– Herança dos bandeirantes, meus filhos. Herança dos bandeirantes. Nos disse um velho Krahô – um ancião lúcido e sábio, que nos acolheu na sobra daquela gameleira.
O velho Krahô nos contou que antes das bandeiras chegar naquele território por volta do século XVII, seu povo vivia livre, dividindo o espaço com outros povos. Então aquele povo estranho, liderado por um anhanguera (Diabo Velho), o famoso Bartolemeu Bueno da Silva, invadiram o território matando e aprisionando indígenas e se apossando das minas de pedras preciosas. Nos livros de história Bartolemeu é celebrado como o fundador de Goiás. Ele partiu em 1682 de São Paulo (as bandeiras eram sobretudo de origem Paulista) em busca da famosa mina dos Goyazes e decidiu fixar moradia ali. Os Bandeirantes são celebrados por terem sido importante na expansão e interiorização do território brasileiro. Mas lembrando de uma canção do Belchior: - quanto aos índios que mataram, ninguém pode contar... E continuam matando, nos lembra o velho Krahô.
No século XVIII, nos conta o velho Krahô, esse território era visto pelos não-indígenas apenas como uma região dentro das minas dos Goyazes – uma visão que mudou com a descoberta de minas por aquelas bandas. Com isso o território passou a ser cobiçado e veremos o surgimento dos primeiros arraiais. Sobretudo entre a década de 1730 a 1740, por exemplo, Natividade e Almas (1734), Arraias e Chapada (1736), Pontal e Porto Real (1738) entre outros. Temos assim o povoamento do território por não-indígenas, sendo esses na sua grande maioria de negros, utilizados como mão de obra escrava. E por brancos, formados pelos mineiros, mas também de pobres em busca de riquezas. De modo que a população daqueles arraiais era heterogênea.
No auge da exploração das minas de pedras preciosas temos uma presença maior do poder Imperial. Mas não se engane, não era com políticas para o desenvolvimento da região, mas de controle, para evitar o desvio do ouro e outras pedras preciosas extraídas das minas. Entre essas medidas estava a proibição de abertura de novas entradas e o fechamento dos rios para navegação. Outra medida também foi a criação de casas de fundição. Ainda nessa linha, foi criado a superintendência das Minas de Goiás, tendo como seu primeiro superintendente Bartolomeu Bueno da Silva. Então a cobiça leva ao declínio do garimpo e a pobreza é o que resta. Situação que não mudou desde então, a não ser para alguns privilegiados, nos lembra o velho Krahô.
Com o declínio dos minérios os arraiais entram em decadência. A partir daí, por uma questão de sobrevivência, a agropecuária surge como uma alternativa necessária. Sua expansão, por um lado permitiu a sobrevivência econômica da região, sobretudo com a navegação dos rios, permitindo a circulação de mercadorias e o desenvolvimento de um comércio local. Por outro, levou a um domínio ainda maior dos territórios indígenas. Legando a nós, lembra o velho Krahô, pequenos territórios onde fomos aldeados. E vivemos na miséria, sitiados por todos os lados pelo agronegócio.
Natividade se consolidou como município, com seu povoamento por não-indígenas datando de 1734. No mesmo ano é datado o povoamento de Almas. Depois em 1738 tivemos o surgimento de Porto Nacional e Monte do Carmo. Ainda no período da mineração tivemos Arraias (1740), Paranã e Dianópolis (1750). No século XIX, influenciado pela agropecuária e pelo comércio as margens do Rio Tocantins vemos o surgimento de Pedro Afonso (1845), Tocantinópolis (1852), Ponte Alta do Bom Jesus (1850), Araguatins (1868) e Taguatinga (1855). Já no século XX, a construção da BR-153 (Belém-Brasília) propiciou o surgimento de cidades como Araguaína, Gurupi, Guaraí, Paraíso e Miranorte.
O Velho Krahô nos conta que a história desse território é marcada por conflitos. Mas nos livros estão registrados apenas aqueles que se refere a criação do Tocantins. Como por exemplo, ainda no século XVII (1761) o surgimento da ideia de criação de duas comarcas para facilitar a administração do imenso território. Dois momentos importante nesse sentido se deu em 1804 com criação da comarca de São João das Duas Barras tendo como ouvidor D. Francisco de Assis Mascarenhas. E cinco anos depois, 18 de Março de 1809, a criação da Comarca do Norte, tendo Joaquim Teotônio Segurado como ouvidor. A partir daí ocorreu vários conflitos para que a comarca tivesse cada vez mais autonomia em relação a capitania de Goiás – conflitos que se intensificaram com a luta pelo fim do Império e instalação da República. Mas sem êxito.
Só no Século XX, sobretudo na sua segunda metade, é que esse movimento vai ganhar força novamente. E embalado pelo espírito de mudança que marcava a politica nacional com o Movimento das Diretas Já – culminando com o fim da Ditadura Cívil-Militar e a elaboração de uma Nova Constituinte, é concretizado a divisão do Estado do Goiás e a criação do Estado do Tocantins. José Wilson Siqueira Campos, então Deputado Federal, apresentou o projeto de criação do novo Estado (alicerçado num movimento da sociedade civil organizada, sobretudo de uma elite local e dos estudantes universitários) na Câmara dos deputados. O projeto foi aprovado no mesmo dia na subcomissão dos Estados na Assembléia Nacional Constituinte. E assim, no artigo 13 do ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição, em 05 de outubro de 1988, nascia o Estado do Tocantins. Em 15 de novembro é realizada a eleição dos primeiros representantes Tocantinenses. Em 1989, na cidade de Miracema (capital provisória) foi instalado o governo com a posse do governador José Wilson Siqueira Campos e seu Vice Darci Martins Coelho.
E aqui chegamos, diz o velho Krahô. Eles nunca nos enganaram com a promessa de progresso. Nossos territórios foram surrupiados, muitos dos nossos parentes foram assassinados, mas continuaremos resistindo até o último de nós. Não tínhamos dúvida do que dizia aquele ancião. Depois daquela verdadeira aula, jogamos as mochilas nas costas, montamos na moto e seguimos viagem. Com a bênção daquele velho Krahô. Ainda tínhamos alguns bons quilômetros para percorrer até Porto Nacional onde participariamos de uma famosa Feira Literária. Depois seguiriamos viagem conhecendo as serras gerais e alguns sítios rupestres na região. Daí então retornariamos para nossas casas em outro Estado.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular.
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