundo mandato do governo Lula, imagine agora num governo extremamente hostil a luta do movimento dos trabalhadores sem terra, como é o caso do governo Bolsonaro. Resta saber se as organizações camponesas de luta pela desconcentração da propriedade rural estão a altura dessa tarefa histórica.
Nós que apoiamos incondicionalmente a luta por reforma agrária nesse país. Não poderíamos deixar de nos solidarizar com as famílias que estão na luta pela desapropriação da Fazenda Primavera e por conseguinte a instalação do projeto de assentamento. Acreditamos que esse é um dos caminhos para combater a extrema pobreza que assola mais de 100 mil pessoas no Tocantins – e 13,5 milhões em todo o Brasil. Por isso continuamos empunhando a bandeira por uma verdadeira reforma agrária já.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, licenciado em Filosofia pela UFT e Militante do Coletivo José Porfírio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário