quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Resenha: Feliz Natal, um filme dirigido por Selton Mello

- O que é o Natal? Questiona Mérci. Para em seguida fazer um discurso eloquente sobre a importância simbólica da data. Enquanto isso seus familiares a ignoram peremptoriamente. Um a um vai deixando a mesa do almoço e segue para fazer a refeição em outro local. Mostrando o seu desprezo pela figura que se tornou á matriarca da família. 

A cena descrita acima é do filme Feliz Natal (2008) que marca a estreia na Direção do Selton Mello – uma obra que nos propõem uma reflexão sobre esse período de festas – caracterizado como um momento de reunir a família. Pela cena destacada é possível imaginar que essa família – que não é muito diferente de muitas que conhecemos – não tem muitos motivos para celebrar. Trata-se de uma família dilacerada – onde a companhia um do outro tornou-se um fardo pesado. Ainda que apenas por 24h. 

A música, o movimento, a fotografia tudo nos leva para um ambiente de melancolia. Os personagens com seus dramas nos mostra que nem a tal magia do Natal é capaz de curar tudo. Pelo contrário, a realidade se impõe como um punk rock – como um soco no estômago. 

Outra cena que mostra bem o espírito do filme é quando o personagem Caio caminha pela rua e de repente se depara com um rosto conhecido. Ele sai correndo atrás da moça e a encontra num carro que acabara de bater. Ele pergunta a moça se ela está bem. E ela responde que está ótima. E diz que quem não está bem é o cara do outro carro. Quando então ele vai ver, encontra consigo mesmo há alguns anos.

Essa revelação é, digamos, o momento de virada no filme. Desde o início da narrativa percebemos que houve um acontecimento com o Caio que o leva a se afastar da família. Mas é nessa cena que aquilo que todos tentam evitar se revela. Caio surge portanto como o personagem principal do drama – carregando consigo a culpa por ter provocado um acidente automobilístico que tirou a vida de uma jovem. E o levou para um exílio voluntário numa cidade interiorana onde tenta levar a vida longe dos rostos e cenários que o faz lembrar da tragédia. 

O filme inicia com Caio deixando o seu exílio rumo a casa do seu irmão (Theo) para as celebrações do Natal. E o que encontra é uma família em decadência. A mãe (Mérci) alcoólatra e viciada em barbitúricos (interpretada magistralmente por Darlene Glória). O pai (Miguel) viciado em estimulante sexual para dá conta da novinha por quem trocou a esposa. O irmão (Theo) num casamento prestes a implodir e não suportando o peso de carregar a responsabilidade por toda a família nas costas. A esposa do irmão  (Fabi) frustrada com o casamento. Os sobrinhos crescendo á deriva. Em especial o pequeno Bruno.

Além da direção do Selton Mello - que já chega na sua estreia como Diretor de cinema mostrando personalidade. Há que se ressaltar a performance do elenco composto por nomes como Leonardo Medeiros no papel do Caio. Lúcio Mauro como Miguel, Paulo Guarnieri como Theo, Darlene Glória como Mérci, Graziella Moretto como Fabi. Entre outros.

De acordo com Selton Mello,  o filme Feliz Natal foi concebido a partir de coisas que ele ouviu e viu ao longo dos anos durante as festas natalinas. É por tanto um recorte de uma determinada realidade que, talvez por toda uma pressão social que obriga as pessoas a se comportarem de determinada forma – a mostrar uma felicidade que não existe – não se fala tanto. Até por que tristeza não vende muito. Há não ser antidepressivos.

Enfim, Feliz Natal lembra uma canção Belchiorana, mais especificamente a palo seco: “eu quero é que esse canto torto/feito faca, corte a carne de vocês/E eu quero é que esse canto torto/Feito faca, corte a carne de vocês”. Por tanto se você quer relaxar no Natal assistindo um filme – esse não é recomendável. Essa é uma obra para pensar. Pensar por exemplo do quanto de dor e sofrimento há nessa expressão – Feliz Natal – que reproduzimos ano a ano por uma certa pressão social – que nos impele a se comportar de determinada forma. O filme do Selton Mello nos lembra que há dores que não podem ser escondidas, nem mesmo com a “magia natalina”. Se esse é o seu caso não se culpe, sofrendo ainda mais, por não corresponder a expectativa coletiva. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Pelo aumento da carga-horária do Componente Curricular de Filosofia no Ensino Médio

Analisando as últimas edições do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) percebemos uma exigência cada vez maior do conhecimento filosófico para responder acertadamente às questões - tanto específicas a partir de textos filosóficos e problemas clássicos da filosofia. Como as interdisciplinares com outros componentes curriculares da área de humanas e linguagens. Sem falar na redação que na nossa compreensão o tema sempre aborda um problema ético-político.

No entanto, isso vai na contramão da importância que as redes estaduais dão ao componente curricular de Filosofia. Por exemplo no Tocantins, a carga-horária do componente curricular de Filosofia foi reduzido na formação geral básica com sua exclusão das terceiras séries do ensino médio a partir da nova estrutura curricular do Ensino Médio decorrente da aprovação da lei nº 13.415/17. Retornou em 2025 (exceto no ensino médio integrado ao técnico), mas nada garante que não haja retrocesso em 2026 com a implementação da nova estrutura decorrente das alterações promovidas pelo congresso nacional por meio da aprovação da lei nº 14.945/24.

É diante dessa incerteza que a Associação Brasileira do Ensino de Filosofia (ABEFIL) juntamente com outras entidades estão promovendo uma ideia legislativa para que tanto o Ensino de Filosofia como de Sociologia seja obrigatório em todas às séries do Ensino Médio com no mínimo duas aulas. De acordo com as entidades (2025) é “incoerente manter a Filosofia e a Sociologia com carga horária reduzida ou sem garantia mínima semanal.” Com a ampliação da carga horária total do ensino médio, aprovada pela lei nº 14.945/2024 (Novo Ensino Médio). 

Diante disso, as entidades defendem “que ambas as disciplinas sejam obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio regular e profissional, com no mínimo 80 horas anuais, na Formação Geral Básica.” Assegurando assim “o cumprimento da LDB e a garantia de condições adequadas para o desenvolvimento das atividades docentes, das competências previstas na BNCC, como pensamento crítico, argumentação e respeito à diversidade, além de possibilitar uma preparação adequada para o Enem.”

A ideia já conta com o apoio de mais de 12 mil pessoas. No entanto, para que se torne uma sugestão legislativa e seja discutida pelos senadores precisa alcançar 20 mil apoios. Ou seja, não é nada impossível. Nós que atuamos no ensino de Filosofia e de Sociologia devemos nos mobilizar e divulgar a campanha para que haja mais apoios - apoios esses não só de quem atua no ensino de Filosofia e Sociologia. Mas todos aqueles que compreendem a importância do pensamento crítico na educação básica como uma condição sine qua non para construção e fortalecimento da democracia (link para apoiar a ideia: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=210578).

Começamos esse texto falando da incoerência entre o peso da filosofia no principal exame de ingresso no ensino superior do país com a importância que se dá ao ensino de Filosofia pelas redes estaduais de ensino. Isso é um elemento importante a ser considerado ao se discutir a garantia do ensino de Filosofia na formação geral básica em todas as séries do ensino médio, assim como também o aumento da carga horária para 80h anual. O que nós percebemos enquanto professor de filosofia atuando no chão da escola é que os estudantes que se apropriam do conhecimento filosófico acabam se destacando dos demais conseguindo excelentes resultados tanto nas provas internas como nos exames externos.

No entanto, a importância do ensino de Filosofia não se resume ao aspecto instrumental. Nesse sentido gosto bastante de uma entrevista do Filósofo e Professor Paulo Arantes para o programa Realidades (TVU Recife) no qual ele discute os desafios da cidadania no Brasil e ao final fala como a filosofia pode contribuir no processo de construção de uma cidadania plena. Para Paulo Arantes se estudarmos filosofia a partir dos textos clássicos num sentido estrutural vendo como funciona o pensamento de uma mente poderosa como um Aristóteles ou Espinosa, um Descartes ou um Kant. Vendo essas pessoas pensarem, fazendo uso da razão, há uma espécie de educação do discernimento e portanto uma capacidade de separar o verdadeiro do falso. De desenvolver a capacidade argumentativa sem cair em dogmatismos. Mas buscando compreender a engenharia interna da filosofia.

Para Arantes é mais importante compreender como o filósofo ou a filósofa chegou naquela tese, do que concordar ou não com ele. Nessa caminhada você vai educando o seu espírito diante de um espetáculo. Que culmina numa conclusão racional por meio de uma argumentação construída por um discurso racional dos grandes filósofos. Esse movimento leva, de acordo com Arantes, o nosso espírito a se formar criticamente. De uma forma que não percebemos imediatamente o alcance dessa transformação, inclusive no sentido político e social. De modo que após essa caminhada não é possível olhar mais para realidade do mesmo modo. De acordo com as palavras dele “seu espírito e sensibilidade se torna incompatível com a miséria pasmosa em que vive a sociedade brasileira”.

Com isso reafirmamos a importância do ensino de filosofia na educação básica, não apenas como um tema transversal. Mas como um componente curricular na formação geral básica nas três séries do ensino médio, incluindo as turmas de ensino técnico, e com uma carga horária maior. Certamente haverá resistência nesse sentido. Sobretudo porque não é interessante para a classe dominante indivíduos que pensam criticamente e que não se deixam ser manipulados. Mas se conseguirmos mobilizar um setor significativo da sociedade, sobretudo os estudantes, parafraseando uns versos do Neruda, a primavera (vitória) será inexorável.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor no CEMIL Santa Rita de Cássia.

domingo, 30 de novembro de 2025

Precisamos falar do (e ouvir) Edson Gomes

Quando os acordes da banda começam soar a plateia entra em êxtase ao reconhecer nos acordes o que está por vir.  Ele entra no palco apoiado pelo filho. É o tempo passa para todos. Para ele não é diferente. O turbante na cabeça deu lugar a um boné aba reta. Já não usa o casaco militar mas sim uma camiseta preta comum. Não canta mais em pé, mas sentado numa cadeira. No entanto quando começa a cantar a magia acontece. A voz não envelheceu. Canta sem nenhum esforço acompanhado por uma plateia que sabe cada verso de suas canções. Poucos artistas na música brasileira conseguiram esse feito - construir um público que aprecia sua arte sem o apoio dos meios de comunicação de massa. Independente do lugar em que esteja tocando, a reação do público é a mesma. E não estamos falando de um público que vai nos shows por uma conexão nostálgica, mas pessoas de toda idade. Há o registro de uma criança num show em Pernambuco cantando “árvore” a pleno pulmões que é algo contagiante. Se em relação a idade o público de Edson Gomes é diverso, o perfil majoritariamente é de pessoas negras - gente do povo. E é pelo reconhecimento desse povo enquanto cidadão que Edson Gomes canta. Sim, estou falando de Edson Gomes. Talvez você não tenha ouvido falar desse nome. Provavelmente já ouviu alguma música dele cantada por um outro artista. Por isso vamos lá a uma breve biografia.
Baiano de Cachoeira, Edson Gomes nasceu em 1955. Por um tempo dividiu seus sonhos entre o futebol e a música. Com a segunda prevalecendo. Já no início teve o seu talento reconhecido ao ganhar diversos festivais. No entanto, ainda teria que perseverar muito para se tornar um ícone da música brasileira. Deixou sua terra natal, foi trabalhar na construção civil em São Paulo. E depois retornou para Bahia onde construiu uma carreira que o colocou como ícone do reggae music. Fã de Tim Maia. Edson Gomes foi arrebatado pelo ritmo jamaicano que foi popularizado mundialmente por figuras como Bob Marley, Peter Tosh, Jimmy Cliff entre outros. Suas letras que falam de amor, identidade e resistência foram aos poucos construindo um público fiel que o acompanha numa trajetória que já ultrapassou 50 anos de carreira. Edson Gomes está longe do status adquirido por figuras como Gilberto Gil, Djavan, Milton Nascimento e o seu próprio ídolo Tim Maia. Não porque sua arte seja menor, mas porque tal como os Racionais MCs sua música denuncia o racismo estrutural na nossa sociedade sem maquiagem. Como em “barrados no baile” em que retrata um episódio racista sofrido por ele: “ainda ontem no condomínio que moro/uma senhora quando me avistou/apertou a bolsa e ela escondeu sua bolsa/apertou a bolsa/a branca segurou logo a bolsa”. Em camelô, outro dos seus clássicos denuncia a violência policial: quando a polícia cai em cima de mim/até parece que sou fera… Em acorde, levante e lute lembra a classe trabalhadora que as conquistas não caem do céu mas como fruto da luta: tens o direito de ser livre…ninguém nesse mundo pode impedir… porém não espere por esse direito/acorde, levante e lute…” Em árvore nosso artista fala de amor, de comunhão, de cuidado, de valorização: todo santo dia, pois todo dia é santo/e eu sou uma árvore bonita/que precisa ter os teus cuidados. 
Enfim, eu poderia escrever linhas e linhas acerca das suas composições. Mas para o nosso propósito as citações acima são mais do que o suficiente. Melhor do que ler sobre suas canções é ouvi-las na voz dele. Fica então o convite para que o façam. Não indicaria um disco específico. Talvez o ao vivo gravado em Salvador em 2005 onde encontramos uma boa amostra da sua obra. Mas também pode ser qualquer show disponível no youtube das apresentações que ele tem feito nos últimos anos. Eu particularmente gosto de ouvir música ao vivo pois a energia da interação entre artista e público me afeta de uma forma diferente. Pela qualidade dos músicos que o acompanham não há uma perda de qualidade que geralmente há entre um material gravado em estúdio e ao vivo. Os shows são uma verdadeira celebração. Até porque ainda que não se diga é uma despedida. Pois por mais que sua voz continue impecável e ele aparenta ser alguém que se cuida é natural que a medida que a idade avança, ele atualmente tem 70 anos, o fim vai ficando mais próximo.
E é nesse contexto que acredito que precisamos falar de Edson Gomes - um artista negro que incorporou o espirito da reggae music - uma música de resistência as opressões e de celebração da cultura de origem africana. Infelizmente há no Brasil uma seleção (por parte da indústria musical) de quais artistas podem ser considerados relevantes ou não. Para a indústria Edson Gomes certamente não é um artista relevante pois não é conivente com o status cos. Diante disso, celebrar sua arte é uma forma de dizer que não concordamos com isso. Viva Edson Gomes! Viva sua arte! Viva sua filosofia!
Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

- O que tu fizeste da vida? - O que nos tornamos!

Quando nos vimos pela última vez eu era um jovem interiorano sem muita perspectiva. Você já era uma mulher que há pouco tempo havia concluído um curso universitário e estava dando início a carreira profissional. Nos relacionávamos há uns dois anos. Havia amor entre nós. Mas nosso relacionamento não tinha perspectiva de futuro. Eu era uma espécie de porto seguro para onde você ia quando retornava de suas aventuras. Você para mim era a fuga de uma vida medíocre. Mas nem sempre você vinha, pois espírito livre como era não se deixava prender. Eu queria mais do que você podia me dar. Nunca deixei de pensar em você desde então. Não foram poucas as vezes que idealizei um reencontro. Por onde estava? Como estava? De vez em quando ouvia uma conversa sobre você. Eu fingia não dar muita importância para não mostrar meu interesse. Um dia a noite assistindo televisão, quase 20 anos depois da nossa despedida, recebo a ligação de um conhecido perguntando se podia passar meu telefone para você. Não acreditei. Teríamos então o nosso reencontro. Será que seria bom? Autorizei que o meu telefone fosse passado para você e fiquei aguardando o contato. Não foi naquele dia, nem no dia seguinte, nem na semana seguinte. Eu não fui atrás. Quando então do nada recebo uma mensagem. Aquilo mexeu comigo significativamente. Você dizia que queria me encontrar. Eu disse que seria um prazer. Mas algo na sua voz me dizia que talvez não fosse o certo a fazer. Eu já não era mais eu. Você já não era mais você. O encontro não se concretizou, você sumiu. Tempos depois recebo uma nova mensagem. Sua voz estava diferente. Senti vontade de estar com você mas estávamos distante territorialmente falando. No entanto, ainda que por mensagens conversamos como há muito não conversávamos. Falamos da vida, de música, de poesia. Prometemos nos encontrar quando você estivesse melhor. Sim, você não estava bem. Eu não quis saber porque. A não ser que você quisesse falar. Eu queria apenas te acolher sem julgamento. Faria mais se não fosse a distância. Por algumas semanas conversamos quase diariamente. Você dizia me acompanhar pelas redes sociais e tinha orgulho do profissional que eu havia tornado. Já você estava em busca de recomeço e precisava superar alguns vícios. Não estava sendo fácil mas iria conseguir. Fiquei imaginando o que a vida havia feito com você. Como tinha chegado naquela situação? No pouco tempo que estivemos juntos percebi que você coloca a emoção na frente da razão. Como tudo na vida viver assim tem seus aspectos bons e ruins. Saber conviver com isso é o ponto central. Sobretudo porque isso nos coloca em situações difíceis. Óbvio que falo isso porque sou um racionalista irremediável. Você certamente vai me chamar de covarde. Como quando você me chamou para morarmos juntos e não aceitei porque havíamos acabado de nos conhecer e ainda não nos conhecíamos o suficiente para dar um passo tão importante. Hoje com 40 anos estou bem pior. E você parece não ter mudado também. De repente você sumiu novamente. E apareceu 1 ano depois. Nesse tempo, confesso que cheguei a pensar que talvez você estivesse morrido. E que o nosso contato foi uma espécie de conciliação para que morresse em paz. Mas não. Que bom. Fiquei feliz em saber que você estava se tratando e que estava retornando para recomeçar a vida. Precisava de apoio. Que eu era peça importante nesse processo. Eu não podia dizer não para alguém que fora tão importante na minha vida. Ainda sabendo que talvez eu não correspondesse ao que você esperava. Ando bebendo muito, fumando muito. Óbvio que sob controle, creio eu. Pelo menos ainda não afetou o meu trabalho e minhas relações pessoais. Você falou que não tinha importância e a partir daí o nosso reencontro passou a ser questão de tempo já que do ponto de vista territorial estamos próximos novamente. No entanto, novamente algo parece nos afastar. Lembro lá que quando éramos jovens eu gostava de pensar que o nosso relacionamento não havia dado certo porque estávamos em tempos diferentes. E digo isso não em relação a idade mas ao espírito. Lembra daquela música da Legião Urbana? - Agimos certos sem querer, foi só o tempo que errou… De modo que imaginei que quando nos encontrássemos estaríamos no mesmo tempo. Mas vejo agora que não. Nós nos amamos, isso é fato. Mas as nossas perspectivas sobre a vida são opostas. De modo que nunca daria certo entre nós. Diante disso não sei se seria interessante nos reencontrar pessoalmente (presencialmente). Eu já não alimento esse desejo. Não posso dar o que você espera de mim. Talvez um dia nos encontremos por acaso. Ti darei um abraço, trocaremos algumas palavras, desejarei que você fique bem. E partirei de volta para minha vida. Não vou cometer o erro de querer que você se encaixe nela. Você é um espírito livre e jamais vai deixar de fazer o que quer. Eu também jamais abriria mão da minha vida para me encaixar na de outra pessoa. Pois por mais que não pareça, sou um espírito livre também. Enfim, é isso meu bem.

Fique bem.

Pedro Ferreira Nunes - Casa da Maria Lúcia. Lua Minguante. Lajeado -TO. Inverno de 2025.

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Conhecendo o Santa Rita: Educação Antirracista entre os muros da Escola.

Essa foi a temática do podcast produzido por estudantes do CEMIL Santa Rita de Cássia. No qual fui um dos convidados a falar da minha compreensão do que é educação antirracista, das atividades desenvolvidas pela Unidade Escolar a partir dessa temática no corrente ano e de sua importância.

Entre as atividades desenvolvidas pelo Cemil Santa Rita de Cássia está o podcast. Por tanto comecemos por ele. É importante esclarecer que não partiu de nós a sua confecção. Mas da organização da Olimpíada Brasileira de Relações Étnicos-Raciais, Afro-Brasileiras, Africanas e Indígenas (OBERERI) que estabeleceu em edital que a última tarefa para as equipes de ensino médio seria a produção de um podcast. No entanto partiu de nós inscrever e orientar uma equipe na competição.

Anteriormente eles fizeram mais duas tarefas: pensar um projeto sustentável para uma comunidade tradicional no território amazônico afetada por uma crise hídrica. E responder um quiz sobre a temática Africana, Afro-Brasileira e Indígena.

Ressaltando a fala da equipe de estudantes que participaram da OBERERI foi uma experiência enriquecedora que certamente contribuiu para mudança de olhar deles acerca dessa temática.

Desde que ingressei na educação básica como docente tenho procurado trabalhar uma educação numa perspectiva antirracista (Que na minha compreensão está dentro da educação em direitos humanos). Não só desenvolvendo ações em datas específicas como o dia dos povos indígenas e na consciência negra. Mas também no cotidiano da sala de aula. No entanto nesse ano de 2025 é certamente o ano em que mais consegui avançar nesse sentido. A política da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-TO) incentivando práticas antirracista nas unidades escolares da rede pública certamente contribuiu para que isso pudesse se concretizar.

É isso que busquei trazer durante a minha participação no podcast (conhecendo o Santa Rita ).

Ao definir o que é educação antirracista - como um conjunto de práticas pedagógicas de enfrentamento ao racismo.  E a partir daí contribuir com a construção de uma cultura de respeito à dignidade humana do povo negro. Fizemos um relato do que desenvolvemos enquanto escola no decorrer do ano. Entre as ações destacamos a leitura e discussão de autores negros e indígenas. E uma ampla discussão e mobilização para atualização da autodeclaração étnico-racial dos estudantes.

Nas minhas aulas especificamente continuei o movimento de trazer para as aulas de Filosofia textos da bell hooks, Ailton Krenak, Djamila Ribeiro, Angela Davis e Sueli Carneiro. Por coincidência dois desses filósofos (Carneiro e Krenak) caíram na etapa regional e na etapa nacional da Olimpíada de Filosofia (ONFIL). E pelo conhecimento desses pensadores, a partir do que havíamos trabalhado, o nosso representante optou por elaborar um ensaio filosófico sobre a problemática apresentada por eles.

Por tudo que desenvolvemos esse ano ouso dizer que não teremos dificuldade de obtermos o reconhecimento tanto por parte da SEDUC-TO como pela OBERERI, de Escola Antirracista. No entanto temos plena consciência de que ainda temos muito a avançar. Não podemos aceitar com naturalidade, ficar em silêncio ou pior, relevar atitude racista travestida de brincadeiras. Por outro lado não acreditamos que o caminho é a lógica punitivista. Enquanto Educador acredito na educação como instrumento de transformação. De modo que no ambiente escolar devemos buscar estratégias pedagógicas para mudar a cultura racista. Não é fácil. Não será da noite para o dia. Mas não podemos e nem iremos recuar. 

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor no CEMIL Santa Rita de Cássia. 

sábado, 15 de novembro de 2025

Sobre leituras

A leitura entrou na minha vida ainda na infância. Eu diria que até mesmo antes de aprender a ler. Amava ficar folheando os livros vendo as ilustrações. Antes disso ficava deslumbrado com os mais velhos contando estórias no pé de uma fogueira ou de uma lamparina. Não é de se admirar que acabei trilhando um caminho em que a leitura é fundamental - me formei professor de Filosofia. 

Leio de tudo, com exceção de autoajuda e de livros de religião. A formação em Filosofia me levou a leituras mais densas. Mas mesmo antes já me interessava por coisas assim. Lembro de quando li Assim falou Zaratustra, do Nietzsche, pela primeira vez.  Não entendi muita coisa. Isso que já havia lido umas três ou quatro obra desse filósofo (antes de ingressar na graduação em Filosofia). Creio que era mais o estilo e o exercício de criticidade que me atraía. Ainda mais pelo fato de que no ensino médio as leituras que mais me marcaram fora: Vidas Secas (Graciliano Ramos) e Memórias Póstumas de Braz Cubas (Machado de Assis). No entanto mesmo com toda essa carga acumulada ao longo dos anos não significa que absorvo facilmente qualquer leitura. Pelo contrário. 

Fiz questão de ressaltar isso para um estudante que eu estava orientando para Olimpíada Nacional de Filosofia (ONFIL). Passei para ele interpretar um trecho de texto de Filosofia. E ao contrário de outros textos, esse ele estava tendo dificuldade. Quando já estava querendo desisti busquei tranquiliza-lo trazendo o meu exemplo. 

Por muito tempo evitei ler o Capital, do Karl Marx.  Falavam tanto que se tratava de um livro de difícil compreensão que evitei até que me senti preparado. O fato de ter lido outras obras do Marx antes, além de leituras sobre ele e  seu método contribuiu para que a leitura do O Capital fosse compreensível. 

Recentemente finalizei uma dessas leituras densas que a cada página você parece compreender menos. Tratou-se do livro Dar corpo ao impossível: O sentido da dialética a partir de Theodor Adorno. Escrito pelo filósofo brasileiro Vladimir Safatle.

Safatle é para mim uma das principais referências intelectuais brasileira na contemporaneidade. Sempre leio os seus artigos em periódicos como também assisto sua participação em eventos disponíveis na Internet, em podcasts entre outros. Gosto muito da leitura que ele faz da realidade brasileira. No geral são textos acessíveis para o grande público. E nessa linha ele publicou um livro muito bom na minha avaliação - Alfabeto das colisões (que inclusive já escrevi sobre). Além dessa produção acessível, ele tem uma produção mais voltado para academia. Dessa produção a minha leitura é pouca. Já havia lido trechos do Circuito dos afetos que utilizei como referência num artigo de conclusão de minha pós-graduação em Filosofia e Direitos Humanos. Mas foi com a leitura de "Dar corpo ao impossível..." que entrei em contato de forma mais aprofundada com essa produção. 

Lembro que adquiri o livro em 2022, comecei lê-lo em 2023. Não avancei muito. Desisti. Tentei em 2024, não avancei muito. Desisti novamente. Agora em 2025 tentei novamente e consegui concluir. Parafraseando o próprio Safatle num podcast em que ele fala do seu tempo de estudante de filosofia e da dificuldade em compreender algumas aulas.  Não entendi muito coisa. Mas o pouco que entendi deu pra perceber que há muito coisa interessante. 

Como pode ser deduzido a partir do título do livro o objetivo do Safatle é investigar a dialética negativa do Theodor Adorno propondo uma reflexão sobre sua relevância no contexto atual. Para tanto ele apresenta como essa dialética foi sendo desenvolvida pontuando sua diferença com outras perspectivas, por exemplo a Hegeliana. E analisando as críticas feitas à ela. Concluindo trazendo para a realidade brasileira. 

No primeiro momento a obra é bastante teórica. E a cada página que avançamos na leitura ficamos com a sensação de que não estamos assimilando muita coisa. Safatle vai relacionando com outros pensadores tais como Hegel, Marx, Freud. Entre outros. A ideia dele creio que é mostrar que para compreendermos a dialética negativa do Adorno precisamos conhecer minimamente essas outras perspectivas. Além desses há outros autores que ele vai trazendo para conversa hora corroborando, hora rechaçando. No entanto Safatle faz um movimento que torna a leitura mais acessível - ele parte do geral para o particular. Do abstrato para o concreto. Termina falando sobre o Brasil trazendo para conversa filósofos como Paulo Arantes e Bento Prado Jr. fazendo um diálogo com a literatura, sobretudo Grande Sertão: veredas, do Guimarães Rosa e assim saímos da leitura com a ideia de ter compreendido o principal  - a dialética negativa Adorniana continua relevante para quem acredita na superação do que está posto. Será se é isso mesmo? Foi o que compreendi. 

Seguindo para uma conclusão eu diria que Dar corpo ao impossível é uma obra potente. Mas não é para o grande público. Eu diria que nem para um estudante que ainda está na graduação em Filosofia, por exemplo. Em outros cursos então nem se fala. Já para quem está num nível de mestrado e doutorado, e quer compreender como se pensa dialeticamente eis ai uma obra fundamental. Concluo falando que ler bem é um exercício constante. As vezes vamos encontrar aquele livro que a leitura parece incompreensível. Nesse momento é importante dar um recuo e se preparar mais para encará-lo. Isso já aconteceu comigo algumas vezes e sei que outras virão.  Mas querendo a gente consegue. Basta ter disposição para ler, ler e ler. Pois não há receita melhor do que isso para dominarmos a leitura.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Crônicas Aurenyanas: - a mulher sábia edifica a casa?

Quando ela chegou me pareceu não ter mais do que 14 anos. De modo que não pude deixar de questioná-la se era maior de idade mesmo. A reação dela foi bastante reveladora: - quem dera pudesse voltar no tempo que eu tinha 14 anos. Essa frase veio carregada de uma certa tristeza. E não pude deixar de comentar: - sinto que há um trauma aí. Ela então respondeu: - não vou te mentir, se eu pudesse voltar no tempo faria tudo diferente. Lhe ofereci uma cerveja. Ela pareceu ficar mais à vontade. Lembrei das minhas aulas do projeto de vida. Será que ela teve aulas de projeto de vida? Se não ou sim, teria feito alguma diferença? O que teria sido? Vai saber. Ela certamente não se abriria para um completo estranho. Mas ainda ousei perguntar se tinha filhos. Tinha 1. Ela me perguntou: -  E você? Respondi: - sem filhos. - Casado? Questionou-me. Lhe respondi: - Nunca! Ela ficou admirada e perguntou: - me conta o segredo. Se eu pudesse nunca teria me casado. Entendi então que o seu arrependimento era referente á relacionamento. Falando um pouco de mim talvez lhe deixasse mais à vontade para falar de si. Então respondi-a: - Tenho dificuldade de ter que dar satisfação sobre onde vou, o que vou fazer. De modo que prefiro estar sozinho. Sei que estando num relacionamento teria que dar esse tipo de satisfação. Por tanto é melhor assim. E sinceramente estou bem. Ela respondeu entusiasmada: - Nossa, eu estou exatamente assim. Não quero saber de namoro e muito menos casar. Não quero dar satisfação do que vou vestir, para onde vou, o que vou fazer. Questionei-a então: - Foi por isso que seu casamento não deu certo? Ela respondeu: - Ele tinha muito ciúmes de mim. E eu ia aguentando. Havia toda uma pressão da minha família para que eu não terminasse. - Quantos anos você tinha? - 14 anos. - Nossa, muito nova. Mas continua. Ela então continuou a narrativa: - Tinha aquela história de que a mulher sábia edifica o lar. Mas como? Eu tentava. Juro que tentava. Mas a cada dia o ciúmes dele só piorava. No final acabou da maneira mais besta possível. Um dia eu estava na porta de casa e uns meninos iam passando e um me perguntou as horas e respondi. Ele ia chegando na hora e disse que eu estava dando “moral” para os meninos. Tentei argumentar de todas as formas. Ele dizia que não acreditava. Que só não havia acontecido algo porque ele havia chegado. Ai para mim, deu! Falei pra ele que era o fim. De início ele não aceitou. Ficou um bom tempo no meu pé mas por fim viu que tinha acabado mesmo. Eu disse para minha família. Mulher sábia. Foda-se mulher sábia. Eu não sou uma mulher sábia. Ao final do relato sorri. Eu sabia bem de onde vinha aquele discurso de que a mulher sábia edifica o lar. Só esquecem de dizer que para edificar o seu lar elas têm que abrir mão da sua existência. Não faltam exemplos de mulheres que sacrificaram a vida ou bons anos dela por esse ideal. Ela cada vez mais relaxada continuou se abrindo: - no início é aquela maravilha. Depois eles querem ser seu dono. Esse é um ponto que sempre me incomodou nos relacionamentos tradicionais - a ideia do outro como um objeto a seu dispor. Numa sociedade dominada pelo homem, como bem salienta Simone de Beauvoir no seu clássico “o segundo sexo”, esse outro que é transformado em objeto é a mulher. Continuamos a conversar como se nos conhecêssemos há tempos. Comigo ela sentiu a vontade para falar o que certamente não seria bem aceito em qualquer lugar. - minha mãe vive dizendo que do jeito que eu vivo, nunca vou arrumar outro marido. E quem disse que eu quero. Disse ela. Eu então comentei. - não sou a melhor pessoa para dar conselhos acerca de casar ou não casar. O problema é que quase sempre as pessoas se deixam levar pela paixão (emoção) e não demora o relacionamento fracassar e os dois começarem a se odiar. Eu acredito que é preciso pensar bem antes de dar um passo nesse sentido. Quando vem um filho, tudo se complica. Eu odiaria ter tido um filho com uma mulher e não está criando ele hoje. Por isso não me arrependo de forma alguma de nunca ter casado e nem ter tido filhos. - Você tem toda razão. Ela me disse. Nesse meio tempo já tínhamos tomado umas 5 cervejas. Era hora d´eu ir embora. Então me despedi. Ela respondeu dizendo que tinha sido um prazer conhecer alguém como eu. Quem sabe um dia não voltássemos a nos encontrar. Não pedi o telefone dela, ela não pediu o meu. Por isso se voltássemos a nos encontrar seria obra do acaso. Como fora o nosso encontro naquela tarde de domingo naquele bar. Melhor assim. Pois se trocássemos telefone seria criar algum vínculo. E nem eu e nem ela estava querendo isso. Escrevo essas linhas algum tempo depois do acontecido. Já não me lembro do rosto dela. Não sei se visse ela na rua a reconheceria. Mas a nossa conversa ficou na minha cabeça. Não porque foi uma conversa extraordinária. Pelo contrário. É uma história ordinária. Não é nada difícil encontrar num bar de qualquer cidade uma jovem mãe solo que traz na sua bagagem a memória de um relacionamento que deixou marcas. Não as julgo por estarem ali. O que sinto é que não aprenderam muito. No fundo elas esperam encontrar o príncipe encantado prometido. Certamente não será num bar que encontraram. Nem muito menos numa igreja onde serão levadas a acreditar que a edificação do lar é unicamente de responsabilidade delas.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior.