segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Cronica: Lendas da minha infância

Por Pedro Ferreira Nunes

Nasci e cresci no interior, no cerrado, nas margens do rio Tocantins. Tive uma infância povoada de lendas, de causos e contos populares contados pelas pessoas mais velhas, historias que nos metiam muito medo.

Não podíamos tomar banho no rio Tocantins por que havia o Boto e a Pirarara que comiam gente, além da sucuri e do nego d´agua. Si andávamos no cerrado era perigoso encontrarmos com o lobo guará, a onça pintada entre outros animais ferozes.

Já à noite tínhamos medo de fantasmas, da aparição de luzes misteriosas, de som de passos em grotas, de fogos que surgiam do nada. Tudo isso fazia com que não saíssemos sós de casa, sempre que saiamos era no mínimo em dupla. Até mesmo pegar um balde de água na cacimba.

Ouvíamos historias de pessoas que morriam afogadas no rio Tocantins. – Que eram engolidos pela boiuna (grande cobra d’água). De pescadores que desapareciam e eram devorados por animais encantados que viviam nas profundezas das águas do Tocantins. Esses animais encantados eram pessoas que haviam morrido no rio e que não eram batizadas e que seus corpos nunca haviam sido encontrados.

Também ouvíamos historias sobre crianças que desapareciam no cerrado, que eram roubados dos braços das próprias mães por lobos guarás ferozes.

A semana santa era o período mais macabro, pois geralmente era o período em que pessoas se transformavam em animais ferozes. Havia uma lenda que dizia que quando há incesto na família, essas pessoas se transformavam em porcos selvagens ou lobisomem, e essas transformações só chegavam ao fim se essas pessoas fossem cortadas por alguma lamina. Dia de lua cheia ninguém colocava o pé para fora de casa.

Sempre ouvíamos essas historias que aconteciam ao nosso redor. Foi lá na serra, aconteceu com fulano de tal. Nunca presenciamos nenhuma dessas aparições, mas não ousávamos duvidar que de fato elas acontecessem.

Hoje refletindo sobre todas essas historias que povoaram a nossa infância, vejo que era uma forma dos nossos pais nos protegerem. Para que não saíssemos sozinhos. Pois de fato era muito perigoso tomar banho no rio Tocantins, no córrego Lajeado, sobretudo em período de cheia, não por causa de animais ferozes, mas sim pela fúria da água.

É claro que às vezes os nossos avós e nossos pais exageravam na dose e o medo nos paralisava tanto que quando precisava não conseguíamos fazer o que nos pediam. No entanto quando íamos crescendo a vontade de ganhar o mundo e conhecer novas pessoas, viver novas experiências era maior do que qualquer medo que podíamos ter.

E assim a chácara onde morávamos que parecia ser tão grande (mas era tão pequena) ficava ainda menor. Então tínhamos que partir dali em busca de novos ares, novas cores, novos sabores e novos amores. Essas lendas que povoaram a minha infância ficaram no passado, hoje as coisas estão tão mudadas. O lugar onde cresci foi destruído, abandonado, muito das pessoas que me contavam essas historias morreram, mas elas estão aqui na minha lembrança e no meu coração tal como essas historias que já mais serão esquecidas.

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