No entanto, isso vai na contramão da importância que as redes estaduais dão ao componente curricular de Filosofia. Por exemplo no Tocantins, a carga-horária do componente curricular de Filosofia foi reduzido na formação geral básica com sua exclusão das terceiras séries do ensino médio a partir da nova estrutura curricular do Ensino Médio decorrente da aprovação da lei nº 13.415/17. Retornou em 2025 (exceto no ensino médio integrado ao técnico), mas nada garante que não haja retrocesso em 2026 com a implementação da nova estrutura decorrente das alterações promovidas pelo congresso nacional por meio da aprovação da lei nº 14.945/24.
É diante dessa incerteza que a Associação Brasileira do Ensino de Filosofia (ABEFIL) juntamente com outras entidades estão promovendo uma ideia legislativa para que tanto o Ensino de Filosofia como de Sociologia seja obrigatório em todas às séries do Ensino Médio com no mínimo duas aulas. De acordo com as entidades (2025) é “incoerente manter a Filosofia e a Sociologia com carga horária reduzida ou sem garantia mínima semanal.” Com a ampliação da carga horária total do ensino médio, aprovada pela lei nº 14.945/2024 (Novo Ensino Médio).
Diante disso, as entidades defendem “que ambas as disciplinas sejam obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio regular e profissional, com no mínimo 80 horas anuais, na Formação Geral Básica.” Assegurando assim “o cumprimento da LDB e a garantia de condições adequadas para o desenvolvimento das atividades docentes, das competências previstas na BNCC, como pensamento crítico, argumentação e respeito à diversidade, além de possibilitar uma preparação adequada para o Enem.”
A ideia já conta com o apoio de mais de 12 mil pessoas. No entanto, para que se torne uma sugestão legislativa e seja discutida pelos senadores precisa alcançar 20 mil apoios. Ou seja, não é nada impossível. Nós que atuamos no ensino de Filosofia e de Sociologia devemos nos mobilizar e divulgar a campanha para que haja mais apoios - apoios esses não só de quem atua no ensino de Filosofia e Sociologia. Mas todos aqueles que compreendem a importância do pensamento crítico na educação básica como uma condição sine qua non para construção e fortalecimento da democracia (link para apoiar a ideia: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=210578).
Começamos esse texto falando da incoerência entre o peso da filosofia no principal exame de ingresso no ensino superior do país com a importância que se dá ao ensino de Filosofia pelas redes estaduais de ensino. Isso é um elemento importante a ser considerado ao se discutir a garantia do ensino de Filosofia na formação geral básica em todas as séries do ensino médio, assim como também o aumento da carga horária para 80h anual. O que nós percebemos enquanto professor de filosofia atuando no chão da escola é que os estudantes que se apropriam do conhecimento filosófico acabam se destacando dos demais conseguindo excelentes resultados tanto nas provas internas como nos exames externos.
No entanto, a importância do ensino de Filosofia não se resume ao aspecto instrumental. Nesse sentido gosto bastante de uma entrevista do Filósofo e Professor Paulo Arantes para o programa Realidades (TVU Recife) no qual ele discute os desafios da cidadania no Brasil e ao final fala como a filosofia pode contribuir no processo de construção de uma cidadania plena. Para Paulo Arantes se estudarmos filosofia a partir dos textos clássicos num sentido estrutural vendo como funciona o pensamento de uma mente poderosa como um Aristóteles ou Espinosa, um Descartes ou um Kant. Vendo essas pessoas pensarem, fazendo uso da razão, há uma espécie de educação do discernimento e portanto uma capacidade de separar o verdadeiro do falso. De desenvolver a capacidade argumentativa sem cair em dogmatismos. Mas buscando compreender a engenharia interna da filosofia.
Para Arantes é mais importante compreender como o filósofo ou a filósofa chegou naquela tese, do que concordar ou não com ele. Nessa caminhada você vai educando o seu espírito diante de um espetáculo. Que culmina numa conclusão racional por meio de uma argumentação construída por um discurso racional dos grandes filósofos. Esse movimento leva, de acordo com Arantes, o nosso espírito a se formar criticamente. De uma forma que não percebemos imediatamente o alcance dessa transformação, inclusive no sentido político e social. De modo que após essa caminhada não é possível olhar mais para realidade do mesmo modo. De acordo com as palavras dele “seu espírito e sensibilidade se torna incompatível com a miséria pasmosa em que vive a sociedade brasileira”.
Com isso reafirmamos a importância do ensino de filosofia na educação básica, não apenas como um tema transversal. Mas como um componente curricular na formação geral básica nas três séries do ensino médio, incluindo as turmas de ensino técnico, e com uma carga horária maior. Certamente haverá resistência nesse sentido. Sobretudo porque não é interessante para a classe dominante indivíduos que pensam criticamente e que não se deixam ser manipulados. Mas se conseguirmos mobilizar um setor significativo da sociedade, sobretudo os estudantes, parafraseando uns versos do Neruda, a primavera (vitória) será inexorável.
Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor no CEMIL Santa Rita de Cássia.
