terça-feira, 25 de outubro de 2022

Mulheres na Filosofia: Um relato de experiência da disciplina Tópicos Especiais em Filosofia e seu Ensino

Nós que temos uma formação em Filosofia sabemos o quanto a presença das mulheres, enquanto filósofas é negligenciada. É verdade que isso tem mudado nos últimos anos. Sobretudo diante do espaço que as mulheres têm ocupado em cargos de docência. Mas o fato é que ainda estamos falando de exceção. Durante minha experiência enquanto graduando em Filosofia não fui apresentado a importantes contribuições das mulheres no campo filosófico. Lembro-me apenas de ter estudado alguma coisa de Hannah Arendt, Martha Nussbaum e Chantal Mouffe. Ora, se não somos introduzidos a história das mulheres na Filosofia, como iremos trabalhar o ensino de Filosofia a partir de uma perspectiva mais plural?

É diante desse contexto que ressaltamos a importância do tema Mulheres na Filosofia a partir de uma perspectiva de gênero trabalhado na disciplina de tópicos especiais em Filosofia e seu ensino – uma oportunidade de diminuir o déficit acerca dessa temática e a partir daí ter mais subsidio para desenvolver, nas aulas de Filosofia no contexto da educação básica, o pensamento de Mulheres filósofas sobre diversos temas, em especial a condição da mulher na nossa sociedade – uma condição de invisibilidade e violência. E ninguém melhor para ministrar essa disciplina de que uma filosofa - a Professora Solange Aparecida de Campos Costa – integrante do Grupo de Trabalho Filosofia e Gênero da Associação de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) e que atua como docente na Universidade Estadual do Piauí (UESPI), no Mestrado Profissional de Filosofia (PROFI-FILO) na Universidade Federal do Tocantins entre outros.


No plano de curso, disponibilizado pela Professora Solange, pudemos ver o objetivo da disciplina Tópicos especiais em Filosofia e seu ensino. Entre eles encontramos: “Analisar historicamente mobilizações em prol dos direitos das mulheres e a inserção dos debates de gênero; Analisar o gênero como construção sócio histórico e cultural; Pensar as relações de gênero como possibilidade de uma educação para equidade, prevenindo contra preconceitos e discriminação, com respeito a alteridade e as identidades culturais; Refletir criticamente sobre os estudos de gênero como subsídio para a construção de uma educação emancipatória.” O que seria desenvolvido a partir da apresentação e discussão acerca de diferentes pensadoras, algumas mais conhecidas (pelo menos para mim) como é o caso da Simone de Beauvoir, Silvia Frederici Ângela Davis e bell hooks e outras nem tanto como Gerda Lerner, Françoise Vergès e  Lélia Gonzalez. As aulas ocorriam na quarta-feira, dás 19h ás 21h, pelo Google Meet.


O que poderia ser um fator limitante para o debate, o fato de ocorrer de forma remota não trouxe grandes prejuízos para o desenvolvimento das aulas. Pelo contrário, o tempo parecia insuficiente pelos debates que eram suscitados durante a exposição da professora Solange. Confesso que minha posição era mais observar e absorver tudo que estava sendo passado, sem fazer grandes intervenções. Não que as aulas não instigassem questões, mas na maioria das vezes me sentia satisfeito com as discussões postas pelos colegas. As discussões fomentadas durante as aulas foram tantas que logo percebemos que o plano do curso não seria alcançado na sua totalidade, sobretudo em relação as autoras abordadas – uma aula era insuficiente para abordar a riqueza de pensamento das autoras selecionadas pela Professora Solange, por mais que o seu objetivo era introduzir a temática.


Desse modo ao longo das aulas, das 10 pensadoras previstas, conseguimos chegar na quarta. Dessas apenas a Michelle Perrot ainda não havia ouvido ou lido sobre. Já a Simone de Beauvoir, Silvia Federici e Ângela Davis, sim. E inclusive lido alguma coisa. No caso de Beauvoir e Davis, já havia até abordado em sala de aula – obvio, de forma bastante superficial, dado a minha falta de conhecimento sobre a temática e a obra dessas autoras. Lamento não ter tido tempo de termos estudados as demais pensadoras que estavam no plano de curso, no entanto o material disponibilizado na forma de texto dessas autoras, certamente será importante para que façamos esse estudo de forma individual e que isso possa refletir nas nossas aulas.


Do ponto de vista individual não tenho nenhum problema quanto a isso. Pelo contrário, acredito ser bastante sensível quanto a essa temática, como também a inserção do pensamento feminino no Ensino de Filosofia. No entanto, não posso dizer que eu tenha o domínio suficiente para desenvolver discussões nesse sentido de forma adequada. No entanto, é certamente uma limitação que pode ser superada. E disciplinas como essa desenvolvida no Mestrado Profissional de Filosofia, contribuem para tanto. No entanto, insuficientes. O que exige da nossa parte, uma busca constante para continuarmos nos aprofundando na discussão acerca da Filosofia e Gênero.


Durante as aulas da disciplina Tópicos Especiais em Filosofia e seu ensino. É difícil destacar uma única pensadora que tenha me chamado atenção. Na verdade, todas trouxeram questões importantes que nos ajuda a compreender a luta histórica das mulheres pelos seus direitos. Simone de Beauvoir, por todo o seu pioneirismo não poderíamos deixar de citar. O incomodo que o seu pensamento causa numa sociedade ainda demasiada machista, mostra a sua importância. Para além da frase emblemática: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Há um grito em defesa da liberdade da mulher, um chamamento a sua organização e luta pelos seus direitos. O desafio que Beauvoir elenca no seu “Segundo Sexo” (1949), isto é, como encontrar a independência no seio da dependência, continua atual.


É importante reconhecer que muito se avançou nesse sentido, no entanto muito aquém do necessário. Quando abrimos o noticiário diariamente e vemos os casos de violência que as mulheres são submetidas percebemos o quanto ainda temos que avançar. E levando em consideração que a violência física é apenas a parte mais visível de uma condição de invisibilidade a qual a mulher foi e continua sendo submetida ao longo da história, nos faz questionar se houve avanço mesmo. E ainda mais, se é possível esse avanço nos marcos de uma sociedade capitalista. Nesse sentido a contribuição da Silvia Federici nos parece fundamental ao pontuar que o modo de produção capitalista em última análise, é mais prejudicial a mulher. Se há uma condição de exploração na sociedade capitalista, de uma classe sobre outra, como apontou Marx, a mulher é certamente quem dá uma conta maior de sacrifício para manutenção da ordem dominante. A ousadia da Michele Pirrot de escrever a história das mulheres a partir da perspectiva de uma mulher deve ser enfatizada. Pois certamente, não seria mesma coisa se essa história fosse escrita por um homem. Na verdade, a história, majoritariamente, é escrita a partir do ponto de vista masculino, e o que se vê é que a mulher, quando aparece, desempenha um papel de submissão. Por fim, não poderíamos deixar de destacar a contribuição da Ângela Davis, trazendo a perspectiva da mulher negra, pois quando olhamos para situação de violência a qual a mulher é submetida, a mulher negra e indígena certamente está numa situação ainda mais degradante. Daí toda a importância que a Ângela Davis trás sobre os direitos reprodutivos – num contexto em que se tem debatido a questão do aborto, com avanços em alguns lugares (Mexico) e retrocessos em outros (EUA), eis uma questão que não podemos deixar de fazer por medo de visões moralistas, influenciadas por dogmas religiosos. O fato é que vivemos numa sociedade extremamente desigual, onde as mulheres, sobretudo as negras, são colocadas numa situação que não vem alternativa senão abortar uma criança pela falta de perspectiva em garantir o mínimo de condições de sobrevivência a essa criatura.


Enfim, acredito que a disciplina Tópicos Especiais em Filosofia e seu ensino, me proporcionou, ainda que de forma introdutória, a discussão de Gênero a partir da perspectiva da Filosofia. Me proporcionou um contato mais aprofundado com autoras que eu já conhecia e temáticas importante quanto a condição da mulher na nossa sociedade. Acredito que mesmo não tendo conseguido abordar todas as pensadoras proposta no plano de curso, a professora Solange, alcançou os objetivos que haviam sido propostos. Entre eles, no meu caso destacaria, a reflexão crítica sobre os estudos de gênero como subsídio para construção de uma educação emancipatória. Ora, não podemos falar em educação emancipatória, inviabilizando a importante contribuição das mulheres na construção do conhecimento. 

 

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


*Trabalho apresentado a disciplina de Tópicos Especiais em Filosofia e seu ensino (sob a Orientação da Professora Solange Aparecida de Campos Costa), do Mestrado Profissional de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – UFT. 



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