Eis, portanto um primeiro ponto importante acerca dessa interpretação de Foucault da obra “Las Meninas”, a visibilidade e a invisibilidade através do olhar. E a partir dai algumas questões surgem. O que olhar nos revela? O que nos omite? Outra questão importante é o fato de que somos condicionados a ver não aquilo que queremos. Ainda que achemos que estamos vendo o que queremos, quando no fundo estamos vendo exatamente o que o autor quer que vejamos. Podemos dizer também que Foucault está preocupado com a maneira que vemos determinadas coisas e de como as interpretamos.
Segundo Foucault (2006) nenhum olhar é estável, ou antes, no sulco neutro do olhar que traspassa a tela perpendicularmente, o sujeito e o objeto, o espectador e o modelo invertem seu papel ao infinito. E assim Foucault levanta um tema central na filosofia – a relação entre sujeito e objeto. Uma questão fundamental no campo da teoria do conhecimento. E pelo posicionamento do autor, claramente ele toma partido por uma visão materialista. Sobretudo quando reconhece que o sujeito se faz na relação concreta com o objeto. Porém sem negar a subjetividade. Foucault trás o aspecto do olhar para nos mostrar como a relação entre sujeito e objeto não se dá tão claramente, pelo contrário, muitas vezes gera confusão, pois, “não sabemos quem somos nem o que fazemos. Somos vistos ou vemos?” (Foucault, 1966).
Tal fato se dá por que nosso olhar é condicionado a enxergar apenas aquilo que nos dá a ser enxergado. “Olhamos-nos olhados pelo pintor e tornados visíveis aos seus olhos pela mesma luz que no-lo faz ver. E, no momento em que vamos nos apreender transcritos por sua mão como num espelho, deste não podemos surpreender mais que o insipido reverso. O outro lado de um reflexo”. (Foucault, 1966). Quando nos libertamos desse olhar podemos perceber o que antes não víamos, o que antes era invisível. E é o próprio artista que nos oferece essa visibilidade através de um espelho. O espelho trás a luz o que antes era invisível. Podemos dizer que aqui o autor esta falando sobre as quebras de paradigmas. Por outro lado ele ressalta que “essa invisibilidade que ele supera não é a do oculto: não contorna o obstáculo, não desvia a perspectiva, endereça-se ao que é invisível ao mesmo tempo pela estrutura do quadro e por sua existência como pintura”. Foucault chama atenção para o limite das teorias filosóficas hegemônicas. Como também das artes plásticas no sentido de desvelar completamente as estruturas por trás das coisas.
Logo para Foucault é necessário um novo olhar sobre as coisas, um olhar estruturalista – corrente filosófica da qual ele fazia parte. E o que é o estruturalismo? De acordo com Japiassú (2001) trata-se de uma “doutrina filosófica que considera a noção de estrutura fundamental como conceito teórico e metodológico”. Ainda de acordo com Japiassú (2001) “o método estruturalista de investigação científica foi estabelecido pelo linguista suíço Ferdinand de Saussurre (1857-1913), que afirma ver na linguagem "a predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do sistema através da análise das relações entre os elementos" (E. Benveniste). A linguística, desse modo teria por objeto não a descrição empírica das línguas. Mas a análise do sistema abstrato que constitui as relações linguísticas. Lévi-Strauss aplicou o método estruturalista no estudo dos mitos e das relações de parentesco nas sociedades primitivas, tornando as estruturas sociais como modelos a serem descritos, estabelecendo assim o sentido da cultura em questão”. Foucault busca seguir o mesmo caminho. É justamente isso que ele tenta fazer ao analisar o quadro “Las Meninas” do pintor espanhol Velázquez. E que ficará mais claro na segunda parte quando ele introduz a questão da palavra e a relação da linguagem com a pintura.
Seguindo essa linha uma primeira questão apontada pelo autor é a diferença entre o que se vê e o que se diz. Logo a tarefa da linguagem nessa sua relação com o visível é ir desvelando o que não esta tão explicito assim. Foucault dá ênfase ao papel do espelho nesse processo. Segundo o autor (1966) “o espelho, por um movimento violento, instantâneo e de pura surpresa, vai buscar, à frente do quadro, aquilo que é olhado mas não visível”. Seria, portanto esse o papel do filósofo estruturalista? A Concepção metodológica estruturalista é utilizada em diversas ciências (linguística, antropologia, psicologia etc.) que tem como procedimento a determinação e a análise de estruturas. De acordo com Japiassú (2001) “pode-se considerar o estruturalismo como uma das principais correntes de pensamento, sobretudo nas ciências humanas, em nosso século”. Tal importância se dá justamente por essa busca dos estruturalistas em tornar o invisível, visível.
Foucault utiliza bem a concepção metodológica estruturalista para explicar a sua interpretação da obra “Las Meninas”. “há, pois, dois centros que podem organizar o quadro” e seguindo afirma que “essas linhas sagitais são convergentes, segundo um ângulo muito agudo, e o ponto de seu encontro, saindo da tela, fixa à frente do quadro, mais ou menos lá de onde o olhamos. Ponto duvidoso, pois que não o vemos; ponto, porém, inevitável e perfeitamente definido, pois que é prescrito por essas duas figuras mestras e confirmado ainda por outros pontilhados adjacentes que nascem do quadro e que também dele escapam”. (Foucault, 1966). Novamente Foucault chama atenção para o fato do artista buscar direcionar o nosso olhar o que não percebemos se não compreendermos toda a estrutura utilizada pelo autor para confecciona-la. E é isso que Foucault tenta fazer ao afirmar que há dois pontos centrais que se convergem bem como três olhares que se cruzam.
Retomemos aqui uma comparação entre a interpretação de “Las Meninas” por Foucault e a relação entre hermenêutica e estética por Gadamer. Gadamer é contrario a consciência estética que se fundamenta nessa concepção metódica, numa espécie de “autocerteza subjectiva”. Ele criticará a visão acerca dessa experiência estética – da afirmação de que não existe conteúdo na obra de arte, na separação que se faz entre forma e conteúdo. Foucalt parece concordar, tanto que para iniciar a sua obra “As palavras e as coisas” se utilizará da interpretação de uma pintura para mostrar a relação infinita entre linguagem e imagem. E que portanto é necessário uma abordagem estruturalista para compreender essa questão.
É importante chamar atenção para questão da representação. Para Foucault ((1966) “a representação pode se dar como pura representação”. Como saber então se se trata ou não de uma representação da representação? O caminho é buscar a estrutura das coisas. E para tanto é preciso se utilizar dos diversos tipos de linguagem, não só a palavra escrita.
Por fim para nós fica evidente o aspecto da importância do olhar que Foucault trás na sua interpretação. Outra questão importante é acerca do que é visível e do que é invisível. Sendo que a relação do olhar com o que é visível e invisível muda a nossa perspectiva de como vemos determinada coisa bem como o significado ao que damos a essa coisa. A partir dai ele falará do espelho como algo que surge nos dando a possibilidade de ver o que antes não conseguíamos ver, sobretudo quando torna o invisível, visível. Nos parece que este é exatamente o papel da corrente filosófica estruturalista, revelar o que esta invisível – o que se dá através da linguagem.
Referências Bibliográficas
FOUCALT, Michel. As palavras e as Coisas. Capitulo I – “Las Meninas”. 1º Ed. Editora Martins Fontes. 1966.
JAPIASSÚ, Hilton; Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3º Edição. Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro; 2001.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. – Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Edições 70 – Lisboa/Portugal: 1969. Págs. 167 a 196.
*Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
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