quarta-feira, 3 de abril de 2019

Joh: O andarilho

Joh nascera no sul do país, na capital – Porto Alegre. Rebelou-se na adolescência quando o seu pai – um advogado – queria obrigá-lo a seguir sua carreira. No entanto não era isso que Joh queria. Ele odiava a cultura do ‘tu deves’. Tu deves fazer isso, tu deves vestir isso, tu deve ler isso, tu deve assistir isso, tu deve ouvir isso, tu deve estudar isso. Não, Joh não queria nada daquilo que sua família queria lhe impor, que a igreja queria lhe impor, que a escola queria lhe impor, que a sociedade capitalista queria lhe impor.

Foi assim que um dia Joh conheceu um velho hip que vinha do Peru e de passagem por Porto Alegre apresentou-lhe uma nova perspectiva de vida. Viver desbravando o mundo com uma mochila nas costas – conhecendo novos lugares, novas pessoas, novas culturas. Tendo consigo apenas o necessário para viver. 

Foi então que Joh decidiu jogar uma mochila nas costas e pegar a estrada rumo a lugares desconhecido. Tinha 18 anos, ao contrario de fazer o que o seu pai queria, isto é, entrar na universidade para cursar direito. Ele decide realizar um sonho que tinha desde criança, desbravar todo o seu país, do Sul ao sudeste, depois seguindo para o centro-oeste, indo para o nordeste enfim se embrenhando pelo norte brasileiro. E depois ultrapassaria as barreiras do seu país caindo nos caminhos da “maiúscula América latina”.

Joh sabia muito bem que não era prudente revelar para os seus pais o seu projeto de vida. Pois muito provavelmente seria taxado de louco. Afinal de contas era sempre assim que era chamado quando dizia a eles o que pensava. Por tanto era melhor partir sem falar nada para ninguém, apenas deixou um pequeno bilhete comunicando a seus pais de sua decisão. A decisão de viver a vida aventureira que sempre sonhara.

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Queridos velhos

Sei que tudo que querem de mim, é pensando no meu bem. No entanto nunca se perguntaram o que eu queria. O que eu achava. Não, nunca buscaram estabelecer o mínimo de dialogo comigo. Apenas estabeleciam o que achavam ser melhor para mim, e eu simplesmente tinha que fazer. Novamente afirmo, sei que tal pratica sempre foi pensando no meu bem. Mas acredito ter idade e discernimento o suficiente para decidir o que de fato é bom para mim. Sei que não me compreenderam. Chamaram-me de louco, mas não peço que concordem, apenas que respeitem a minha decisão. 

Vou fazer o que devia ter feito há muito tempo, seguir o meu caminho, fazer o que sempre sonhei e quis fazer. Vou vagar por ai com uma mochila nas costas, descobrir esse país tão incrível que muito pouco conheço – conhecer novos lugares, novas pessoas, novas culturas. Levando comigo apenas o necessário para sobreviver, e quando algo me faltar, sei que contarei com a caridade desse povo humilde e hospitaleiro que é o povo brasileiro. 

Não se preocupem se acaso eu nunca mais os ver, saiba que eu os amei muito, tal como a meus irmãos. E que acima de tudo morri feliz por esta fazendo o que gosto. Mas é claro que espero um dia revê-los e abraçá-los ternamente.

Do seu filho rebelde,

Joh
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Ao ler a carta de Joh seus pais não puderam conter o choro, mas já não podiam fazer nada, só após uma semana de sua partida é que Joh mandou a carta falando de sua partida. Por tanto ele já estava bastante longe de Porto Alegre, da casa dos seus pais. Agora era rezar para que pudesse um dia ver o filho retornando novamente para casa. 

Os primeiros dias foram muito duros, sobretudo para o pai de Joh que não parava de pensar o quanto tinha sido exigente com ele. Além de Joh o casal tinha mais dois filhos, estes ao contrario de Joh, seguiram o desejo dos pais. Estudaram direito e ambos tornaram se advogados como o pai.

Joh era por tanto a ovelha negra da família, era o caçula também, por tanto seu pai pensava agora. – Devia ter pegado mais leve com ele, não obrigar a fazê-lo o que não queria. Como gostaria de vê-lo agora, lhe abraçar e lhe pedir desculpa por tudo. Mas era tarde, quem sabe um dia não teria essa chance.

Pedro Ferreira Nunes, in A Ilha dos Espíritos.

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