quarta-feira, 5 de novembro de 2025

“Quando eu falava desses homens sórdidos… você não escutou…”

Olá, minha querida. Como andam as coisas por aí? Por aqui sigo bem dentro do possível. Você sabe que para alguém que se deixa afetar em demasia pelas injustiças contra quem quer que seja nunca é possível estarmos totalmente bem. Quando pensei em escrever essas linhas, os versos (“quando eu falava desses homens sórdidos”) da canção Paisagem da Janela, do Lô Borges e do Fernando Brant, me vieram à cabeça. Você sabe que o Lô partiu essa semana e quando uma figura desse tamanho parte nós que apreciamos o seu legado ficamos um tanto mexidos. Fiz uma atividade utilizando esse trecho numa aula de filosofia da arte e fiquei feliz com o resultado. O objetivo da aula era conhecer as funções da arte. E a atividade tinha como fim aprofundar o entendimento com um exercício. Mas o que isso tem haver com o que quero realmente dizer? Que durante o exercício eles relacionaram o trecho com o contexto atual. Pontuando que esse trecho é um espelho que reflete a realidade (seguindo a função naturalista). Uma estudante, por exemplo, chamou atenção para o aspecto de que as pessoas se prendem no seu ponto de vista e se negam a enxergar o óbvio. Isso acabou me remetendo a uma aula de filosofia contemporânea em outra turma em que trabalhei um texto (Tolerância e ofensa) do Desidério Murcho sobre liberdade de expressão. Em que ele propõe uma reflexão muito interessante sobre tolerância. Mas o importante mesmo é o que está por trás dessas questões. Você provavelmente viu o que aconteceu no Rio de Janeiro. E me conhecendo sabe qual a minha posição sobre. O fato é que toda vez que ouço a frase “homens sórdidos” me vem a imagem do Governador do Rio de Janeiro - Cláudio Castro. Ele me lembra também a música Pigs (Three Different Ones) do Pink Floyd - inclusive a fisionomia dele é de um porco - porco fascista. Mas o que mais me deixa triste é ver a quantidade de pessoas que aplaudem a ação. Fico pensando onde nós erramos. Pois me sinto responsável. Sei que não sou. Sei que posso pouco enquanto professor de Filosofia na educação básica. Faço um esforço para inserir a educação em direitos humanos no meu planejamento e no projeto político pedagógico da escola. Mas parece que não saímos do lugar. Não são poucos aqueles, inclusive colegas professores, que reproduzem o discurso contra os direitos humanos. Por outro lado há exceções que nos deixam felizes. Gostaria de lhe falar de um caso especial - uma estudante que entrou em contato comigo perguntando se havia algum conceito na Filosofia que explicasse a situação. Apresentei para ela o conceito de necropolítica criado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe. E começamos a trocar uma ideia sobre. Ela me disse que estava incomodada com o posicionamento de alguns colegas banalizando a morte daquelas pessoas. Inclusive usando justificativa religiosa. E ela queria entender para rebater os posicionamentos com propriedade. É uma postura louvável. Ainda mais pelo fato de que essa estudante há uns meses talvez tivesse uma postura diferente, analisando seu comportamento de outrora. Mas sabe querida, tudo que escrevi até agora foi afetado por uma situação que ocorreu hoje no meu trabalho. Cheguei à escola com a notícia de que vários colegas tiveram o seu contrato exonerado pelo Governador em Exercício do Tocantins - Laurez Moreira. Nós sabemos que os contratos de trabalho temporário no serviço público são usados como instrumento de cooptação e dominação política. Mas isso não significa que as pessoas devam ser tratadas como objetos - jogadas no lixo quando não são mais úteis para quem está no governo. Você não sabe o quanto foi duro o dia de trabalho hoje. Chegar na escola e ver vários colegas sem nenhum aviso prévio perder o seu ganha pão. E tudo porque? Pelos jogos do poder. Me parece portanto que o senhor Laurez não é menos sórdido do que outros governantes que temos por aí. Enfim, querida. Já te enchi demais com minhas lamentações. Mais do que nunca precisamos lutar para mudar essa realidade. Mas quem me escutará? Fique bem se puder.

Do seu Pedro

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