quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O Sistema de Gerenciamento da Educação e a saúde mental do Professor

Em 2024 os servidores da educação da Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins, em especial os professores, tiveram acesso a uma nova versão do Sistema de Gerenciamento da Educação (SGE) - ferramenta que concentra todos os dados e informações acerca do fluxo escolar como matrículas, frequência e os índices de aprovação e reprovação. Mas também os planos de cursos, de aula, competências, habilidades e objetos de conhecimento trabalhados pelos professores em sala de aula. Ou seja, uma ferramenta importante para quem gere a educação no Tocantins. Pois é a partir dos dados fornecidos pelos profissionais que estão em sala de aula que se pode ter um diagnóstico da realidade da educação pública do Tocantins e a partir daí planejar ações de enfrentamento aos problemas detectados, como por exemplo, em relação a evasão escolar e o índice de aprendizagem.

O principal responsável por alimentar o sistema é o professor que está na regência da sala de aula. Devendo portanto dedicar parte do seu tempo para esse fim. A questão é que a dinâmica escolar nem sempre possibilita que isso seja feito a contento. Obrigando, não raramente, o professor de fazer isso no seu tempo que deveria ser de descanso. Algo que facilitaria é se tivéssemos uma ferramenta que ajudasse - o que não é o caso da nova versão - que parece ter sido feita estrategicamente para complicar a vida de quem está na sala de aula. A versão anterior de fato já estava ultrapassada. Porém, imaginava-se que a mudança seria para melhor. Não foi o que ocorreu, infelizmente. Como consequência temos uma ferramenta que ao invés de otimizar o trabalho docente tem o tornado mais penoso. Ainda mais num contexto de deficiência do serviço de internet nas escolas.

Independente disso, como também do fato dos professores não terem passado por formação. Pela instabilidade do sistema e as suas constantes atualizações. Há prazos a serem cumpridos. E quando não são, a cobrança vem de forma enfática. Inclusive com ameaça de notificação entre outros.

Marcuse (1973) é um crítico do desenvolvimento tecnológico porque observa que esse desenvolvimento ao invés de contribuir para libertação dos indivíduos acaba tendo um efeito contrário. E é isso que observamos no caso da nova versão do sistema de gerenciamento escolar (SGE). Uma ferramenta que deveria contribuir com o nosso trabalho docente acaba se tornando algo nocivo que afeta a saúde mental.

O trabalho burocrático é certamente uma das partes mais estressantes do fazer docente. E acaba afetando a sala de aula. Pois enquanto o professor está perdendo tempo preenchendo coisas burocráticas está deixando de lado o estudo e o planejamento de atividades que de fato iria impactar na qualidade das aulas. Quase sempre é um trabalho repetitivo, preenchendo coisas que não fará nenhuma diferença no processo de ensino-aprendizagem. 

Desde o seu lançamento no início do ano letivo, a ferramenta já passou por alguns ajustes. E o que se ouve é que estes ajustes continuarão. O que evidencia a má escolha realizada por quem adquiriu o produto. Enquanto isso, quem está na ponta está pagando a conta. Essa questão me fez lembrar de um pensamento há alguns anos ao ouvir uma colega reclamar da educação, sobretudo referente às exigências burocráticas.

- Se a burocracia mata a educação. Matemos a burocracia então.

Hoje acrescentaria. Ou matamos a burocracia ou ela nos matará. O índice de brasileiros com sentimentos negativos referente ao trabalho é enorme, como aponta pesquisa divulgada recentemente do State of the Global Workplace 2024. Que isso evolua para um adoecimento mental é mais do que óbvio. Também não faltam dados que mostram essa realidade, como, por exemplo, o divulgado pelo INSS, de 2023, que aponta um crescimento de quase 40% no afastamento de trabalhadores decorrentes de problemas como ansiedade e depressão. Os levantamentos também apontam que esse é um dos principais problemas que tem levado ao afastamento dos professores da sala de aula.

Engana-se quem pensa que o adoecimento mental dos professores está ligado apenas a sala de aula. A relação entre professor e aluno certamente não é fácil. Sobretudo num contexto em que a educação não é mais vista como um instrumento de mudança - tanto pessoal como social. E tanto a família como a sociedade passam por uma crise de valores.  Mas, mais desgastante do que a sala de aula é certamente as demandas burocráticas que são cobradas do professor. E o pior, é que se observa, que essas exigências não tem como fim melhorar o processo de ensino-aprendizagem, mas justificar a existência de determinadas estruturas burocráticas.

Dito isso, infelizmente não vislumbramos uma mudança dessa realidade. Sobretudo porque ouvir quem está no chão da escola parece não estar no radar de quem pensa a educação no Tocantins. Além disso, quem está no chão da escola não está muito disposto a fazer um enfrentamento para que seja ouvido.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Poema: Doce de buriti


 Para Maria Lucia, em memória 

Das delícias dessa terra,
existe uma especial.
Seu sabor é indescritível, 
coisa fenomenal.

Se feito por Maria Lúcia, 
melhora ainda mais.
Ela sabe o ponto certo,
ela sabe como faz.

O fruto tem que ser bom,
tem que ser da estação. 
Se não for do tempo certo,
não vingará não. 

De preferência que seja,
da chácara do Vô Chó. 
Feito no fogão a lenha,
não há coisa melhor. 

Depois de qualquer refeição, 
sempre cai bem.
É a melhor sobremesa,
não tem para ninguém. 

Oh doce de buriti,
tu és especial.
Dás delícias dessa terra,
não há nada igual.

Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO.  Inverno de 2019.

domingo, 10 de novembro de 2024

A música do Aureny I

O filósofo alemão Friedrich Nietzche diz que sem música a vida seria um erro. E seguindo esse raciocínio disse: “e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam ouvir a música”. Essa frase me faz imaginar o quanto não é triste a vida daqueles que não podem ouvir a música. Corroborando com a visão do autor, de entre outros, “ O crepúsculo dos ídolos”, não consigo imaginar a minha vida sem música.

Por algum tempo, sobretudo no período da adolescência, o que me importava numa canção era a letra e o ritmo. Leitor de poesia desde a infância era natural que eu buscasse aqueles artistas que tinham uma força poética maior nas suas composições. Com o tempo fui me interessando mais pela música - identificar uma linha de baixo, o groove da bateria, um solo de guitarra. E até outros instrumentos como teclado e metais. Foi a partir daí que compreendi a grandeza de um The Beatles, por exemplo. Ou um Pink Floyd. O que não me fez deixar de apreciar uma letra poética. Ou ainda, canções pobres musicalmente mas subversivas.

A música está presente no meu cotidiano desde quando eu sequer tinha consciência disso. E com o tempo percebi que elas se tornaram o elo de ligação com um momento da minha vida. Há determinadas canções que quando ouço me remete há uma época passada, há um determinado lugar. A partir daí comecei a pensar que cada lugar tem uma música. Assim, quando ouvimos essa música somos levados a esse lugar, mesmo que ele já não exista. 

No entanto, nem todos vivem o lugar da mesma forma. De modo que essa música sempre depende da ótica de cada um. Ou seja, a música que me remete a Miracema da minha infância não é a mesma que remete a Miracema da infância do meu irmão Paulo. A música que marcou o meu período no colegial não é a mesma do meu amigo Joe. E daí por diante. Ou seja, a música do lugar está relacionada às nossas vivências pessoais.

Pensando nisso fiquei imaginando qual será a música do Aureny I - qual canção, ou canções, irá me fazer recordar desses dias quando eu já não estiver por aqui? Uma coisa é certo será um blues rock, pois nunca ouvi tanto esse estilo quanto tenho ouvido ultimamente. Em especial Saco de Ratos, Bebados Habilidosos e Celso Blues Boy.

Não sei porque, o Aureny me remete a uma zona boêmia de uma cidade grande como São Paulo - um lugar um tanto marginalizado, mas apreciado por amantes da noite dispostos a se aventurar por becos escuros atrás de álcool e sexo. Justamente aquilo que é retratado nas canções dos artistas citados.

“Na casa da luz vermelha
Só tem dor e solidão
Vejo tantas almas tristes
E mesmo assim estão sorrindo pra mim.
Cartão esquecido
Que a sorte abandonou
Quem chega aqui está perdido
Sem abrigo e sem amor
Mas nem conseguem entender.
Que nessa beira de estrada
É um jeito triste de viver
Na sala cheia de fumaça, ninguém vê
Que estou chorando por você
Chorando por você
Por você…”

Não me entendam mal, não estou dizendo que o Aureny I é um cabaré. Pelo menos, não no sentido que as pessoas geralmente imaginam, como um lugar sem regras. Mas eu não diria que o retrato que o Celso Blues Boy apresenta na sua canção (na casa da luz vermelha) seja muito distante do que encontramos nas ruas do Aureny I: almas tristes que apesar dos pesares sorriem para mim.

Talvez eu mesmo seja uma alma triste que nunca nega um sorriso para quem quer que seja. O artista tem sua razão em dizer que esse é um jeito triste de viver. Mas eu diria que tem lá sua beleza. E daqui há algum tempo isso ficará mais nítido. Ou não, né. Vai saber. Por enquanto essa canção é para mim a música do Aureny I. E para você? Qual é a música do lugar onde você vive?

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Resenha: o homem unidimensional, Herbert Marcuse

Quando você ler um livro que foi escrito há alguns anos e tem a impressão de que ele foi escrito hoje, que dizer que você está diante de um clássico. Pelo menos, é uma ideia que eu corroboro, e que me veio à cabeça quando estava lendo “o homem unidimensional”, do filósofo alemão Herbert Marcuse. A minha impressão ao ler a obra completa é que o problema ao qual o filósofo se dedica é: numa sociedade administrada por uma racionalidade tecnológica, em que os indivíduos são levados a abrir mão da sua liberdade em troca de conforto, é possível vislumbrar mudanças qualitativas?

Antes de adentrarmos a obra, conheçamos o nosso filósofo. Herbert Marcuse nasceu em Berlim (Alemanha), no ano de 1898. Sua formação se deu nas Universidades de Berlim e Freiburg. Lecionou nas Universidades de Columbia, Harvard e Brandeis. Integrou a famosa escola de Frankfurt tendo tido uma enorme contribuição na resistência ao regime nazista e na popularização da teoria crítica. Tornando-se uma referência para a chamada nova esquerda. Além da obra em análise, ele publicou: Eros e civilização (1957), Cultura e sociedade (1970), A dimensão estética (1977) entre outros.

“O homem unidimensional: a ideologia da sociedade industrial” é de 1964, ou seja, em 2024 completa 50 anos da sua publicação. E trás uma profunda análise das sociedades desenvolvidas industrialmente e a importância da teoria crítica da sociedade como uma trincheira de resistência a um projeto totalitário caracterizado por novas formas de controle.

A obra é organizada por seções composta por capítulos. Segundo a seguinte lógica: na primeira seção o objeto é a sociedade. Na segunda é o pensamento unidimensional. A terceira é acerca de possíveis alternativas. A partir dessa sequência podemos perceber a linha de raciocínio do filósofo. Ou seja, primeiro ele faz um diagnóstico da sociedade contemporânea, mais especificamente as mais desenvolvidas industrialmente como os Estados Unidos da América (EUA). No segundo momento ele analisa como o pensamento é moldado fazendo com que os indivíduos se comportem de determinada maneira. E no terceiro momento ele aponta para possíveis alternativas, que na sua visão, passam pela defesa da teoria crítica como um contraponto ao projeto dominante.

Vale a pena ressaltar o texto introdutório da 1ª edição escrita por Marcuse intitulada de “a paralisia da crítica: sociedade sem oposição.” Que já dá o tom do que iremos encontrar no decorrer da obra. Ou seja, um diagnóstico de uma sociedade autoritária que impõe o seu projeto de dominação não mais pelo uso da força mas pela introjeção de falsas necessidades. Com isso o nosso filósofo ressalta que nessa conjuntura a liberdade é transformada num poderoso instrumento de dominação. Diante disso é importante lembrar de Karl Marx quando ele nos diz que não há liberdade verdadeiramente quando não podemos escolher entre duas alternativas concretas.

“Nós vivemos e morremos racionalmente e produtivamente. Nós sabemos que a destruição é o preço do progresso, assim como a morte é o preço da vida, que a renúncia e o esforço são pré-requisitos para gratificação e o prazer, que os negócios têm que continuar, e que as alternativas são utópicas. Essa ideologia pertence ao aparato social estabelecido; ela é requisito para seu funcionamento contínuo e faz parte de sua racionalidade”.

O trecho acima nos dá uma ideia da escrita do Marcuse. Ou seja, um texto acessível. Óbvio que temos consciência de que para quem não é da filosofia haverá uma certa dificuldade em relação a compreensão de determinados conceitos. Mas creio que isso não é limitador para que o público no geral possa ler e compreender a obra. Sobretudo a caracterização da sociedade contemporânea e como sua lógica de funcionamento forma indivíduos submissos.

Nesse contexto é possível vislumbrar alternativas? Para um materialista histórico dialético tal como Marcuse sempre há alternativas. E na sua concepção a alternativa passa pela restauração do pensamento crítico. Não num sentido moral, como percebemos muitas vezes, sobretudo na atualidade. Mas se opondo negativamente a uma consciência feliz positiva.

Enfim, não é nosso objetivo fazer uma análise profunda dessa obra aqui. Mas apenas resenha-lo brevemente, salientando a sua importância e relevância. E a partir daí recomendar a sua leitura. Por tanto encerramos por aqui com um verso do Maiakovski que acredito representar o espírito com o qual Marcuse encerra o livro: “é preciso arrancar alegria ao futuro”.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Diálogos em sala de aula

- Qual o sentido da gente estudar tanto para depois virar professor e ganhar um salário desses?

Esse questionamento ouvi numa aula de filosofia esses dias por parte de um estudante. A minha resposta imediata é que para mim fazia muito sentido. Pois no contexto em que vivemos o salário que eu ganho me dá uma condição de vida superior a maioria dos brasileiros. Sem falar que a medida que eu continuasse me qualificando poderia melhorar o meu ganho. 

- De onde eu venho. O lugar que estou hoje me deixa com muito orgulho. Sem falar que eu gosto do que faço. Acordo todos os dias e venho dar aula com prazer.

Compreendi a provocação do estudante como um movimento que existe de desqualificação do fazer docente na educação básica. Um movimento que parte, muitas vezes, dos próprios professores que desencorajam os estudantes a fazer uma licenciatura. Tanto que diferentes levantamentos apontam que é uma minoria aqueles jovens que se dispõem ser professor. Entre aqueles que entram na universidade para cursar uma licenciatura o indice de evasão é alarmante. E aqueles que desistem quando conhecem a realidade de uma sala de aula não são poucos.

Não vou aqui romantizar a realidade. De fato não é um trabalho fácil. Sobretudo num contexto em que a educação parece ter se tornado algo supérfluo. As condições de trabalho nem sempre são as melhores. E os vencimentos estão longe de ser aquilo que merecemos pelo trabalho que fazemos. 

Mesmo assim, com o salário que ganhamos temos uma situação privilegiada em relação a maioria da classe trabalhadora. E não digo isso para que nos conformemos. Mas para que tenhamos consciência de que mudar as condições atuais do nosso fazer profissional, bem como a sua valorização, passa por essa compreensão. E a partir daí buscarmos fortalecer a profissão e não aceitar a sua desqualificação. 

Eu gostei da provocação do estudante. E fiz questão de dizer isso. Falei que quanto mais houvesse questionamentos por parte deles mais dinâmicas seriam as aulas. Óbvio, que esses questionamentos deveriam ser no contexto do que estávamos discutindo. Foi então que na mesma linha, outro estudante questionou qual era o sentido dele ter que ir todo dia para a escola pois já estava cansado daquela rotina.

A minha resposta foi: - o sentido quem tem que dá é você. A resposta quem tem que dá é você. Para deixar claro que não se tratava de uma mau resposta. Expliquei o motivo.

- Eu posso fazer todo um discurso lindo aqui sobre a importância do estudo. Mas vai ser o que eu penso. Vai ser o meu sentido em relação a educação a partir da minha experiência. Que como já ficou evidente na resposta anterior é inegável. Eu posso até ti convencer. Mas no final das contas vai ser o que eu penso. O que estou querendo dizer é que a vida é sua meu caro. E quem tem que encontrar sentido pra ela é você. O meu papel aqui será problematizar. Quem sabe ajudá-los a encontrar esse sentido.

Pela reação dele não era a resposta que esperava. Provavelmente pensava que eu faria um discurso tentando convencê-lo do contrário. No entanto percebi que ele compreendeu a minha colocação. Ou seja, nós precisamos assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. Pois quem arcará com as consequências seremos nós. Ora, não podemos jogar para os outros a responsabilidade de dar sentido a nossa existência. E quanto mais cedo aprendermos isso melhor.

Pedro Ferreira Nunes –  É professor de Filosofia na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins 


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Política no Tocantins e a incômoda posição de estar sempre entre o espeto e a brasa

Isso me ocorreu ao analisar a opção que aqueles que se insere no campo da esquerda (como eu) terão em relação às eleições no segundo turno em Palmas. Para nós que vivemos no Tocantins não é nenhuma novidade. Vivendo num território em que a esquerda não tem grande relevância. Incluindo nesse bonde a socialdemocracia. Não raramente temos que escolher entre direita e direita. Esse é o caso da disputa entre Eduardo Siqueira Campos (Podemos) e Janad Valcari (PL).

Nesse cenário qual seria a melhor escolha? A grande maioria daqueles que se insere no campo progressista estão fazendo a escolha pela candidatura do Eduardo Siqueira Campos. O que é compreensível diante do fato de que a outra alternativa é uma candidata que veste a camisa do bolsonarismo. Ou seja, a escolha é pela direita tradicional (maquiada de moderninha) ao invés da extrema direita (maquiada de liberal). A diferença entre uma e outra é que com a primeira há um diálogo possível, sobretudo o respeito ao Estado democrático de direito. Já a segunda não.

Outro fator a ser levado em consideração é que pensando num projeto nacional de manutenção do bolsonarismo fora do poder. Não é nada interessante ter no comando da capital alguém que irá dar palco para a extrema direita. Não que Eduardo não faça isso. Pois ideologicamente ele está mais próximo do bolsonarismo do que da esquerda. No entanto com Janad isso será automático. Só vermos quem já passou pelo seu palanque (Bolsonaro, Michele, Nicolas, Damares entre outros).

Foi justamente o apoio dessa gente que é bastante popular em Palmas, sobretudo na periferia, que catapultou Janad ao lugar que ela chegou.

Apesar de ver toda a sua força durante o primeiro turno da campanha, ao contrário do que algumas pesquisas apontavam, sempre disse que haveria segundo turno. Ainda que não percebesse um movimento que pudesse impedir a sua vitória.

O fato é que esse movimento ocorreu. As votações expressivas tanto do Professor Júnior Geo como do Eduardo mostraram uma resistência do eleitorado palmense ao bolsonarismo representado por Janad. Mostraram também que o que parecia ser uma terceira via tornou-se uma alternativa real - a candidatura do Eduardo Siqueira Campos que conseguiu ficar à frente do Júnior Geo (que contava com o apoio da prefeita Cintia).

Não acredito que ninguém que tenha minimamente uma formação progressista tem alguma ilusão quanto a uma gestão do Eduardo Siqueira Campos que não seja para atender os interesses do mercado. Tanto é que um dos pontos do seu programa de governo é o estabelecimento de parceria público-privada (privatização). Entre eles na educação e no transporte público. No transporte público, por exemplo, sua proposta é adquirir 200 novos veículos e entregar para uma empresa privada fazer a gestão, óbvio que isso não será em troca de nada, mas da tarifa que os usuários pagam diariamente.

O mote do seu programa é a livre iniciativa com justiça social. É praticamente o mesmo lema do Governo Siqueira Campos à frente do Estado do Tocantins (o Estado da livre iniciativa e da justiça social). Em primeiro lugar o interesse do mercado e alguma migalha para o social (compreendido como caridade).

Diante desse cenário, votar nulo seria uma opção? Já que independente de quem for eleito as perspectivas não são boas para a classe trabalhadora, sobretudo quem vive na periferia. Para alguns sim.

Minha posição, não sem incômodo, é defender a necessidade de não ficarmos neutros num cenário em que uma candidata que reivindica o bolsonarismo pode chegar ao poder. Seguindo a análise do filósofo e professor Paulo Arantes sobre Bolsonaro de que este seria uma ruptura para o pior, que deve ser portanto estancado e contido. Aqueles que o seguem também o são. E por tanto devem ser combatidos igualmente.

Também devemos nos perguntar se esse é o horizonte que queremos. Nos acomodar com a incômoda posição de ter que escolher entre direita e direita. Esperando em troca ganhar algum cargo comissionado. Ora, quando vamos pensar e trabalhar seriamente para nos colocar como uma força relevante na política tocantinense? 

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

domingo, 20 de outubro de 2024

O filme Nação dos sonhos do Michael Goldbach e a nossa formação moral

O que seria uma “Nação dos sonhos”? Me parece que há duas respostas possíveis. Primeiro, um lugar perfeito. Ou, segundo, um lugar em que se vive fora da realidade. Esse parece ser o sentido dado pelo diretor Michael Golbach a sua película Daydream Nation (2011).

A narrativa se desenrola numa cidade interiorana. Envolta por uma névoa conservadora, assolada pela poluição de fumaça e o perigo de um serial killer de mulheres. Caroline (Kat Dennings) é o fio condutor da narrativa. É a partir da sua perspectiva que conheceremos o lugar e suas personagens. Como o jovem Thurston Goldberg (Reece Thompson) viciado em maconha, que carrega consigo o trauma da morte de um amigo num acidente. E o professor Barry Anderson (Josh Lucas) - um aspirante a escritor que buscou refugiou ali após descobrir uma traição da esposa com o seu melhor amigo.

A vida desses personagens vai se encontrar numa escola de ensino médio. O cineasta não poderia escolher um lugar mais simbólico para retratar aquela realidade. Desmotivação, falta de perspectiva, traumas e mais traumas é em resumo o que desfila naqueles corredores. Caroline olha para tudo com um ar de superioridade e desprezo, vindo de uma cidade grande, com uma mentalidade mais liberal não vai se deixar enquadrar por aquela realidade, pelo contrário. Buscará subverte-la.

A questão é que estamos falando de uma jovem, que por mais que tenta se mostrar forte está passando por um momento de transição assim como os demais. E nesse momento de transição nem sempre irá agir de forma virtuosa, digamos assim. Não vamos condená-la por isso, mas entender que faz parte do seu processo de desenvolvimento e amadurecimento. O mesmo não podemos dizer do professor Barry - do qual se espera um nível de maturidade condizente com sua idade e formação. Mas também não o condenemos. Tentemos compreender a fraqueza humana.

Kohlberg, psicólogo estadunidense, tem uma teoria interessante acerca do comportamento moral. Que pode nos ajudar a compreender a psique dos personagens do Daydream Nation. De acordo, com esse pensador, há diferentes níveis de moralidade. O primeiro, denominado de pré-convencional, tem como principal característica uma ética individualista, onde a preocupação com o eu se sobressai. Nesse nível há dois estágios. O primeiro é a consciência de que as regras morais derivam da autoridade. E o segundo a consciência da necessidade de acordos diante dos diferentes interesses pessoais. Prevalecendo sempre o meu interesse como prioridade. Esse é o caso de Caroline quando decide seduzir o professor Barry como uma forma de fugir do tédio do lugar. E também do professor ao ceder a investida de Caroline. Sobretudo porque vê nessa relação um meio de recuperar a confiança perdida em si como escritor.

O segundo nível de moralidade é denominado de convencional, aqui também há mais dois estágios, mas em resumo, o indivíduo passa a ter preocupação com o outro, a reconhecer o outro não como um meio. Esse é o caso do Thurston no seu relacionamento com Caroline e pelo remorso que sente pela morte do amigo. Com isso percebemos que não necessariamente o desenvolvimento moral está relacionado a idade. Pois Thurston é um adolescente ao contrário do professor Barry.

Ainda temos o terceiro nível, denominado de pós-convencional, que também se divide em dois estágios, para Kohlberg este é o mais alto nível de moralidade. E se caracteriza por um comportamento moral fundamentado em princípios éticos. Não é o caso de nenhum dos personagens do filme em análise. No entanto percebemos eles se movendo nesse sentido a partir de um elemento fundamental, o erro.

E o que é o erro senão aquilo que a sociedade estabelece como errado. E ao se estabelecer algo como errado busca-se criminalizá-lo para que os indivíduos, sobretudo os mais jovens, não o pratique. No entanto, esquecemos que o erro é um elemento pedagógico muito importante. E que nos faz crescer. De modo que a questão não é tanto cometer erros, mas a capacidade de aprender com eles e evoluir.

O que me parece é que esse período de transição que caracteriza a juventude  é o que mais cometemos “erros”. Muitas vezes apenas pelo prazer de desafiar o status quo. O cuidado que tem que se ter é que alguns são irreversíveis, como por exemplo, o que levou a morte do amigo do  Thurston. No final, Daydream Nation, nos mostra não uma nação ideal, mas a possível. E essa nação possível, pode ser boa de viver se soubermos aprender com nossos erros. Ou olhando para os personagens, que são um retrato das juventudes que existem na nossa sociedade. Daydream Nation, nos mostra não indivíduos perfeitos, mas reais. E que por serem reais cometem erros mas não cortam os pulsos por isso.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).