A cena descrita acima é do filme Feliz Natal (2008) que marca a estreia na Direção do Selton Mello – uma obra que nos propõem uma reflexão sobre esse período de festas – caracterizado como um momento de reunir a família. Pela cena destacada é possível imaginar que essa família – que não é muito diferente de muitas que conhecemos – não tem muitos motivos para celebrar. Trata-se de uma família dilacerada – onde a companhia um do outro tornou-se um fardo pesado. Ainda que apenas por 24h.
A música, o movimento, a fotografia tudo nos leva para um ambiente de melancolia. Os personagens com seus dramas nos mostra que nem a tal magia do Natal é capaz de curar tudo. Pelo contrário, a realidade se impõe como um punk rock – como um soco no estômago.
Outra cena que mostra bem o espírito do filme é quando o personagem Caio caminha pela rua e de repente se depara com um rosto conhecido. Ele sai correndo atrás da moça e a encontra num carro que acabara de bater. Ele pergunta a moça se ela está bem. E ela responde que está ótima. E diz que quem não está bem é o cara do outro carro. Quando então ele vai ver, encontra consigo mesmo há alguns anos.
Essa revelação é, digamos, o momento de virada no filme. Desde o início da narrativa percebemos que houve um acontecimento com o Caio que o leva a se afastar da família. Mas é nessa cena que aquilo que todos tentam evitar se revela. Caio surge portanto como o personagem principal do drama – carregando consigo a culpa por ter provocado um acidente automobilístico que tirou a vida de uma jovem. E o levou para um exílio voluntário numa cidade interiorana onde tenta levar a vida longe dos rostos e cenários que o faz lembrar da tragédia.
O filme inicia com Caio deixando o seu exílio rumo a casa do seu irmão (Theo) para as celebrações do Natal. E o que encontra é uma família em decadência. A mãe (Mérci) alcoólatra e viciada em barbitúricos (interpretada magistralmente por Darlene Glória). O pai (Miguel) viciado em estimulante sexual para dá conta da novinha por quem trocou a esposa. O irmão (Theo) num casamento prestes a implodir e não suportando o peso de carregar a responsabilidade por toda a família nas costas. A esposa do irmão (Fabi) frustrada com o casamento. Os sobrinhos crescendo á deriva. Em especial o pequeno Bruno.
Além da direção do Selton Mello - que já chega na sua estreia como Diretor de cinema mostrando personalidade. Há que se ressaltar a performance do elenco composto por nomes como Leonardo Medeiros no papel do Caio. Lúcio Mauro como Miguel, Paulo Guarnieri como Theo, Darlene Glória como Mérci, Graziella Moretto como Fabi. Entre outros.
De acordo com Selton Mello, o filme Feliz Natal foi concebido a partir de coisas que ele ouviu e viu ao longo dos anos durante as festas natalinas. É por tanto um recorte de uma determinada realidade que, talvez por toda uma pressão social que obriga as pessoas a se comportarem de determinada forma – a mostrar uma felicidade que não existe – não se fala tanto. Até por que tristeza não vende muito. Há não ser antidepressivos.
Enfim, Feliz Natal lembra uma canção Belchiorana, mais especificamente a palo seco: “eu quero é que esse canto torto/feito faca, corte a carne de vocês/E eu quero é que esse canto torto/Feito faca, corte a carne de vocês”. Por tanto se você quer relaxar no Natal assistindo um filme – esse não é recomendável. Essa é uma obra para pensar. Pensar por exemplo do quanto de dor e sofrimento há nessa expressão – Feliz Natal – que reproduzimos ano a ano por uma certa pressão social – que nos impele a se comportar de determinada forma. O filme do Selton Mello nos lembra que há dores que não podem ser escondidas, nem mesmo com a “magia natalina”. Se esse é o seu caso não se culpe, sofrendo ainda mais, por não corresponder a expectativa coletiva.
Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.






