Ao camarada Fernando
O discurso do presidente Jair Bolsonaro e do seu ministro da Educação – Abrahan Weintrab contra os cursos de humanos, especificamente Filosofia e Sociologia, bem como a afirmação de que os jovens devem ter uma formação mais técnica e não se envolver com política revela o seu caráter anti-filosófico (ainda que um dos principais influenciadores do seu governo se autodenomina de filósofo e o seu ex-ministro da Educação também é oriundo dessa área). Para entender por que o presidente e seus seguidores tem um discurso anti-filosófico compreendamos no que consiste a anti-filosofia.
Eis uma das características da anti-filosofia – achar que está pensando pela própria cabeça quando na verdade está reproduzindo o pensamento do outro. Marx há muito tempo atrás já chamava atenção para esse problema ao falar da alienação – um processo onde o individuo perde o centro de si mesmo. Marcuse ao retomar essa temática na segunda metade do século XX, chama atenção para o domínio de uma racionalidade tecnológica que busca suprimir os antagonismos de classes, introjetando valores e criando falsas necessidades. Diante disso é importante salientar o que Kant dizia sobre a necessidade dos indivíduos saírem da minoridade. Para tanto é necessário pensar por si mesmo – o que segundo ele – muita gente não o faz, por entre outras coisas: comodismo, covardia, preguiça e medo.
Eis ai mais um ponto que caracteriza a anti-filosofia – o discurso que busca convencer os cidadãos a acreditar que a filosofia é algo desnecessário ou coisa de esquerdista buscando doutrinar os jovens e destruir os valores da família. Sendo assim, ela deve sumir da grade curricular de ensino e ser substituída pela educação profissional técnica. Pois afinal de contas por que perder tempo com uma disciplina que promove o pensamento ao invés de focar na formação de mão de obra barata para o mercado? Pensar significa a possibilidade de se libertar da alienação, se libertar da alienação significa pensar com a sua cabeça e pensar com a sua cabeça é muito perigoso para a classe dominante. Daí que essa classe dominante não mede esforços para fazer da filosofia e dos filósofos (os dignos desse nome), inimigos.
Para anti-filosofia questionar é um ato de desordem, de subversão. Desse modo aqueles que ousarem merecem ser reprimidos, presos, torturados e até eliminado – como Sócrates. A anti-filosofia não precisa de indivíduos autônomos, mas seguidores. Pois seguidores não questionam apenas seguem ordens. É a partir dessa lógica que compreendemos a divisão entre cidadão de bem e o que seria um mau cidadão – cidadão de bem é o que não questiona, vive a vida em paz não se metendo nos problemas políticos, já o mau cidadão é aquele que questiona, que cobra, que incomoda aqueles que querem manter as coisas tal como estão.
O bom senso para anti-filosofia é aceitar a opressão e a exploração sem questionar. Se você se rebela, protesta, luta pelos seus direitos é considerado um vândalo – um criador de problemas. E como tal será tratado pelo status quo. Portanto seja um “cidadão de bem”, aja com bom senso, fecha os olhos para ás injustiças cometida contra quem quer que seja. Não se meta em conflitos e não deixe de agradecer e rezar que a sua recompensa virá quando você morrer.
É esse tipo de discurso que fundamenta a defesa de uma educação tecnicista ao invés de uma educação humanista. A idéia consiste em afirmar que a prática é mais importante que a teoria, colocando-as em pólos opostos. Para Lênin esse é um dos traços mais repugnantes da moral burguesa – a separação entre teoria e prática. Tal separação contribui para manutenção da dominação da classe hegemônica. Sobretudo ao limitar o acesso ao conhecimento das classes subalternas. Esse discurso de que “para vencer na vida, vale mais a prática do que a teoria” esconde no fundo a idéia de que o conhecimento é para alguns poucos privilegiados.
Sendo assim o melhor modelo de educação é a bancaria, que segundo Paulo Freire, é aquela em que “a educação se torna um ato de depositar”. E sendo um ato de depositar os educandos são meros depositários e o educador o depositante. Ainda de acordo com Freire “na visão bancária da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão”. Logo se vê que se trata de uma educação autoritária ou unidimensional como diria Marcuse. O educador não pode problematizar o conteúdo que está sendo trabalhado e o educando muito menos deve questionar.
Por tanto seja um individuo acomodado. Afinal de contas as coisas são assim, sempre foram assim e sempre serão assim. Ora, o que pode você, uma gota d água num imenso oceano, fazer? Nada, não é mesmo?! E se você ousar pode ser perseguido, pode perder algum privilegio e ainda assim nada mudará. Pelo contrário, pode até piorar pra ti. Não percebe o infeliz, que é exatamente esse tipo de postura que faz com que as coisas pareçam impossíveis de mudar.
O que importa se camponeses pobres são assassinados nos rincões do Brasil na luta por reforma agrária? Que índios são expulsos de suas terras? Que jovens negros estejam sendo exterminados nas periferias das grandes cidades pelas mãos da polícia? O que tenho haver com assassinatos de LGBTT´s? Com o avanço do agro e do hidronegócio destruindo os biomas naturais? Com pessoas submetidas a regime de trabalho análogo a escravidão? Com o governo retirando direitos dos trabalhadores? Com verbas da saúde, educação e cultura sendo desviadas para o ralo da corrupção? Diante de tudo isso, você nada sabe, nem viu e muito menos ouviu, não é mesmo?!
A partir dessa caracterização do que seria a anti-filosofia, analisem vocês mesmos por que dizemos que o discurso de Jair Bolsonaro e seus seguidores é anti-filosófico, e tirem a suas próprias conclusões da lógica e da conseqüência desse tipo de discurso.
Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.
*Referência: Introdução à Filosofia – A anti-filosofia. Universidade Católica de Pernambuco. Subsídios didáticos – fascículo I. Recife – 1984, p. 9.