sexta-feira, 20 de junho de 2025

Perspectivas filosóficas acerca da Guerra

Existe alguém que está contando com você/ Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra/Não é ele quem vai morrer

Legião Urbana 


Nos últimos anos acompanhamos com apreensão conflitos bélicos de grande proporção que ameaçam toda a humanidade. Estaríamos à porta de uma terceira guerra mundial? Os episódios que acompanhamos dia a dia pelos meios de comunicação parecem nos dizer que essa é inevitável. Sobretudo num contexto em que a política caminhou para os extremos e a capacidade de dialogar e buscar consensos parece ter se perdido. A guerra seria inevitável? Para responder essa pergunta é interessante conhecermos algumas perspectivas filosóficas acerca da guerra. Antes comecemos por definir o que é a guerra.

Álvaro Nunes (2015) define a guerra como “conflitos entre comunidades políticas que pretendem governar ou influenciar o governo de um território.” Para explicitar melhor essa definição peguemos o exemplo do conflito entre Rússia e Ucrânia. O governo anterior ucraniano era pró Rússia. Após um levante popular houve uma mudança com a ascensão de um grupo pró Ocidente. A partir daí, teremos, sobretudo devido à localização territorial desses países, a série de episódios que levará a um conflito bélico. Ou seja, a perda de influência do governo Russo sobre o governo Ucraniano, e as possíveis consequências dessa perda de influência levaram a guerra. Um aspecto importante que leva ao conflito não é a perda de influência em si. Mas o fato de que essa influência será exercida por outro país - que tem seus próprios interesses.

Outro exemplo são os golpes militares com o apoio (financiamento) de determinados países. Para dar um exemplo mais concreto não precisamos ir longe. Só lembrarmos do apoio do governo estadunidense à ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). No caso do conflito entre Israel e Palestina o objetivo é governar um território.

A partir daí podemos inferir que a guerra faz parte da dinâmica da luta por hegemonia política. As consequências são catastróficas com a perda de milhares de vidas e a expulsão de outros tantos dos seus territórios. Mas isso parece não pesar na balança daqueles que decidem entrar num conflito bélico, bem como daqueles que os apoiam. O que nos faz questionar: as guerras são necessárias? Álvaro Nunes (2015) defende que, pelas suas consequências, a guerra se torna um dilema moral. E na tradição filosófica temos três correntes: o realismo, o pacifismo e a teoria da guerra justa (justum bellum). Conheçamos um pouco de cada um, a começar pelo realismo.

O aspecto fundamental do realismo é a separação entre ética e política. Ou seja, o governante não deve pautar suas decisões a partir da moral. Ainda mais se tratando de política internacional onde prevalece o interesse do mais forte. Se Israel quer expandir suas fronteiras e tem força para tanto, que importa que alguns Palestinos tenham que perder suas casas ou serem exterminados?

De acordo com Álvaro Nunes (2015) para os realistas “nas relações entre estados, a única regra que conta é a do “direito do mais forte à liberdade”. Qualquer outra regra é contrária aos interesses dos estados e, por isso, não deve nem pode ser tida em conta. A única política correcta nas relações internacionais é a “realpolitik”.

No que consiste a realpolitik? Nada mais do que a compreensão que a política deve ser feita a partir das coisas como são e não como gostaríamos que fosse. Ou seja, a política deve ser feita como uma resposta à realidade. E a realidade mostra que os mais fortes são aqueles que agem de acordo com seus interesses. Que o diga os Estados Unidos (EUA).

A corrente seguinte é o pacifismo - que é o oposto do realismo - ou seja, defende a relação intrínseca entre ética e política. Nesse sentido para os pacifistas todas as guerras são imorais. De acordo com Álvaro Nunes (2015), para os pacifistas, “seja por razões de princípio seja devido às consequências que dela resultam, a guerra é sempre incorrecta.” A expressão dessa corrente é a posição do então Papa Francisco contrário à guerra (posição mantida pelo Papa Leão XIV). E do movimento pró Palestina representado por Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila.

Já a corrente seguinte busca fazer uma síntese entre as duas anteriores. Defendendo que nem todas as guerras são imorais. Denominada de teoria do justum bellum defende o direito de um Estado ou um povo se defender diante de uma agressão. Um exemplo nesse sentido seria a reação do Irã aos ataques de Israel. Ou da Ucrânia em relação à Rússia. Ou ainda de Israel aos ataques do Hamas.

No entanto, para ser considerado uma guerra justa é necessário o respeito a alguns critérios. Não vamos nos aprofundar sobre isso. Apenas passar superficialmente em alguns pontos. A começar pelo Jus ad bellum que estabelece quais os critérios que o governante deve seguir: 1- causa justa; 2- Reta intenção; 3- Autoridade apropriada e declaração pública; 4- Último recurso; 5- Probabilidade de sucesso; 6- Proporcionalidade. A partir daí podemos questionar se os exemplos anteriores (Irã x Israel, Ucrânia X Rússia, Israel x Hamas/Palestina) podem mesmo ser considerados guerras justas. Já o Jus in bello se refere ao que deve ser levado em consideração durante a guerra: 1- Obedecer a todas as leis internacionais sobre armas proibidas; 2- Separação e imunidade dos não-combatentes; 3- Proporcionalidade; 4- Prisão benévola para os prisioneiros de guerra; 5- Não se pode utilizar meios que são maus em si mesmos; 6- As represálias são proibidas. Também a partir desses critérios podemos questionar se as guerras em cursos são justas. Por fim temos a Jus post bellum que se refere a fase final da guerra: 1- Castigo aos violadores das regras estabelecidas; 2- Compensação; E 3- Reabilitação.

De acordo com Álvaro Nunes (2015) “a teoria da guerra justa não visa justificar ou impedir a guerra quaisquer que sejam as circunstâncias. Não é um cheque em branco nem um cartão vermelho. A teoria da guerra justa é antes um instrumento que permite aos decisores políticos e àqueles que têm a responsabilidade de conduzir a guerra tomar decisões de acordo com um conjunto de regras que visam garantir a correcção dessas decisões, ao mesmo tempo que permite aos cidadãos em geral apreciar a correcção das decisões tomadas.”

A questão é quem arbitra esses conflitos? E quem aplicará as penalidades aos que infringir? Por mais que existam esses órgãos como o Tribunal Penal Internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU). Na prática não funcionam.

Enfim, a partir do que vimos podemos responder a nossa questão acerca da possibilidade de não haver guerras. A história nos mostra que não. Diante disso o ideal seria então a guerra justa. Mas o que tem prevalecido é a perspectiva realista - onde prevalece o interesse do mais forte. Inclusive na construção da narrativa hegemônica de que a justiça está ao seu lado. Como lembra uma canção da banda Legião Urbana: “Deus está do lado de quem vai vencer".

Por Pedro Ferreira Nunes - Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins e Mestre em Filosofia pela UFT.

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