domingo, 10 de agosto de 2025

Mama, I’m Coming Home ou sobre reconciliação

Quando os primeiros acordes do violão ressoam formando uma melodia conseguimos identificar o que vem pela frente. Ozzy Osbourne com os olhos lacrimejando, sentado no seu trono negro, observado por uma multidão canta a letra da clássica Mama, I’m Coming Home (1991): Times have changed and times are strange/Here I come, but I ain't the same/Mama, I'm coming home/Time's gone by, it seems to be/You could have been a better friend to me/Mama, I'm coming home.

Sua performance emociona a todos - tanto os presentes como os milhões que acompanham pelas mídias audiovisuais o show. Por que tanta comoção? Não é a primeira vez que Ozzy acompanhado do competente Zakk Wylde no violão e na guitarra interpreta essa canção que tem entre os seus compositores ninguém menos que o grande Lemmy (Motorhead). E é baseada na relação, em especial um período de separação, do príncipe das trevas (como Ozzy é “carinhosamente” apelidado) com sua esposa e empresária Sharon Osbourne. 

Agitado como sempre foi no palco, não é por opção que Ozzy performa sentado num trono. Mas pelos estragos feitos pelo  mal de Parkinson que o tirou do palco há alguns anos. No entanto, sua voz está potente como sempre. Um pouco embargada pela emoção do momento, o que acaba dando mais potência a uma canção que fala de voltar para casa (de reconciliação). Seria a canção perfeita para terminar aquele verdadeiro festival por onde desfilou grandes nomes do Rock and Roll para celebrar o legado do Black Sabbath - considerada a banda fundadora do metal. E a despedida de Ozzy dos palcos. De modo que a emoção tanto de Ozzy como do público era reflexo desse sentimento de adeus.

Depois dessa apresentação com sua banda solo o príncipe das trevas continuaria no palco para receber seus companheiros do Black Sabbath: Tony Iommi - Guitarra, Geezer Butler - contrabaixo e Bill Ward - bateria.  Aquela seria a última vez que o mundo iria ver a formação original performando ao vivo. E para isso eles escolheram o lugar onde tudo começou - a cidade de Birmingham (Inglaterra). Apesar da idade de todos presenciamos uma grande performance. Coroada com a clássica paranoid.

Talvez essa tenha sido a melhor escolha para terminar o show - é uma música mais animada. Enquanto Mama, I’m Coming Home é um tanto melancólica. E o objetivo era que as pessoas saíssem dali alegres. E elas saíram.

No entanto, vendo os registros das apresentações, o momento em que ele entoa Mama, I'm coming home, acompanhado pelo público emocionado, foi o que mais me afetou. De modo que eu acredito que esse registro entrará para história como um daqueles momentos icônicos do rock and roll. Como a interpretação do Joe Cocker  da canção dos The Beatles "With a Little Help From My Friends" no festival Woodstock (1969).

Não me lembro quando ouvi pela primeira vez Mama, I’m Coming Home. Mas lembro que fui afetado instantaneamente. Não foram poucas as vezes que a ouvia nas madrugadas goiana tomando cerveja e com saudades do Tocantins, de casa, de minha mãe. Hoje quando a ouço, lembro que já não tenho casa para onde voltar - não tenho mais minha mãe, pelo menos não fisicamente. Por isso a emoção do Ozzy nesse concerto final me comoveu tanto.

Fiquei refletindo sobre a beleza daquele momento. O quanto nós não gostaríamos de ter a chance de, na hora final, dizer para aquela pessoa que tanto amamos do nosso sentimento. Agradecer por tudo e dizer que ficaremos bem. Para mim foi exatamente isso que aconteceu em Birmingham. Os artistas que por lá passaram (Metallica, Guns n Roses, Lamb of God, Slayer entre outros) juntamente com o público deixaram essa mensagem ao grande Ozzy e seus companheiros de Black Sabbath. Que por sua vez retribuíram com uma breve, mas, marcante performance. Sem falar na atitude de doar os milhões de dólares arrecadados para instituições de saúde.

Num contexto em que um dos clássicos da banda (War Pigs) está mais atual que nunca diante do que vemos acontecendo na Ucrânia, Rússia, Irã, Israel e sobretudo na Palestina. Não deixa de ser um grande exemplo vindo de um gênero estigmatizado pela status quo.

Por fim, em um mundo onde as relações estão cada vez mais atravessadas pelo egoísmo - onde cada um só pensa em si, no seu ponto de vista, nos seus interesses. A letra de Mama, I’m Coming Home é um alerta para que não deixemos o egoísmo nos afastar de quem amamos. Conflitos sempre haverá numa relação seja ela com quem quer que seja. Mas às vezes é necessário ceder para que seja possível uma reconciliação. Pois nada é mais importante do que ter quem amamos ao nosso lado. Que façamos isso enquanto pudermos, pois haverá um momento que já não teremos essa chance.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Conjunturais - 2025

Falar que a realidade é dinâmica, como dizem, é chover no molhado. Mais é o que é. Todos os dias quando abrimos os jornais somos surpreendidos com alguma novidade que mexe com a conjuntura. E essa movimentação apresenta novas possibilidades na esfera política. Por exemplo, a queda do decreto presidencial pelo congresso acerca do Imposto sobre operações financeiras (IOF) e a criação de mais cadeiras na Câmara dos Deputados, o tarifaço de Trump (sobretudo a justificativa referente ao Brasil) e, no caso do Tocantins, a manutenção da prisão do prefeito de Palmas - Eduardo Siqueira Campos. Ainda que necessário, não vou me meter a fazer uma análise de conjuntura como se deve. Mas apenas alguns comentários acerca do contexto atual (inclusive talvez algumas questões já tenham sido superadas quando esse texto for publicado no início de agosto, pois ele está sendo escrito em meados de julho). Para quem quiser uma análise mais aprofundada, sobretudo em relação à conjuntura nacional e internacional, nomes como Paulo Arantes, Marilena Chauí, José Paulo Netto e Vladimir Safatle são fundamentais. Em relação ao Tocantins, ainda temos carência nesse sentido. Mas vamos lá. Comecemos do micro para o macro como nos ensinou Paulo Freire - seguindo a tradição do materialismo histórico dialético.


A política no interior
Questionei um amigo que mora no interior do Tocantins como estava a nova gestão  à frente da prefeitura da sua cidade. Ele comentou que não conhecia o perfil administrativo do atual mandatário, mas que via com preocupação um certo populismo que ao seu ver pode ser prejudicial a cidade (a opção de não falar o nome do gestor e do município é proposital. E não tem haver com medo de retaliação. Mas pelo fato de que independente de qual município do interior você seja, certamente irá se identificar). Eu diria que essa prática não é uma exceção daquele político. Mas uma estratégia amplamente utilizada com o objetivo de se manter no poder. Para um político populista o importante não é enfrentar os problemas reais da comunidade, mas agradar a plateia. E aqui o termo plateia é utilizado de forma proposital. Pois é como uma plateia e não como cidadãos que a maioria das pessoas nessas cidades se comportam. Até porque cria-se uma dependência por meio de contratos temporários que os silenciam. Como também a realização de festividades que criam uma falsa visão de prosperidade. Enquanto isso não se observa nenhuma melhora em relação à infraestrutura local, a melhoria na prestação de serviços e a geração sustentável de empregos.

Ainda sobre a realidade no interior
Num diálogo com outro amigo percebi outro elemento que corrobora com a visão de que determinados perfil de gestão é prejudicial a cidade. Esse amigo relatava a situação num órgão governamental do município. Segundo ele, antes havia menos servidores e o trabalho fluía melhor. Hoje a quantidade é maior e as coisas parecem que não andam. Quando há alguma cobrança, o indivíduo ameaça ir atrás do gestor municipal para reclamar. Tal postura não existiria se não houvesse anuência por parte desse gestor. Percebemos assim uma total falta de respeito a hierarquia organizacional do órgão, bem como a falta de autonomia dos chefes imediatos. Com isso a prestação de serviço fica prejudicada. Isso é reflexo de uma prática comum que é a de utilizar os órgãos públicos como cabide de emprego em troca de votos. Muitas pessoas não têm o perfil para exercer determinado serviço. Mas porque apoiou fulano de tal acaba sendo contratado. O resultado é isso. Quando o prefeito ou prefeita, tira a autonomia dos seus secretários (e estes por suas vez tira a autonomia dos seus diretores), está contribuindo para uma gestão fraca.  Em decorrência disso quem acaba sofrendo é a população que precisa de um determinado serviço público. Ninguém quer desagradar ninguém (para não perder apoio político) e quem acaba perdendo é a cidade.

Fiscalização do dinheiro público
Pela ausência de uma iniciativa privada forte as prefeituras do interior acabam tendo que assumir integralmente a organização e realização de eventos culturais como as temporadas de praias. Até aí tudo bem. Porque além de garantir à população o acesso ao lazer e a cultura. Também fomenta a economia local e a geração de renda. No entanto, o investimento nessas festividades deve ser feito com responsabilidade, sem desperdício de dinheiro público. Não é isso o que percebemos em alguns municípios tocantinenses como aponta levantamento feito pelo Portal de Notícias do Arnaldo Farias. E ações do Ministério Público. Essa fiscalização deveria partir da Câmara de Vereadores e acompanhada pela população em geral. Pois é inadmissível o cache destinado a contratação de determinados artistas por gestões de cidades que não o básico como escolas e unidades de saúde decentes. Outro fator é a programação que pouco contempla os artistas locais. Além de priorizar um determinado segmento artístico. De modo que paira a suspeita de que até que ponto tudo isso serve apenas para desviar dinheiro público.

Vamos para capital
Ao assumir a prefeitura de Palmas percebemos no dia a dia algumas mudanças que revelavam o perfil gestor do Eduardo Siqueira Campos. Ou seja, apesar de pouco tempo foi possível perceber uma diferença significativa em relação a gestão anterior (Cinthia Ribeiro), a capacidade política de articulação com diferentes grupos (no seu secretariado tem de petistas a bolsonaristas) e a intervenção na cidade por meio de obras, inclusive na periferia. Mas de repente, 6 meses após a sua posse, a população da capital e, porque não do interior, é surpreendida com sua prisão e consequentemente o seu afastamento da cadeira de chefe do executivo municipal. Quem conhece a história do herdeiro político (como Prefeito, Senador, Secretário de Estado e Deputado) do velho José Wilson Siqueira Campos não poderia se surpreender com essa prisão - o que não deixa de ser surpreendente é o motivo - De acordo com a CNN Brasil acusado de ter vazado “informações sigilosas sobre inquéritos em curso no STJ, prejudicando a eficácia de diligências contra políticos e juízes do Tocantins.” Não deixa de ser trágico. Logo agora que o Eduardo estava tendo a oportunidade de dar a volta por cima - encerrar sua carreira política fazendo uma gestão histórica à frente da prefeitura da capital do Tocantins. 

Os tempos são outros Eduardo
Durante a campanha a prefeitura de Palmas Eduardo conseguiu mostrar um perfil moderno, inspirado em nomes como o Prefeito de Recife (PE) - João Campos, fez uma campanha extrovertida atraindo um grande apoio da juventude. Esse certamente foi um dos motivos que fez com que ele saísse de terceira via para candidato eleito, superando a franca favorita Janad Valcari (com o apoio do Bolsonaro, do Governador Wanderlei e do Senador Eduardo Gomes) e o Deputado Estadual Júnior Geo (com o apoio da Prefeita Cinthia Ribeiro e sua gestão). No entanto, ele não deixou de ser um Siqueira. Acreditou que poderia usar mão de métodos questionáveis, utilizados pelo seu pai enquanto governador, para angariar apoio e sair ileso. Mas os tempos são outros Eduardo - que essa prisão sirva para ele aprender essa lição. Já os demais políticos que se solidarizam com ele mostram que essas estratégias questionáveis para conseguir o poder ou mantê-lo é uma prática tão comum que não deveria ser considerada crime. Para esses o recado que os tempos são outros também é necessário. Por outro lado, esse apoio também é reflexo da análise de que Eduardo Siqueira não tardaria em assumir novamente a cadeira de Prefeito. Sendo o seu apoio fundamental nas eleições do próximo ano onde iremos às urnas eleger Deputados, Senadores, Governador e Presidente.

Cálculo errado
Quem não fez a análise correta foi o vice-prefeito da capital (Carlos Veloso) e os seus conselheiros políticos. Ora, não precisa ser um especialista em direito para saber que a prisão do Eduardo Siqueira Campos não se sustentaria por muito tempo. A suspeita que paira sobre ele é muito frágil para que venha perder o mandato. De modo que o mais correto por parte do vice-prefeito era permanecer fiel até que, pelo menos, os recursos do prefeito fossem analisados e despachados pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin. A partir daí, com uma situação mais clara, era natural que ele moldasse a gestão ao seu perfil, escolhendo pessoas que se alinham a esse perfil. Mas a soberba acabou levando a erros que o colocou como uma das figuras mais odiadas da política tocantinense. Eduardo Siqueira Campos que não é nenhum amador na arte de fazer política não pensou duas vezes em aproveitar o episódio para sair fortalecido. Por sua vez, a população palmense tem que comemorar mesmo, nem tanto a volta do Eduardo Siqueira Campos, mas a oportunidade de ter se desfeito de um grupo perigoso que usa a religião para se fortalecer politicamente.

Especulações
Não poderia ser diferente quando estamos tão distantes das eleições de 2026, ainda mais com as “surpresas” que a política tocantinense nos reserva. De modo que qualquer coisa que se fale sobre articulações e nomes, sobretudo para o executivo estadual, não passa de especulação. Mas uma coisa é fato, o Governador Wanderlei terá um papel central. Tanto que o seu apoio é disputado por dois nomes de peso - a Senadora Dorinha (União Brasil) e o presidente da Assembleia Legislativa do Tocantins - Deputado Estadual Amélio Cayres (Republicanos). Com uma gestão praticamente sem oposição, o Governador tem realizado um mandato bem avaliado pela população. E essa popularidade, assim como a força da máquina pública, é cobiçada por quem pretende disputar um cargo eletivo nas próximas eleições. Um terceiro nome que se coloca como candidato ao governo estadual é do Vice Governador - Laurez Moreira. No entanto, como oposição. Ainda que uma oposição velada. Ou seja, por enquanto, o maior desafio do grupo no poder é chegar num consenso acerca do candidato que vai representá-lo na chapa majoritária. Pois não há nenhum nome com força, no contexto atual, para fazer frente ao candidato apoiado, seja ele quem quer que seja, pelo Governador Wanderlei. Alguém poderá lembrar: - Ora, a Janad foi apoiada pelo Governador mas não levou. Eu respondo: - as eleições estaduais tem outra dinâmica diferente da disputa municipal, sobretudo na capital. 

O cenário nacional
Lula avança para o fim do seu mandato sem conseguir o que prometeu - unir o país. Quem minimamente compreende a política. Sabe que esse lema (união e reconstrução) não passava de uma falácia. Alguém com o mínimo de honestidade intelectual achava mesmo que o bolsonarismo estava enterrado após a derrota eleitoral de 2022? Derrota relativa, né?! Pois em que pese Bolsonaro não ter conseguido a reeleição, sendo derrotado por Lula, a extrema direita elegeu um grupo significativo de deputados e senadores além de aliados nos Governos de Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás. Resultado. Por mais esforço que faça, inclusive derramando emendas no congresso nacional em troca de apoio, o governo Lula não consegue avançar e mudar a percepção da população sobre a fragilidade de sua gestão. Mesmo assim, Lula ainda é o único que consegue se mostrar com alguma possibilidade de derrotar o candidato que representa o retorno da extrema direita - o que é lastimável a dependência da esquerda e das forças progressistas de uma figura. Pois ao que parece o bolsonarismo consegue sobreviver sem Bolsonaro, já o lulismo sem o Lula.

O Congresso Nacional e a Luta Popular
Em suas análises o filósofo Paulo Arantes sempre chamou atenção para os limites do governo Lula, sobretudo diante de um congresso majoritariamente alinhado aos interesses da elite. E o que se viu nos últimos anos é que as pautas do governo que avançaram foi a custa de muita barganha, em especial as ditas emendas parlamentares. Mesmo assim, quando há algum projeto que vai contra os interesses da burguesia, nem as emendas evitam uma derrota do governo. Até mesmo parlamentares de partidos que ocupam ministérios no governo não pensam duas vezes em dar seu voto contrário. Nesse contexto, salvo exceções, a população em geral se comportava como espectadora nesses embates, se limitando a reagir nas disputas de narrativas nas redes sociais. Mostrando por um lado a incapacidade de diálogo (que reflete na falta de apoio) do governo com a população. E por outro lado a desarticulação do movimento sindical e popular. Diante disso, o congresso fez o que bem quis nos últimos anos sem enfrentar grande oposição por parte da sociedade civil organizada. No entanto, com tanto poder na mão, cresceu a soberba. E essa acabou se voltando contra o parlamento brasileiro comandado pelo dito centrão (na verdade a direita tradicional). O ponto de erupção do descontentamento popular - a aprovação do aumento do número de deputados. Evidenciando a contradição entre o discurso de austeridade e a farra com dinheiro público favorecendo as elites. Isso acabou abrindo uma enorme oportunidade para o fortalecimento da luta popular colocando em pauta o fim dos privilégios fiscais a uma elite abastada bem como a redução da jornada de trabalho. Pautas que alcançam um grande apoio popular. Este apoio não pode ficar apenas no âmbito virtual. Nesse sentido, as organizações da classe trabalhadora precisam desenvolver estratégias que colocam o povo na rua. Pois é através da luta popular que podemos vislumbrar a aprovação do fim da escala 6x1 e a taxação dos supericos. Além de instigar o debate necessário de quem é o congresso nacional (quais os interesses representam) e semear a necessidade de uma mudança nas eleições de 2026 com a eleição de candidatos alinhados com os anseios populares.

Plebiscito popular e a retomada do trabalho de base
Há que se reconhecer que a luta popular não estava morta. Organizações como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a APIB (Associação dos Povos Indígenas do Brasil) nunca deixaram de fazer o enfrentamento político em torno de suas demandas. No entanto havia a necessidade de uma articulação entre esses diferentes grupos que são vítimas de um mesmo sistema. Diante disso, a estratégia do plebiscito popular é extremamente acertada. Pois, primeiro, está resgatando um elemento fundamental numa democracia de fato - que é a escuta da população. Segundo, oportuniza um canal de diálogo que pode resultar num saldo organizativo. Ao responder um questionamento sobre se a eleição do Obama não teria criado uma falsa ilusão acerca do fim do racismo nos Estados Unidos, a filósofa Ângela Davis (2018) lembra que mudanças estruturais são frutos de movimentos de massa bem organizados. Não podemos nos iludir achando que uma hora vamos eleger um salvador da pátria. Óbvio que, para a luta popular, é melhor você ter alguém com quem você possa dialogar na presidência do que alguém que nos criminalize. No entanto, não podemos nos acomodar. Inclusive devemos, de forma organizada pressionar esse presidente para que o governo possa tomar uma linha mais progressista. 

O tarifaço de Trump, o Bolsonarismo e a soberania brasileira
Uma das características do governo Trump (EUA) é o protecionismo como resposta à perda de força do imperialismo estadunidense no cenário internacional. É cada vez mais evidente que do ponto de vista econômico a China ameaça a hegemonia Ianque. De modo que as ações de Donald Trump podem ser vistas como uma espécie de desespero - de uma tentativa de retomar um protagonismo que está cada vez mais ameaçado. O Brasil não foi o único país no mundo a ser alvo das tarifas trumpistas - o que no entanto chamou atenção foi alguns dos argumentos utilizados, sobretudo a defesa do Bolsonaro. Deixando assim evidente uma questão que nenhum analista político sério poderia deixar de reconhecer - a medida foi exclusivamente política - e diria mais - uma espécie de chantagem querendo obrigar o governo brasileiro a se curvar diante do Governo Trump (que reproduz o discurso de vitimização do Bolsonaro), abrindo mão da nossa soberania. Alguns analistas até quiseram igualar a postura interventiva trumpiana a visita que o presidente Lula fez a Cristina Kirchner (em prisão domiciliar acusada de corrupção durante os seus governo a frente da casa rosada) numa reunião da cúpula do Mercosul em Buenos Aires (Argentina). O que não tem nada haver. Uma coisa é você prestar solidariedade a um aliado político que você acredita que está sendo perseguido. Outra coisa é você utilizar a máquina estatal para tentar obrigar um Estado soberano a proteger um aliado político que você acredita que está sendo perseguido. Não dá para falar que houve um erro de análise por parte dos Bolsonaros (do Eduardo sobretudo) ao acreditar que a medida de Trump iria provocar uma onda interna de pressão ao Governo Brasileiro e o judiciário a recuar do processo que investiga a tentativa de golpe de Estado promovida após as eleições de 2022. É assim que eles fazem política, não estão preocupados com as consequências para o país desde que isso signifique manter uma narrativa que permita alimentar sua base de apoio. É nesse contexto que se pode compreender as ações que levaram à prisão domiciliar do Jair Bolsonaro.

Genocídio Palestino
Não há como falar do cenário internacional sem mencionar o Genocídio que está acontecendo na Palestina com a anuência das principais potências do ocidente. Isso evidencia mais do que tudo o que o filósofo estadunidense Noam Chomsky já havia dito sobre o porque não há por parte dos governantes de países que fazem parte da União Europeia (entre outros) o mesmo posicionamento que tem em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia - a Palestina não tem riqueza e nem poder. E assim lavam as mãos para que o governo fascista de Israel leve adiante o extermínio do povo palestino. Ainda corroborando com a fala do Chomsky, a gente viu como o conflito com o Irã caminhou rapidamente para um cessar fogo. Se os palestinos tivessem o mesmo poder de resposta dos iranianos a coisa seria diferente. A resolução desse conflito passa por uma ampla campanha de solidariedade aos palestinos e denúncia das atrocidades cometidas pelo governo Israelense. Esse movimento é cada vez mais crescente apesar do silêncio da grande mídia. Nesse sentido, retomemos a filósofa Ângela Davis que há vários anos vem se manifestando em defesa da causa palestina e denunciando o governo de Israel. É fundamental articular as lutas contra as opressões com a causa palestina. Pois não se trata de uma questão isolada. Mas parte de um processo que reverbera na luta em defesa dos direitos humanos em todo o mundo. Por fim, concluo fazendo minha as palavras do Vladimir Safatle no encerramento da aula magna (que teve como objeto a relação da Filosofia (e do pensamento crítico) com a situação em Gaza) no departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), no início de 2024: eu gostaria de lembrar que não há liberdade sem terra e que não há vida possível sem liberdade. Com isso fica evidente que a nossa compreensão de liberdade não é abstrata como a concepção liberal. Devemos portanto lutar para que ela se concretize. E ela só se concretizará quando todos tiverem condições de existência.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Resenha: Porkão festival 2025

Para quem é do underground e compreende a importância de fortalecer lugares e pessoas que ousam promover a cena não pode deixar de exaltar festivais como o porkão festival. Na sua 18° edição realizada na noite do dia 28 de junho (2025)  no tendencies, esse evento que já pode ser considerado tradicional, organizado pelo André Porkão, mostrou a força de quem resiste fazendo arte no Tocantins e no Brasil as margens do sistema.

Fazia alguns anos que eu não ia num festival de rock. No Tocantins então tinha ido uma única vez na primeira edição do Agosto de Rock em Miracema, lá nos idos de 2004. Depois fui morar em terras goianas e acabei forjando meu gosto pelo punk e metal em festivais no DCE da UFG, no Martim Cererê e no Centro Cultural Oscar Niemeyer assistindo shows de bandas como o Sepultura, Ratos de Porão, Matanza, Claustrofobia, Ressonância Mórfica, Spiritual Carnage, Rolling Chamas entre outras.

Quando vi no programa que a banda santista Surra (SP), seria a Headliner do festival me intimei a ir. Afinal de contas, não é muito comum bandas como essa fazerem shows em terras tocantinas. Tanto que seria a primeira vez deles por essas bandas. Seria também a oportunidade de apreciar bandas locais que fazem música autoral de muita qualidade como a Magoo e o bando Urtiga e a Poeta do Caos.

O evento aconteceu numa noite de sábado, quando boa parte da cidade estava no arraiá da capital. Nada que atrapalhasse um público significativo comparecer ao evento. Até porque quem gosta de rock in roll, em especial metal e punk não vai deixar de ir para um festival com Surra e companhia para ir numa festa junina. E não digo isso por uma questão valorativa, até porque aprecio muito a cultura popular expressa nessas festas.


Confesso que estranhei um pouco o lugar e o público (nunca tinha ido no tendencies). Eu sou sobretudo um punk, vindo do interior e que mora na periferia da capital. De modo que quanto mais underground para mim (tanto o lugar como as pessoas) melhor. Vendo o estilo das pessoas me perguntei por um momento se aquela galera, um tanto aburguesada, sabia que a Surra é um grupo anticapitalista que meti o dedo nas mazelas desse país. Pensei comigo: - que diabos é isso, esse povo tá arrumado para um baile ou para um festival underground? Vendo os integrantes da Surra (Leeo, Guilherme e Victor) e o André Porkão e alguns outros. Não me senti totalmente deslocado. Não era o único com o estilo do dia a dia.

As apresentações tiveram início com a Bullet proof, banda palmense, que chegou metendo o pé na porta com o seu new metal de qualidade. Essa palavra vai aparecer em todas as demais apresentações, pois de fato foram todas apresentações de qualidade. E nesse sentido é preciso reconhecer a equipe de som - o som de todas as apresentações estavam impecáveis. Tanto das bandas locais como das atrações nacionais (o Leeo fez questão de ressaltar isso numa fala). Era possível apreciar cada instrumento. Nesse sentido da Bullet proof destaco o guitarrista que fazia um beck vocal gutural e o baterista.

A banda seguinte a subir no palco foi a Poeta do Caos, vinda de Paraíso (TO). Também com letras autorais Cláudio Macagi (vocalista) e companhia colocou o público para dançar num ritmo que lembrou o rock setentista e o Marcelo Nova da Camisa de Vênus. Além da performance do Cláudio, os demais músicos também mostraram muita competência nos seus instrumentos.

A banda seguinte foi a Vocifer que nos mergulhou no metal novamente, mas agora numa pegada melódica ala Angra. Confesso que não sou um apreciador de metal melódico mas não posso deixar de reconhecer o talento da banda. Com destaque para o seu frontman. Não é atoa que eles têm ganhado espaço no cenário nacional disponibilizando material de muita qualidade. Vendo a relação da banda com o público vi que parte significativa dos que ali estavam acompanham o trabalho do grupo e fazem parte da sua base de fãs. E para mostrar ainda mais a competência deles, eles foram o grupo de apoio do Marcello Pompeu na sua apresentação solo que veio em seguida.

Pompeu, para quem aprecia metal no Brasil, dispensa apresentações. Com mais de 60 anos de idade e 40 de carreira, é vocalista da lendária banda Korzus (SP). De modo que não é de se admirar que sua apresentação fosse uma catarse coletiva. Sobretudo porque ele brindou os presentes com interpretações de bandas clássicas como Kiss, Judas Priest, Slayer, Metallica e, não poderia faltar, Korzus. Nessa apresentação os músicos da Vocifer mostraram mais ainda sua competência.

Em seguida foi a vez da banda que eu mais esperava - a Surra. Antes o André Porkão, emocionado, subiu ao palco para agradecer a presença de todos.


Vendo o trio santista tocarem ao vivo fez todo o sentido o nome da banda. Eles deram uma surra sonora com sua mistura de punk, hardcore e metal que incendiou o local. Começando com: “Bom dia seu crente desgraçado/Preconceituoso e nojento/Tu me odeia porque eu falo errado/Sou fodido de grana e uso sempre a mema roupa… Foi uma bateção de cabeça do inicio ao fim de uma apresentação que não nos deu tempo para respirar, no melhor estilo: como um soco no estômago. A galera se empolgou e colocou a roda para girar. Como a minha idade não permite essas coisas radicais fiquei no pé da grade batendo cabeça. É impressionante a velocidade que o Victor toca bateria. A fúria do Leeo cantando e tocando guitarra é incendiário. E o Guilherme com seus óculos escuros tocando contrabaixo e cantando forma um conjunto perfeito. Em alguns momentos a música deles me remeteu aos Ratos de Porão. Outras ao Sepultura. No entanto, o trio tem uma identidade sonora construída ao longo de uma história de 13 anos de existência. E que lhe coloca como um dos nomes que levará adiante o legado da música pesada no Brasil.


Com perdão do péssimo trocadilho, mas não poderia deixar passar - a surra nocauteou muita gente. E quando o Magoo e o bando urtiga subiu no palco eram poucos os que ficaram para testemunhar uma ótima performance. Com músicas do seu último trabalho (Crônicas do Brega Açu) a trupe vinda de Taquaruçu colocou a galera para dançar no ritmo da guitarrada. Com destaque para a canção cintilante que nos instiga a puxar quem está do lado e dançar agarradinho. Eu não poderia deixar de prestigiá-los e fiquei até o final.

Enfim, foi uma noite e tanto, regado a rock in roll e cerveja. Aliás, preciso falar que a cerveja estava no ponto. Me despedi da menina do caixa ao comprar a saideira e segui renovado para casa. Vida longa ao Porkão festival, vida longa ao underground tocantinense, ao punk, ao rock in roll.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

Num momento fui tomar um ar lá fora, no intervalo de uma apresentação e outra, e me deparei com o Leeo (Vocal e Guitarra) e o Victor (Baterista) da banda Surra (SP). Achei que seria legal falar para eles que acompanho e aprecio o trabalho da banda. Eles gentilmente agradeceram. Questionei então se teria algum problema deles fazerem um registro fotográfico comigo e responderam prontamente que de forma alguma. Inclusive o próprio Leeo pegou meu celular e puxou a self.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Crônicas de final de bimestre: Síndrome da centopeia ou sobre avaliação

Estamos chegando em mais um final de bimestre. Esse é especial, pois marca o fechamento do primeiro semestre letivo e teremos uma pausa de 30 dias (férias escolares). Ou seja, um bom período para desacelerarmos e nos desligarmos da cansativa rotina escolar. E voltar para o segundo semestre com energias renovadas ou não.

Nesses anos de docência para mim todo final de bimestre não é diferente. Por um lado os estudantes correndo atrás da gente buscando um pontinho a mais e por outro as exigências burocráticas de lançamentos no sistema de gerenciamento escolar (SGE). Sobre esse segundo não tenho muita dificuldade já que não sou daqueles que deixam tudo para última hora. Já em relação a nota dos estudantes o meu critério é simples. 

Como ponto de partida todo mundo tem 10,0. Manter essa média até o final do bimestre depende do que cada um produz ou deixa de produzir em sala de aula. Isso significa que o estudante é avaliado de forma contínua a partir de três aspectos: conceitual, procedimental e atitudinal. O resultado final é que são raros aqueles que chegam ao final do bimestre com a média 10,0. O que ocorre no geral são estudantes precisando de pontos extra para alcançar a média ou melhorar. Em relação a alcançar a média não sou muito exigente. Pois não há no meu horizonte a palavra reprovação. Já conseguir uma média 8,0 em diante é outra história. 

Há sempre aqueles estudantes que não se importam com a nota que vai para o boletim, desde que esteja dentro da média. Mas há aqueles que compreendem que aquilo não é apenas um número. E sim reflexo do que eles foram como estudante no bimestre e a partir daí buscam modificar a situação. 

Enquanto professor gostaríamos que isso fosse o comportamento de todos, mas compreendo que faz parte de um processo. No entanto, quando alguns despertarem talvez seja tarde. Não, não me culpo por isso. Compreendo que como professor tenho uma limitação. Por mais brilhante que eu seja (e não sou) se o estudante não quiser, não tem como fazer milagres. 

Mas enfim. Desde o ano passado tenho feito o seguinte com os estudantes que buscam melhorar sua média. Eles são desafiados a elaborar um memorial do que trabalhamos no bimestre ou escrever um ensaio filosófico a partir de um tópico determinado. Nesse bimestre especificamente me deparei com uma antiga  fábula chinesa (a centopeia confusa)  num livro de filosofia do Juvenal Savian e então solicitei que os estudantes, que quisessem, poderiam elaborar um ensaio acerca dela.

A fábula retrata uma centopeia despreocupada e feliz que um dia encontra um sapo que lhe faz uma pergunta existencial: - quando você anda, em que ordem você mexe suas patas? A centopeia não só não soube responder. E por mais que refletisse em busca de uma resposta não encontrou. Essa questão a perturbou tanto que ela não conseguiu mais pôr as patas em movimento. E ao não se mover ficou presa em seu buraco e morreu de fome.

Quando propus o exercício não havia refletido sobre. De modo que não criei expectativa acerca do que receberia dos estudantes. Meu objetivo era instigá-los a pensar e ao ver a reação deles a primeira leitura já me dei por satisfeito. No entanto, à medida que ia recebendo os ensaios fui buscar compreender a fábula e ver em que medida aquela mensagem contribuiria para mudança de visão daqueles estudantes.

O que me ocorreu foi justamente uma relação com o processo avaliativo. Quando fazemos uma avaliação corremos o risco de que o estudante se comporte como a centopeia. Diante de um determinado resultado começa a dizer que não é capaz e de fato se torna incapaz. Não compreende que os questionamentos/críticas são importantes para o nosso aprendizado e a partir daí a melhora de nós mesmos. O fato de ter ido mau numa prova, de não ter conseguido responder a um questionamento, não significa que é o fim. Será que eles entenderam? Contribuir para isso será meu objetivo no próximo semestre.

Por Pedro Ferreira Nunes - Professor de Filosofia na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Perspectivas filosóficas acerca da Guerra

Existe alguém que está contando com você/ Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra/Não é ele quem vai morrer

Legião Urbana 


Nos últimos anos acompanhamos com apreensão conflitos bélicos de grande proporção que ameaçam toda a humanidade. Estaríamos à porta de uma terceira guerra mundial? Os episódios que acompanhamos dia a dia pelos meios de comunicação parecem nos dizer que essa é inevitável. Sobretudo num contexto em que a política caminhou para os extremos e a capacidade de dialogar e buscar consensos parece ter se perdido. A guerra seria inevitável? Para responder essa pergunta é interessante conhecermos algumas perspectivas filosóficas acerca da guerra. Antes comecemos por definir o que é a guerra.

Álvaro Nunes (2015) define a guerra como “conflitos entre comunidades políticas que pretendem governar ou influenciar o governo de um território.” Para explicitar melhor essa definição peguemos o exemplo do conflito entre Rússia e Ucrânia. O governo anterior ucraniano era pró Rússia. Após um levante popular houve uma mudança com a ascensão de um grupo pró Ocidente. A partir daí, teremos, sobretudo devido à localização territorial desses países, a série de episódios que levará a um conflito bélico. Ou seja, a perda de influência do governo Russo sobre o governo Ucraniano, e as possíveis consequências dessa perda de influência levaram a guerra. Um aspecto importante que leva ao conflito não é a perda de influência em si. Mas o fato de que essa influência será exercida por outro país - que tem seus próprios interesses.

Outro exemplo são os golpes militares com o apoio (financiamento) de determinados países. Para dar um exemplo mais concreto não precisamos ir longe. Só lembrarmos do apoio do governo estadunidense à ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). No caso do conflito entre Israel e Palestina o objetivo é governar um território.

A partir daí podemos inferir que a guerra faz parte da dinâmica da luta por hegemonia política. As consequências são catastróficas com a perda de milhares de vidas e a expulsão de outros tantos dos seus territórios. Mas isso parece não pesar na balança daqueles que decidem entrar num conflito bélico, bem como daqueles que os apoiam. O que nos faz questionar: as guerras são necessárias? Álvaro Nunes (2015) defende que, pelas suas consequências, a guerra se torna um dilema moral. E na tradição filosófica temos três correntes: o realismo, o pacifismo e a teoria da guerra justa (justum bellum). Conheçamos um pouco de cada um, a começar pelo realismo.

O aspecto fundamental do realismo é a separação entre ética e política. Ou seja, o governante não deve pautar suas decisões a partir da moral. Ainda mais se tratando de política internacional onde prevalece o interesse do mais forte. Se Israel quer expandir suas fronteiras e tem força para tanto, que importa que alguns Palestinos tenham que perder suas casas ou serem exterminados?

De acordo com Álvaro Nunes (2015) para os realistas “nas relações entre estados, a única regra que conta é a do “direito do mais forte à liberdade”. Qualquer outra regra é contrária aos interesses dos estados e, por isso, não deve nem pode ser tida em conta. A única política correcta nas relações internacionais é a “realpolitik”.

No que consiste a realpolitik? Nada mais do que a compreensão que a política deve ser feita a partir das coisas como são e não como gostaríamos que fosse. Ou seja, a política deve ser feita como uma resposta à realidade. E a realidade mostra que os mais fortes são aqueles que agem de acordo com seus interesses. Que o diga os Estados Unidos (EUA).

A corrente seguinte é o pacifismo - que é o oposto do realismo - ou seja, defende a relação intrínseca entre ética e política. Nesse sentido para os pacifistas todas as guerras são imorais. De acordo com Álvaro Nunes (2015), para os pacifistas, “seja por razões de princípio seja devido às consequências que dela resultam, a guerra é sempre incorrecta.” A expressão dessa corrente é a posição do então Papa Francisco contrário à guerra (posição mantida pelo Papa Leão XIV). E do movimento pró Palestina representado por Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila.

Já a corrente seguinte busca fazer uma síntese entre as duas anteriores. Defendendo que nem todas as guerras são imorais. Denominada de teoria do justum bellum defende o direito de um Estado ou um povo se defender diante de uma agressão. Um exemplo nesse sentido seria a reação do Irã aos ataques de Israel. Ou da Ucrânia em relação à Rússia. Ou ainda de Israel aos ataques do Hamas.

No entanto, para ser considerado uma guerra justa é necessário o respeito a alguns critérios. Não vamos nos aprofundar sobre isso. Apenas passar superficialmente em alguns pontos. A começar pelo Jus ad bellum que estabelece quais os critérios que o governante deve seguir: 1- causa justa; 2- Reta intenção; 3- Autoridade apropriada e declaração pública; 4- Último recurso; 5- Probabilidade de sucesso; 6- Proporcionalidade. A partir daí podemos questionar se os exemplos anteriores (Irã x Israel, Ucrânia X Rússia, Israel x Hamas/Palestina) podem mesmo ser considerados guerras justas. Já o Jus in bello se refere ao que deve ser levado em consideração durante a guerra: 1- Obedecer a todas as leis internacionais sobre armas proibidas; 2- Separação e imunidade dos não-combatentes; 3- Proporcionalidade; 4- Prisão benévola para os prisioneiros de guerra; 5- Não se pode utilizar meios que são maus em si mesmos; 6- As represálias são proibidas. Também a partir desses critérios podemos questionar se as guerras em cursos são justas. Por fim temos a Jus post bellum que se refere a fase final da guerra: 1- Castigo aos violadores das regras estabelecidas; 2- Compensação; E 3- Reabilitação.

De acordo com Álvaro Nunes (2015) “a teoria da guerra justa não visa justificar ou impedir a guerra quaisquer que sejam as circunstâncias. Não é um cheque em branco nem um cartão vermelho. A teoria da guerra justa é antes um instrumento que permite aos decisores políticos e àqueles que têm a responsabilidade de conduzir a guerra tomar decisões de acordo com um conjunto de regras que visam garantir a correcção dessas decisões, ao mesmo tempo que permite aos cidadãos em geral apreciar a correcção das decisões tomadas.”

A questão é quem arbitra esses conflitos? E quem aplicará as penalidades aos que infringir? Por mais que existam esses órgãos como o Tribunal Penal Internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU). Na prática não funcionam.

Enfim, a partir do que vimos podemos responder a nossa questão acerca da possibilidade de não haver guerras. A história nos mostra que não. Diante disso o ideal seria então a guerra justa. Mas o que tem prevalecido é a perspectiva realista - onde prevalece o interesse do mais forte. Inclusive na construção da narrativa hegemônica de que a justiça está ao seu lado. Como lembra uma canção da banda Legião Urbana: “Deus está do lado de quem vai vencer".

Por Pedro Ferreira Nunes - Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins e Mestre em Filosofia pela UFT.

domingo, 15 de junho de 2025

Sobre a morte do rock and roll

Não é de hoje que se ouve essa história acerca da morte do rock and roll. Mas agora com a popularidade em queda bem como o surgimento de novos artistas esse discurso tornou-se mais forte. Porém, quem aprecia essa expressão artística, que reflete num modo de vida, sabe que isso não corresponde à realidade. Certamente o rock and roll não tem a mesma relevância comercial e popularidade que gêneros como o Pop, Sertanejo, Forró e Funk. Isso não significa, no entanto, que não haja público. Como também é uma falácia que não existam novos artistas. E ainda que não existissem novos artistas o legado construído em menos de um século torna o rock and roll eterno.

Gostaria de continuar nesse ponto tanto em relação a queda de público como da falta de novos artistas. Que são usados como argumento para justificar o discurso que decreta a morte do rock. Em relação ao primeiro, é importante compreender a mudança da sociedade. E o crescimento de outros gêneros musicais, sobretudo aqueles que são mais manipuláveis comercialmente, e mais eficazes como produto de uma cultura de massa. Nesse contexto, eu diria que é até natural que haja essa diminuição de público de artistas do rock and roll - um gênero que tem na sua essência a rebeldia e o inconformismo com a ordem dominante.

Por outro lado, precisamos compreender que o crescimento de outros gêneros musicais não é de todo ruim. Ruim é a monopolização seja de qualquer gênero. Até porque o que nos caracteriza em termos cultural é a multiculturalidade.

No contexto brasileiro isso tem sido bastante evidenciado no carnaval. Já escrevi sobre isso. Mas cabe retomar brevemente aqui. 

Por muitos anos, quando se falava em carnaval logo se remetia ao samba ou axé. Isso mudou. E creio que essa mudança teve início em Pernambuco, mais precisamente em Recife com o carnaval multicultural com a presença de artistas da cultura tradicional como o maracatu e o frevo. Passando por outros gêneros. Inclusive rock and roll. Tivemos com isso, digamos assim, uma mudança de paradigma expressada no carnaval de rua em todas as regiões do país. E lá estão presentes blocos que cultuam o rock and roll entre eles: Bloco Sargento Pimenta (que homenageia a banda The Beatles), Bloco Toca Rauuul! (que homenageia o Raul Seixas) e Bloco 77 (que homenageia bandas do movimento punk).

Em relação ao segundo, o surgimento de novos artistas, há sim. Inclusive com uma produção de muita qualidade. A questão é que os críticos esperam um novo The Beatles, Rolling Stone, Black Sabbath, Jimi Hendrix,  Raul Seixas, Rita Lee, Cássia Eller. O que é impossível. Quando surge um novo artista logo vem a comparação e a partir daí o veredicto de que não é boa. Mas o fato é que há novos artistas do rock and roll, tanto a nível internacional como nacional, fazendo música de muita qualidade. Sem falar nos nomes consagrados que continuam produzindo coisas relevantes.

Ousarei agora citar alguns nomes desses artistas. Essa citação, no entanto, não é valorativa, mas de gosto. Ou seja, do que ouvi e gostei. E passou a fazer parte da minha playlist.



A primeira banda é a Idles (britânica-irlandesa), formada em Bristol em 2009. Composta por Joe Talbot, Mark Bowen, Lee Kiernan, Adam Devonshire e Jon Beavis. Tem um som visceral com uma energia punk. Letras críticas e uma postura irreverente.

A segunda é uma banda estadunidense - The interrupters - que toca um ska punk muito envolvente. Que surgiu na Califórnia, 2011, formada por Aimee Allen no vocal,  e os três irmãos: Jesse Bivona na bateria, Justin Bivona no baixo e Kevin Bivona na guitarra. O som é bem contagiante e as letras abordam tanto questões sociais como o cotidiano. O vocal rouco da Aimee é um diferencial.



A terceira é a The chats - uma banda de punk rock australiana formada em 2016 (Sunshine Coast) e é composta por um trio: Josh Hardy - na guitarra, Matt Boggis - na bateria e Eamon Sandwith no contrabaixo e vocal. Temos aqui uma sonoridade clássica do punk rock e as letras abordam o cotidiano dos jovens com suas venturas e desventuras.

A quarta é brasileira, Manger Cadavre, uma banda de hardcore metal formada em 2011 em São José dos Campos (2011), tem como integrantes a vocalista Nata e Marcelo Kruszynski: baterista, Bruno Henrique: baixista e Paulo Alexandre: guitarrista. As letras têm uma forte crítica social gritadas pela Nata num gutural raivoso.

A quinta vem da Paraíba e foge um pouco da pegada dos nomes anteriores. Trata-se da Seu Pereira e Coletivo 401. Formada em 2009, o destaque fica por conta do naipe de metais (lembrando Los Hermanos) e letras poéticas, que tem como responsável Jonathas Pereira Falcão, que também é o vocalista.

A sexta, puxando um pouco a sardinha para minha terra, o Tocantins, destacaria a banda Big Marias (Palmas). Numa pegada punk esse trio composto pelas irmãs: Samia Cayres (Guitarra e Vocal) e Didia Cayres (Bateria). Além do Felipe Marinho (Contrabaixo). Fazem um som de extrema qualidade.



A sétima, também é uma banda estadunidense, trata-se da Scowl (Califórnia). Com um punk hardcore vibrante tanto pela performance da sua vocalista: Kate Moss. E sua trupe composta por Malachi Greene e Mikey Bifolco (Guitarra), Bailey Lupo (Contrabaixo) e Cole Gilbert (Bateria).

A oitava é brasileira, mais precisamente de Santos (São Paulo). Com seu punk hardcore metendo o dedo nas mazelas do nosso país, trata-se da Surra. Na sua formação temos: Leeo Mesquita (vocal e guitarra), Guilherme Elias (baixo e vocal) e Victor Miranda (bateria). Para quem aprecia um som rápido e veloz seguindo a tradição do Motorhead, eis um bom exemplo.



Continuando no Brasil, a nona é uma banda da qual inclusive já escrevi uma resenha sobre um dos seus álbuns (As Crônicas de Sucupira Gotham City). Estou falando da Magoo e o bando urtiga (Palmas). Com um som que remete ao Manguebeat e letras que vai de críticas sociais ao cotidiano de quem vive na capital do Tocantins a trupe formada por Fernando Magoo (vocal), Rodrigo Rodrigues (contrabaixo), Anderson Fernandes (bateria) e Artur Raineri (guitarra) mostra que no Tocantins se faz música (rock) de qualidade.

Enfim, não há mais nada o que dizer. Ou melhor, sempre há muito a se dizer. Mas em relação a essa questão, me dou por satisfeito. Como falamos no início, essa não é uma discussão nova e não será esse texto que colocará fim nela. Mas não poderia deixar de me posicionar, por mais irrelevante que seja essa opinião.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Sementes do cerrado ou ideias para adiar o fim do mundo

Manhã de quinta-feira, 05 de junho de 2025 - dia mundial do meio ambiente. Chegamos à escola e já começamos os preparativos. Pegamos as mudas de árvores do cerrado colocamos em cima da caminhonete, dividimos o grupo nos carros e seguimos em direção ao Setor Bertaville. Chegamos por volta das 09h e o sol já estava naquele ponto que só quem mora por essas bandas conhece bem. Ainda bem que os ventos gerais desse período tornam a temperatura mais suportável. Fomos recepcionados pelos diretores da associação de moradores do bairro e pelo professor Francisco Nascimento - proponente da ação. Começamos então a abrir os buracos e logo percebemos que não seria tarefa fácil sob o sol escaldante e a terra seca. Enquanto um grupo seguia na árdua tarefa de abrir os buracos. Outro partiu para distribuir panfletos e conscientizar os moradores a adotar e cuidar de uma muda.

Assim foi a culminância do projeto integrador do 1º semestre de 2025 - sementes do cerrado: em defesa do desenvolvimento sustentável, da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cemil Santa Rita de Cássia. Depois de duas horas de trabalho duro deixamos nossos rastros naquele território. Daqui alguns anos no mês de agosto quando os ipês colorirem a paisagem com suas flores exuberantes alguém dirá que foram os estudantes de uma escola que plantaram. Ou quando os cajueiros estiverem produzindo e um cliente do bar do Oliveira pegar um caju para tirar gosto. Alguém irá lembrá-lo que aquilo foi fruto de uma ação da escola. Da mesma forma, a senhora que nos forneceu água para regar as mudas tiver colhendo alguns frutos para fazer um suco. Algum passante ao buscar refúgio nas sombras das árvores não saberá. Mas elas estarão lá. Um dos estudantes,  que participaram da ação, um dia passando pelo local poderá contar para os seus filhos e dizer: - eu ajudei a plantar.

Ailton Krenak no seu livro Ideias para adiar o fim do mundo fala da importância da memória como resistência. Enquanto pudermos contar mais uma história estaremos adiando o fim do mundo, diz o nosso filósofo indígena - que também alerta para a forma com que nos relacionamos com a natureza. Fundamentado no conhecimento dos anciãos, ele nos dirá que se não soubermos caminhar sobre a terra o céu cairá sobre nossa cabeça. Uma analogia para dizer que o que fazemos com o meio ambiente retorna para nós. Pois afinal de contas fazemos parte desse ambiente. E quando o destruímos, estamos nos destruindo.

O pensamento do Ailton Krenak foi a nossa principal referência teórica do projeto integrador Sementes do Cerrado… O nosso ponto de partida foi inclusive apresentar e refletir sobre a sua crítica a concepção mecanicista da natureza a partir do seu livro ideias para adiar o fim do mundo. Durante as atividades os estudantes puderam conhecer um pouco da sua biografia, ler trechos da obra e discuti-la relacionando com a questão ética.

Outra ação de destaque do projeto integrador foi uma aula-campo na Agrotins. Essa feira de negócios que é a principal vitrine do agronegócio tocantinense é certamente um espaço importante para conhecermos e refletirmos sobre o modelo de desenvolvimento no campo tocantinense. O espaço mostra apenas o lado positivo, cabe a nós na sala de aula mostrar o outro lado. As consequências do avanço da monocultura sob os territórios das comunidades tradicionais, a contaminação do solo, da água e dos alimentos pelo uso abusivo do agrotóxico, o trabalho análogo a escravidão entre outros.

A plantação de mudas de árvores nativas do cerrado no dia mundial do meio ambiente seria a culminância do nosso projeto integrador. Há muito tempo o professor Francisco Nascimento (do componente curricular de Geografia) e morador do setor Bertaville havia nos provocado acerca da possibilidade dessa ação. E esse ano, com o apoio de toda a comunidade escolar, conseguimos concretizar. Ainda não com o alcance que gostaríamos. Mas foi um passo importante. Nessa linha, uma articulação antes com a associação de moradores do setor foi um grande acerto. Outro acerto foi a ação de conscientização dos moradores acerca da adesão ao projeto por meio da adoção e cuidado com as mudas.

Era por volta das 11h quando retornamos para a escola. Apesar do cansaço, o sorriso no rosto de contentamento de todos mostrava que havia valido apena. Assim como a disponibilidade para as próximas ações: - professor, na próxima não esquece de mim.

Como todo camponês que não tem a certeza de que a sua semente dará frutos. Nós também não sabemos qual o destino das nossas sementes. Mas de uma coisa temos certeza. Se não houver quem semeia, não haverá colheita. E aqui não estou falando das mudas propriamente. Mas da árdua missão da docência. Quantos estudantes conseguimos sensibilizar com esse projeto? Quantos conseguem mostrar novas possibilidades de nos relacionarmos e viver em comunidade - em harmonia com o meio ambiente? O tempo dirá.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Breve comentário sobre o ensino de Filosofia a partir da leitura do livro Filosofia: o pensar conceitualmente como rizoma, do Willian Costa de Medeiros

Há na Filosofia sempre uma tentativa de ruptura com um pensamento anterior. E a partir daí a pretensão de tornar uma perspectiva filosófica, na Filosofia. Talvez esse seja o problema do livro do professor, mestre em Filosofia - Willian Costa de Medeiros. Eu diria que esse problema é reflexo da perspectiva do ensino de Filosofia que ele assume -  que se fundamenta na concepção filosófica de Deleuze e Guattari - pensadores franceses que tem no Brasil um dos seus divulgadores, o professor e filósofo Silvio Gallo. Seria mais honesto deixar claro que trata-se de uma possibilidade do ensino de filosofia em sala  de aula. Apenas mais uma possibilidade como tantas outras.

Gostei bastante da primeira parte da obra, quando o professor faz um relato de experiência acerca do seu fazer profissional. De quando ele iniciou na docência e dos desafios encontrados. Da sua busca por responder aos problemas que encontrava nas aulas de filosofia. Ao invés de apenas se acomodar e justificar sua inércia a partir do discurso de que os estudantes não estão nem aí para educação e menos ainda para o ensino de Filosofia. De modo que não adianta “jogar pérolas aos porcos”. Muito pelo contrário. Como um bom filósofo, o professor Willian não abriu mão do questionamento e de ir em busca de respostas. Desse processo surgiram experiências de fato interessantes como o jornal ou revista. Ou ainda os relatórios de aula feitos pelos estudantes. Ou ainda os mapas conceituais. Gostei também dos relatos dos fracassos. Pois no nosso fazer profissional o fracasso sempre está no horizonte. Isso não significa, no entanto, que estamos no caminho errado. Pelo contrário. E o professor deixou isso muito claro. O fato de não ter dado certo num determinado contexto ou numa determinada turma não quer dizer que não possa ser experimentado em outros cenários. São possibilidades. Quanto mais possibilidades tivermos, mais preparados estaremos de responder a diferentes desafios.

O problema da obra começa na segunda parte. Quando nosso autor busca fundamentar teoricamente o seu trabalho. Recorrendo entre outros a Silvio Gallo e a partir daí em Deleuze e Guattari - que por sua vez se fundamentam no anarquismo. A questão é que quando analisamos criticamente o que propõem esses pensadores não temos na nossa frente uma teoria libertária, mas pequena burguesa. A partir daí ao final e  a cabo temos um ensino de filosofia que, ao contrário de uma perspectiva anarquista que proporia a superação  da ordem dominante, acomoda-se a ela. Inclusive o autor faz questão de mostrar a sintonia entre a sua proposta e a base nacional comum curricular (BNCC). Ora, como assim? Uma proposta de inspiração anarquista alinhada ao Estado Burguês? Que tem como finalidade manter o status quo e não a sua superação. Que não questiona o conceito de cidadania liberal, mas  se acomoda a ele. Que reduz o ensino de filosofia a criação de conceitos.

Quando analisamos a filosofia no documento curricular do Tocantins (DCT) percebemos uma forte influência dessa perspectiva filosófica. O que na minha visão é limitante. Óbvio que a gente sabe que o professor na sala de aula tem autonomia para não se limitar a uma perspectiva do ensino de filosofia. Até porque algo que qualquer estudante de Filosofia na faculdade aprende é que não existe filosofia, mas sim filosofias. E a partir daí cada um assume a perspectiva que avalia como a melhor. Muitos descobriram na prática da sala de aula que a melhor será aquela que conseguir desenvolver a partir da realidade em que está inserido. Afinal de contas não é a teoria que valida a prática mais o contrário.

Analisando a dissertação do professor William é isso que percebemos. A teoria deleuziana e congêneres é utilizada para validar sua prática. Óbvio que esse processo é dialético. A prática lhe levou a uma determinada teoria e essa teoria certamente afetará sua prática, abrindo novas possibilidades. Ainda que ele pareça não compreender esse movimento, é o que se evidencia. O que também fica evidente é que alguns pensadores tentam vender algo de novo que no fundo não tem nada de novo.

De todo modo vale a pena a leitura. A obra é fruto do programa de Mestrado profissional em Filosofia (PROF-FILO). Que tem sido um motor propulsor do ensino de Filosofia na educação básica. Tanto as aulas como as pesquisas realizadas têm abrindo novas possibilidades para este ensino. E o fortalecimento da nossa área.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.