sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Algumas palavras sobre o livro: Pesquisas e práticas em Ensino de Filosofia a partir do PROF-FILO

Quem atua com o ensino de Filosofia no chão da escola muitas vezes se sente desamparado pela falta de material didático que atenda a realidade da sala de aula. Diante disso ter uma obra com a sistematização de pesquisas e práticas desenvolvidas a partir do ensino de Filosofia na educação básica é certamente uma iniciativa importante. Esse é o caso do livro organizado pelos Professores Doutores: Paulo Sérgio Gomes Soares e José Soares das Chagas. A partir de trabalhos desenvolvidos no Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO).

Os organizadores são professores do Núcleo da Universidade Federal do Tocantins (UFT) do Programa de Mestrado Profissional em Filosofia. Quanto aos trabalhos são de estudantes egressos do programa, juntamente com seus orientadores. São trabalhos que foram desenvolvidos em Estados como Paraná, Pernambuco, Piauí e Tocantins. E que apresentam possibilidades de práticas pedagógicas a serem desenvolvidas tanto no ensino fundamental como médio. Assim como reflexões sobre o ensino de Filosofia e pesquisas desenvolvidas na área.

O relato das práticas desenvolvidas na sala de aula de diferentes contextos nos faz refletir acerca da nossa própria realidade. E certamente contribuem para que repensemos a nossa prática docente. O mais importante nessas pesquisas desenvolvidas é que as professoras-pesquisadoras e professores-pesquisadores não tentam nos empurrar uma fórmula de como desenvolver o ensino de filosofia. Muito pelo contrário. O que fica de mais importante é a atitude de tentar responder aos problemas que perceberam a partir da realidade em que estão inseridos. Ressaltando inclusive os limites que o sistema nos impõe. Sobretudo em relação a uma carga-horária mínima - carga-horária essa que não raramente é afetada por atividades imposta de cima para baixo pelas secretarias de educação. Além da dificuldade de engajar criaturas que acreditam que “sabem tudo”. Inclusive que, na sua visão limitada, o estudo escolar é coisa supérflua. Ainda mais quando esse estudo, no caso da filosofia, exige entrega - sair na nossa zona de conforto.

O livro é dividido em capítulos. E cada um contém o relato de uma pesquisa desenvolvida. Ao todo são 10 capítulos em que no geral percebemos uma forte influência da concepção de um ensino de Filosofia a partir da tradição francesa. Inclusive os três primeiros capítulos que abrem a obra tem como principal referência teórica Michel Foucault: 1- Orientação Sexual na Escola: Desafios filósofos na perspectiva de Michel Foucault (Romulda M. F. Vieira e Christina Lindberg); 2- Loucura, Saber-poder em Michel Foucault e o filme Bicho de Sete Cabeças: Uma proposta para experiência filosófica no ensino médio (Marcella Aparecida Schiavo Trava e Stela Maris da Silva); 3- “O que passou não conta?” A Filosofia e o ensino de Filosofia enquanto atitude - Limite referências Foucaultianas (Marcella Aparecida Schiavo Trava e Stela Maris da Silva). Os dois capítulos seguintes (4 e 5) trazem uma nova perspectiva. Tentando romper com a filosofia clássica: 4- Dessacralizar para filosofar desafios, rupturas e possibilidades da Filosofia na Educação Brasileira (Eusébio A. de Oliveira e Cristiano Dias Silva); 5- A Escola dos sonhos - conhecimento ancestral transmitido pelas palavras dos espíritos animais (Adriane C. dos Santos e Roberto Amaral). E eu ousaria dizer que são os dois textos mais interessantes juntamente com o 6 e o 7: 6- Imagens que pensam: O stop-motion como estratégia para explorar a presença das imagens técnicas na sociedade (Aline Aquino Alves e Leon Farhi Neto); 7- Música e oficinas pedagógicas no ensino de Filosofia em uma escola da educação básica na SEDUC-PI (Akyciel S. Farias e José Soares das Chagas). O 8 não traz nenhuma prática desenvolvida em sala de aula. Limita-se a uma reflexão sobre o ensino de Filosofia: 8- O ensino de Filosofia como uma questão filosófica (Heros Falcão Araújo e José Soares das Chagas).  O 9 também não traz nenhuma prática desenvolvida em sala de aula. Mas revela um fato interessante - a desigualdade de gênero no campo da pós-graduação em Filosofia assim como as pesquisas desenvolvidas: 9- PROF-FILO entre 2018 e janeiro de 2022: Notas para pensar as pesquisas sobre ensino de Filosofia (Bárbara N. Honorato Sousa e Pedro Gontijo). O capítulo 10, o capítulo que encerra o livro, também não traz um relato de uma prática desenvolvida em sala de aula. Mas um relato de experiência sobre a produção de uma espécie de wikipédia de Filosofia: 10- Wiki de ensino de Filosofia do sertão filosófico: um relato de experiência (Gabriel Kafure da Rocha e Emival Tibúrcio Silva).

Além das possibilidades que as pesquisas e práticas apresentadas neste livro oferecem aos professores e professoras que atuam no ensino de Filosofia. É também uma evidência da importância desse programa de mestrado profissional. E aqui temos apenas uma pequena amostra já que o PROF-FILO está em todo o Brasil.

Para finalizar, recomendo a leitura de Pesquisas e práticas em Ensino de Filosofia a partir do PROF-FILO (2025, EDUFT), disponível gratuitamente na versão ebook pela editora da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Também recomendo a conhecerem o programa de mestrado e porque não se aventurar em cursá-lo. Posso dizer a partir da minha vivência no curso que é certamente um divisor de águas na nossa formação. E consequentemente na nossa atuação enquanto docente em sala de aula.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

domingo, 5 de outubro de 2025

Tocantins: Qual o futuro de um Estado que não valoriza seus professores?

Domingo, 05 de outubro de 2025. Acordei vendo as celebrações acerca do aniversário de criação do Estado do Tocantins. As postagens que celebram as belezas dessa terra não me afetaram de alegria. Pelo contrário. Pois me ocorreu o seguinte pensamento: Qual o futuro de um Estado que não valoriza seus professores?
Esse pensamento é fruto do movimento que realizamos essa semana, direcionados pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação do Tocantins (SINTET-TO), reivindicando o envio do novo plano de cargos, carreiras e remuneração (PCCR) dos professores para a Assembleia Legislativa do Tocantins e posterior sanção do governador. O que pudemos perceber a partir do relato da conversa que o sindicato teve com o atual secretário da Educação -  Hercules Jackson Moreira Santos - é que o atual governo não tem isso como uma das suas prioridades. Aliás, o perfil escolhido pelo governador em exercício - Laurez Moreira - para comandar a SEDUC já é um indicativo disso.
Não há justificativa para que a proposta elaborada por uma comissão (incluindo representantes da categoria dos professores) e discutida em encontros não seja encaminhada para a assembleia legislativa para que ali possam ser feitas as discussões e modificações que se acharem necessárias. O que não dá é para ficar segurando numa gaveta atrasando assim a sua efetivação.
É preciso enfatizar esse ponto pois o discurso do governo em exercício é de que a proposta está sendo estudada. Me desculpe, mas isso é nos tratar por ingênuos. Por mais que compreendamos que a proposta não foi elaborada pela gestão atual. E portanto entendemos à cautela. Mas em 30 dias de governo não ter sequer um cronograma concreto que indique quanto tempo irá demorar esse estudo e a previsão de envio para a assembleia legislativa é inaceitável. 
Ora, nós não concordamos integralmente com a proposta do novo PCCR. Mas compreendemos que era melhor chegar a um denominador comum com o governo e fazer as propostas de melhorias na assembleia legislativa - onde o governo também terá a oportunidade de defender seu ponto de vista.
Fortalecer a luta pela aprovação de um novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) dos Professores da Rede Pública Estadual do Tocantins
Valorizar a carreira do magistério sobretudo na educação básica é fundamental para vislumbrarmos a melhoria do ensino. Pois em que pese todo o avanço tecnológico a presença de uma professora ou professor na sala de aula é condição fundamental para um aprendizado significativo. No entanto, não são muitos aqueles que se dispõem a seguir essa carreira. 
Por um lado temos todo um discurso de criminalização do fazer docente sob a justificativa de que estes fazem doutrinação nas escolas a serviço de uma determinada ideologia. Por outro, temos a precarização das condições de trabalho, o excesso de afazeres burocráticos, assédio - tanto por parte dos chefes imediatos como de pais e estudantes, por fim, mas não menos importante a desvalorização salarial. 
Nesse contexto, não é de se admirar que nossa categoria seja uma das que têm os maiores índices de afastamento do trabalho por doenças relacionadas à saúde mental, ou melhor dizendo, a falta dela. Levando inclusive alguns colegas a atitudes mais drásticas como o suicidio.
Para nós não há alternativa senão resistir - nas escolas e nas ruas reivindicando a valorização da nossa carreira e melhores condições de trabalho. Resistir não por nós apenas. Mas pela construção de outra sociabilidade - em que a solidariedade se sobreponha ao egoísmo dos regimes neoliberais - uma sociedade em que o Estado não seja um instrumento para o enriquecimento ilícito dos seus governantes enquanto os governados sobrevivem na miséria.
Diante disso respondemos o nosso questionamento inicial da seguinte forma: não é possível vislumbrar um Estado justo sem a valorização dos seus professores. Pois se são eles que tem a missão de educar entre outros para o exercício da cidadania e para o trabalho. Como esperar que eles façam isso com excelência se não lhes dão condição para tanto?
Por outro lado, não podemos deixar de lembrar aqui no Darcy Ribeiro quando disse que o dito fracasso da educação brasileira é na verdade um projeto para manter as coisas tal como estão. Nesse sentido não é interessante para o governo, a não ser como retórica, lutar para melhorar a educação. Até fazem isso superficialmente, mas sem valorização de quem está na sala de aula nada muda. E isso é bom para quem está no poder, não é mesmo?
Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Resenha: O livro Filosofia através do cinema - uma década de ensino

A educação (seja ela de nível básico, técnico ou superior) tem como finalidade formar os indivíduos para o exercício da cidadania e para o trabalho. Nesse processo não é possível abrir mão dos conhecimentos historicamente constituídos, sobretudo o filosófico. No entanto, é preciso que os conceitos filosóficos sejam trabalhados na perspectiva da práxis. Nesse sentido, uma relação com a arte, sobretudo com o cinema e a literatura é uma estratégia importante. É nessa perspectiva que caminha o projeto de extensão Filosofia, Cinema e Literatura da Universidade de Gurupi (UNIRG). Do qual a obra em questão (Filosofia através do cinema - uma década de ensino) é fruto.

Organizada por Edna Maria da Cruz Pinho, Joel Moises Silva Pinho e José Carlos de Freitas (2020) e publicado pela editora Veloso (Gurupi). A obra apresenta uma coletânea de ensaios e artigos analisando do ponto de vista da filosofia (e das ditas ciências humanas) algumas obras cinematográficas exibidas e debatidas durante 10 anos de projeto. Ao todo são 16 textos que articulam filosofia e cinema. Só para citar alguns filmes destacamos: Estômago (Brasil, 2007), Machucca (Chile, 2004), População 436 (EUA, 2006), Okuribito (Japão, 2008). Quanto às referências filosóficas temos um desfile de pensadoras e pensadores que ao longo da história deram importante contribuição para compreensão da natureza humana e das relações sociais. Só para citar alguns: Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Durkheim, Nietzsche, Heidegger, Hannah Arendt, Freud, Foucault, Byung Chul Han entre outros.

No texto de abertura (Luz, Câmera… Filosofia através do cinema: uma década de ensino), o Professor Gilberto Correia da Silva faz um resgate histórico do projeto. Quando iniciou - num contexto de greve dos docentes - capitaneado pelo sindicato dos professores (APUGSSIND). Portanto, como uma atividade mobilizadora da comunidade acadêmica. E posteriormente a sua institucionalização como um curso de extensão ofertado pela universidade (UNIRG). Silva (2020), com documentos, apresenta cada edição realizada, os filmes exibidos, as discussões e os convidados que compuseram as mesas de discussão. Bem como o impacto na formação dos participantes e na comunidade em geral.

Ao longo do texto do Professor Gilberto Correia da Silva como também dos demais, a gente consegue perceber a potência do projeto. A relevância das discussões que se desenvolveram em torno da temática dos direitos humanos. E o quanto isso certamente contribuiu para a formação de uma consciência crítica dos participantes. É possível a partir da leitura de cada texto sentir a riqueza das mesas e da contribuição de cada debatedor. Riqueza essa que temos acesso através da publicação dessa obra celebrando 10 anos de projeto.

Outro aspecto que gostaria de destacar é o quanto os textos despertam em nós o desejo de assistir os filmes. Mesmo aqueles que por ventura tenhamos assistido. 

Um terceiro ponto é que os textos refletem o espírito do tempo em que foram escritos - o contexto pandêmico e o governo de Jair Messias Bolsonaro - em que houve um desmantelamento das políticas de direitos humanos e o desprezo a vida de grupos específicos como negros, indígenas, mulheres e LGBT…

Entre os textos que mais me provocaram reflexão destacaria IRONWEED: A sábia loucura narra a nossa modernidade (Eduardo Sugizaki e Marcos Eduardo Sugizaki). Além de bem escrito, os autores articulam muito bem o filme, derivado de um livro do escritor estadunidense William Kennedy, com o pensamento de filósofos como Nietzsche e Foucault. As diferenças e similaridades entre o livro e o filme também é abordado. De modo que percebemos um exercício estético por parte dos autores. Logo em seguida temos De o caminho para casa, de Zhang Ymou, para ser e tempo, de Martin Heidegger: um breve exercício de fenomenologia-hermenêutica sobre o significado da morte (Gabriel Henrique Dietrich). De forma bastante didática o autor nos apresenta os principais conceitos heideggeriano a partir do seu clássico Ser e Tempo em diálogo com o filme chines que trabalha a questão da finitude humana. O poder competente: vidas sujeitadas e empoderadas no filme Estômago (José Carlos Freitas). Merece destaque. Ainda que tenha me parecido que o autor estava mais preocupado em mostrar o seu conhecimento de diversos pensadores que trabalham o conceito de poder. Melhor seria se tivesse focado em apenas um, por exemplo, o Byung Chul Han. De modo que temos um texto mais extenso do que deveria. Já o problema do artigo Sobre escravidão: algumas matrizes filosóficas e religiosas que auxiliam na naturalziação da degradação humana (Paulo Henrique Costa Mattos), ainda que muito rico e bem escrito, me pareceu fugir do objetivo do livro (inclusive me pareceu que é um livro dentro do livro, extenso em demasia). Aliás, ele pouco articulou com uma obra cinematográfica. Se dedicou mais a apresentar uma breve história da filosofia a partir da temática da escravidão. De todo modo, é um artigo que me provocou importantes reflexões. Por fim, ainda destacaria o texto Filosofia da diferença: homossexualidade, homoerotismo e homofobia (Ruy Tadeu Costa Ribeiro) que a partir de filmes como Milk - a voz da igualdade e Orações para Bobby discute questões como representatividade e preconceito sofrido por essa comunidade. Sobretudo diante de uma conjuntura política de ataques aos direitos humanos e a normalização de preconceitos operado pela religião.

Enfim, tanto a obra como o projeto, a partir do qual ela é fruto. Mostra o potencial da relação entre filosofia e cinema no processo de ensino-aprendizagem. Por tanto que essa iniciativa possa continuar e inspirar mais ações nesse sentido que, certamente, contribuem para formação e fortalecimento de um pensamento crítico em território tocantinense.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Aischrí Pólis ou Não me representa!

Imagine que você foi eleito deputado federal e que na posse fez o seguinte juramento: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". No entanto, surge uma proposta de emenda constitucional (PEC) que vai na contramão do seu juramento. Pelo contrário, ao invés de promover o bem geral, cria privilégios. Ao invés de fortalecer a soberania nacional, enfraquece-a. Agindo eticamente qual seria sua posição?

Eis aí um exemplo de exercício que gosto de desenvolver nas minhas aulas de filosofia. Por meio do qual busco que o estudante tenha uma compreensão mais aprofundada do problema que está sendo objeto de investigação. Para tanto, nada melhor do que colocá-lo para pensar a partir de uma situação real - onde ele consiga perceber a dimensão prática dos conceitos filosóficos estudados.

Faço uso desse recurso aqui para refletirmos sobre a aprovação na Câmara dos deputados da chamada PEC da Blindagem com o voto favorável de forma unânime da bancada tocantinense. A proposta aprovada daria ao legislativo federal, e extensivamente aos legislativos estaduais e municipais o poder de decidir se um parlamentar investigado poderia ou não ser julgado pela justiça. Ninguém definiu melhor a proposta aprovada do que o deputado federal Nicolas Ferreira (PL) - ao defender a proposta justificando uma suposta perseguição política por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). No seu estilo irônico ele afirmou que queria ser blindado mesmo. E que a justiça quisesse processar algum parlamentar deveria ter o aval do legislativo. Será que parlamentos Brasil afora (congresso nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores) teriam competência (e independência) para fazer tal avaliação?

Reflitamos sobre isso fazendo o seguinte exercício a partir de um filme brasileiro baseado em fatos reais - Vidro fumê (2024) que entre as histórias narradas está a da personagem Miriam (Mari Oliveira) uma jovem negra ativista cultural que sofre assédio sexual por um político corrupto e é chantageada e ameaçada para ficar em silêncio. Imaginemos uma situação dessa. A vítima decide denunciar mas como se trata de uma parlamentar para que o processo avance é necessário que os nobres pares do deputado autorize. No entanto, essa autorização é negada com a justificativa de armação ou perseguição. Imagine que essa vítima seja você ou alguém da sua família. Como você se sentiria?

Analisemos uma situação mais concreta. Atualmente o governador do Tocantins (Wanderlei Barbosa) está afastado do cargo por determinação judicial. Nesse mesmo processo nada menos do que 10 deputados são investigados. Imagine se a tal lei estivesse em vigor. Esses parlamentares poderiam ser blindados pelos seus pares para que não houvesse nenhum tipo de punição como perda de mandato e, quiçá, prisão.

Não precisa de mais argumento para compreendermos o absurdo que aqueles que votaram a favor da proposta fizeram. Eles mesmos tinham consciência desse absurdo ao aprovar o voto secreto. Um detalhe importante é que muitos dos que votaram na proposta defendem ou defendiam o voto impresso nas eleições. Alguém tem alguma dúvida de qual interesse estes parlamentares defendem?

Você que está lendo essas linhas deve está se questionando onde quero chegar já que a proposta foi arquivada pelo Senado Federal após ter sido rejeitada unanimemente na Comissão de Constituição e Justiça. E portanto não tem mais possibilidade de entrar em vigor. Esse posicionamento por parte dos senadores é certamente reflexo da reação da opinião pública que de forma contundente, inclusive com manifestações de rua, se posicionou contrário ao projeto votado na câmara dos deputados. Muitos entenderam, voltando ao nosso exercício inicial, que votar favoravelmente em tal proposta seria agir de forma não ética.

Vamos então ao nosso ponto. Ou seja, aonde quero chegar. Para tanto vou propor mais um exercício. Imagine. Em 2026 é ano eleitoral e os atuais deputados federais (em especial os tocantinenses que votaram por unanimidade), ou algum cabo eleitoral em seu nome, irá pedir o seu  voto para reeleição. Você votaria num candidato que se posicionou contrariamente durante o seu mandado aquilo para o qual foi eleito? Ou seja, “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". Isso nos leva a uma nova questão. A principal dessa nossa conversa: Você se sente representado por alguém que não age eticamente?

Se você for uma pessoa que age de forma contrária certamente a resposta seria não. Desse modo se em 2026, falando especificamente do contexto tocantinense, se algum município reeleger algum dos deputados atuais merecerá o diploma de aischrí pólis (αισχρή πόλη) - cidade feia ou  vergonhosa. Espero que nenhuma cidade tocantinense receba esse título. Estaremos vigilantes acerca disso.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

sábado, 20 de setembro de 2025

Resenha: Lagoa Feia, da escritora tocantinense Deise Raquel Cardoso

Quem nasceu no sertão nortense há quarenta primeira vez ou mais certamente teve a sua infância e início da adolescência marcada por estórias fantásticas que povoam a nossa imaginação. Fazendo com que tivéssemos com a natureza uma relação de encantamento. Muitos tiveram que deixar esse lugar em busca de melhores condições de vida nos centros urbanos. Ao retornar depois de anos esses lugares não são mais os mesmos. O avanço do modo de produção capitalista no campo modificou a paisagem. Expulsando povos e comunidades tradicionais. Muitos de nós tivemos o olhar de encantamento para a natureza destruído pela racionalidade tecnológica dos centros urbanos. O livro Lagoa feia, da escritora Deise Raquel Cardoso, nos ajuda a resgatar esse olhar.

Publicado em 2023 (editora Vecchio), o livro traz como protagonista a própria escritora que herda dos seus antepassados a missão de proteger um lugar sagrado que outrora pertenceu à sua família - a lagoa feia. E qual a melhor forma de proteção se não divulgar para o mundo a existência desse lugar e a partir daí sensibilizar as pessoas a protegê-lo. Óbvio que você não precisa ir para Dianópolis (TO), local onde está localizado a lagoa para fazer isso. Não faltam lugares ameaçados pelo avanço de um modo de produção predatório. Eu como um lajeadense de coração lembro nesse momento do rio Lajeado que ano após ano está secando. Eis aí, portanto, um dos aspectos que engrandece a obra. Assim como a homenagem que ela faz a personalidades que tiveram sua vida ceifada na luta em defesa do meio ambiente.

Durante a narrativa ficção e realidade vão se misturando. Chegando ao ponto que fica impossível classificar a obra. É um romance? É um livro de memórias? Não importa o que seja. O importante é a mensagem que a obra passa - certamente a mais contundente é a responsabilidade que todos nós devemos ter com os recursos naturais. Mas há outras também. O respeito aos anciões como fica evidente na sua relação com o Tio Joaquim. A resiliência diante de momentos difíceis quando deixa sua terra natal para se aventurar nos primórdios da capital do Tocantins - Palmas. Entre outros.

O professor que há em mim também não pôde deixar de lê-la e observar as possibilidades de trabalho com a obra em sala de aula. Quem trabalha com linguagens tem aí elementos com a escrita de si, as expressões regionalistas (devidamente explicadas pelas notas de rodapé), a cultura do antigo norte goiano (do sertão nortista) antes da criação do Estado do Tocantins. Quem trabalha com história também pode explorar o aspecto cultural e o início da capital, a cidade de Palmas. Em geografia tem as paisagens e a questão ambiental. Nossa relação com o meio ambiente e as diferentes perspectivas acerca da natureza pode ser explorado em Sociologia e Filosofia. Em arte os desenhos e a pintura. A questão do autoconhecimento e autocuidado, além da responsabilidade social pode ser trabalhada em projeto de vida. Enfim, as possibilidades são muitas. “Muitos sonhos sonhados, projetos selados, barracos armados, marcavam a busca por um novo horizonte, onde o sol nascia para todos…” Escreveu ela no seu diário ao chegar em Palmas.

Há que se ressaltar a edição de qualidade da editora Vecchio. Com destaques para as ilustrações a cargo da Jaque Coelho. Essas certamente são um atrativo, sobretudo para o público infanto-juvenil. A forma acessível da escrita da Deise Raquel é um ponto de destaque. É como se estivéssemos ouvindo alguém contar uma estória - dessas estórias que ouvíamos ao pé de uma lamparina na nossa infância.

Na estória deisinha recebe a missão de proteger a lagoa feia. E como falamos uma das formas que ela encontra para fazer essa proteção é escrevendo um livro. Desse modo podemos dizer que Deise faz da escrita uma arma de resistência. Como também de existência. Pois a partir da escrita ela não só cumpre a sua missão de defender a lagoa feia. Mas faz desta um sentido de vida.

Lagoa feia é um livro para pessoas sensíveis. Mas sobretudo para aquelas que perderam a sensibilidade. Que deixaram em algum canto aquele olhar que tínhamos na infância para as coisas que nos cercavam - os rios, os bichos, as serras. E nessa linha não posso deixar de lembrar das palavras do filósofo indgiena Ailton Krenak no seu ideias para adiar o fim do mundo - quando ele nos diz que quando despersonalizamos esses lugares contribuímos para sua destruição e transformação em mercadoria.

“Será que era mesmo verdade, que aquela era uma Lagoa encantada?... Será que era mesmo verdade, que aquela Lagoa escuderia um mistério envolvendo todo o mundo e o destino da humanidade?”

Questiona-se Deise. Quando perdemos a nossa capacidade de questionar? Voltando no Ailton Krenak, ele nos diz que uma das maneiras de adiar o fim do mundo é poder contar mais uma estória. E foi isso que fez Deise Raquel Cardoso. Por tanto não deixe de ler essa obra. Certamente lhe afetará de algum modo.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Para que o componente curricular de Filosofia na Educação Básica?

Hora e outra surge esse questionamento: para que o componente curricular de Filosofia na Educação Básica? Sobretudo quando falamos de escola pública. De tempos em tempos essa discussão ganha força inclusive no parlamento brasileiro com propostas que visa a retirada do componente curricular da grade curricular de ensino. Mas será se o problema é o ensino de Filosofia ou a quem se destina?

Essa questão me surgiu durante o I simpósio de gestão compartilhada das escolas militares e cívicos-militares do Tocantins (12 e 13 de junho de 2025). Em dois momentos tivemos exposições por parte de militares utilizando a filosofia. A primeira pelo Tenente Coronel Ricardo Crespo - que comanda atualmente as Escolas Militares e Cívico Militares do Tocantins. E a segunda pelo Subtenente Thiago Galvão - ambos da Polícia Militar do Tocantins. Num primeiro momento fiquei contente pela referência. Sobretudo pela compreensão de que quando partimos da filosofia temos melhores condições de compreensão dos problemas em análise. Já num segundo momento fiquei me questionando sobre essa apropriação da filosofia pelos militares. O que me instigou a fazer essa reflexão sobre se o problema é o ensino de Filosofia na educação básica (escola pública) ou a quem se destina.

Antes de responder essa questão, na qual creio que já é possível deduzir a nossa resposta, vamos a um breve relato do que o Tenente Coronel Rafael e o Subtenente Thiago falaram.

O primeiro abordou a temática da liderança a partir do Plutarco e do Platão. Com bastante propriedade ele comentou a perspectiva dualista de Platão a partir da qual Plutarco se inspirou para desenvolver sua concepção do que deve ser um líder. Na sua fala ele salientou a distinção que Platão faz entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual. Para a partir daí apresentar sua concepção acerca do mundo das ideias o qual acessamos por meio da filosofia. Ao contrário do mundo dos fenômenos que é ilusório e mutável. O mundo das ideias é uno e imutável. Ao comentar sobre a liderança uma fala bastante significativa do Tenente Coronel Ricardo foi de que é muito usual nas palestras sobre liderança a referência ao livro O monge e o executivo, do James C. Hunter. No entanto tudo que está nessa obra encontramos nos clássicos. A diferença é que está escrito de uma forma mais amena. Plutarco por sua vez, como um bom dualista, apresenta dois tipos de líderes: o culto e o incuto. Ao longo da sua fala o Tenente Coronel Ricardo foi dissecando esses conceitos relacionando com a realidade da escola. Como se tornar um líder culto? Ele ressaltou, a partir de Plutarco, que pelo uso da razão.

O segundo falou sobre as relações interpessoais utilizando como referência um filósofo contemporâneo - o Sulcoreano radicado na Alemanha - Byung Chul Han. Também com bastante propriedade, o Subtenente que é formado em Psicologia e Mestrando em Filosofia apresentou a crítica que Han faz a sociedade neoliberal onde o indivíduo é levado a se explorar ao extremo alcançando sua realização apenas com a morte. O reflexo disso são indivíduos adoecidos mentalmente. Realidade que conhecemos bem na escola. Acredito que é impossível haver alguma escola que não tenha um professor afastado com problemas psicológicos. A pressão e a exigência para alcançar determinados resultados são frequentes. A desvalorização e desrespeito não fica atrás se expressando muitas vezes em episódios de agressão de estudantes a professores. O que fazer diante dessa realidade? O conselho do Subtenente, a partir do que diz Byung Chul Han, é se desconectar. 

É evidente a importância da filosofia na formação de indivíduos conscientes e capazes de enfrentar os problemas que a realidade nos apresenta. Mais do que respostas pronta e acabada, a filosofia nos instiga a pensar criticamente e enxergar outras possibilidades. Eis aí a questão portanto. Não há nenhum problema com o ensino de Filosofia. Quanto mais cedo a criança for introduzida nesse conhecimento melhor. Pois certamente isso contribuirá para que desenvolva determinadas habilidades. Por outro lado é perigoso para quem está no poder, para a classe dominante, que o povo tenha acesso a esse tipo de conhecimento. De modo que os oficiais filosofarem tudo bem. Já os soldados não. Os filhos da elite filosofarem tudo bem, da classe trabalhadora não. Quando um estudante na escola pública reproduz o discurso de que não gosta de filosofia pois ela não vai servir para nada. Ele não tem consciência, mas está reproduzindo esse discurso que visa perpetuar o status quo. No qual o seu papel, se ele não subverter, será de obedecer, de ser um sujeito menor - submisso.

Enfim, diante de tudo que falamos evidencia-se portanto que o problema não é o ensino de Filosofia mas a quem se destina esse ensino.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Deus ex machina e a político no Tocantins

Aqui estou eu novamente escrevendo sobre o afastamento, por determinação judicial, do Governador do Estado do Tocantins devido a suspeita de corrupção. Não posso dizer que dessa vez tenha sido uma completa surpresa. Pois o histórico dos governos anteriores e a continuidade de um modo de fazer política nos leva a entender que a qualquer momento isso pode acontecer. É, camaradas. O Tocantins não deixa de reafirmar a máxima marxiana de que "A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa". 

A investigação em curso contra Wanderlei Barbosa  teve início em 2021-2022, quando ele ainda era vice-governador. Logo depois assumiria o executivo estadual com a queda do então Governador Mauro Carlesse. De lá para cá ele foi eleito para um segundo mandato faltando pouco mais de um ano para finalizá-lo. De modo que não temos como não questionar: - por que só agora? 

Tanto a nível nacional como regional o judiciário tem se comportado como um Deus ex machina. Para quem é conhecedor da mitologia grega sabe muito bem do papel que essa figura desempenha intervindo no destino dos mortais. Ele sempre aparece no momento decisivo da trama mudando o que parecia ser certo. 

Com alta aprovação popular e a falta de uma oposição forte, o governador Wanderlei Barbosa, antes do afastamento, se colocava como líder do processo sucessório. As duas principais pré-candidaturas até então disputavam o seu apoio: a senadora Dorinha (União Brasil) e o presidente da ALE-TO - Deputado Estadual Amélio Cayres (Republicanos). Essa liderança passa agora para o seu vice - Laurez Moreira. Até então renegado como ele fora por Carlesse.

É importante lembrar que sem a queda do Carlesse impulsionada por uma decisão judicial, Wanderlei dificilmente teria se tornado Governador. Antes, sem a queda de Marcelo Miranda, também impulsionado por decisão judicial, Carlesse dificilmente teria sido governador. Acontecerá o mesmo com Laurez? Ainda é muito cedo para afirmar isso. Pois enquanto houver possibilidade de retorno do governador Wanderlei, a liderança do Laurez é relativa. Na verdade, de todo governante. Enquanto tem o poder na mão não lhe faltará aliados. Quando este lhe escapa, os aliados se afastam. É o realismo político camaradas. Nesse jogo não há espaço para quem pensa a política numa perspectiva idealista.

Enquanto o primeiro encontra fundamento no pensamento do Maquiavel - a partir do qual podemos resumir que a política deve ser feita a partir da realidade, ou seja, das coisas tal como elas são. Se vivemos num contexto em que cada um só pensa em si. Eu devo agir buscando os meus interesses. Ainda que isso signifique passar por cima de determinadas normas morais. O segundo encontra fundamento no pensamento grego clássico, onde a política é pensada a partir de como a sociedade deveria ser - onde o interesse comum se sobrepõe aos interesses individuais. 

De todo modo, uma dose de prudência, como recomendava Aristóteles, é sempre aconselhável. Aliás, até Maquiavel ressalta a importância da prudência para que o governante não seja odiado. Nas suas próprias palavras: “Pouca prudência pode induzir os homens a optar por coisas que de momento têm sabor agradável mas que internamente estão repletas de veneno”. Num cenário de incertezas, então, a prudência é ainda mais fundamental. 

Há que saber fazer uma análise de conjuntura acertada para se posicionar bem no tabuleiro da política. Esse não foi o caso daqueles que entraram com o pedido de impeachment do governador Wanderlei na ALE-TO. Ora, que motivos os deputados, que estavam sendo beneficiados pelo governo. Sobretudo o presidente do parlamento que parecia ser o seu pré-candidato preferido à sucessão estadual teria para fazê-lo? De modo que tal medida serve mais para “lacração” nas redes sociais do que como um efeito prático. Mas o fato é que diante da popularidade do governador Wanderlei nem para isso servirá. A não ser para reafirmar o perfil medíocre daqueles que o fizeram.

Por enquanto o que tem vindo à tona é muito sério. E se confirmado, Wanderlei Barbosa deve não apenas ser afastado. Mas também impeachmado e condenado juntamente com os demais que fizeram parte do esquema. 

Num cenário ideal caberia o povo se sublevar e pressionar o parlamento estadual na direção de um impeachment do Governador Wanderlei. O que no cenário atual não vemos possibilidade. Desse modo, se a população continua se omitindo do seu papel. Caberá ao deus ex machina (judiciário) intervir. Quando e como será a próxima intervenção? Aguardemos os acontecimentos. Terminemos com as palavras que as náiades inscreveram no túmulo do filho do Hélio (sol) que morreu a tentar conduzir a carruagem do sol: "Aqui jaz Faetonte, cocheiro do carro paterno; não conseguiu dirigi-lo, mas morreu num ato de grande ousadia". Ele pelo menos teve a dignidade de tentar. E nós, povo tocantinense, quando ousaremos conduzir o nosso destino?

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Crônicas Aurenyanas: As aparências enganam

Você provavelmente já ouviu essa frase. Eu também ouvi muito. Pensei nela enquanto lavava roupa e não pude deixar de escutar uma conversa pelo telefone do meu vizinho de kitnet. Trata-se de um senhor que aparentemente já ultrapassou umas 60 primaveras. Assim como eu, mora sozinho. E aparentemente leva uma vida tranquila. Discreto, nesses meses que mora aqui ao meu lado nunca tinha percebido que ele toma umas cervejinhas.

E foi justamente o relato de uma noite anterior regado a cerveja que me chamou atenção. Segundo este com R$400,00 no bolso ele se dirigiu até um determinado bar. E lá começou a beber cerveja. Não consegui identificar qual era a marca. Mas segundo ele deu uma dor de cabeça que ele achava que ia morrer. Mas também depois de 8 garrafas não é para menos. Pior do que a dor de cabeça do porre, foi a grana que perdeu na sinuca. Segundo ele, empolgado pelo álcool resolveu desafiar um velho que estava por ali a jogar bilhar. O velho recusou, mas ele insistiu propondo que as partidas fossem apostadas - quem ganhasse, levava grana. O velho continuava sem querer. Ele insistia prometendo dar duas bolas de vantagem. Por fim o velho aceitou. Mas sem querer a vantagem ofertada. Os dois teriam condições iguais. E quem ganhasse levava a grana.

- Rapaz, eu levei um pau do velho. Pensa num pau. Não tinha bola colada que ele não descolava e matava. Tô aqui com R$40,00 no bolso para fazer a feira da semana até que recebo uma grana de uns bicos que fiz. Empolgado demais, quis aparecer. E o velho me depenou. Nunca mais. Nunca mais.

Será mesmo? Fiquei pensando comigo. Quando o álcool entra no nosso sangue perdemos a noção da realidade. E acabamos fazendo coisas um tanto irracionais. Depois quando o efeito passa vem a ressaca moral.

- Onde diabos eu estava com a cabeça que fui fazer isso?!

Por outro lado, não podemos deixar de viver. Pois se não, como diz uma frase de uma canção da banda Matanza Inc. - se deixar a vida fica muito chata. Daí a gente não suporta. E corta os pulsos. Por tanto que essa experiência não o leve a deixar de se divertir. Afinal de contas ele trabalha tanto e merece sua dose de distração. Só espero que ele tenha aprendido a não julgar os outros pela aparência. Ora, achar que sairia melhor que o outro no jogo, só porque este era mais velho do que ele. É demonstrar uma boa dose de ingenuidade. Não pude deixar de pensar comigo: - há pessoas que envelhecem, mas não amadurecem.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Resenha: Idiota (Bosta Rala)

Recentemente, e por acaso, ouvi a música de uma banda que me arrebatou imediatamente. Tornando-se certamente uma das coisas que mais tenho ouvido na atualidade. Não é uma banda nova e o material em questão foi gravado no formato de demo no início da década de 1990. O nome da banda formada na capital baiana (Salvador) é Bosta Rala (Tendo na sua formação: Tovar Fonseca (guitarra), Alex Morcego (vocais), Dinho (baixo), Jabá (bateria) e Silvana (vocais guturais). Já a demo foi intitulado de idiota (que é o nome de uma das canções que compõe a obra) que trás um conjunto de canções com criticas sociais a começar pela denúncia da violência policial e o caráter fascista dessa instituição.

Olha o PM/PM idiota/Com suas ideias fasci-patriotas/Com seu regime nazi-fascista/E suas ideias militaristas…

Se alguém dissesse que esses versos foram feitos hoje ninguém duvidaria. Quis o destino que dois dos integrantes da banda fossem vitimados pela violência policial (Dinho e Morcego). Violência que persiste na sociedade brasileira vitimando milhares de jovens. A filósofa Sueli Carneiro tem sido uma das principais vozes a denunciar o genocídio da juventude negra no nosso país. Mas não temos nenhum avanço na discussão pela desmilitarização da polícia. Pelo contrário. Ouvindo a demo da banda fiquei me questionando quantos talentos não são calados pela violência do Estado. 

As músicas trás uma sonoridade potente, com letras que misturam humor com crítica ácida. E o vocal do Morcego com o gutural da Silvana evidenciam isso. Assim como o ritmo que vai variando de compasso - hora calmo, hora acelerado. 

A música que abre a gravação é Idiota na qual eles denunciam a violência policial a serviço do Estado: Olha o PM/PM safado/Olha o PM/Boneco do estado…

Em seguida eles emendam com repressão mental, onde denunciam o papel de instituições como o Estado, as forças armadas e a Igreja na introjeção de determinados valores que faz com que os indivíduos não pensem por conta própria:

Religião/Repressão mental/Estado fascista/Repressão mental/Igreja universal Alienação Total/Repressão Mental/Repressão Mental/ Exército, Marinha, Aeronáutica/Repressão Mental, Mental, Mental, Mental…

Em seguida temos a rapidíssima Noisecore Nojo onde temos uma espécie de descarga de raiva. Seguida da ferida exposta: Uma ferida, uma ferida/cruel que nos trocida/penetrando a sua alma/penetrando a sua vida…

Sem tempo para respirar eles emendam uma música na outra. E muitas vezes fica a sensação de que é uma música só (não que seja repetitivo). Mas há uma espécie de continuidade. Como se eles contassem uma história - a realidade que estão inseridos. E assim temos na sequência Sujo; Imundo; e Bosta Rala. 

Ação direta/faça, faça a coisa certa…/estamos aí viemos protestar/não queremos violência/não queremos brigar…

Na sequência temos dor, onde voltam a criticar o autoritarismo: Medo causa dor/raiva causa dor/loucura causa dor/ódio causa dor…

Desgraça humana vem na sequência, juntamente com Sem vergonha e O que se passa. O recado aqui é: enquanto o povo sofre, os milionários se divertem à nossa custa: o que se passa?/é violência/é miséria/é fome…

Para finalizar temos uma bela “homenagem” ao Silvio Santos com a canção Quem quer: Vamos abrir a porta da esperança?/Quem quer dinheiro hahai!/ Fala aê Lombardi/ "Alô Silvio, temos muitos prêmios hoje para a plateia”. O alvo aqui é o papel da televisão na manipulação e alienação das pessoas para que se submetam à ordem dominante.

Essas são portanto as canções que compõem essa gravação que certamente merece figurar entre os clássicos do punk rock brasileiro. Também trata-se de um registro histórico importante para compreensão do movimento punk no Brasil. Servindo de referência a novas bandas que tem surgido e fortalecido uma cena potente que tem levantado a bandeira antifascista adiante.

Ouça acessando o link: https://youtu.be/m1JgZYFtxIc?si=XBswpf8rWx7R7xKw.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Contribuições das demais áreas do conhecimento na recomposição das aprendizagens

A temática acima nos foi proposta para ser trabalhada numa formação continuada dos professores no início das atividades pedagógicas do segundo semestre de 2025, no Colégio Esportivo Cívico-Militar Santa Rita de Cássia. De acordo com o documento o objetivo seria: Envolver os professores das diferentes áreas do conhecimento na análise das habilidades em defasagem identificadas em Língua Portuguesa e Matemática, com base nos dados das plataformas CAEd e Soluções Moderna para construir estratégias interdisciplinares que contribuam para o avanço da proficiência dos estudantes.
Toda essa mobilização tem como finalidade aumentar o índice do desenvolvimento da educação básica (IDEB) do Tocantins. Medido a partir dos dados do fluxo (aprovação e evasão) mais o desempenho numa prova objetiva (Prova Brasil) a partir de habilidades desenvolvidas nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e Médio. Há todo um investimento por parte do Governo em material, plataformas, formação continuada e promessa de gratificação para as escolas que conseguirem aumentar o seu índice. Ou seja, todo o foco dos sistemas de ensino acaba voltando para este fim. É nesse contexto que compreendemos a cobrança para que as demais áreas se somem no processo de recomposição das aprendizagens.
Não é de agora que se fala em déficit de aprendizagem na educação básica. Sobretudo se levarmos em consideração o desempenho dos estudantes em provas externas (internamente não é diferente). Mas foi a partir dos impactos provocados pela pandemia provocada pelo vírus SARS-CO-VID  (COVID-19) que se passou a dar mais ênfase na recomposição da aprendizagem. Por exemplo, a Secretaria de Estado da Educação passou a disponibilizar anualmente uma matriz de recomposição da aprendizagem, onde encontramos as habilidades, com sugestões de objetos de conhecimento e sequências didáticas para serem trabalhadas em sala de aula. No ano corrente, a matriz traz como novidade as habilidades das áreas relacionadas com os descritores de Língua Portuguesa e Matemática.
A nossa fala inicial na formação partiu da compreensão de que ainda que tenhamos ressalvas quanto até que ponto essas avaliações de fato expressam a qualidade do ensino-aprendizado na educação básica. Não podemos negar que é a partir dele que o Governo norteia suas ações. Por tanto boicotar esse processo não me parece uma estratégia inteligente. Por outro lado, não podemos fazer do processo de ensino-aprendizado na escola pública um espaço voltado a preparar o estudante para ter um bom desempenho nessas avaliações. Até porque, de acordo com a legislação educacional, o objetivo da educação básica é formar para o trabalho e o exercício da cidadania.
Outro fato que não podemos negar é que se o estudante e a estudante não conseguem desenvolver habilidades básicas de leitura, interpretação, escrita e raciocínio lógico. Dificilmente ele, ou ela, conseguirá aprofundar em áreas mais complexas como filosofia e ciências, tanto as ditas sociais como da natureza (Geografia, História, Sociologia, Biologia, Física e Química). Ou ainda em outras linguagens como a artística. Por isso, na medida que observamos esse déficit em sala de aula podemos desenvolver ações para mitigá-lo.
Dito isso, o nosso passo seguinte, focando nas turmas de 9° Ano de Ensino Fundamental e 3ª Série do Ensino Médio, foi conhecer e analisar as habilidades em que os estudantes tiveram pior desempenho. A opção por analisar o desempenho dessas turmas especificamente foi porque serão elas que farão o exame (SAEB) que comporá o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do Colégio Esportivo Cívico-Militar Santa Rita de Cássia. Optamos também por fazer essa análise a partir dos dados fornecidos pela plataforma de Avaliação e Monitoramento da Educação do Tocantins (CAED/SAETO).
Em Língua Portuguesa, no 9° Ano do Ensino Fundamental, as três habilidades com menor desempenho foram: H10 – Distinguir fato de opinião (33%); H13 - Reconhecer a presença de valores sociais e éticos (39%); e a H14 - Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos morfossintáticos (30%). Em resumo, podemos dizer que essas três habilidades se relacionam com a leitura de diferentes tipos de textos e sua interpretação. Já em Matemática a situação é um tanto pior. Por exemplo, em relação à habilidade H5 (Utilizar o princípio multiplicativo de contagem na resolução de problema) o desempenho foi de 5%. Em relação a  H19 (Calcular o resultado de uma multiplicação ou divisão de números naturais) o desempenho foi de 6%. Já em relação a H18 (Calcular o resultado de uma adição ou subtração de números naturais) o desempenho foi de 14%. Em resumo, podemos dizer que falta ao estudante a apropriação e aplicação das quatro operações básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão).
Quando vamos para a 3ª série do ensino médio temos uma melhora em Língua Portuguesa. Nenhum estudante teve um desempenho em qualquer habilidade menor que 40%. As habilidades com menor desempenho foram: H9 - Reconhecer o sentido das relações lógico-discursivas em um texto (46%); H1 - Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros (56%); e a H15- Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos morfossintáticos (56%). Em resumo, são habilidades que também se referem a leitura e interpretação. Em Matemática há uma melhora em relação ao Ensino Fundamental. No entanto, em comparação com Língua Portuguesa está bem abaixo. Foram 8 habilidades com desempenho de 40% para baixo. Com destaque para: H13 –Corresponder a representação algébrica e gráfica de uma função polinomial de 2º grau (12%); H14 - Reconhecer a representação algébrica de uma função polinomial de 2º grau a partir dos dados apresentados em uma tabela (20%); e a H4 - Utilizar probabilidade na resolução de problema (24%). Em resumo, utilizar o raciocínio lógico.
Analisando esses resultados ficamos nos questionando o que impede o desenvolvimento dessas habilidades que, a priori, não são nenhum bicho de sete cabeças. Será que de fato o exame a partir do qual temos esses índices expressam de fato o conhecimento dos estudantes? Será que pelo fato de não valer nota o estudante ou a estudante não se dedicam como deveriam na resolução das questões? Certamente existe esse fator. Mas o fato que quando analisamos o desempenho dos estudantes nas provas internas, valendo nota para progressão de ano/série, o resultado não é diferente. Ou seja, de fato esse déficit existe.
Diante disso, como podemos contribuir, a partir da nossa área ou componente curricular,  na recomposição dessa aprendizagem? Cada um deve se esforçar para chegar a uma resposta. Pois acredito que esse caminho é mais rico do que esperar uma receita de um ser iluminado que venha dizer como fazer o nosso trabalho em sala de aula. óbvio que podemos buscar sugestões que contribuam para que desenvolvamos o nosso próprio caminho. E é nesse sentido que compartilho algumas ideias.
Primeiro, defendo que, o ponto fundamental não é qual objeto de conhecimento devo trabalhar. Mas como vou trabalhar determinado objeto para que o estudante desenvolva certas habilidades. Óbvio  que se partirmos de objetos de conhecimento
 relacionados à realidade/interesses do estudante há a possibilidade de uma maior engajamento por parte dele.
Segundo, em Arte, desenvolver exercícios de leitura de imagens e reprodução de 
pinturas clássicas. Em Educação Física exercícios para o desenvolvimento do raciocínio lógico a partir de jogos de tabuleiro. Em Língua Inglesa leitura de texto em Inglês com foco na tese e no argumento. Em Filosofia exercícios de leitura e escrita a partir da perspectiva filosófica. Em Geografia exercícios de elaboração de mapas mentais e representações gráficas. Em História exercícios que explorem diferentes narrativas sobre um mesmo fato (explorar recursos como textos e audiovisual). Em Sociologia exercício de leitura de textos sociológicos com debate em seguida. No Itinerários formativos:  Eletivas: Explorar dinâmicas que fortaleça a formação geral básica fazendo uso de textos, audiovisuais e jogos. Estudo Orientado: Exercícios com análise de questões do Enem, Prova Brasil e Vestibulares. Projeto de Vida: Exercício de Escrita Criativa e confecção de tirinhas. Protagonismo: Discussão sobre valores a partir da leitura de obras literárias.
Para aprofundar um pouco mais acerca dessas sugestões vou trazer o exemplo de uma atividade que geralmente desenvolvo nas minhas aulas de filosofia. Escolho um trecho de um texto filosófico, exponho no quadro escrito de pincel (e falado). Peço para que eles anotem. E em seguida passo um exercício onde eles devem responder no formato de uma dissertação algumas questões: O que diz/defende o filósofo ou filósofa? Qual a diferença dessa perspectiva filosófica para outras? Você concorda com essa visão?Justifique. Esse simples exercício vai exigir do estudante capacidade de leitura, não uma leitura qualquer já que geralmente esses textos trazem conceitos que não são utilizados no dia a dia. O que significa que esse estudante ou essa estudante precisará compreender determinados conceitos para poder compreender o que está sendo enunciado. O segundo passo é relacionar com outras ideias. E por fim exercitar o seu pensamento de forma escrita, se posicionando fundamentadamente sobre determinada ideia. Geralmente a maioria não conseguem entregar aquilo que gostaríamos, mas para nós o exercício em si já é um avanço. Pois quando o estudante se dispõe a pensar sistematicamente certamente há um ganho. Ainda que ele não perceba isso objetivamente.
Mas enfim, eis o que buscamos fazer na formação que fomos convidados a dar para os professores do Colégio Esportivo Cívico-Militar Santa Rita de Cássia, a respeito de como as demais áreas e componentes curriculares podem contribuir para recomposição da aprendizagem a partir dos dados fornecidos pelo Sistema de Avaliação do Estado do Tocantins (SAETO).
Pedro Ferreira Nunes - Professor da Educação Básica na Rede Pública Estadual da Educação do Tocantins.