“O Homem é muito forte quando se contenta com ser o que é, e é muito fraco quando deseja erguer-se acima da humanidade”.
Jean-Jacques Rousseau
A obra foi escrita entre 1757 e 1762 e alguns estudiosos especulam que a motivação de Rousseau teria sido um certo remorso pelo fato de ter abandonado os cincos filhos que teve com a sua companheira – Thérèse Levasseur. O fato é que quando da sua publicação em Paris no ano de 1762 a obra não teve uma boa recepção pela classe dominante da época – e quem lê-lo verá que não foi sem motivo – Rousseau não poupou críticas – especialmente aos governos, a igreja e as famílias ricas. A partir daí não é de se admirar que o parlamento francês sentenciasse a queima do livro em praça pública e o nosso filósofo se visse em maus lençóis ameaçado de prisão.
É, Rousseau é mais um exemplo de que aquele que sai da caverna e retorna para trazer a luz aos que ali ficaram nem sempre é bem recebido.
Mas se em vida o seu Emílio lhe trouxe mais desventuras do que venturas. Após sua morte a sua obra foi ganhando cada vez mais relevo, tendo inegavelmente influenciado nos processos revolucionários que levaram a ascenção da burguesia. E no campo educacional então, se tornou e continua sendo uma referência mais de 250 anos após sua publicação – um exemplo é a sua presença nos cursos de formação de professores – eu particularmente tive contato com essa obra no meu curso de graduação em Filosofia na UFT.
E pensar que quando da sua publicação fora desprezado pela academia.
Mesmo com uma escrita acessível semelhando a um romance – o que contribui para que a leitura flua mais rapidamente – “Emílio...” não é um livro que se lê numa única sentada. Para se ter uma idéia, numa edição da editora Martins Fontes (2014) são mais de 700 páginas. No entanto não digo isso apenas pelo número de páginas. Ora, se o formato se assemelha a um romance, não se pode perder de vista que se trata de uma obra filosófica – com conceitos filosóficos que não dispensa um dicionário de filosofia para uma maior compreensão do que o filósofo está propondo.
Além disso, o ideal é que antes de ler o “Emílio...” o leitor tenha lido o “discurso sobre a desigualdade entre os homens”. Isso contribuirá por demais para que o leitor compreenda a concepção que Rousseau tem do homem e da natureza – concepção que determinará a sua perspectiva educacional.
Só pude fazer isso depois que concluí o curso de graduação em Filosofia, pois a dinâmica da vida acadêmica com uma aula de uma disciplina diferente a cada dia – cada uma com suas leituras e seus trabalhos – não nos permite se dedicar a uma obra dessas de forma aprofundada. Primeiro me dediquei ao estudo das três primeiras partes para um trabalho de assessoria. Depois decidi lê-lo todo pelo prazer da leitura – que só é possível verdadeiramente quando você faz de forma descompromissada. E dessa leitura descompromissada veio a ideia de escrever esse texto – que também é para mim um exercício prazeroso – sobretudo quando não se é necessário seguir as regras academicistas.
Dito isso gostaria de destacar alguns pontos que me ocorreram durante a leitura. Não se trata de uma análise aprofundada, mas de algumas questões que possa estimular quem não leu a obra a lê-la. Trata-se de um clássico – e ai está o primeiro ponto que destaco – ler esse livro nos faz compreender o verdadeiro significado da palavra clássico – como algo que ultrapassa o seu tempo pela capacidade singular de permanecer atual. O que só é possível quando se vai na raíz do problema.
Outro ponto é que não se deve ler o “Emílio...” em busca de respostas para os problemas do campo educacional que enfrentamos na contemporaneidade. Ora, não estamos falando de um manual, mas de uma obra filosófica de um pensador que se propôs a refletir um determinado problema, numa determinada realidade. Óbvio essa reflexão pode nos ajudar a pensar a educação na atualidade, mas desde que não percamos de vista de que não se trata de um modelo a ser copiado. Se há algo para ser copiado de Rousseau (ou de qualquer outro filósofo) não é tanto a sua perspectiva filosófica, mas a sua atitude filosófica, isto é, a sua postura questionadora em relação ao estabelecido.
Nessa linha ouso dizer que talvez o grande legado do “Emílio...” não é tanto a perspectiva educacional que o filósofo defende ali, mas o exemplo de alguém que parou para refletir criticamente sobre a educação num determinado contexto e a partir dessa reflexão propôs uma transformação profunda das práticas pedagógicas daquela sociedade. Se cabe a nós segui-lo de alguma maneira é através desse exercício – refletir sobre a educação na atualidade e a partir daí se necessário propor mudanças.
A perspectiva educacional de Rousseau pode nos ajudar nesse processo de reflexão acerca da educação na contemporaneidade. Mas, mais no sentido de nos ajudar a levantar questões e não tanto de dá repostas. No entanto, o que me parece é que a abordagem que se dá ao “Emílio...” (sobretudo nos cursos de formação de professores) é um tanto manualesca – busca-se na obra, respostas para os problemas que enfrentamos no campo educacional hoje. Respostas que não encontraram não só no “Emílio...” mas em livro nenhum.
Essas respostas virão da realidade por parte dos professores e outros profissionais que estão vivenciando o dia a dia do ambiente escolar.
Outro ponto que enfatizaria a respeito do “Emílio...” é que ao final da leitura me pareceu muito mais um livro de ética do que uma obra pedagógica. É interessante que Rousseau num dado momento escreve que as pessoas se enganaram em relação “A República” do Platão ser uma obra política, para ele trata-se de uma obra pedagógica. Não sei se algum especialista na obra de Rousseau levantou esse questionamento (não fiz nenhuma pesquisa para saber) mas para mim talvez seria mais interessante estudar o “Emílio...” mais da perspectiva da ética do que da pedagógica. Pois o filósofo foca mais na formação moral do indivíduo do que qualquer outra coisa. E nesse processo de formação a família é a base.
Enfim, de qualquer modo “Emílio ou Da educação” é uma obra que merece ser lida – ela trás importantes reflexões sobre a nossa condição humana – e nos ajuda a refletir sobre as consequências de nos afastarmos dessa condição. Sobretudo por que tendemos a nos tornar indivíduos fracos e submissos.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.
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