sábado, 15 de novembro de 2025

Sobre leituras

A leitura entrou na minha vida ainda na infância. Eu diria que até mesmo antes de aprender a ler. Amava ficar folheando os livros vendo as ilustrações. Antes disso ficava deslumbrado com os mais velhos contando estórias no pé de uma fogueira ou de uma lamparina. Não é de se admirar que acabei trilhando um caminho em que a leitura é fundamental - me formei professor de Filosofia. 

Leio de tudo, com exceção de autoajuda e de livros de religião. A formação em Filosofia me levou a leituras mais densas. Mas mesmo antes já me interessava por coisas assim. Lembro de quando li Assim falou Zaratustra, do Nietzsche, pela primeira vez.  Não entendi muita coisa. Isso que já havia lido umas três ou quatro obra desse filósofo (antes de ingressar na graduação em Filosofia). Creio que era mais o estilo e o exercício de criticidade que me atraía. Ainda mais pelo fato de que no ensino médio as leituras que mais me marcaram fora: Vidas Secas (Graciliano Ramos) e Memórias Póstumas de Braz Cubas (Machado de Assis). No entanto mesmo com toda essa carga acumulada ao longo dos anos não significa que absorvo facilmente qualquer leitura. Pelo contrário. 

Fiz questão de ressaltar isso para um estudante que eu estava orientando para Olimpíada Nacional de Filosofia (ONFIL). Passei para ele interpretar um trecho de texto de Filosofia. E ao contrário de outros textos, esse ele estava tendo dificuldade. Quando já estava querendo desisti busquei tranquiliza-lo trazendo o meu exemplo. 

Por muito tempo evitei ler o Capital, do Karl Marx.  Falavam tanto que se tratava de um livro de difícil compreensão que evitei até que me senti preparado. O fato de ter lido outras obras do Marx antes, além de leituras sobre ele e  seu método contribuiu para que a leitura do O Capital fosse compreensível. 

Recentemente finalizei uma dessas leituras densas que a cada página você parece compreender menos. Tratou-se do livro Dar corpo ao impossível: O sentido da dialética a partir de Theodor Adorno. Escrito pelo filósofo brasileiro Vladimir Safatle.

Safatle é para mim uma das principais referências intelectuais brasileira na contemporaneidade. Sempre leio os seus artigos em periódicos como também assisto sua participação em eventos disponíveis na Internet, em podcasts entre outros. Gosto muito da leitura que ele faz da realidade brasileira. No geral são textos acessíveis para o grande público. E nessa linha ele publicou um livro muito bom na minha avaliação - Alfabeto das colisões (que inclusive já escrevi sobre). Além dessa produção acessível, ele tem uma produção mais voltado para academia. Dessa produção a minha leitura é pouca. Já havia lido trechos do Circuito dos afetos que utilizei como referência num artigo de conclusão de minha pós-graduação em Filosofia e Direitos Humanos. Mas foi com a leitura de "Dar corpo ao impossível..." que entrei em contato de forma mais aprofundada com essa produção. 

Lembro que adquiri o livro em 2022, comecei lê-lo em 2023. Não avancei muito. Desisti. Tentei em 2024, não avancei muito. Desisti novamente. Agora em 2025 tentei novamente e consegui concluir. Parafraseando o próprio Safatle num podcast em que ele fala do seu tempo de estudante de filosofia e da dificuldade em compreender algumas aulas.  Não entendi muito coisa. Mas o pouco que entendi deu pra perceber que há muito coisa interessante. 

Como pode ser deduzido a partir do título do livro o objetivo do Safatle é investigar a dialética negativa do Theodor Adorno propondo uma reflexão sobre sua relevância no contexto atual. Para tanto ele apresenta como essa dialética foi sendo desenvolvida pontuando sua diferença com outras perspectivas, por exemplo a Hegeliana. E analisando as críticas feitas à ela. Concluindo trazendo para a realidade brasileira. 

No primeiro momento a obra é bastante teórica. E a cada página que avançamos na leitura ficamos com a sensação de que não estamos assimilando muita coisa. Safatle vai relacionando com outros pensadores tais como Hegel, Marx, Freud. Entre outros. A ideia dele creio que é mostrar que para compreendermos a dialética negativa do Adorno precisamos conhecer minimamente essas outras perspectivas. Além desses há outros autores que ele vai trazendo para conversa hora corroborando, hora rechaçando. No entanto Safatle faz um movimento que torna a leitura mais acessível - ele parte do geral para o particular. Do abstrato para o concreto. Termina falando sobre o Brasil trazendo para conversa filósofos como Paulo Arantes e Bento Prado Jr. fazendo um diálogo com a literatura, sobretudo Grande Sertão: veredas, do Guimarães Rosa e assim saímos da leitura com a ideia de ter compreendido o principal  - a dialética negativa Adorniana continua relevante para quem acredita na superação do que está posto. Será se é isso mesmo? Foi o que compreendi. 

Seguindo para uma conclusão eu diria que Dar corpo ao impossível é uma obra potente. Mas não é para o grande público. Eu diria que nem para um estudante que ainda está na graduação em Filosofia, por exemplo. Em outros cursos então nem se fala. Já para quem está num nível de mestrado e doutorado, e quer compreender como se pensa dialeticamente eis ai uma obra fundamental. Concluo falando que ler bem é um exercício constante. As vezes vamos encontrar aquele livro que a leitura parece incompreensível. Nesse momento é importante dar um recuo e se preparar mais para encará-lo. Isso já aconteceu comigo algumas vezes e sei que outras virão.  Mas querendo a gente consegue. Basta ter disposição para ler, ler e ler. Pois não há receita melhor do que isso para dominarmos a leitura.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

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