segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Para que o componente curricular de Filosofia na Educação Básica?

Hora e outra surge esse questionamento: para que o componente curricular de Filosofia na Educação Básica? Sobretudo quando falamos de escola pública. De tempos em tempos essa discussão ganha força inclusive no parlamento brasileiro com propostas que visa a retirada do componente curricular da grade curricular de ensino. Mas será se o problema é o ensino de Filosofia ou a quem se destina?

Essa questão me surgiu durante o I simpósio de gestão compartilhada das escolas militares e cívicos-militares do Tocantins (12 e 13 de junho de 2025). Em dois momentos tivemos exposições por parte de militares utilizando a filosofia. A primeira pelo Tenente Coronel Ricardo Crespo - que comanda atualmente as Escolas Militares e Cívico Militares do Tocantins. E a segunda pelo Subtenente Thiago Galvão - ambos da Polícia Militar do Tocantins. Num primeiro momento fiquei contente pela referência. Sobretudo pela compreensão de que quando partimos da filosofia temos melhores condições de compreensão dos problemas em análise. Já num segundo momento fiquei me questionando sobre essa apropriação da filosofia pelos militares. O que me instigou a fazer essa reflexão sobre se o problema é o ensino de Filosofia na educação básica (escola pública) ou a quem se destina.

Antes de responder essa questão, na qual creio que já é possível deduzir a nossa resposta, vamos a um breve relato do que o Tenente Coronel Rafael e o Subtenente Thiago falaram.

O primeiro abordou a temática da liderança a partir do Plutarco e do Platão. Com bastante propriedade ele comentou a perspectiva dualista de Platão a partir da qual Plutarco se inspirou para desenvolver sua concepção do que deve ser um líder. Na sua fala ele salientou a distinção que Platão faz entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual. Para a partir daí apresentar sua concepção acerca do mundo das ideias o qual acessamos por meio da filosofia. Ao contrário do mundo dos fenômenos que é ilusório e mutável. O mundo das ideias é uno e imutável. Ao comentar sobre a liderança uma fala bastante significativa do Tenente Coronel Ricardo foi de que é muito usual nas palestras sobre liderança a referência ao livro O monge e o executivo, do James C. Hunter. No entanto tudo que está nessa obra encontramos nos clássicos. A diferença é que está escrito de uma forma mais amena. Plutarco por sua vez, como um bom dualista, apresenta dois tipos de líderes: o culto e o incuto. Ao longo da sua fala o Tenente Coronel Ricardo foi dissecando esses conceitos relacionando com a realidade da escola. Como se tornar um líder culto? Ele ressaltou, a partir de Plutarco, que pelo uso da razão.

O segundo falou sobre as relações interpessoais utilizando como referência um filósofo contemporâneo - o Sulcoreano radicado na Alemanha - Byung Chul Han. Também com bastante propriedade, o Subtenente que é formado em Psicologia e Mestrando em Filosofia apresentou a crítica que Han faz a sociedade neoliberal onde o indivíduo é levado a se explorar ao extremo alcançando sua realização apenas com a morte. O reflexo disso são indivíduos adoecidos mentalmente. Realidade que conhecemos bem na escola. Acredito que é impossível haver alguma escola que não tenha um professor afastado com problemas psicológicos. A pressão e a exigência para alcançar determinados resultados são frequentes. A desvalorização e desrespeito não fica atrás se expressando muitas vezes em episódios de agressão de estudantes a professores. O que fazer diante dessa realidade? O conselho do Subtenente, a partir do que diz Byung Chul Han, é se desconectar. 

É evidente a importância da filosofia na formação de indivíduos conscientes e capazes de enfrentar os problemas que a realidade nos apresenta. Mais do que respostas pronta e acabada, a filosofia nos instiga a pensar criticamente e enxergar outras possibilidades. Eis aí a questão portanto. Não há nenhum problema com o ensino de Filosofia. Quanto mais cedo a criança for introduzida nesse conhecimento melhor. Pois certamente isso contribuirá para que desenvolva determinadas habilidades. Por outro lado é perigoso para quem está no poder, para a classe dominante, que o povo tenha acesso a esse tipo de conhecimento. De modo que os oficiais filosofarem tudo bem. Já os soldados não. Os filhos da elite filosofarem tudo bem, da classe trabalhadora não. Quando um estudante na escola pública reproduz o discurso de que não gosta de filosofia pois ela não vai servir para nada. Ele não tem consciência, mas está reproduzindo esse discurso que visa perpetuar o status quo. No qual o seu papel, se ele não subverter, será de obedecer, de ser um sujeito menor - submisso.

Enfim, diante de tudo que falamos evidencia-se portanto que o problema não é o ensino de Filosofia mas a quem se destina esse ensino.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Deus ex machina e a político no Tocantins

Aqui estou eu novamente escrevendo sobre o afastamento, por determinação judicial, do Governador do Estado do Tocantins devido a suspeita de corrupção. Não posso dizer que dessa vez tenha sido uma completa surpresa. Pois o histórico dos governos anteriores e a continuidade de um modo de fazer política nos leva a entender que a qualquer momento isso pode acontecer. É, camaradas. O Tocantins não deixa de reafirmar a máxima marxiana de que "A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa". 

A investigação em curso contra Wanderlei Barbosa  teve início em 2021-2022, quando ele ainda era vice-governador. Logo depois assumiria o executivo estadual com a queda do então Governador Mauro Carlesse. De lá para cá ele foi eleito para um segundo mandato faltando pouco mais de um ano para finalizá-lo. De modo que não temos como não questionar: - por que só agora? 

Tanto a nível nacional como regional o judiciário tem se comportado como um Deus ex machina. Para quem é conhecedor da mitologia grega sabe muito bem do papel que essa figura desempenha intervindo no destino dos mortais. Ele sempre aparece no momento decisivo da trama mudando o que parecia ser certo. 

Com alta aprovação popular e a falta de uma oposição forte, o governador Wanderlei Barbosa, antes do afastamento, se colocava como líder do processo sucessório. As duas principais pré-candidaturas até então disputavam o seu apoio: a senadora Dorinha (União Brasil) e o presidente da ALE-TO - Deputado Estadual Amélio Cayres (Republicanos). Essa liderança passa agora para o seu vice - Laurez Moreira. Até então renegado como ele fora por Carlesse.

É importante lembrar que sem a queda do Carlesse impulsionada por uma decisão judicial, Wanderlei dificilmente teria se tornado Governador. Antes, sem a queda de Marcelo Miranda, também impulsionado por decisão judicial, Carlesse dificilmente teria sido governador. Acontecerá o mesmo com Laurez? Ainda é muito cedo para afirmar isso. Pois enquanto houver possibilidade de retorno do governador Wanderlei, a liderança do Laurez é relativa. Na verdade, de todo governante. Enquanto tem o poder na mão não lhe faltará aliados. Quando este lhe escapa, os aliados se afastam. É o realismo político camaradas. Nesse jogo não há espaço para quem pensa a política numa perspectiva idealista.

Enquanto o primeiro encontra fundamento no pensamento do Maquiavel - a partir do qual podemos resumir que a política deve ser feita a partir da realidade, ou seja, das coisas tal como elas são. Se vivemos num contexto em que cada um só pensa em si. Eu devo agir buscando os meus interesses. Ainda que isso signifique passar por cima de determinadas normas morais. O segundo encontra fundamento no pensamento grego clássico, onde a política é pensada a partir de como a sociedade deveria ser - onde o interesse comum se sobrepõe aos interesses individuais. 

De todo modo, uma dose de prudência, como recomendava Aristóteles, é sempre aconselhável. Aliás, até Maquiavel ressalta a importância da prudência para que o governante não seja odiado. Nas suas próprias palavras: “Pouca prudência pode induzir os homens a optar por coisas que de momento têm sabor agradável mas que internamente estão repletas de veneno”. Num cenário de incertezas, então, a prudência é ainda mais fundamental. 

Há que saber fazer uma análise de conjuntura acertada para se posicionar bem no tabuleiro da política. Esse não foi o caso daqueles que entraram com o pedido de impeachment do governador Wanderlei na ALE-TO. Ora, que motivos os deputados, que estavam sendo beneficiados pelo governo. Sobretudo o presidente do parlamento que parecia ser o seu pré-candidato preferido à sucessão estadual teria para fazê-lo? De modo que tal medida serve mais para “lacração” nas redes sociais do que como um efeito prático. Mas o fato é que diante da popularidade do governador Wanderlei nem para isso servirá. A não ser para reafirmar o perfil medíocre daqueles que o fizeram.

Por enquanto o que tem vindo à tona é muito sério. E se confirmado, Wanderlei Barbosa deve não apenas ser afastado. Mas também impeachmado e condenado juntamente com os demais que fizeram parte do esquema. 

Num cenário ideal caberia o povo se sublevar e pressionar o parlamento estadual na direção de um impeachment do Governador Wanderlei. O que no cenário atual não vemos possibilidade. Desse modo, se a população continua se omitindo do seu papel. Caberá ao deus ex machina (judiciário) intervir. Quando e como será a próxima intervenção? Aguardemos os acontecimentos. Terminemos com as palavras que as náiades inscreveram no túmulo do filho do Hélio (sol) que morreu a tentar conduzir a carruagem do sol: "Aqui jaz Faetonte, cocheiro do carro paterno; não conseguiu dirigi-lo, mas morreu num ato de grande ousadia". Ele pelo menos teve a dignidade de tentar. E nós, povo tocantinense, quando ousaremos conduzir o nosso destino?

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Crônicas Aurenyanas: As aparências enganam

Você provavelmente já ouviu essa frase. Eu também ouvi muito. Pensei nela enquanto lavava roupa e não pude deixar de escutar uma conversa pelo telefone do meu vizinho de kitnet. Trata-se de um senhor que aparentemente já ultrapassou umas 60 primaveras. Assim como eu, mora sozinho. E aparentemente leva uma vida tranquila. Discreto, nesses meses que mora aqui ao meu lado nunca tinha percebido que ele toma umas cervejinhas.

E foi justamente o relato de uma noite anterior regado a cerveja que me chamou atenção. Segundo este com R$400,00 no bolso ele se dirigiu até um determinado bar. E lá começou a beber cerveja. Não consegui identificar qual era a marca. Mas segundo ele deu uma dor de cabeça que ele achava que ia morrer. Mas também depois de 8 garrafas não é para menos. Pior do que a dor de cabeça do porre, foi a grana que perdeu na sinuca. Segundo ele, empolgado pelo álcool resolveu desafiar um velho que estava por ali a jogar bilhar. O velho recusou, mas ele insistiu propondo que as partidas fossem apostadas - quem ganhasse, levava grana. O velho continuava sem querer. Ele insistia prometendo dar duas bolas de vantagem. Por fim o velho aceitou. Mas sem querer a vantagem ofertada. Os dois teriam condições iguais. E quem ganhasse levava a grana.

- Rapaz, eu levei um pau do velho. Pensa num pau. Não tinha bola colada que ele não descolava e matava. Tô aqui com R$40,00 no bolso para fazer a feira da semana até que recebo uma grana de uns bicos que fiz. Empolgado demais, quis aparecer. E o velho me depenou. Nunca mais. Nunca mais.

Será mesmo? Fiquei pensando comigo. Quando o álcool entra no nosso sangue perdemos a noção da realidade. E acabamos fazendo coisas um tanto irracionais. Depois quando o efeito passa vem a ressaca moral.

- Onde diabos eu estava com a cabeça que fui fazer isso?!

Por outro lado, não podemos deixar de viver. Pois se não, como diz uma frase de uma canção da banda Matanza Inc. - se deixar a vida fica muito chata. Daí a gente não suporta. E corta os pulsos. Por tanto que essa experiência não o leve a deixar de se divertir. Afinal de contas ele trabalha tanto e merece sua dose de distração. Só espero que ele tenha aprendido a não julgar os outros pela aparência. Ora, achar que sairia melhor que o outro no jogo, só porque este era mais velho do que ele. É demonstrar uma boa dose de ingenuidade. Não pude deixar de pensar comigo: - há pessoas que envelhecem, mas não amadurecem.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Resenha: Idiota (Bosta Rala)

Recentemente, e por acaso, ouvi a música de uma banda que me arrebatou imediatamente. Tornando-se certamente uma das coisas que mais tenho ouvido na atualidade. Não é uma banda nova e o material em questão foi gravado no formato de demo no início da década de 1990. O nome da banda formada na capital baiana (Salvador) é Bosta Rala (Tendo na sua formação: Tovar Fonseca (guitarra), Alex Morcego (vocais), Dinho (baixo), Jabá (bateria) e Silvana (vocais guturais). Já a demo foi intitulado de idiota (que é o nome de uma das canções que compõe a obra) que trás um conjunto de canções com criticas sociais a começar pela denúncia da violência policial e o caráter fascista dessa instituição.

Olha o PM/PM idiota/Com suas ideias fasci-patriotas/Com seu regime nazi-fascista/E suas ideias militaristas…

Se alguém dissesse que esses versos foram feitos hoje ninguém duvidaria. Quis o destino que dois dos integrantes da banda fossem vitimados pela violência policial (Dinho e Morcego). Violência que persiste na sociedade brasileira vitimando milhares de jovens. A filósofa Sueli Carneiro tem sido uma das principais vozes a denunciar o genocídio da juventude negra no nosso país. Mas não temos nenhum avanço na discussão pela desmilitarização da polícia. Pelo contrário. Ouvindo a demo da banda fiquei me questionando quantos talentos não são calados pela violência do Estado. 

As músicas trás uma sonoridade potente, com letras que misturam humor com crítica ácida. E o vocal do Morcego com o gutural da Silvana evidenciam isso. Assim como o ritmo que vai variando de compasso - hora calmo, hora acelerado. 

A música que abre a gravação é Idiota na qual eles denunciam a violência policial a serviço do Estado: Olha o PM/PM safado/Olha o PM/Boneco do estado…

Em seguida eles emendam com repressão mental, onde denunciam o papel de instituições como o Estado, as forças armadas e a Igreja na introjeção de determinados valores que faz com que os indivíduos não pensem por conta própria:

Religião/Repressão mental/Estado fascista/Repressão mental/Igreja universal Alienação Total/Repressão Mental/Repressão Mental/ Exército, Marinha, Aeronáutica/Repressão Mental, Mental, Mental, Mental…

Em seguida temos a rapidíssima Noisecore Nojo onde temos uma espécie de descarga de raiva. Seguida da ferida exposta: Uma ferida, uma ferida/cruel que nos trocida/penetrando a sua alma/penetrando a sua vida…

Sem tempo para respirar eles emendam uma música na outra. E muitas vezes fica a sensação de que é uma música só (não que seja repetitivo). Mas há uma espécie de continuidade. Como se eles contassem uma história - a realidade que estão inseridos. E assim temos na sequência Sujo; Imundo; e Bosta Rala. 

Ação direta/faça, faça a coisa certa…/estamos aí viemos protestar/não queremos violência/não queremos brigar…

Na sequência temos dor, onde voltam a criticar o autoritarismo: Medo causa dor/raiva causa dor/loucura causa dor/ódio causa dor…

Desgraça humana vem na sequência, juntamente com Sem vergonha e O que se passa. O recado aqui é: enquanto o povo sofre, os milionários se divertem à nossa custa: o que se passa?/é violência/é miséria/é fome…

Para finalizar temos uma bela “homenagem” ao Silvio Santos com a canção Quem quer: Vamos abrir a porta da esperança?/Quem quer dinheiro hahai!/ Fala aê Lombardi/ "Alô Silvio, temos muitos prêmios hoje para a plateia”. O alvo aqui é o papel da televisão na manipulação e alienação das pessoas para que se submetam à ordem dominante.

Essas são portanto as canções que compõem essa gravação que certamente merece figurar entre os clássicos do punk rock brasileiro. Também trata-se de um registro histórico importante para compreensão do movimento punk no Brasil. Servindo de referência a novas bandas que tem surgido e fortalecido uma cena potente que tem levantado a bandeira antifascista adiante.

Ouça acessando o link: https://youtu.be/m1JgZYFtxIc?si=XBswpf8rWx7R7xKw.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Contribuições das demais áreas do conhecimento na recomposição das aprendizagens

A temática acima nos foi proposta para ser trabalhada numa formação continuada dos professores no início das atividades pedagógicas do segundo semestre de 2025, no Colégio Esportivo Cívico-Militar Santa Rita de Cássia. De acordo com o documento o objetivo seria: Envolver os professores das diferentes áreas do conhecimento na análise das habilidades em defasagem identificadas em Língua Portuguesa e Matemática, com base nos dados das plataformas CAEd e Soluções Moderna para construir estratégias interdisciplinares que contribuam para o avanço da proficiência dos estudantes.
Toda essa mobilização tem como finalidade aumentar o índice do desenvolvimento da educação básica (IDEB) do Tocantins. Medido a partir dos dados do fluxo (aprovação e evasão) mais o desempenho numa prova objetiva (Prova Brasil) a partir de habilidades desenvolvidas nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e Médio. Há todo um investimento por parte do Governo em material, plataformas, formação continuada e promessa de gratificação para as escolas que conseguirem aumentar o seu índice. Ou seja, todo o foco dos sistemas de ensino acaba voltando para este fim. É nesse contexto que compreendemos a cobrança para que as demais áreas se somem no processo de recomposição das aprendizagens.
Não é de agora que se fala em déficit de aprendizagem na educação básica. Sobretudo se levarmos em consideração o desempenho dos estudantes em provas externas (internamente não é diferente). Mas foi a partir dos impactos provocados pela pandemia provocada pelo vírus SARS-CO-VID  (COVID-19) que se passou a dar mais ênfase na recomposição da aprendizagem. Por exemplo, a Secretaria de Estado da Educação passou a disponibilizar anualmente uma matriz de recomposição da aprendizagem, onde encontramos as habilidades, com sugestões de objetos de conhecimento e sequências didáticas para serem trabalhadas em sala de aula. No ano corrente, a matriz traz como novidade as habilidades das áreas relacionadas com os descritores de Língua Portuguesa e Matemática.
A nossa fala inicial na formação partiu da compreensão de que ainda que tenhamos ressalvas quanto até que ponto essas avaliações de fato expressam a qualidade do ensino-aprendizado na educação básica. Não podemos negar que é a partir dele que o Governo norteia suas ações. Por tanto boicotar esse processo não me parece uma estratégia inteligente. Por outro lado, não podemos fazer do processo de ensino-aprendizado na escola pública um espaço voltado a preparar o estudante para ter um bom desempenho nessas avaliações. Até porque, de acordo com a legislação educacional, o objetivo da educação básica é formar para o trabalho e o exercício da cidadania.
Outro fato que não podemos negar é que se o estudante e a estudante não conseguem desenvolver habilidades básicas de leitura, interpretação, escrita e raciocínio lógico. Dificilmente ele, ou ela, conseguirá aprofundar em áreas mais complexas como filosofia e ciências, tanto as ditas sociais como da natureza (Geografia, História, Sociologia, Biologia, Física e Química). Ou ainda em outras linguagens como a artística. Por isso, na medida que observamos esse déficit em sala de aula podemos desenvolver ações para mitigá-lo.
Dito isso, o nosso passo seguinte, focando nas turmas de 9° Ano de Ensino Fundamental e 3ª Série do Ensino Médio, foi conhecer e analisar as habilidades em que os estudantes tiveram pior desempenho. A opção por analisar o desempenho dessas turmas especificamente foi porque serão elas que farão o exame (SAEB) que comporá o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do Colégio Esportivo Cívico-Militar Santa Rita de Cássia. Optamos também por fazer essa análise a partir dos dados fornecidos pela plataforma de Avaliação e Monitoramento da Educação do Tocantins (CAED/SAETO).
Em Língua Portuguesa, no 9° Ano do Ensino Fundamental, as três habilidades com menor desempenho foram: H10 – Distinguir fato de opinião (33%); H13 - Reconhecer a presença de valores sociais e éticos (39%); e a H14 - Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos morfossintáticos (30%). Em resumo, podemos dizer que essas três habilidades se relacionam com a leitura de diferentes tipos de textos e sua interpretação. Já em Matemática a situação é um tanto pior. Por exemplo, em relação à habilidade H5 (Utilizar o princípio multiplicativo de contagem na resolução de problema) o desempenho foi de 5%. Em relação a  H19 (Calcular o resultado de uma multiplicação ou divisão de números naturais) o desempenho foi de 6%. Já em relação a H18 (Calcular o resultado de uma adição ou subtração de números naturais) o desempenho foi de 14%. Em resumo, podemos dizer que falta ao estudante a apropriação e aplicação das quatro operações básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão).
Quando vamos para a 3ª série do ensino médio temos uma melhora em Língua Portuguesa. Nenhum estudante teve um desempenho em qualquer habilidade menor que 40%. As habilidades com menor desempenho foram: H9 - Reconhecer o sentido das relações lógico-discursivas em um texto (46%); H1 - Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros (56%); e a H15- Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos morfossintáticos (56%). Em resumo, são habilidades que também se referem a leitura e interpretação. Em Matemática há uma melhora em relação ao Ensino Fundamental. No entanto, em comparação com Língua Portuguesa está bem abaixo. Foram 8 habilidades com desempenho de 40% para baixo. Com destaque para: H13 –Corresponder a representação algébrica e gráfica de uma função polinomial de 2º grau (12%); H14 - Reconhecer a representação algébrica de uma função polinomial de 2º grau a partir dos dados apresentados em uma tabela (20%); e a H4 - Utilizar probabilidade na resolução de problema (24%). Em resumo, utilizar o raciocínio lógico.
Analisando esses resultados ficamos nos questionando o que impede o desenvolvimento dessas habilidades que, a priori, não são nenhum bicho de sete cabeças. Será que de fato o exame a partir do qual temos esses índices expressam de fato o conhecimento dos estudantes? Será que pelo fato de não valer nota o estudante ou a estudante não se dedicam como deveriam na resolução das questões? Certamente existe esse fator. Mas o fato que quando analisamos o desempenho dos estudantes nas provas internas, valendo nota para progressão de ano/série, o resultado não é diferente. Ou seja, de fato esse déficit existe.
Diante disso, como podemos contribuir, a partir da nossa área ou componente curricular,  na recomposição dessa aprendizagem? Cada um deve se esforçar para chegar a uma resposta. Pois acredito que esse caminho é mais rico do que esperar uma receita de um ser iluminado que venha dizer como fazer o nosso trabalho em sala de aula. óbvio que podemos buscar sugestões que contribuam para que desenvolvamos o nosso próprio caminho. E é nesse sentido que compartilho algumas ideias.
Primeiro, defendo que, o ponto fundamental não é qual objeto de conhecimento devo trabalhar. Mas como vou trabalhar determinado objeto para que o estudante desenvolva certas habilidades. Óbvio  que se partirmos de objetos de conhecimento
 relacionados à realidade/interesses do estudante há a possibilidade de uma maior engajamento por parte dele.
Segundo, em Arte, desenvolver exercícios de leitura de imagens e reprodução de 
pinturas clássicas. Em Educação Física exercícios para o desenvolvimento do raciocínio lógico a partir de jogos de tabuleiro. Em Língua Inglesa leitura de texto em Inglês com foco na tese e no argumento. Em Filosofia exercícios de leitura e escrita a partir da perspectiva filosófica. Em Geografia exercícios de elaboração de mapas mentais e representações gráficas. Em História exercícios que explorem diferentes narrativas sobre um mesmo fato (explorar recursos como textos e audiovisual). Em Sociologia exercício de leitura de textos sociológicos com debate em seguida. No Itinerários formativos:  Eletivas: Explorar dinâmicas que fortaleça a formação geral básica fazendo uso de textos, audiovisuais e jogos. Estudo Orientado: Exercícios com análise de questões do Enem, Prova Brasil e Vestibulares. Projeto de Vida: Exercício de Escrita Criativa e confecção de tirinhas. Protagonismo: Discussão sobre valores a partir da leitura de obras literárias.
Para aprofundar um pouco mais acerca dessas sugestões vou trazer o exemplo de uma atividade que geralmente desenvolvo nas minhas aulas de filosofia. Escolho um trecho de um texto filosófico, exponho no quadro escrito de pincel (e falado). Peço para que eles anotem. E em seguida passo um exercício onde eles devem responder no formato de uma dissertação algumas questões: O que diz/defende o filósofo ou filósofa? Qual a diferença dessa perspectiva filosófica para outras? Você concorda com essa visão?Justifique. Esse simples exercício vai exigir do estudante capacidade de leitura, não uma leitura qualquer já que geralmente esses textos trazem conceitos que não são utilizados no dia a dia. O que significa que esse estudante ou essa estudante precisará compreender determinados conceitos para poder compreender o que está sendo enunciado. O segundo passo é relacionar com outras ideias. E por fim exercitar o seu pensamento de forma escrita, se posicionando fundamentadamente sobre determinada ideia. Geralmente a maioria não conseguem entregar aquilo que gostaríamos, mas para nós o exercício em si já é um avanço. Pois quando o estudante se dispõe a pensar sistematicamente certamente há um ganho. Ainda que ele não perceba isso objetivamente.
Mas enfim, eis o que buscamos fazer na formação que fomos convidados a dar para os professores do Colégio Esportivo Cívico-Militar Santa Rita de Cássia, a respeito de como as demais áreas e componentes curriculares podem contribuir para recomposição da aprendizagem a partir dos dados fornecidos pelo Sistema de Avaliação do Estado do Tocantins (SAETO).
Pedro Ferreira Nunes - Professor da Educação Básica na Rede Pública Estadual da Educação do Tocantins.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Filosofia e Literatura

A filosofia e a literatura tem um diálogo bastante profícuo de modo que vemos aí um campo importante de ser explorado na sala de aula. Tendo como fim o estímulo à leitura e consequentemente o pensamento crítico e criativo. Foi essa compreensão que norteou o projeto do qual esse material é fruto.

Nas linhas a seguir poderá ser conferido os textos produzidos pelos estudantes acerca de algumas obras indicadas pelo projeto ou de problemas filosóficos presentes nessas obras tais como a vida, dor, prazer e o conhecimento. 

O projeto funcionava a partir da seguinte dinâmica- uma obra literária era analisada filosoficamente na sala de aula. Posteriormente, nas 2ª séries, o estudante deveria lê-la e produzir um texto sobre essa obra. Já nas 1ª séries o objeto era os problemas filosóficos.

As produções dos estudantes da 2ª série são sobretudo das obras: Os miseráveis, do Victor Hugo. E O canto da carpideira, da Lita Maria. No entanto, ao longo do projeto outras obras foram analisadas, indicadas para leitura e cobradas em questões de provas internas, em diálogo com o projeto Vamos Ler! (área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas). Entre elas destacamos: A mão e a luva, do Machado de Assis. E O cortiço, do Aluísio Azevedo.

Já os textos dos estudantes da 1ª série tiveram como foco os problemas filosóficos das obras literárias indicadas pelo projeto vamos ler!

Acreditamos que ambos os projetos contribuíram para fomentar a leitura bem como o pensamento crítico e criativo. Fundamentais na construção de um projeto de vida que tenha como norte tanto a formação para o trabalho como para o exercício da cidadania. 

Para que a leitura se torne um hábito sabemos que a mesma deve ser estimulada desde a infância, sobretudo pela família. E a partir daí a escola entra ampliando as possibilidades de leitura. Nessa linha é importante o que salienta Zacarias e Passos (2017) ao defender que “a escola deve oferecer uma diversidade de leitura para que o aluno desenvolva suas competências e habilidades e o seu letramento social. Por isso, ela deve proporcionar, não apenas uma variação de gêneros para serem lidos, mas uma variedade de textos em geral.”

Foi isso que buscamos fazer, não sem resistência. Pois estamos inseridos numa cultura em que quem tem o hábito da leitura é uma exceção. E vem piorando nos últimos anos, segundo apontamento da 6ª edição da pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil"- onde mais da metade dos brasileiros declaram não ter lido um livro, seja impresso ou digital, nos últimos três meses anteriores ao levantamento. Nesse contexto, projetos como esse acabam se tornando uma trincheira de resistência, ao estimular a leitura e mostrar sua importância.

Confira a revista com a produção dos estudantes acessando o link:https://drive.google.com/file/d/1-nOE7eUg6MRI1Gj-aWNL7QBP-YmfKwG4/view?usp=sharing

Pedro Ferreira Nunes - Professor da Educação Básica na Rede Pública Estadual da Educação do Tocantins.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O filme o lado bom da vida e os bons encontros, segundo Baruch Espinosa

Cena do filme O lado bom da vida
Quando nos tornamos obcecados por algo ou por alguém ficamos cegos e deixamos de perceber a realidade. E quando deixamos de perceber a realidade a tendência é alimentar ilusões  que nos distanciam das coisas boas. O que fazer para sair dessa condição? A teoria dos afetos do filósofo holandês Baruch Espinoza pode nos ajudar a responder essa questão, sobretudo o que ele define como bons encontros.  Logo o filme estadunidense Silver Linings Playbook (no Brasil intitulado de O lado bom da vida, 2013), dirigido por David O. Russell e estrelado por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. No qual a trama se desenvolve em torno do encontro, ou reencontro, desses dois personagens. Nos ajuda nessa reflexão.

A narrativa começa com Pat Solitano Jr (Bradley Cooper) retornando para casa dos pais - Pat Solano e Dolores (interpretado por Robert De Niro e Jacki Weaver) após uma temporada numa instituição psiquiátrica. Ainda que desconfiados da recuperação do filho, o acolhem. Mas não demoram para perceber que Pat Jr. não está nada bem. De modo que insistem que tome os remédios e não deixe de ir às sessões de terapia. Além de ter sempre por perto a vigilância da polícia. Mas Pat Jr. recusa aceitar que não está bem. E se toma os remédios e vai a terapia é unicamente para não ser mandado de volta para instituição psiquiátrica e a prisão. Mas hora e outra não consegue se controlar e deixa evidente um comportamento agressivo. O motivo de tudo isso - sua obsessão por Nikki (Brea Bee) - sua ex-mulher. Aliás, a traição desta com um colega de trabalho foi o que causou a explosão de violência que o levou para prisão e para o tratamento psiquiátrico. No entanto, ele não vê a hora de retomar o casamento com a ex-esposa. É nesse processo de tentar voltar a rotina e mostrar para Nikki que é outra pessoa que terá o encontro, ou reencontro que mudará sua vida. É num jantar promovido pelo amigo Ronnie (John Ortiz). No qual também comparece Tiffany Maxwell (Jennifer Lawrence), cunhada de Ronnie e ainda num processo de superação do luto pela morte do marido. Nesse encontro percebemos imediatamente uma conexão entre eles. Ainda que essa conexão seja a busca por encontrar um sentido para vida. Ela percebe isso imediatamente, ele, obcecado por Nikki, demorará mais.

Como falamos de início, a obsessão nos impede de ver a realidade - de entender que esta é mutável. Aquilo que acreditávamos ser para sempre. Como diz a bela letra de uma canção do Legião Urbana, composta pelo Renato Russo, “sempre acaba”. Do ponto de vista dos afetos, Espinosa diria que eles se transformam. O que antes era alegria, pode se tornar tristeza. O que antes era amor, pode virar ódio. No entanto, ao não querer encarar a realidade nos iludimos com a possibilidade de voltar ao que era antes.

Um aspecto marcante do filme são as relações familiares. Tanto a família de Pat Jr. como de Tiffany sofrem junto com os filhos. Tentando de toda forma protegê-los. Quase sempre deles mesmos - de suas ações movidas mais pela emoção do que pela razão. Por isso há um receio por parte dos pais do relacionamento deles. Ambos são vistos como instáveis emocionalmente. E realmente são. Como então eles podem ajudar um ao outro? De modo que a preocupação daqueles que estão ao seu entorno não é de todo sem fundamento. Mas o psiquiatra que encoraja a amizade entre os dois consegue enxergar os que os demais são incapazes, encorajando a relação entre eles. O fato é que eles vão se conectando, a priori, pelo interesse de Pat Jr. na promessa de Tiffany em lhe reaproximar de Nikki, e posteriormente pelo amor que surge da convivência. É a partir dessa convivência que ele supera a obsessão pela ex-mulher se permitindo a viver uma nova história.

Há uma frase atribuída ao Baruch Espinosa que expressa a ideia de que não devemos menosprezar os atos das pessoas. Mas procurar compreendê-los. Não é fácil sobretudo quando estamos obcecados por algo ou alguém. Qualquer ação que vai contra aquilo que consideramos correto merece o nosso desprezo. É o que percebemos no início do relacionamento de Pat Jr. com Tiffany. Mas com a convivência vem a compreensão e da compreensão vem o amor - o amor por aquilo que a pessoa é e não pelo que gostaríamos que fosse. 

Na perspectiva espinosana o amor é um afeto alegre que aumenta a nossa potência de agir. Sua causa é exterior a nós. Ou seja, está em outros corpos. Mas o esforço de persistir na existência sim, o qual o nosso filósofo define de conatus. Porém um depende do outro. Nessa linha, Azevedo (2018) a partir do pensamento de Espinosa afirma que: As relações afetivas alteram nosso conatus; assim, tal como o alimento é fonte de energia vital, nossos vínculos também nos alimentam, revigorando a nossa alma. Apetite e desejo nos levam a agir conforme os nossos encontros, ou seja, são determinados pelas afecções que nos chegam das relações externas.

Um dos fatores que provocava afecções tristes, como o ódio, em Pat Jr, fazendo-o se comportar de forma violenta era quando ele ouvia a música que tocou no dia do seu casamento e que era a mesma canção que estava tocando quando sua esposa estava lhe traindo. Já quando dançava com Tiffany era afetado por afecções alegres. Podemos dizer assim que o encontro entre Pat Jr. e Tiffany foi um bom encontro. E o que é um bom encontro? De acordo com Espinosa, são aqueles que aumentam a nossa potência de agir -  que nos permitem perceber nossa condição, dando força para superarmos aquilo que limita a nossa existência. É isso que acontece com Pat Jr. - seu encontro com Tiffany e tudo que acontece a partir daí leva-o a compreensão de que é necessário encerrar um ciclo e iniciar outro. E nesse processo de mudança algumas coisas precisam ficar para trás, incluindo pessoas.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.