domingo, 20 de abril de 2025

Ailton Krenak e as ideias para adiar o fim do mundo

Quando falamos em fim do mundo logo nos remetemos a um discurso teológico que prega a adesão a certa doutrina como meio para ser salvo no momento do juízo final. Não é esse o objeto do Krenak. Mas provocar uma reflexão que nos faça pensar na relação que estabelecemos com o meio ambiente e com os nossos companheiros de jornada neste planeta. Logo, se quisermos adiar o fim do mundo, desse mundo. Precisamos repensar nessas relações pautadas em interesses mercadológicos.

Ideias para adiar o fim do mundo (2019) é uma das obras mais interessantes desse indígena do povo Krenak (localizado na região do Vale do Rio Doce, Minas Gerais) que há várias décadas levanta sua voz em defesa dos povos originários. Filósofo, escritor, ativista do meio ambiente. Ailton Krenak teve sua trajetória coroada recentemente ao se tornar o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). É de sua lavra também títulos como: Futuro Ancestral (2022), A vida não é útil (2020),  O lugar onde a terra descansa (2000).

Como um bom filósofo, o ponto de partida de Krenak é o questionamento. E o questionamento que desencadeia a sua reflexão sobre a possibilidade de adiarmos o fim do mundo é acerca do conceito de humanidade.

“Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos”.

O trecho acima mostra, digamos, o método do Krenak, alicerçado na tradição oral dos povos indígenas. Temos ao longo das páginas de ideias para adiar o fim do mundo uma conversa, um diálogo. De modo que o nosso filósofo dialoga com a tradição filosófica ocidental mas mantendo a sua identidade. Sua escrita é de fácil compreensão, não fugindo da polêmica.

No trecho acima chamaria sobretudo atenção para esse processo de desenraizamento no qual somos submetidos. Sobretudo os povos das águas e das florestas que são expulsos dos seus territórios para dar lugar à monocultura. O filósofo faz uma analogia bem interessante do conceito de humanidade com um liquidificador. Ou seja, para você ser considerado humano precisa abrir mão das suas raízes e se dissolver na massa. Os povos indígenas e africanos sabem muito bem disso, pois sentiram na pele durante o processo de formação da nação brasileira.

Krenak conta que o título da obra surgiu como uma provocação. Ele fora convidado para uma palestra na Universidade de Brasília (UNB) e ao ser questionado qual seria o título da sua exposição disse: Ideias para adiar o fim do mundo. Desse modo, a origem dessa obra é um conjunto de várias palestras que ele deu tanto no Brasil como em outros países.

“Estar com aquela turma me fez refletir sobre o mito da sustentabilidade, inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza. Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”.

Nesse outro trecho de ideias para adiar o fim do mundo, Krenak defende sua concepção da natureza - a ideia de um organismo do qual todos nós fazemos parte. Opondo-se portanto à visão da natureza como uma máquina presente no pensamento de filósofos como René Descartes.

Um ponto interessante acerca deste livro é a visão do ser humano como um ser parasitário. Uma discussão que vai ganhar evidência com a pandemia de COVID-19.

“O que aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar, porque, se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura ou da extinção dos sentidos das nossas vidas, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda”.

Durante a pandemia de COVID-19 até se cogitou a possibilidade de uma mudança de paradigma no sentido de uma sociedade pautada na solidariedade e na cooperação. Mas não é isso que estamos vendo. Certamente o Ailton Krenak e outros pensadores que fazem esse alerta são classificados de catastrofistas. Mas a realidade mostra cada vez mais quem está com a razão. Ainda que essa palavra razão seja bastante ligada ao conceito de humanidade.

Mas enfim. Não é nosso objetivo aqui fazer uma análise aprofundada da obra em questão. Mas apenas apresentá-la fazendo algumas pontuações. Ideias para adiar o fim do mundo é na minha compreensão um livro clássico de filosofia. Mas não se trata de uma tentativa de imitar pensadores europeus. Certamente Krenak não despreza a filosofia ocidental de matriz europeia. Mas não se limita a ela. Buscando a fundamentação do seu pensamento na sua ancestralidade.

“Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista.”

Isso me fez lembrar de um documentário (Tocantins - Rio Afogado) tocantinense do Hélio Brito que mostra o impacto sociocultural da construção de Usinas Hidrelétricas ao longo do leito do rio. Com a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães o rio Tocantins para muitos já não é mais o rio Tocantins e sim o lago de Palmas - onde o interesse comercial se sobrepõem a vida.

Krenak nos questiona qual o mundo estamos deixando para o futuro e qual o que gostaríamos de receber. Será se nossas ações são coerentes com o que dizemos? Para o nosso filósofo não é possível pensar em adiar o fim do mundo enquanto nos colocarmos como algo fora da natureza, como se não fizéssemos parte dela.

Enfim, já era para ter encerrado lá atrás. Mas me empolguei um pouco. Concluo portanto convidando-os a ler ideias para adiar o fim do mundo. No meu caso, além de lê-lo, nos últimos anos, tornei-o um dos livros que faz parte da bibliografia das minhas aulas de Filosofia. Por isso, super recomendo.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins. 

terça-feira, 15 de abril de 2025

Resenha: Rodox e o seu álbum de estreia - Estreito

Há um tempo que não faço as minhas resenhas das coisas que ando ouvindo. Então vamos lá. Esse eu ouvi por acaso. E não poderia deixar de escrever pois é certamente um dos melhores discos de rock dos anos 2000. O que me fez pensar que nada como o tempo para que a gente mude o nosso olhar sobre determinadas coisas.

Antes de falarmos do Rodox e seu álbum de estreia precisamos falar sobre o acontecimento que levou ao surgimento do grupo - a saída do Rodolfo Abrantes da banda Raimundos. Para os desavisados, a Raimundos é uma banda que surgiu em Brasília e tomou o Brasil de assalto com sucesso como Mulher de Fases, A mais pedida, Eu quero ver o oco, Puteiro em João Pessoa entre outros. E era composta por: Rodolfo (Vocal), Digão (Guitarra), Canisso (Contrabaixo) e Fred (bateria). A saída do vocalista pegou os fãs de surpresa, sobretudo porque a banda estava no auge. Mais ainda o motivo, sua conversão ao protestantismo cristão.

Ao montar a banda Rodox, integrada por DJ Bob (efeitos), Fernando Schaefer (bateria), Marcos Adamuy (guitarra), Pedro Nogueira (guitarra) e Patrick Laplan (baixos), Rodolfo mostrou que continuaria no rock, mas agora ao contrário das letras escrachadas dos Raimundos no melhor estilo sexo, drogas e rock in roll. Certamente teríamos letras com mensagens evangelizadoras.

E acredito que foi exatamente isso que afastou tanto eu como muitos outros do som da banda. No decorrer dos anos já até me deparei com algum vídeo de apresentação do Rodox em programas como o Musical, do Gastão Moreira na Cultura. E no Bem Brasil, com o Wandi Doratiotto. E não me pareceu tão ruim. Mas nunca me animei a ouvir um disco deles.

Só recentemente, é que por acaso ouvi o álbum de estreia da banda - estreito (2002). E não me pareceu nada mau. É um excelente disco de rock do ponto de vista musical. Quanto às letras, e foi isso que mais me surpreendeu, não é uma pregação. Óbvio, tem muita referência a bíblia. Mas é sobretudo letras que refletem um estado de espírito de alguém que conseguiu superar seus demônios. Com isso consegue se sobrepor ao meio gospel, pois estamos falando de uma condição que é inerente ao ser humano. Só o que muda dependendo de cada um é no que nos agarramos para encarar a nossa condição de seres finitos.

O nome do álbum é de uma das canções que compõem o disco - estreito. Um hardcore ala Nega Jurema. Mas com uma reflexão acerca de escolhas e de caminhos.

O caminho que escolhi é o estreito
Até parece duro e espinhoso, mas é reto e perfeito
A verdade cai na Terra como uma bomba
A mágoa leva a consciência feito uma tromba d'água.

Além dessa temos: olhos abertos; Não lembro mais; De uma só vez; Ao lado do sol; Continuar de pé; Cego de Jericó; Dia quente; Três Reis; Quem tem coragem não finge; Horário Nobre; Quem dá mais.

Na faixa Três Reis temos a participação do Marcelo Falcão (O Rappa) e Xis (Rapper). Eu vejo o inimigo no espelho/Meu sangue no joelho/É sempre para me lembrar/Que os vultos e vozes que chegam devagar/Inofensivos como coelhos/São piores que a serpente do mal.

Em estreito, Rodolfo mostra que ele era de fato a mente criativa dos Raimundos. Após a sua saída a banda sobreviveu aos trancos e barrancos. Mas nunca conseguiu produzir algo relevante. Continua fazendo shows sobretudo a partir do legado construído na era Rodolfo. Já o Rodox também não teve vida longa. Rodolfo acabou seguindo uma linha cada vez mais pop - que já observamos nesse disco em faixas como: Quem tem coragem não finge.

O que impede de andar pra frente
É a direção que escolheu
Se um abismo separa a gente
Quem fez a escavação não fui eu
Eu sei que gente que tem coragem não finge
Que nada disso aconteceu…

Não precisamos ser evangélicos para apreciar a poesia dessa letra. E não, não seremos convertidos se ouvirmos estreito (2002) do Rodox. No qual percebemos uma influência do Link Park, tanto na estética do grupo como nas músicas que se intercalam entre um vocal suave e gritado. Por tanto, se você aprecia música de qualidade, em especial rock in roll, não se arrependerá. Dá o play e aprecie fumando um palheiro e tomando uma cerveja.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Foucault e “Las Meninas”: Uma Interpretação Possível

Ao analisar a famosa obra de arte “Las Meninas” do pintor espanhol Velázquez, no capitulo I, do seu livro “As palavras e as coisas” publicado em 1966. Foucault parece esta seguindo a teoria apresentada por Gadamer na sua obra “Verdade e método” publicado em 1960. Onde ele aborda a relação entre estética e hermenêutica. Para Gadamer (1960) é preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento. E nos parece que é exatamente este conselho que Foucault tenta seguir, inclusive chamando atenção inicialmente para o aspecto do olhar. Dependendo de qual perspectiva que você visualiza determinada coisa, alguns aspectos se tornaram visíveis e outros invisíveis. 

Eis, portanto um primeiro ponto importante acerca dessa interpretação de Foucault da obra “Las Meninas”, a visibilidade e a invisibilidade através do olhar. E a partir dai algumas questões surgem. O que olhar nos revela? O que nos omite? Outra questão importante é o fato de que somos condicionados a ver não aquilo que queremos. Ainda que achemos que estamos vendo o que queremos, quando no fundo estamos vendo exatamente o que o autor quer que vejamos. Podemos dizer também que Foucault está preocupado com a maneira que vemos determinadas coisas e de como as interpretamos.

Segundo Foucault (2006) nenhum olhar é estável, ou antes, no sulco neutro do olhar que traspassa a tela perpendicularmente, o sujeito e o objeto, o espectador e o modelo invertem seu papel ao infinito. E assim Foucault levanta um tema central na filosofia – a relação entre sujeito e objeto. Uma questão fundamental no campo da teoria do conhecimento. E pelo posicionamento do autor, claramente ele toma partido por uma visão materialista. Sobretudo quando reconhece que o sujeito se faz na relação concreta com o objeto. Porém sem negar a subjetividade. Foucault trás o aspecto do olhar para nos mostrar como a relação entre sujeito e objeto não se dá tão claramente, pelo contrário, muitas vezes gera confusão, pois, “não sabemos quem somos nem o que fazemos. Somos vistos ou vemos?” (Foucault, 1966). 

Tal fato se dá por que nosso olhar é condicionado a enxergar apenas aquilo que nos dá a ser enxergado. “Olhamos-nos olhados pelo pintor e tornados visíveis aos seus olhos pela mesma luz que no-lo faz ver. E, no momento em que vamos nos apreender transcritos por sua mão como num espelho, deste não podemos surpreender mais que o insipido reverso. O outro lado de um reflexo”. (Foucault, 1966). Quando nos libertamos desse olhar podemos perceber o que antes não víamos, o que antes era invisível. E é o próprio artista que nos oferece essa visibilidade através de um espelho. O espelho trás a luz o que antes era invisível. Podemos dizer que aqui o autor esta falando sobre as quebras de paradigmas. Por outro lado ele ressalta que “essa invisibilidade que ele supera não é a do oculto: não contorna o obstáculo, não desvia a perspectiva, endereça-se ao que é invisível ao mesmo tempo pela estrutura do quadro e por sua existência como pintura”. Foucault chama atenção para o limite das teorias filosóficas hegemônicas. Como também das artes plásticas no sentido de desvelar completamente as estruturas por trás das coisas.

Logo para Foucault é necessário um novo olhar sobre as coisas, um olhar estruturalista – corrente filosófica da qual ele fazia parte. E o que é o estruturalismo? De acordo com Japiassú (2001) trata-se de uma “doutrina filosófica que considera a noção de estrutura fundamental como conceito teórico e metodológico”. Ainda de acordo com Japiassú (2001) “o método estruturalista de investigação científica foi estabelecido pelo linguista suíço Ferdinand de Saussurre (1857-1913), que afirma ver na linguagem "a predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do sistema através da análise das relações entre os elementos" (E. Benveniste). A linguística, desse modo teria por objeto não a descrição empírica das línguas. Mas a análise do sistema abstrato que constitui as relações linguísticas. Lévi-Strauss aplicou o método estruturalista no estudo dos mitos e das relações de parentesco nas sociedades primitivas, tornando as estruturas sociais como modelos a serem descritos, estabelecendo assim o sentido da cultura em questão”. Foucault busca seguir o mesmo caminho. É justamente isso que ele tenta fazer ao analisar o quadro “Las Meninas” do pintor espanhol Velázquez. E que ficará mais claro na segunda parte quando ele introduz a questão da palavra e a relação da linguagem com a pintura.

Seguindo essa linha uma primeira questão apontada pelo autor é a diferença entre o que se vê e o que se diz. Logo a tarefa da linguagem nessa sua relação com o visível é ir desvelando o que não esta tão explicito assim. Foucault dá ênfase ao papel do espelho nesse processo. Segundo o autor (1966) “o espelho, por um movimento violento, instantâneo e de pura surpresa, vai buscar, à frente do quadro, aquilo que é olhado mas não visível”. Seria, portanto esse o papel do filósofo estruturalista? A Concepção metodológica estruturalista é utilizada em diversas ciências (linguística, antropologia, psicologia etc.) que tem como procedimento a determinação e a análise de estruturas. De acordo com Japiassú (2001) “pode-se considerar o estruturalismo como uma das principais correntes de pensamento, sobretudo nas ciências humanas, em nosso século”. Tal importância se dá justamente por essa busca dos estruturalistas em tornar o invisível, visível.

Foucault utiliza bem a concepção metodológica estruturalista para explicar a sua interpretação da obra “Las Meninas”. “há, pois, dois centros que podem organizar o quadro” e seguindo afirma que “essas linhas sagitais são convergentes, segundo um ângulo muito agudo, e o ponto de seu encontro, saindo da tela, fixa à frente do quadro, mais ou menos lá de onde o olhamos. Ponto duvidoso, pois que não o vemos; ponto, porém, inevitável e perfeitamente definido, pois que é prescrito por essas duas figuras mestras e confirmado ainda por outros pontilhados adjacentes que nascem do quadro e que também dele escapam”. (Foucault, 1966). Novamente Foucault chama atenção para o fato do artista buscar direcionar o nosso olhar o que não percebemos se não compreendermos toda a estrutura utilizada pelo autor para confecciona-la. E é isso que Foucault tenta fazer ao afirmar que há dois pontos centrais que se convergem bem como três olhares que se cruzam.

Retomemos aqui uma comparação entre a interpretação de “Las Meninas” por Foucault e a relação entre hermenêutica e estética por Gadamer. Gadamer é contrario a consciência estética que se fundamenta nessa concepção metódica, numa espécie de “autocerteza subjectiva”. Ele criticará a visão acerca dessa experiência estética – da afirmação de que não existe conteúdo na obra de arte, na separação que se faz entre forma e conteúdo. Foucalt parece concordar, tanto que para iniciar a sua obra “As palavras e as coisas” se utilizará da interpretação de uma pintura para mostrar a relação infinita entre linguagem e imagem. E que portanto é necessário uma abordagem estruturalista para compreender essa questão. 

É importante chamar atenção para questão da representação. Para Foucault ((1966) “a representação pode se dar como pura representação”. Como saber então se se trata ou não de uma representação da representação? O caminho é buscar a estrutura das coisas. E para tanto é preciso se utilizar dos diversos tipos de linguagem, não só a palavra escrita.

Por fim para nós fica evidente o aspecto da importância do olhar que Foucault trás na sua interpretação. Outra questão importante é acerca do que é visível e do que é invisível. Sendo que a relação do olhar com o que é visível e invisível muda a nossa perspectiva de como vemos determinada coisa bem como o significado ao que damos a essa coisa. A partir dai ele falará do espelho como algo que surge nos dando a possibilidade de ver o que antes não conseguíamos ver, sobretudo quando torna o invisível, visível. Nos parece que este é exatamente o papel da corrente filosófica estruturalista, revelar o que esta invisível – o que se dá através da linguagem.

Referências Bibliográficas

FOUCALT, Michel. As palavras e as Coisas. Capitulo I – “Las Meninas”. 1º Ed. Editora Martins Fontes. 1966.

JAPIASSÚ, Hilton; Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3º Edição. Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro; 2001.

PALMER, Richard E. Hermenêutica. – Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Edições 70 – Lisboa/Portugal: 1969. Págs. 167 a 196.

*Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins. 

sábado, 5 de abril de 2025

Conversas na madrugada : Meu vício

Por mais que John tentasse afastar-se de Luna, não conseguia. Quando ela surgia diante dele tudo que ele havia planejado para resistir á sedução dela ia por água abaixo. Para John tal relação era muito próxima da que um viciado tem com a cocaína ou outra droga qualquer – alguns minutos de prazer extremo e o resto do tempo de profunda depressão. O relacionamento com Luna terminantemente não fazia bem para John. Ela era uma droga pela qual ele era extremamente viciado. E por mais que ele tentasse superar este viciou, não estava conseguindo. Quando ele conheceu Suzy, e no auge de sua relação com ela chegou a pensar que Luna não fazia mais parte da sua vida, no entanto ele estava redondamente enganado – ele podia conhecer muitas mulheres, apaixonar-se por elas, mas era Luna a única com o poder de fazê-lo fazer coisas que ele não queria.

Muitas vezes John agia de forma dura com a Luna, tratava-a friamente. No entanto ela sabia que aquilo tudo era apenas da boca pra fora. Que quando ele se rendia mostrava-se o amante sensacional que era. Uma pessoa carinhosa e amorosa, inteligente, amigo e companheiro inseparável. John era uma das raras pessoas naquele lugar com quem você podia ter uma ótima conversa. Era um sonhador, o que não podia ser diferente sendo o aspirante a poeta que era. E o seu jeito diferente de ser fazia dele uma ótima companhia para todos ali. Quando Luna estava se sentindo sozinha, precisando de alguém que de fato lhe desse carinho, e não apenas pau como os outros caras com quem ela se relacionava. Não pensava duas vezes corria para os braços de John, pois ele era seu porto seguro. Onde podia se atracar com segurança após as aventuras que vivia.

- Preciso conversar contigo John.

- Quando?

- Agora, pode ser?

- Sim. Mas é só conversar mesmo né?

- Vamos para um lugar mais tranquilo.

- Ok.

John estava com seus amigos tocando violão, tomando cachaça e fumando tabaco. Era assim que eles passavam as frias noites lajeadense. Como também pensando em planos mirabolantes para mudar a cidade, planos que já mais sairiam do papel. Depois que Suzy decidiu afastar-se dele, ele também não pretendia reatar seu romance com Luna. Mas não quis resistir a conversar com ela. Mesmo imaginando o que Luna queria com ele.

- E então, como você esta? Dá ultima vez que nos falamos você me tratou tão mal, não quis nem conversa comigo.

- Eu ti tratei mal? Ora você some, depois aparece, dai diz que quer ficar comigo, depois me manda ir se ferrar, diz que sou ruim de cama. E ai fui eu que ti tratei mal?

- Ah, John você sabe que falei tudo aquilo só da boca pra fora. Só pra ti provocar por que você me tratou com a maior frieza, aliás, é assim que você tem me tratado ultimamente. E não sei o porquê disso. Já que a gente se gosta tanto.

- Você insiste numa estória que já deu o que tinha que dá. Por que não aceitarmos que o nosso relacionamento não tem futuro. Que ultimamente a gente só tem se magoado. Que a nossa paixão já não é mais como antes.

- Será mesmo? Acho que você só está falando isso da boca pra fora. Você é louco por mim que sei, eu sou louca por ti, pode não parecer, mas sou sim. A gente se dá tão bem quando você tira essa mascara de durão que não tem nada a ver contigo.

- A gente não dá mais certo como namorado. Não vou dizer que não é bom ficar contigo. O problema é depois quando você vai embora. Quando fico sozinho morrendo de saudades suas e você por ai com outros.

- John amor a dois sufoca. Nos lembremos dos ensinamentos do Raul – se eu ti amo e tu me amas, um amor a dois profana, o amor de todos os mortais... Às vezes a gente precisa dá um tempo um do outro para viver novas experiências com outras pessoas. O importante é quando a gente se reencontra a chama da nossa paixão reacende bem maior que antes. E também eu nunca ti proibi de ficar com outras, desde que não seja nada sério. Desde que você volte para mim.

- Eu não consigo viver assim Luna. E mesmo gostando de ti, eu prefiro abrir mão desse amor a viver em um relacionamento que não me faz bem. E quando em um relacionamento um dos dois não está contente é melhor terminar... Antes que vire ódio.

- Então o que você quer é ser o meu dono? Ter exclusividade sobre mim?

- Não, não estou ti pedindo isso.

- Ora como não. Isso que é um relacionamento tradicional.

- Eu não estou propondo uma relação de posse, mas sim de cumplicidade. Mas vejo que isso é impossível entre nós.

- Ok. John. A partir de hoje serei apenas sua. Vamos morar juntos, nos casar e ter filhos. Que tal?

- Não é assim não. As coisas não funcionam assim de uma hora para outra.

- Como não? Não é isso que você quer?

- Mas não assim do dia pra noite. A gente precisa estabelecer um processo de confiança entre nós.

- Você não confia em mim?

- Você tem me dado algum motivo para que eu ti dê confiança?

- Para ficarmos juntos temos que esquecer o que passou.

- Isso não. Temos que aprender com o passado, já que não podemos apaga-lo.

- Tá certo.

- E também você não pode prometer o que não pode cumprir;

- Então o que você quer?

John não soube responder a Luna. O fato é que ele já não sabia o que queria com ela.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

domingo, 30 de março de 2025

Conto: Mais perto do inferno que do céu

Com uma canção da banda Bêbados habilidosos na cabeça e álcool nas veias, ele sai à noite pelas ruas à procura de aventura. O desejo de deitar com uma mulher era maior que o medo da criminalidade que assola os becos da cidade. E onde ter o que procurava senão nos braços de uma dama da noite.

Aquele ambiente não era estranho para ele, ainda que nunca havia estado num lugar assim. Como podia ser? Certamente era pelos filmes, pelos livros e pelas músicas que ouvia - que contava estórias daquele local e dos seus frequentantes. Dentre essas, o blues rock da banda Saco de Ratos e o blues da banda Bêbados habilidosos eram suas preferidas.

A noite estava só começando para ela. Mais uma noite longa que não sabia como seria. Se ia aparecer clientes, se seriam amáveis ou escrotos, se pagaria para ela umas doses de whisky com energético, se faria um programa, dois ou mais. Quanto mais melhor, pois significava dinheiro na conta. E quanto mais dinheiro melhor, as despesas suas não eram poucas.

Mãe solo de três filhos, um deles com apenas dois anos de idade. Já está na prostituição há uns bons anos. Mas como a maioria dali, sonha um dia sair daquela vida. Para tanto investe parte dos seus recursos e tempo num curso universitário. Para aguentar as longas jornadas no cabaré, sobretudo aos finais de semana, só regada a álcool. Especialmente whisky e energético - se o peão não tem muita grana, ela se contenta com cerveja. Ao contrário das suas colegas que marcam ponto ali, ela não se mete com a cocaína e nem com a maconha.

Ele chegou, pediu uma cerveja. Ela foi até ele e perguntou se queria companhia. Ele respondeu positivamente e lhe ofereceu um copo. Ela perguntou se ele autorizava um energético. Ele autorizou. Ela pediu música. Ele mandou ela colocar o que quisesse ouvir na máquina. Ele sorriu quando começou a ouvir as músicas que ela colocara. Ela quis saber por que. Ele disse que não era o tipo de música que costumava ouvir. Ela havia intuído desde de que ele chegara ali, não era o tipo de pessoa que frequentava aquele ambiente. Parecia inclusive um gringo. Ele sorriu e perguntou o nome dela.

-Aiko.

De fato ela lembrava uma japonesa. Só lembrava. Por que sua origem era bem brasileira. Ele sabia que era o nome de guerra (como dizem) dela. E não se importou com o fato dela não dizer nome verdadeiro. Pois afinal de contas não era ingênuo ao ponto de não saber o que estava acontecendo ali. Mas não precisava também ser desagradavel. Tratá-la como um objeto que estava ali para lhe servir. Ele não estava com pressa. Ainda que no outro dia tivesse compromisso. Mas se tivesse duas horinhas de sono seria o suficiente para estar pronto para o trabalho.

Ela percebeu que ele não estava com pressa. Então se colocou à disposição para ouvi-lo. Não seria o primeiro cliente que faria as vezes de uma psicóloga. Já havia perdido a conta de quantos homens haviam passado por ali querendo apenas falar das suas agruras. No final talvez nem o levasse para cama. Se desse lucro para o cabaré já era alguma coisa.

Ele não era um desses, tinha uma vida muito bem resolvida. Estava ali apenas para se divertir. Viver uma experiência nova. Sair da rotina. Ela percebeu. Percebeu inclusive que ele inteligentemente virara o jogo, pois logo era ela que estava falando das suas agruras. Ele tinha essa capacidade. Passava uma confiança e tranquilidade que fazia com que seus interlocutores se sentissem à vontade para falar da vida pessoal.

Boa conversa regada a cerveja. Assim a noite ia avançando. A música não ajudava muito, mas a companhia estava agradável. Agradável também eram os beijos dela. Ela sabia como seduzir. Ele não sairia dali sem fazer um programa. E ela faria de um jeito que ele se tornaria cliente. Ele lembrou de estórias de homens que tinham perdido tudo com prostitutas. Teve medo. Será que viciaria naquilo? Não. Era por demais racional para se deixar seduzir loucamente por aquela mulher e aquele ambiente. Nesse momento veio na sua cabeça um blues da bêbados habilidosos:

“Eu tô bem mais perto do inferno 
Do inferno que do céu
O único carinho que eu tive
Foi, foi de uma puta num bordel
Eu cansei, cansei de acordar sozinho 
Num quarto de hotel
Ao lado de uma garrafa vazia…”

Eles foram para o quarto e fizeram sexo. Depois se despediram com um abraço, um beijo e ele levando o número do celular dela. Num gesto de que aquela seria a primeira de muitas que voltariam a se encontrar.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 25 de março de 2025

Crônica: Miracema já não é mais a mesma

Chácara dos meus Avós
Os lugares não mudam. O que muda somos nós. Creio que é isso que quer dizer Rubens Alves quando diz que não devemos voltar a um lugar que tanto amamos esperando encontrá-lo da mesma forma de outrora. Ele dirá que iremos nos decepcionar pois o que queremos no fundo é encontrar com o tempo. E aquele tempo já não existe mais. A não ser na nossa memória.

Ao longo da nossa vida alguns lugares vão se tornando muito especiais para nós. À medida que a idade avança creio que aqueles da nossa infância vão ganhando mais relevo ainda. Pelo menos este é o meu caso. A ponto de se um dia o senhor do tempo vier propor um dia no passado em troca de uns 10 anos a menos de vida eu certamente optaria por um dia da minha infância. 

Esse dia muito provavelmente seria no final do ano quando toda a família se reunia na chácara dos meus avós maternos. Ou quando íamos para o Lajeadinho nos juntar à família de Dona Rosalina. Ou uma tarde na baixa preta quando chegávamos da escola e íamos jogar bola no campo de terra e voltávamos ensopados da chuvinha que dera.

Ah, o que foram aqueles dias, não posso descrever com palavras. Por mais que eu tente sempre faltará algo. Mas posso tentar resumir tudo numa palavra: vida. Era a vida se revelando em cada detalhe. Na preparação da comida, nos enfeites da árvore de natal cuidadosamente elaborada por Vovó. Nas brincadeiras, nos sorrisos, nos abraços.

“Eu era alegre como um rio
Um bicho, um bando de pardais
Como um galo, quando havia
Quando havia galos, noites e quintais…”

Esses versos do Belchior expressam fielmente o sentimento que traz as lembranças da minha infância.

O Lajeadinho já não existe, hoje está submerso pelo lago da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. A chácara sim. Mas já não é a mesma. Assim como a baixa preta. Miracema não é mais a mesma. A festa agropecuária, os festejos de nossa senhora de Fátima no bairro Correntinho. Não são mais as mesmas as festas juninas. O grupo império da baixa preta. O estádio castanheirão já não recebe nos seus gramados o saudoso duelo entre o Miracema Esporte Clube e o Tocantins Esporte Clube. Quanta dor sinto ao passar em frente as ruínas do Iracema Club palco de tantos carnavais. E o mercadão então. O que fizeram com o mercadão? A banquinha de revista na praça Derocy Morais. O lavacara.

Os meus primeiros anos no Colégio Estadual José Damascena Vasconcelos. Da professora Marlene. Nunca me esqueci da professora Marlene. Aí professora Marlene. Que bela era a professora Marlene. Foi a primeira das muitas professoras pelas quais me apaixonei. Meus colegas da escola primária. Por onde andam? Fernanda, Marcos, Patricia, Marcelo, Adriele, Priscila, Fatima. Já não me recordo de todos. Alguns deles ainda se recordam de mim? O menino tímido que buscava passar despercebido.

“Pedro, pedroca.
nariz de taboca.
Trocou a mulher
por um saco de pipoca”.

Dona Rosa gostava de declamar esse versinho para mim. Colocando o meu apelido de “Que troca”. Oh Dona Rosa. Saudades da senhora. Saudades de mamãe. De irmos lavar roupa na fonte. Na verdade, a meninada gostava mesmo era de tomar banho, lavar roupa era só um detalhe.

Hoje quando ando pelas ruas de Miracema sinto um certo estranhamento. Busco em cada esquina me reencontrar. Mas me lembro que eu já não sou eu. Como vou encontrar com algo que já não existe? Como doí Miracema, como doí.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Um diálogo entre Filosofia e Projeto de Vida a partir da obra A Caverna, de José Saramago

Imagine a seguinte situação: De repente aquilo ao qual você se dedicou como fonte de subsistência já não é mais útil para a sociedade. Quando se é mais jovem a situação não é tão traumática já que você pode aprender um novo ofício e se dedicar a ele. Mas de todo modo é preciso força de vontade para recomeçar e romper com os grilhões do modo de produção capitalista.

Essa situação hipotética é a premissa do romance “a caverna” do escritor português José Saramago. Na obra, Cipriano Algor é oleiro e produz utensílios de cerâmica (pratos, copos, xícaras entre outros), com a ajuda da sua filha (Marta), e fornece para o centro comercial da cidade. Enquanto seu genro Marçal Gacho trabalha como guarda neste mesmo local. Cipriano é viúvo e já passa dos 60 anos de idade. A idade avançada e a necessidade de sobrevivência se impõe de determinada forma que parece colocá-lo numa situação sem alternativas.

Cipriano recebe o aviso do chefe de vendas de que o centro comercial irá diminuir a aquisição dos seus produtos, podendo inclusive encerrar totalmente o contrato. O que faz com que o desejo de Marta e Marçal, de que vá morar com eles, quando o genro for promovido a guarda residente do centro comercial, se torne irreversível. É possível imaginar o quanto isso não é difícil para alguém que sempre morou num determinado lugar tendo herdado do pai, que herdou do seu avô, o ofício de oleiro.

Enquanto fica num compasso de espera, Marta apresenta uma ideia no qual ele se agarra com todas as forças. - E se ao invés de produzir utensílios cerâmicos de cozinha, produzissem outra coisa? Mas o que se só sabemos produzir isso? Questiona-se Cipriano. A filha diz bonecos para decoração. A princípio parece absurdo, mas logo eles se jogam nessa missão que se torna cada vez mais séria. Sobretudo quando apresentam a proposta ao chefe de vendas do centro comercial e este faz uma encomenda de 1200 peças.

Os problemas não serão poucos, fazendo-os se questionarem se conseguiram produzir os bonecos e entregar a encomenda. Por outro lado, a qualquer momento Marçal Gacho pode aparecer dizendo que foi promovido e terão que ir morar no centro. Com isso tanto esforço seria infrutífero. Outros dilemas vão surgindo para Cipriano como a possibilidade de um amor com uma viúva mais jovem que ele e a amizade com o cachorro Achado.

A forma como o José Saramago desenvolve a narrativa é fascinante e faz com que a gente se prenda na leitura esperando saber o que vai acontecer com esses personagens. Enquanto isso somos presenteados com reflexões filosóficas acerca da vida.

“A vida é assim, está cheia de palavras que não vale a pena, ou que valeram e já não valem, cada uma que ainda formos dizendo tirará o lugar a outra mais merecedora, que o seria não tanto por si mesma, mas pelas consequências de tê-la dito”.

No trecho acima o autor ressalta que há momentos em que o silêncio é melhor do que qualquer palavra. Não adianta discutir aquilo que já foi discutido. As coisas estão dadas, o que resta agora é agir. Por onde começar então? Pelo princípio, evidentemente. Mas ele nos lembra:

“o princípio nunca foi a ponta nítida e precisa de uma linha, o princípio é um processo lentíssimo, demorado, que exige tempo e paciência para se perceber em que direção que ir…”.

Pai e filha têm uma relação singular. Apesar da diferença de idade discutem em pé de igualdade. E é dessas discussões que coloca em confronto diferentes perspectivas sobre as coisas que colhemos ótimas reflexões:

“Terá que ler doutra maneira… cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para chegar à outra margem, a outra margem é o que importa”. Diz Cipriano. E Marta responde: “a não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá que chegar”.

O título da obra vai para além do episódio que irá fazer com que o que parecia inevitável seja superado (a descoberta da caverna de Platão nas escavações de ampliação do centro comercial). Assim, como o filósofo grego, a narrativa de Saramago enfatiza todo o tempo a importância do conhecimento inteligível. Cipriano, Marta, Marçal e inclusive Achado (o cachorro), pensam. E por pensarem filosoficamente não aceitam o mesmo destino daqueles que estão na caverna.

Lendo essa obra me ocorreu o quanto é fundamental o diálogo entre filosofia e projeto de vida. Pois não é possível, na minha avaliação, pensar num projeto de vida sem reflexão. Do contrário, há o risco de cair num engodo que leva à frustração

- como é o caso do discurso de autoajuda proferido pelos sofistas de plantão (coaches).

Saramago em algumas entrevistas ressalta que nunca vivemos tanto na caverna de Platão como no contexto atual. E isso nos leva a fazer escolhas que nos torna prisioneiros dessa situação. Nesse sentido, é preciso pensar em projetos de vida que rompam com essa lógica. Para tanto, a filosofia é indispensável.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

sábado, 15 de março de 2025

Poema: Noites interioranas


Noites interioranas
Lembranças de tempos atrás.
Noites interioranas
Tempos que não voltam mais.

Seu Disomo prepara as tralhas
E vai para o rio pescar.
É noite enluarada
Os “moelas” vão passar.

Dona Eurides no girau
Prepara o que comer.
Curimatá fresquinha
Frita no óleo de dendê.

Dona Caetana na vazante
Alegre colhe feijão.
A colheita tá sendo boa
Melhor que no ultimo verão.

O Bida preparou a bucheira
Foi esperar cotia.
Lá no brejo do Anísio
Só volta no fim do dia.

Seu Josias subiu pros mares
Atrás dos cardumes de jaús.
Na pescaria passada
Não pegou nem baiacu.

Ei que lá vem dona Julia
Caminhando com seu bastão.
Trazendo na sua sacola
Estórias de assombração.

Seu Raimundo passou aqui
Trouxe doce de buriti.
Pense num doce gostoso
Como esse nunca vi.

Vamos brincar no terreiro
A lua tá tão bonita.
Pegar manga de leite
No quintal da Tia Dica. 

Quando raiar o dia
Vamos pra casa da Tia Gaida. 
Aprender o ABC
Para ser alguém na vida.

Já tá chegando agosto
É mês da padroeira.
Vai ter festa na cidade
E o forró é de primeira.

A caboclada se agita
Desce lá paro mercadão.
Comprar roupas novas
Para festa no sertão.

O sanfoneiro é de primeira
Vem das bandas das pedreiras.
Quando ele abre o fole
Dança a cidade inteira.

Abre o fole sanfoneiro
Que o povo que dançar.
Essa festa só acaba
Quando o dia raiar.

E assim segue a vida 
Nesse nosso interior.
Vida de muito trabalho
Mas também de muito amor.

Segue a vida e alguns se vão
Só nos restam as lembranças.
Da minha mocidade
Do meu tempo de criança.

Lembranças daqueles
Que aqui já não estão.
Hoje descansam em paz
Sementes plantadas ao chão.

Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO.


segunda-feira, 10 de março de 2025

Crônicas Aurenyanas: pobre natureza humana

Desde que mudei para o Aureny I moro no mesmo lugar. Apesar de ter outros moradores, é um lugar tranquilo e próximo do trabalho. Nesse período de um pouco mais de 2 anos já passou pelas outras kitnets alguns inquilinos. Não costumo interagir com eles além do protocolar bom dia, boa tarde, boa noite. Mas não deixo de observar os seus comportamentos. Assim como eles provavelmente observam o meu. E das minhas observações não posso deixar de refletir sobre o que chamo de pobre natureza humana. Vejamos o seguinte caso que passo a relatar:

No segundo semestre de 2024 mudou para kitnet vizinha a minha uma senhora que creio ter os seus 50 e poucos anos. Baixa e magra de início imaginei que tinha muito mais. Também imaginei que fosse uma dessas velhas sem família. Conversadeirinha sempre buscava puxar assunto prontamente recusado por mim. Notei que ela era evangélica. Parecia ser fervorosa. Mas percebi que a igreja havia entrado na sua vida recente como um refúgio de uma vida viciosa. Então entendi que sua aparência um tanto acabada não era pela idade, mas pelo vício. Entre eles um ela ainda não havia conseguido se “libertar” completamente - o cigarro.

Percebi que ela estava tentando começar uma nova vida. Apesar da sua aparência franzina trabalha incansavelmente como diarista fazendo faxina em casas. Saía sempre muito cedo e voltava tarde. À medida que o dinheiro ia entrando ela ia mobiliando sua pequena kitnet. Não era tão sozinha como eu imaginava. Tinha filhos que vinham visitá-la e até um namorado. Mas a maior parte do tempo ficava sozinha, ouvindo louvores e pregações no celular. Também não deixava de ir para a igreja.

Não demorou para que ela começasse a revelar suas contradições. Expressão da nossa pobre natureza humana que fica tentando se equilibrar entre os nossos desejos e os valores que a sociedade impõe. Ela buscava reprimir seus desejos por meio do seu credo. Mas a realidade, dura e cruel, obriga a ser o que ela é.

Alguns acontecimentos aceleraram esse processo. Ela que morava sozinha de repente tinha um filho com ela. E tempos depois outro. Com o fracasso do casamento deles e sem ter para onde ir buscaram refúgio na mãe. E ela como toda mãe, digna desse nome, não podia deixar de acolhê-los. Ainda que isso significasse não só a perda da sua privacidade mas sobretudo a paz. Já que as criaturas têm um dom especial em estressá-la.

Dia desses voltando para casa encontrei-a  no portão de entrada sentada fumando um cigarro e com um semblante pensativo. Percebi que ela não estava bem. O namorado já não vem mais visitá-la e a igreja há um bom tempo não sente sua presença física. No tom da sua fala a gente percebi que a qualquer momento ela entrará em colapso. Por enquanto fumar um cigarro escondido tem sido sua fuga. Mas até quando suportará? Se ela não conseguir se libertar dos filhos parasitas, a morte lhe tragará em breve. Há que se libertar também da religião que impede que veja as coisas tal como elas são.

“no ' imperturbável espectador dessa cena, a duplicidade de sua consciência atinge o mais elevado grau: ele se sente simultaneamente como indivíduo, fenômeno efêmero da Vontade que o menor golpe daquelas forças pode esmagar, indefeso contra a natureza violenta, dependente, entregue ao acaso, um nada que desaparece em face de potências monstruosas, e também se sente como sereno e eterno sujeito do conhecer, o qual, como condição do objeto, é o sustentáculo exatamente de todo esse mundo, a luta temerária da natureza sendo apenas sua representação”.

Refletindo sobre a pobre criatura me lembrei dessa passagem do Schopenhauer que chama atenção para a natureza humana revelada numa consciência dupla. Por um lado a condição de um indivíduo insignificante diante de uma força superior (a natureza). Por outro lado, o único ser que tem consciência da sua condição de sujeito do conhecimento que sustenta todo esse mundo. Na mente da nossa personagem há essa duplicidade. Ainda que ela não tenha consciência. Por um lado ela se sente uma criatura à mercê da vontade divina. Pois para lógica de alguém religioso ela está vivendo o que está vivendo porque Deus quer que seja assim. Por outro lado, ela sabe que pode muito bem não aceitar viver a vida que está vivendo.

Esperemos para ver o que acontecerá. Se formos seguir concordando com Schopenhauer independente da sua escolha as consequências serão dor e tédio. A dor ela já está sentido na pele. Basta saber se ao conseguir realizar o seu desejo virá o tédio. Oh pobre natureza humana.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Análise do resultado do desempenho dos estudantes do CEMIL Santa Rita de Cássia no SAETO

avaliar... é uma atividade que põe em questão 

a nossa própria concepção de educação.

Savian Filho


Até que ponto o resultado das avaliações externas corresponde a realidade/qualidade da educação no Brasil? Esse não é um questionamento novo. Mas o fato é que quem comanda a política pública de educação no país se guia por estes índices. Ou seja, é o desempenho dos estudantes nesses exames que define a qualidade do ensino no Brasil. Entre estes exames destaca-se o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) através do qual se obtém o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Todas as redes estaduais e municipais se mobilizam para obter um bom índice. Desenvolvendo estratégias que vão desde premiação às escolas com melhor desempenho a produção de material direcionando o trabalho em sala de aula. No Tocantins além disso temos o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Tocantins (SAETO) que é uma espécie de preparação para o SAEB/IDEB. E é este que é o nosso objeto de análise nesse breve artigo, a partir dos resultados de 2024 do Colégio Esportivo Cívico Militar Santa Rita de Cássia, localizado no município de Palmas, Estado do Tocantins.

SAETO
De acordo com a Secretaria da Educação do Tocantins (SEDUC-TO) o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Tocantins (SAETO) foi criado com a finalidade de avaliar a qualidade de ensino e a aprendizagem da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino. E a partir daí promover “a modernização da gestão e o aprimoramento do processo de ensino e aprendizagem, com vistas à melhoria dos indicadores educacionais do Estado do Tocantins.” A princípio a prova seria direcionada para as turmas de 5° e 9° Ano do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio. No entanto, nos últimos anos expandiu-se para as demais turmas. Numa parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF). Que por meio de uma plataforma disponibiliza a rede estadual o resultado com o desempenho dos estudantes.

CEMIL Santa Rita de Cássia
É um tradicional centro de ensino localizado na região Sul de Palmas, mais especificamente no Jardim Aureny I. Quem vem passando por mudanças nos últimos anos. A mais significativa certamente foi a mudança de tempo parcial para tempo integral. E com isso veio o programa jovem em ação. A partir de 2023 passa a oferecer o ensino técnico concomitante ao ensino médio (curso de técnico em informática). Já a partir de 2024 tornou-se cívico militar numa parceria com o Corpo de Bombeiro Militar do Estado do Tocantins e passou a ofertar também turmas do Ensino Fundamental - anos finais (8° e 9° Ano). A partir de 2025 acontece uma ampliação da oferta de cursos técnicos concomitante ao ensino médio em parceria com o SENAI. Em 2024 atendeu um público de cerca de 360 estudantes, agora em 2025 saltou para mais de 450. Um movimento interessante a se notar é que enquanto as turmas de ensino fundamental e 1ª série do ensino médio tem turmas lotadas. Notamos uma diminuição destes quando avançamos para a 2ª e 3ª série. Reflexo em grande medida da condição social que obriga muito jovem a buscar um trabalho para ajudar no sustento familiar, não podendo assim estudar em regime de tempo integral.

Os resultados
O SAETO, por meio de uma prova objetiva, busca medir o nível de aprendizagem dos estudantes a partir dos Componentes Curriculares de Língua Portuguesa e Matemática. Na mesma linha do SAEB. Quem tem uma média de acerto de até 25% é considerado num nível muito baixo. Quem alcança entre 25% e 50% acertos é considerado no nível baixo. Já quem alcança entre 51% e 75% está no nível médio. Por fim, quem alcança de 76% em diante está no nível alto
De acordo com os resultados disponibilizados pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), por meio da sua plataforma, o desempenho dos estudantes do Colégio Esportivo Cívico Militar em 2024 foi médio em Língua Portuguesa e baixo em Matemática. Vejamos mais detalhadamente:
A turma 82.01 (8ª ano do Ensino Fundamental) alcançou 65% em Língua Portuguesa e 39% em Matemática. Com uma taxa de participação de 95% dos estudantes da turma;
A turma 92.01 (9ª ano do Ensino Fundamental) alcançou 63% em Língua Portuguesa e 36% em Matemática. Com uma taxa de participação de 91% na prova de Língua Portuguesa e 87% na de Matemática;
Na 1ª Série do Ensino Médio as 7 turmas alcançaram 63% em Língua Portuguesa e 33% em Matemática. Com uma taxa de participação de 80% dos estudantes da turma;
Na 2ª Série do Ensino Médio as 5 turmas alcançaram 63% em Língua Portuguesa e 27% em Matemática. Com uma taxa de participação de 71% na de Língua Portuguesa e 73% na de Matemática;
A turma 33.01 (3ª Série do Ensino Médio) alcançou 63% em Língua Portuguesa e 30% em Matemática. Com uma taxa de participação de 63% na prova de Língua Portuguesa e 62% na prova de Matemática;
Se formos levar em consideração esses resultados podemos dizer que não há o que comemorar. Evidentemente não chega a ser um desastre. Sobretudo se compararmos com o resultado da rede. Por exemplo, em relação ao 8ª ano do Ensino Fundamental a média foi de 59% de acerto em Língua Portuguesa e 33% em Matemática. Em relação a 2ª série do Ensino Médio a média foi de 54% em Língua Portuguesa e 24% em Matemática (são esses estudantes que farão em 2025 a prova do SAEB). No entanto, estamos longe de alcançarmos um nível alto. Sobretudo em Matemática.
Mas aqui voltamos a nossa questão inicial, até que ponto podemos confiar nesses resultados para nos guiar por eles? O primeiro ponto que vai contra essa perspectiva é acerca do engajamento dos estudantes com as provas. O discurso de muitos é de que pelo fato de não valer nota acabam não ligando muito. Inclusive a gente percebe uma queda na taxa de participação dos estudantes, sobretudo os de Ensino Médio. Outro ponto de questionamento é a respeito do engajamento da equipe escolar na mobilização e aplicação das provas. Por outro lado, cabe um questionamento, nas avaliações internas (valendo nota) o desempenho é muito diferente?
Libâneo (1994) nos diz que avaliar é parte constituinte do fazer docente. Pois é por meio do processo avaliativo que verificamos se o caminho traçado por meio dos planos está se concretizando. E se não, o que podemos fazer para corrigir a rota. Não é um processo simples que pode ser reduzido a um único instrumental (prova objetiva). Por que então medir o nível do estudante somente pelo seu resultado numa prova desse tipo? Quando se trata do SAEB sabemos que também é levado em consideração o índice de aprovação e evasão somado ao resultado na prova. O que não muda muita coisa. Mas é bastante revelador da perspectiva pedagógica dominante. Uma educação que busca atender os interesses do mercado a partir de uma perspectiva unidimensional, tirando do indivíduo sua capacidade crítica por meio da imposição de uma racionalidade tecnológica.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Qual a sua playlist?

Cena do filme Mesmo se nada der certo
- Você pode saber muito sobre uma pessoa pelo conteúdo da playlist dela. Essa frase é de uma cena do filme Mesmo se nada der certo (2013). Não foi esse filme que me motivou a fazer um exercício com os estudantes da 1ª série do ensino médio no componente curricular de Projeto de Vida. Pelo menos não de forma consciente. Mas essa premissa certamente estava na minha cabeça quando pensei e propus o exercício.

Acredito que todos que iniciam um trabalho com pessoas que não conhecem a primeira coisa a se fazer é buscar conhecê-las. Se tratando da educação, sobretudo na sala de aula, isso é ainda mais necessário. Sobretudo se você é professor de Projeto de Vida. Foi o que fiz ao iniciar a minha trajetória como professor no Colégio Santa Rita de Cássia. Para tanto propus algo que já havia feito em situações anteriores - a elaboração de uma produção textual a partir da temática: quem é você.

Esse exercício é tanto uma forma de conhecê-los para além do nome como também deles próprios se conhecerem. E é incrível como a gente recebe uns relatos bem elaborados com elementos que faz com que a gente olhe para aquelas criaturas com outro olhar. Mas também há sempre aqueles que têm uma dificuldade maior de falar de si. E só com o tempo vão tendo mais confiança em se abrir com a gente. Para que isso ocorra vou instigando-os, por meio de diferentes atividades. Foi nessa de pensar e elaborar essas atividades que me veio a ideia de pedir que fizessem uma playlist com artistas e canções que ouvem quando estão com determinado humor.

A pergunta imediata que fizeram foi: - é sério isso? Eu respondi afirmativamente.

Percebi que todos ficaram empolgadíssimos com a atividade. Até então nunca havia proposto uma atividade em que 100% dos estudantes fizessem sem reclamar. Até eu mesmo me empolguei e compartilhei alguns artistas que estão na minha playlist, seja em momentos alegres ou tristes. Geralmente artistas do rock. Alguns mais pesados como Sepultura, Motorhead e Ratos de Porão. Outros mais tranquilos como The Beatles, Bob Dylan e Ira!

O interessante foi quando comecei a descobrir o que eles ouviam. Tive a impressão que 95% eram de artistas que eu não conhecia. Quiz saber quem eram. Que tipo de ritmo tocavam. O que lhes afetavam nessas canções. Eles falavam com empolgação. Colocavam para eu ouvir. E tinham coisas realmente muito boas. Me questionei como pode a gente não ouvir falar dessa gente que está fazendo um trabalho de muita qualidade.

Foi a mesma impressão que tive tempo depois quando fui no festival calango e me deparei com artistas que nunca havia ouvido falar, como o Yago Opriprio, que fazem um som muito potente, cantado por toda a plateia.

A partir desses exemplos, percebemos que apesar da indústria cultural querer impor um único estilo musical, alguns artistas conseguem furar essa bolha, e isso não é de hoje. Que o diga grupos como Racionais MC´s e artistas como o Edson Gomes.

Refletindo sobre a experiência cheguei a conclusão de que aquele exercício falou para mim, mais sobre mim do que sobre eles. Ao confrontar a minha playlist com a deles percebi que envelheci. Que apesar de reconhecer e apreciar o talento desses novos artistas, as minhas referências são cada vez mais do passado. Na minha visão não por amor ou reverência ao passado, mas porque para mim são atemporais. 

Sei que muitos dos artistas que os meus estudantes ouvem hoje, não serão os mesmos que ouviram na maturidade. Ou se ouvirem não serão afetados da mesma forma que são atualmente. E tudo bem. Ruim seria se ficassem a vida toda ouvindo as mesmas coisas. Mas vai chegar um momento que, assim como eu, terão uma playlist mais restrita fruto das experiências vividas ao longo da vida. E nessa playlist haverá cada vez menos espaço para o novo, ainda que como diz Belchior numa célebre canção: o novo sempre vem.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.