quinta-feira, 1 de março de 2018

CONJUNTURA POLÍTICA NO TOCANTINS – Parte IV

7- Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraiso;

Palmas
Entre os 139 municípios que compõem o Estado do Tocantins, estes cinco se destacam. Tanto pelo desenvolvimento econômico como social – desenvolvimento que reflete no crescimento populacional destas cidades e, por conseguinte do Estado. Por exemplo, de acordo com IBGE (2017) o crescimento populacional do Tocantins de 2016 para 2017 foi de 1,12% - o Estado agora tem 1.550.194 habitantes. O levantamento também apontou que Palmas continua sendo a cidade mais populosa do Tocantins, passou de 279 mil em 2016 para 286 mil em 2017. Araguaína que está em segundo lugar, passou de 173.112 em 2016 para 175.960 em 2017. E Gurupi em terceiro lugar, passou de 84.628 em 2016 para 85.523 mil habitantes em 2017. Porto Nacional é o quarto maior município tocantinense, que também teve um pequeno crescimento populacional, atingindo a marca de 52.828 habitantes em 2017. Já Paraiso ocupa o quinto lugar, pulando de 49.727 habitante em 2016 para 50.360 em 2017.

Os números apontam, portanto que cerca de 41% da população tocantinense vive nos cinco maiores municípios do Estado. Esses dados não são para comemorar, pois revelam um crescimento através de um desenvolvimento desigual em curso no Tocantins. Um desenvolvimento desigual que como já falamos anteriormente, tende a contribuir para o agravamento das expressões da questão social, cada vez mais latente no cotidiano dos cidadãos tocantinenses. 

Outro ponto do por que o crescimento populacional das grandes cidades do Tocantins não deve ser comemorado é pelo fato de que isso se dá por que com o avanço do modelo agroexportador no campo cada vez mais vai sendo expulso de suas terras os povos tradicionais, pescadores, ribeirinhos, camponeses pobres e trabalhadores rurais. Além disso, as riquezas produzidas pelo agronegócio não são utilizadas para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem no interior. Um exemplo, do que estamos falando é a pesquisa do IPEA que apontou que o município de Campos Lindos é a pior cidade para se viver no Tocantins: “A cidade que esta localizada na região do nordeste tocantinense, na divisa com o Maranhão, tem 9. 408 habitantes, e é uma das maiores produtoras de grãos do estado. No entanto as riquezas produzidas pelo agronegócio em vez de melhorar a condição de vida de quem vive em Campos Lindos e região, simplesmente gera mais desigualdade social”. (Nunes, 2015).

E é desse modelo de desenvolvimento desigual (que já se mostrou fracassado em todos os grandes centros do país) que os gestores dos municípios de Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraíso tem se aproveitado. Aliás, Palmas (a capital), Araguaína, Gurupi e Paraiso tem a frente da gestão municipal prefeitos reeleitos (Carlos Amastha do PSB, Ronaldo Dimas do PR, Laurez Moreira do PSDB e Moises Avelino do PMDB). Já Porto Nacional elegeu nas ultimas eleições o prefeito Joaquim Maia (PV) para o primeiro mandato. 

A reeleição destes senhores se dá por que a população está satisfeita com o projeto de governo em curso nestes municípios ou foi por falta de alternativas nas ultimas eleições? O fato é que são gestões tidas como modelos para pequenas e medias cidades do interior. Tanto que dois dos principais nomes colocados para ocupar o Palácio Araguaia no próximo período são justamente dos prefeitos das duas principais cidades do Estado – Palmas e Araguaína. Além do que sem duvidas, os prefeitos Laurez Moreira, Joaquim Maia e Moises Avelino serão cabos eleitorais de peso.

Em relação a Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraíso uma coisa é fato. Há uma economia em desenvolvimento que tem gerado emprego e que, por conseguinte tem atraído gente. Que por sua vez tem contribuído para o aumento populacional – que como já alertamos é visto equivocadamente como sinal de desenvolvimento, e é. Mas é um desenvolvimento desigual que tende a fracassar. 

Além do que são municípios que tem serviços públicos que mesmo precarizado atende minimamente o cidadão – ainda que quase sempre esse atendimento seja insatisfatório. Desse modo quem está na pior, quando ver algo ruim, tem aquilo como bom. É justamente por esse fenômeno que explicamos o fato de gestões como a de Amastha em Palmas e Ronaldo Dimas em Araguaína serem vistas como modelos. Outro fator é que como o governo Marcelo Miranda tem conseguido desagradar a tudo e a todos – gestores medíocres acabam se destacando em meio à gestão caótica do governo estadual.

Voltemos ainda a uma questão anterior: A reeleição destes senhores se dá por que a população está satisfeita com o projeto de governo em curso nestes municípios ou foi por falta de alternativas nas ultimas eleições? Peguemos o exemplo da reeleição de Amastha em Palmas – ele teve 68.634 votos, no entanto a maioria dos eleitores palmenses (cerca de 75.000) votou em outro candidato ou anulou o voto. Em Araguaína, Dimas foi reeleito com 32.522 votos, no entanto á maioria dos eleitores araguainenses votaram em outro candidato ou anulou o voto (cerca de 45.000). O mesmo aconteceu com Laurez Moreira em Gurupi e com Moises Avelino em Paraiso. De modo que apesar de terem conseguido se reelegerem. A maioria do eleitorado era pela mudança e não pela manutenção destes gestores municipais.

Até por que nessas administrações houve denuncias de esquema de corrupção e ataques aos direitos dos trabalhadores. Por exemplo, o prefeito de Palmas – Carlos Amastha foi alvo da Operação Nosotros da Policia Federal, que apurou fraude no processo de licitação para construção do BRT. E não pensou duas vezes em utilizar a força para reprimir trabalhadores que lutavam pelos seus direitos como denunciou o Coletivo José Porfírio:

“ Coletivo José Porfírio vem através desta, repudiar com veemência a ação violenta da Guarda Metropolitana a serviço do prefeito Amastha e de especuladores imobiliários, no despejo de famílias de trabalhadores Sem teto que ocupavam legitimamente na luta por moradia um terreno em Palmas. A ação ocorreu na surdina no dia 27 de julho e não poupou crianças e nem mulheres como denunciaram as famílias na defensoria pública. Aliás, a própria defensoria pública questiona o fato de não terem sido comunicados para acompanhar o despejo. Esse fato mostra bem que a utilização da violência se deu de forma planejada com o intuito de intimidar as famílias para que não realizem outras ocupações. Logo não era interessante que a ação fosse acompanhada pela defensoria pública. E assim a Guarda Metropolitana a mando da gestão Amastha, ignorou totalmente o direito das famílias de serem assistidas pela justiça, diga-se de passagem, esse não é um caso isolado, mas uma postura frequente dessa gestão". (Nunes, 2017)

Outro exemplo da postura intransigente do prefeito Carlos Amastha foi nos episódios que os professores da Rede Municipal entraram em Greve. Mas tudo isso fica esquecido quando a cidade se torna cenário de novela, não é mesmo?! Resta saber até quando – até por que uma hora “a mente gira, a mente pode girar”, e girando a mente do carreiro e a canga pode quebrar. Como diz um dito popular. Por outro lado, não sejamos injustos com Amastha. É preciso destacar que a situação em Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraiso não é tão diferente do que se passa na capital. A diferença é a repercussão – isso tanto para o bem como para o mal. Um exemplo disso é o fato de que ao mesmo tempo em que a gestão Amastha é vista como modelo a nível nacional. Os números da votação das ultimas eleições mostra que ele esta muito longe de ser uma unanimidade na sua cidade.

Para finalizar a cerca dos principais municípios tocantinenses – Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraíso continuaram crescendo. Independentemente de quem seja o gestor ou grupo político no poder. E por que continuaram crescendo? Por que esse crescimento de algumas cidades em detrimento da maioria dos pequenos e médios municípios do Estado é uma expressão desse modelo de desenvolvimento. À medida que vai se aprofundando esse modelo de desenvolvimento de usurpação das riquezas naturais e destruição do meio ambiente os grandes municípios vão se inflando e os pequenos e médios vão se esvaziando. A questão é que tudo que infla uma hora estoura.

8- Demais municípios;

Ponto de Apoio - Miracema/Tocantínia 
O Estado do Tocantins é composto majoritariamente de pequenos e médios municípios que tem sua economia baseada na produção agropecuária, no setor de serviços e no turismo. Sendo que a principal fonte de geração de emprego é o serviço público. No entanto não há vagas para todos o que obriga os trabalhadores abandonarem estes municípios e migrarem em busca de emprego para as maiores cidades do Estado ou em outras regiões mais desenvolvidas economicamente do país. Além da falta de emprego outro fator que expulsa os trabalhadores desses municípios é o avanço do agronegócio e do hidronégocio se sobrepondo a agricultura de subsistência. 

Um terceiro ponto que contribui para esse esvaziamento, sobretudo dos mais jovens é a falta de cursos técnicos e superiores que obriga a juventude ao terminar o colegial, se deslocar para outros lugares para poder dar continuidade aos estudos. Ir em busca de uma melhor qualificação em outras cidades mais desenvolvidas não é um grande problema. A questão é se depois de formado esse jovem voltará para o seu município de origem. Grande parte não, pois sem perspectiva de crescimento profissional ou mesmo de arrumar um emprego digno preferem ficar na capital.

A falta de espaços culturais para apresentações artísticas diversificadas também é algo que incomoda muito a juventude. Não existe cinema, teatro, exposições diversas. O que é reflexo da ausência de uma política cultural que incentive ações culturais descentralizadas e não apenas nos grandes centros.

Não dá para esquecer também a falta de serviços públicos para atender as necessidades básicas da população, sobretudo em relação à saúde – muitas famílias deixam o interior justamente por que não consegue ter acesso a saúde pública de qualidade. Tendo, portanto que buscar tratamento nos grandes centros. Além disso, no interior as famílias têm que conviver com apagões de energia elétrica, com desabastecimento de água, com serviço de telefonia e internet precários. 

Em muitos desses municípios não tem bancos ou caixas eletrônicos, obrigando trabalhadores e aposentados a se deslocarem para receber seus vencimentos. Os correios não cumprem seu papel e as lotéricas não dão conta da demanda. As expressões da questão social se afloram e o que deveria ser resolvido como caso de política vira caso de policia. De modo que cenas que eram comuns das capitais e grandes centros urbanos já não são mais novidades no interior – crescimento da violência, consumo de drogas, gravides na adolescência entre outros. Se não há cracolândias, tem as pingolândias. E assim, um novo fenômeno vai surgindo no interior – os muros e as grades coisas que antes eram símbolos das grandes cidades. Já que no interior sempre viveram despreocupadas.

"Quem anda pelas ruas de alguma cidade do interior tocantinense dificilmente encontrará aquela famosa cena de pessoas sentadas na porta de suas casas conversando animadamente com os seus vizinhos a cerca de questões cotidianas. Infelizmente essa cena tornou-se algo raro de si ver pelo interior. As ruas da cidade estão vazias, enquanto as pessoas estão escondidas atrás de muros. Isso mesmo – muros. Os muros tornou-se uma presença cada vez mais constante nas residências de cidades interioranas. O que era raríssimo há doze anos tornou-se comum. Os muros se propagam isolando as pessoas em suas residências privando-as do que o interior tem de melhor que é a convivência harmoniosa entre as pessoas e a paisagem exuberante". (Nunes, 2015)

Outro fator desse esvaziamento é por que algumas dessas cidades mais próximas dos grandes centros urbanos tem se tornado cidades dormitório. É o caso, por exemplo, de Miracema, Tocantinia e Lajeado.

"Este fenômeno é visto em varias partes do país. Por falta de trabalho nos pequenos e médios municípios a população destes acaba se deslocando durante o dia para trabalhar nos grandes centros e volta para sua cidade de origem a noite apenas para dormir... Durante o dia... grande parte da sua população esta trabalhando na capital. Só a noite é que os trabalhadores retornam para suas casas, mas apenas para dormir, fazendo do local uma cidade dormitório..."(Nunes, 2014)

Por que as pequenas e médias cidades tocantinenses enfrentam essa realidade? É por falta recursos como dizem seus gestores? Não há riquezas nesses municípios?  Não há potencial de desenvolvimento? Muito pelo contrário. Riquezas não faltam – o problema são as oligarquias que sobrevivem no interior se apropriando do espaço público como se fossem a extensão de suas fazendas ou empresas. 

Tanto é assim que não faltam denuncias de uso indevido ou desvio de recursos públicos. Citamos por exemplo à operação Colheita da Policia Federal em Lajeado que apontou a “doação de lotes” em troca de apoio politico. E esse não foi o único caso de corrupção envolvendo gestores do município – um dos mais ricos do Estado. Na gestão anterior a prefeita Marcia Reis chegou a ter os bens bloqueados pela justiça. O mesmo aconteceu com a prefeita de Miracema Magda Borba (ambas do PSD). Além disso, não faltam casos de nepotismo nas gestões de pequenas e médias cidades interioranas. Várias denúncias trouxeram esses casos a tona, por exemplo, em Miracema envolvendo tanto o prefeito Moises Costa (PMDB) como o presidente da Câmara de Vereadores (Edilson Tavares). Em Natividade envolvendo a prefeita Martinha Rodrigues Neto. No município de Santa Rita investigações também apontaram essa prática e também em Nova Olinda.

E assim entra ano e sai ano e os problemas das cidades interioranas continuam os mesmos. Por que isso acontece? “É simples, por que as oligarquias que comandam a política na cidade, não tem interesse em resolver estes problemas, o objetivo deles é governar para eles e não para o povo. O poder e suas vantagens continuam na mão do mesmo grupo que sempre dominou a cidade. Já a maioria da população continua como sempre sobrevivendo precariamente”. (Nunes, 2014) E aí daqueles que ousarem ir contra essas oligarquias. Ou mudam de cidade ou serão perseguidos eternamente. 

Um caso famoso de perseguição no interior do Tocantins que teve repercussão na mídia se deu por parte do prefeito Wagner Coelho do município de Formoso do Araguaia que mandou tirar uma ponte para prejudicar moradores de um assentamento de reforma agrária que supostamente não o apoiariam na sua campanha a reeleição. “A noticia é revoltante – nos deixa indignado. Como um gestor público eleito pelo povo é capaz de fazer uma ação de tão baixo nível? Ora mandar tirar uma ponte sobre um rio para prejudicar cidadãos que vivem na zona rural, mais precisamente num assentamento de reforma agrária, não é só absurdo, como é inaceitável”. (Nunes, 2017)

Como mudar essa realidade nos nossos pequenos é médios municípios? Isso com certeza passa pela capacidade dos trabalhadores, camponeses pobres, indígenas, quilombolas, e povos ribeirinhos se organizar e se mobilizar para extirpar do mapa político do Tocantins essas oligarquias que se alimentam do suor e do sangue do povo trabalhador. Essas oligarquias que sobrevivem através da aliança com as oligarquias que comandam o Estado a nível regional. Pois são fundamentais para que o modelo de desenvolvimento em curso no Tocantins continue se aprofundando.  

Por fim, ainda sobre essa questão é importante ressaltar que “os problemas que enfrentamos no dia a dia recorrente das desigualdades sociais só serão resolvidos quando o povo de forma organizada se mobilizar e lutar para que isso aconteça. Não devemos acreditar em políticos que dizem que irão resolver os problemas sociais. Pois se o povo organizado não lutar para transformar essa realidade e ficar de braços cruzados esperando. As coisas não cairão do céu...” (Nunes, 2017).

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfirio. Atualmente faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CONJUNTURA POLÍTICA NO TOCANTINS – Parte III

4- Política cultural no Tocantins;

Ao assumir o seu terceiro mandato a frente do governo do Tocantins, Marcelo Miranda anunciava um novo tempo para política cultural no Estado. E uma das suas primeiras medidas foi à recriação da Secretaria de Cultura, então extinta pelo governo Siqueira Campos após um escândalo de corrupção que derrubou a secretária Katia Rocha. 

A medida do novo governo foi aplaudida por diversos artistas e agitadores culturais. Como também a escolha de um secretário com um perfil técnico para gerir a pasta (Melque Aquino), à realização da conferencia estadual de cultura, o processo de cadastramento e levantamento dos artistas e ações culturais das diversas áreas do meio cultural no Tocantins e a realização do 9º Salão do Livro, depois de dois anos sem ser realizado. No entanto não demorou para que a cultura fosse novamente jogada para escanteio pelo atual governo. Extinguiu-se novamente através de uma reforma administrativa a secretaria de cultura, anexando-a a nova secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia, Turismo e Cultura.

"é sempre a mesma história – se o Estado está em crise e tem que se cortar gastos – fecha-se a secretaria de Cultura. Essa velha receita vem sendo aplicada nos últimos anos no Tocantins pelos dois grupos políticos que se revezam no poder. Tanto por siqueiristas como pelos pemedebistas." (Nunes, 2016)

Esse episódio mostra bem a forma oportunista com que os governos do Tocantins se apropriam da cultura para se promoverem. Utilizando-se dela como se fosse algo descartável. E seguindo essa linha, o governo acabou mais uma vez engavetando o salão do livro, tal como fez os governos anteriores. 

"Á ultima edição do salão do livro realizada em 2015 mostrou o potencial literário que o Tocantins tem.  A realização do evento propiciou o lançamento de 120 livros, além de diversas apresentações artísticas desde o campo do teatro, da musica, da dança entre outros. E com isso recebeu um público de 350 mil pessoas. Tal fato mostra o que já defendemos anteriormente, que no Tocantins não falta produção artística, mas sim espaços e condições para que os artistas de diversas áreas possam divulgar e apresentar seus trabalhos. Mostra também que não falta interesse por parte da população pela arte feita no Estado. O que falta é oportunidade para que as pessoas possam ter acesso a estes trabalhos artísticos". (Nunes, 2016)

Mesmo com toda essa importância o salão do livro foi mais uma vez engavetado. Assim como a secretaria de cultura foi mais uma vez extinta. Assim como não houve nenhum projeto de fomento a cultura por iniciativa do governo. Como também não houve à aprovação de nenhum projeto de lei na Assembleia Legislativa do Tocantins, que, por exemplo, facilite o investimento em cultura pela iniciativa privada, aos moldes de lei Rouanet (a nível nacional) ou a lei Goiyazes (Estado de Goiás). Com a ausência de uma lei regional de incentivo a produção cultural, os artistas são obrigados a andar com um “pires na mão” esperando alguma migalha na forma de uma emenda parlamentar ou serem contemplados em algum edital, ainda que nem sempre se tenha a garantia que receberam.

Por exemplo, de acordo com Maciel (2017) “os editais de cultura de 2013 ainda da gestão do ex-governador Siqueira Campos ainda não foram pagos”. A autora mostra que para alguns artistas este é um exemplo claro do descaso com a cultura por parte do governo. Os artistas ouvidos também questionaram a justificativa da falta de recursos, sendo que foram desviados recursos da cultura para outras áreas.

De acordo com Beraldo, muitos artistas fizeram dividas apostando nesse recebimento “estamos com o nome sujo na praça por causa da irresponsabilidade do governo e o pior de tudo, é que esse dinheiro não saiu do cofre do governo, é um repasse direto do ministério da cultura para o governo do Tocantins”. (Maciel, 2017)

E o que diz o governo diante dos questionamentos levantado pelos artistas? Simplesmente nada. Por que não há mesmo o que falar. Por que é impossível justificar o injustificável. O fato é que o atual mandato do governador Marcelo Miranda tem como marca na área cultural – a ausência de uma politica cultural. E se não tem uma política cultural efetiva não é por falta de recursos, mas sim por opção política. Até por que existe um plano cultural elaborado no inicio de 2015 (fruto de um trabalho coletivo) que bastava apenas o governo executá-lo, que teríamos um avanço significativo no campo cultural no Tocantins.

5- O Modelo de desenvolvimento Agroexportador e a Questão Ambiental;

A falta de uma política de proteção ao meio ambiente é outra marca do atual governo. Formando assim ao lado da cultura as duas áreas mais esquecidas pelo governador Marcelo Miranda (PMDB). O que não poderia ser diferente com o avanço de um modelo agropecuário pautado na concentração de terra, na monocultura, na destruição ambiental, no uso abusivo de agrotóxico e na utilização de mão de obra escravizada. De fato nesse contexto a proteção ambiental não passa de uma faixada.

De modo que o órgão que deveria preservar pela preservação ambiental no Tocantins (o Naturatins) serve apenas para homologar licenças ambientais que favoreçam a burguesia agrária nos seus projetos de destruição do meio ambiente – ainda que a população questione estes projetos. Foi por exemplo, o que ocorreu no episódio da liberação de uma licença ambiental para construção de mais uma Usina Hidrelétrica no Tocantins (UHE Monte Santo). Em que a população se posicionou contrária ao projeto através de audiências públicas, mas mesmo assim a licença foi liberada. 

Sobre o hidronégocio no Tocantins é importante ressaltar:

"os empreendimentos hidrelétricos construídos no Tocantins estão a serviço do lucro e não da vida. Basta ver o rastro de destruição ambiental e os impactos sociais que ficaram de legado para população atingida pela construção das UHE Luiz Eduardo Magalhães e Peixe Angical. O progresso prometido só deixou rastro de destruição, como por exemplo, diversas vezes os noticiários nacionais repercutiram a mortandade de peixes no rio Tocantins em decorrência da operacionalização das UHEs. Centenas de famílias tiveram que deixar suas terras e foram assentadas em terras inférteis, a produção nas vazantes do rio acabaram prejudicando a produção de alimentos na região – e se quer esses pequenos camponeses foram indenizados". (Nunes, 2016)

Mesmo com todo esse legado negativo. O atual governo continua patrocinando esse tipo de projeto. Como também projetos como o MATOPIBA “um projeto do governo federal, capitaneado pelo ministério da agricultura, num território onde vivi 25 milhões de habitantes, em 337 municípios. Que engloba os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Em uma área de 73 milhões de hectares. Nesse território ainda existem 46 unidades de conservação ambiental, 35 áreas indígenas e 865 assentamentos de reforma agrária que serão atingidos direta e indiretamente”. (Nunes, 2016). Ainda no inicio, o projeto já tem contribuído para o aumento da destruição do bioma nativo bem como para expulsar as populações tradicionais dos seus territórios.

O MATOPIBA é responsável por impulsionar o desmatamento do cerrado. Que inclusive ultrapassou o índice de desmatamento da floresta amazônica. Dados do agrosatélite aponta que houve um aumento de 61,6% no desmatamento do cerrado. E mesmo com o MATOPIBA ainda no inicio já foram perdidos 171,4 mil Km2 do bioma nativo. (Nunes, 2017)

Um dos reflexos desse modelo de desenvolvimento que avança no campo tocantinense é a crise hídrica que assola o Estado. E o ano de 2017 marcou o agravamento dessa situação que tende a piorar se não houver ações efetivas para reverter esse quadro. E ações nessa linha passa por repensar o modelo de exploração dos recursos naturais do Tocantins – o avanço da monocultura, da criação de bovinos, o uso abusivo de agrotóxicos e a construção de hidroelétricas.

A carta das Águas aprovada num seminário realizado no mês de novembro de 2017 na UFT – Campus de Palmas – que contou com a participação de diversos militantes de movimentos sociais, da comunidade acadêmica, de representantes políticos e pessoas da sociedade civil preocupados com essa questão apresenta propostas importantes para enfrentar o problema, entre elas:

"aprovação de um calendário agrícola para plantio e suspensão das capitações no âmbito dos comitês de bacia; Incentivos a produção agrícola, mediante comprovação  de ações de conservacionistas ou certificados da eficiência hídrica; Instrumentação das Universidades para o monitoramento da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos; Repasse de 100% da compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos que o Estado recebe da ANELL (Agencia Nacional de Energia Eletrica) para aporte ao fundo estadual de recursos hídricos; Presença efetiva das Universidades nos conselhos estaduais e municipais de meio ambiente e recursos hídricos; Revitalização urgente de nascentes e de áreas de proteção permanente; Fortalecimento dos comitês de bacias hidrográficas, por meio da criação de agencias de bacia; Monitoramento da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos do Estado do Tocantins; E modernização do sistema de outorga pelo uso da água do Estado...." (Carta das Águas, 2017).

No entanto é preciso ações mais radicais como apontamos anteriormente. Ainda mais por que se já não bastasse à situação de calamidade pela qual várias famílias vêm sofrendo com a crise hídrica vimos avançar no congresso nacional um projeto de transposição das águas do rio Tocantins.

"... o autor do projeto de lei é o deputado federal Gonzaga Patriota (PSB) de Pernambuco. ... “o projeto de lei nº 6569/13 prevê a inclusão no Plano Nacional de Viação, da Interligação entre o Rio Tocantins e o Rio Preto, localizado no oeste da Bahia e que faz parte da bacia hidrográfica do Rio São Francisco, com o proposito de assegurar a navegação desde o Rio São Francisco até o Rio Amazonas”... (Nunes, 2017)

Ainda de acordo com que escrevemos em outro artigo “trata de um projeto antigo apresentado pela primeira vez ainda no ano de 1990 e reapresentado em 2013. Ora o contexto no qual o projeto foi pensado é totalmente diferente do contexto atual – a realidade do rio Tocantins hoje é totalmente diferente do que há 27 anos. Há 27 anos não existiam as usinas hidrelétricas que hoje existem no rio...”. (Nunes, 2017) Diante da indignação da maioria dos tocantinenses que se manifestaram terminantemente contrários ao projeto de transposição do rio Tocantins não faltou “políticos tocantinenses” se posicionando publicamente contrariamente ao projeto do deputado pernambucano. No entanto estes senhores e estas senhoras não moveram uma palha contra o avanço do projeto no congresso nacional. O que cabe o seguinte questionamento:

"...será que estas figuras estão realmente preocupadas com a preservação do rio Tocantins? Ou é apenas discurso demagógico? Ora se o rio Tocantins a cada ano está numa situação mais calamitosa é pelo modelo hegemônico de exploração dos recursos naturais do Estado – modelo hegemônico pautado no agronegócio e no hidronégocio. E quais os políticos responsáveis pela hegemonia desse modelo de exploração no Tocantins se não Siqueira Campos, Katia Abreu, Mauro Carlesse entre outros?! Se o rio Tocantins está morrendo estes senhores tem as mãos suja de sangue..." (Nunes, 2017)

Outro ponto que não se pode esquecer em relação à questão ambiental no Tocantins é o projeto de reforma do código florestal na Assembleia Legislativa proposta pelo deputado tucano Olyntho Neto (PSDB) que vai na contramão dos esforço daqueles que elaboraram a carta das águas. Pois “a comissão criada... na assembleia legislativa do Tocantins para reformular o código florestal tem um objetivo claro: Flexibilizar a já tão frágil legislação ambiental tocantinense para atender os interesses das elites agrárias que comandam o Estado...”. (Nunes, 2017)

O autor do requerimento que criou a comissão (Deputado Estadual Olyntho Neto) que irá propor um novo código florestal para o Tocantins. Não deixou duvidas a cerca de quem é e de qual o projeto defende: “sou produtor rural com muito orgulho, faço parte da bancada ruralista...”. Não é segredo para ninguém o quão nocivo tem sido para o meio ambiente e os povos tradicionais a atuação da bancada ruralista no congresso nacional. E é justamente esse modelo de atuação parlamentar que defende o deputado Olyntho Neto e outros parlamentares na Assembleia Legislativa do Tocantins.

Enquanto isso o Tocantins bate recorde no recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos. Por exemplo, “em 2017, um recorde em devolução de embalagens vazias de agrotóxico, segundo dados do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (InpEV), no ano passado foram devolvidas 722, 3 toneladas de embalagens com um crescimento de 22,1% em relação ao ano de 2016, onde foral devolvidas aproximadamente 600 toneladas...” (Ascom, 2018). O Governo do Estado apresenta esses dados com certo entusiasmo. Mas o fato é que se trata de dados bastante preocupantes, pois revela o uso abusivo de agrotóxico nas lavouras tocantinenses. Mas vai questionar isso aos ruralistas. Irão dizer tal como disse em outra oportunidade no congresso nacional a senadora Kátia Abreu – “é a única maneira de produzir alimentos baratos”... Será mesmo? Será que estes senhores estão produzindo alimentos ou estão produzindo venenos que serão consumidos como alimentos? Fica a reflexão.

Outra expressão do modelo de desenvolvimento no campo tocantinense é a utilização de mão de obra escravizada. E já há alguns anos o Estado figura entre os que mais se utilizam dessa prática. “Nos últimos dez anos, em todo o Estado, mais de 3 mil pessoas foram libertadas de propriedades em condições análoga a de escravidão principalmente nas áreas de pecuária, carvoaria e lavoura...” (Gazeta do Cerrado, 2017).

Frei Xavier Plassat explicou que os casos mais frequentes de trabalho escravo no Tocantins estão especialmente na região sudeste. Segundo ele, o trabalho escravo se sustenta em três pilares: a miséria, a impunidade e a ganancia. “São pessoas que morrem por exaustão e fome, que se submetem a trabalhos desumanos. Estamos há mais de 20 anos tentando combater o trabalho escravo mas o que percebemos é que por muitas vezes. O assunto se torna invisível para a sociedade... (Gazeta do Cerrado, 2017)

Por fim não dá para falar sobre questão ambiental e o modelo de desenvolvimento agropecuário no Tocantins e não falar da violência no campo, que é uma das suas grandes expressões. E uma coisa é fato – o aumento da violência contra os povos tradicionais e o campesinato pobre é inquestionável. A nível nacional (referente ao ano de 2016) o aumento foi de 206%, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Já no Tocantins o aumento de conflitos por terra foi de 313% - é o maior aumento entre todos os estados. A intensificação dos conflitos por terra no Tocantins está intimamente ligada ao avanço do MATOPIBA, segundo a CPT.

Além do aumento de casos de violência por conflito de terra, o levantamento da CPT no Tocantins também registrou conflitos por água, trabalho escravo, além de tentativas de homicídios, ameaças de morte e violência física. A divulgação destes dados levou a criação de um grupo de trabalho sobre violência contra camponeses no Tocantins. Basta saber se essa comissão apresentará algum resultado, sobretudo por que a marca dos conflitos no campo é a anuência do Governo e a impunidade por parte da justiça – que dificilmente condena os ruralistas que são sabidamente os responsáveis pelos diversos crimes cometidos contra indígenas, quilombolas e camponeses pobres.

Como no exemplo do incêndio do Acampamento Padre Josimo (no município de Carrasco Bonito). “O incêndio no acampamento não deixou vitimas fatais, mas destruí muitos barracos. Algumas famílias perderam todos os seus pertences, além de uma grande quantidade de alimentos, já que seis alqueires plantados também foram atingidos pelas chamas...” (Conexão Tocantins, 2017). Outro episodio parecido aconteceu no mês de outubro no Acampamento Dom Celso (no município de Porto Nacional). Além de queimar os barracos dos acampados também foram disparado tiros. 

Infelizmente a degradação do meio ambiente, a produção de alimentos com uso abusivo de agrotóxico, a utilização de mão de obra análoga à escravidão e a violência contra indígenas, quilombolas e camponeses pobres são expressões desse modelo de desenvolvimento que se aprofunda no Tocantins. Enquanto não mudarmos esse modelo de desenvolvimento, expressões da questão social como essas tendem a se intensificar no meio rural.

6- A falência do modelo de privatização dos bens públicos no Tocantins;

Não faltam aqueles que defendem a privatização dos bens públicos, e para tanto se utilizam de um malabarismo teórico para justificar essa defesa. Um destes é o colunista Rodrigo Constantino que se define como um livre pensador. De acordo com este autor (2010) a privatização é fundamental para melhoria dos serviços públicos prestados, pois “as empresas privadas precisam oferecer bons produtos para sobreviver, e isso coloca os consumidores no topo das prioridades”. Será mesmo? Vejamos a partir de alguns exemplos dessa política de privatização no Estado do Tocantins.

O modelo de privatização dos bens públicos teve inicio no Tocantins, ainda antes do processo a nível nacional aprofundado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Um projeto que se iniciou com a privatização da CELTINS (Companhia Elétrica do Tocantins). Sendo que “a Celtins foi crida em março de 1989, com o objetivo de receber e incorporar a seu patrimônio o acervo de sistema de energia elétrica instalada no Tocantins, após a divisão territorial de Goiás. Em Setembro do mesmo ano, a empresa foi privatizada e entregue a controle acionário de um consórcio formado pelas empresas Caiuá, Nacional, Bragantina e Vale do Parapanema”. (Conexão Tocantins, 2009).

O balanço que se faz hoje é que se tratou de um grande erro a privatização da CELTINS, pois ao contrário do que defende os partidários da privatização. Não houve uma melhora na prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica, pelo contrário, muitas cidades tocantinenses sofrem com apagões. O custo da tarifa é altíssima, a carga tributária não fica atrás. Não há investimento na melhoria dos serviços. E para completar a gestão privada que é tida como superior a gestão pública, levou à empresa a falência.

De acordo com Rodrigues (2013) “a privatização, passado mais de 20 anos, ainda não disse a que veio. Na avaliação de boa parte dos consumidores, foi um grande erro a venda da Celtins por que até agora não se cumpriu a redução da tarifa e a melhoria da qualidade dos serviços...” Seguindo essa linha Rodrigues (2013) alerta “o que parecia ser a solução para o problema energético tocantinense há duas décadas tornou-se agora, um sério empecilho ao próprio desenvolvimento econômico do Estado”. E foi exatamente nessa linha que se seguiu os apontamentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Tocantins responsável por investigar o rombo na empresa. 

Instalada em 2013, sob a presidência do deputado José Roberto (PT). Teve o relatório final apresentado em 2014. E entre várias questões a CPI apontou a necessidade de revisão da lei que privatizou a Celtins “para que o Estado tenha poder nas decisões da empresa, já que atualmente é o detentor de 49% do capital da Celtins”. (Portal Cleber Toledo, 2014). No entanto essa sugestão da CPI da Celtins não avançou no legislativo tocantinense até hoje.

Outro processo fracassado de privatização foi o da SANEATINS (Companhia de Saneamento do Tocantins). De acordo com Póvoa (2017) “a privatização do saneamento básico no nosso Estado do Tocantins é algo que foge a qualquer entendimento por mais mediana que seja a inteligência do consumidor...”. Para este autor não dá para compreender o por que entra governo e sai governo e continua a política de privatização que se mostrou fracassado em todo país. Ora, dá para compreender muito bem – o fato é que os governos de plantão estão a serviço das elites econômicas e não da melhoria de vida do cidadão.

Póvoa (2017) é enfático: “a privatização do Saneamento no Tocantins é inadmissível sob todos os aspectos”. A privatização da Celtins deveria ter servido de lição. Mas os governos que se revezam no poder não aprenderam nada. Enquanto isso a população, sobretudo do interior sofre com o desabastecimento de água pela falta de investimento na rede de água. E sem saneamento básico.

Essa situação tem se agravado, sobretudo pelo fato de que com a privatização da Saneatins e a sua priorização em investir nos principais municípios do Estado, os pequenos municípios passaram a serem atendidos pela ATS (Agência Tocantinense de Saneamento). No entanto a ATS não tem conseguido garantir um fornecimento de água satisfatório para todos os pequenos municípios do Estado. Pois como já dissemos faltam investimentos e estrutura que consiga atender a demanda – a melhor parte da estrutura ficou com a Saneatins que foi privatizada.

Um reflexo desse problema é que, por exemplo, alguns municípios entraram na justiça através da Defensoria Pública para obrigar a ATS a regularizar o fornecimento de água. Foi o caso de Goianorte, Dueré, Dois Irmãos e Pium. Sem contar outras cidades que também sofreram com a falta de fornecimento de água e que não entraram na justiça. O interessante é que mesmo com o interrompemento constante do fornecimento de água o valor da tarifa não sofre alterações.

Ainda em relação à entrega dos bens públicos por parte dos governos Siqueira Campos e mantido pelos Governos Marcelo Miranda. Não podemos esquecer da entrega da gestão de serviços públicos essenciais como na  saúde e na segurança pública para organizações sociais de caráter privado. Parcerias que também ao contrario do que se prega, não melhorou de forma alguma a gestão dos serviços públicos. No caso da OS (OSCIP Brasil) que foi contratada para gerir os hospitais do Tocantins o que se viu foi que serviu para desviar dinheiro público como aponta investigações do Ministério Público – acusações que levaram o governador Marcelo Miranda a ser condenado em primeira instância. 

A contratação irregular da OSCIP Brasil para gerir os hospitais tocantinenses ocorreu em 2008. Se de fato esse modelo de gestão funcionasse a saúde pública no Tocantins não estaria na situação de calamidade que se encontra hoje. Outro exemplo do fracasso desse modelo é o caso da Umanizzare na gestão dos presídios tocantinenses. No entanto o contrato só foi interrompido pela ação do Ministério Público que entrou na justiça, apontando “diversas ilegalidades nos referidos contratos de terceirização”. (Conexão Tocantins)

Os exemplos mostram de forma incontestável que privatização dos bens e dos serviços públicos em curso no Tocantins, ainda em 1989, quando o Estado acabava de ser criado. É um modelo falido que de forma alguma melhora a vida do cidadão. E por que mesmo assim continua sendo defendido e implementado pelos governos de plantão? Por que estes governos como já dissemos não estão preocupados com a melhoria de vida do cidadão, mas sim em atender os interesses do capital. E o capital (empresas privadas) não está preocupado com o consumidor como afirma Constantino, mas com o lucro fácil.

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfirio. Atualmente faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

CONJUNTURA POLÍTICA NO TOCANTINS – Parte II

3- Educação, Saúde, Segurança Pública e Geração de Emprego;

Essas seriam as quatro áreas que o então candidato Marcelo Miranda (PMDB) pretendia priorizar no seu governo. O que não é muito diferente do que afirma qualquer candidato que se apresenta ao eleitorado, pois justamente são estas questões que a população aponta como as mais necessárias. No entanto, a prioridade fica apenas no discurso, pois na prática a realidade continua a mesma.

3.1- Educação;

O fato é que na educação não houve avanços se analisarmos, sobretudo a questão estrutural das escolas e a valorização dos profissionais da educação. Por exemplo, a maioria das escolas da rede estadual não tem bibliotecas decentes, não tem laboratórios estruturados e nem climatização adequada. Já em relação à valorização dos profissionais os movimentos grevistas durante o governo Marcelo Miranda explicitaram o descaso da atual gestão com os trabalhadores da educação. Por exemplo, em 2015, onde a categoria reivindicava “equiparação salarial e pagamento de progressões”. (G1-TO, 2015).

No ponto de vista pedagógico algumas mudanças ocorreram, sobretudo após a troca de secretários a frente da SEDUC-TO (Saiu Adão Francisco e assumiu Wanessa Sechin) e dos resultados negativos em avaliações de desempenho a nível regional e internacional (como o PISA que apontou que o nível de leitura no Tocantins está abaixo do nível nacional). Porém:

à preocupação do atual governo através da secretaria de educação não é de forma alguma a melhoria do processo de ensino-aprendizagem. Pelo contrario, a preocupação é em melhorar os índices de avaliação como fica claro na fala da própria secretária de educação “...há a necessidade de melhoria nos índices educacionais do Tocantins”. O que não garante de forma alguma que a educação seja de qualidade pelo fato de alcançar índices estabelecidos por órgãos econômicos mundiais. (Nunes, 2017).

Ainda sobre a política educacional no atual governo Marcelo Miranda, não dá para esquecer a interferência política na gestão das unidades de ensino da rede estadual. É sabido que os gestores são indicados pelos caciques políticos locais que apoiam o governo. E só agora no apagar das luzes da atual gestão é que foi feito um processo seletivo para escolha dos novos gestores. 

No entanto conhecendo o histórico desse governo não dá para confiar integralmente na isenção desse processo seletivo. Sabendo disso é que os trabalhadores da educação através do SINTET-TO (2017) denunciaram: “Mais uma ação midiática da Secretária estadual de Educação Wanessa Sechin, que do alto do seu ego se recusa a ter uma gestão verdadeiramente democrática, não recebe a categoria e impõe suas medidas políticas eleitorais a bel prazer...”. E qual seria a alternativa então? A eleição direta para diretores das unidades de ensino. 

Por fim é preciso esclarecer também que esse processo seletivo de gestores para as escolas da rede estadual trata de uma política de governo, logo se muda a gestão estadual tal política pode ter continuidade ou não.

3.2- Saúde;

A saúde pública no atual governo foi marcada por
um verdadeiro caos na área – em que não muito raramente os pacientes tiveram que entrar na justiça para ter garantido o seu direito fundamental de ter acesso à saúde pública gratuita e de qualidade. Do ponto de vista estrutural uma imagem emblemática retrata a situação de calamidade pública em relação às condições das unidades de saúde da rede estadual – tendas instaladas para atender os pacientes no pátio do Hospital Geral de Palmas (HGP) – que mais parecia um campo de refugiados.  Já em relação à valorização dos profissionais da área da saúde e as condições de trabalho o descaso do governo não foi tão diferente, levando inclusive a categoria a entrar em greve.

De acordo com o SEET (Sindicato dos Profissionais da Enfermagem no Estado do Tocantins) em denuncia ao ministério da Saúde “falta insumos básicos, falta equipamentos de proteção individual. Os problemas de dimensionamento enfrentado pelos profissionais de enfermagem das unidades hospitalares, os atrasos nos pagamentos dos plantões extraordinários e os problemas de infra-estrutura dos 18 hospitais regionais” são alguns exemplos do “caos na saúde pública do Tocantins”.

Ainda em relação o caos na saúde pública no governo Marcelo Miranda (PMDB), “nos últimos anos, o Tocantins tem vivido a maior crise da história na área da Saúde e a população sentiu na pele a deficiência do sistema com hospitais sucateados, desabastecimento de materiais e medicamentos, pessoas morrendo sem atendimento, falta de alimentação e filas imensas para cirurgias...”. (Conexão Tocantins, 2015).

E para coroar veio à tona um esquema de corrupção na saúde envolvendo médicos, empresários e servidores públicos, através da operação “Marca Passo” da Policia Federal.

De acordo com a PF “... os médicos que atuavam pelo Sistema Único de Saúde (SUS) indicavam os produtos da empresa que deveriam ser adquiridos e ganhavam propina em cima da venda...” (Jornal do Tocantins, 2017). Além disso, a Policia Federal alertou para o desvio de equipamentos do serviço público para clinicas privadas. Enquanto isso milhares de tocantinenses sofrem nas filas de esperas esperando uma cirurgia. Tendo que ir em busca de atendimento em outros estados ou morrem esperando na fila. O governo diz que falta recurso, que o Estado está em crise. Mas não falta dinheiro e nem recurso para beneficiar alguns poucos.

É importante ressaltar mais uma vez a participação efetiva de agentes públicos, ligados a gestão do governador Marcelo Miranda, colaborando com o esquema. Aliás, o pai do governador (Brito Miranda) mais uma vez teve que ir a Policia Federal dar esclarecimento a cerca do seu envolvimento com o esquema. E o próprio governo Marcelo Miranda foi condenado pela justiça por “desviar dinheiro da saúde e pela contratação irregular de uma empresa para administrar hospitais”. (G1-TO). Além disso, esse caso reflete muito bem o caráter mercadológico que impera na saúde – o que nos trás a memória uns versos de um poema de Dom Pedro Casaldáliga: Doutor Urubu, mercador da morte, tem muita carniça na carne do homem, boa profissão para ganhar cobre...

3.3- Segurança Pública

Assim como na Educação e na Saúde, também houve greve na Segurança Pública do Tocantins, especialmente na Polícia Civil. Aliás, foi o primeiro movimento grevista enfrentado pelo atual governo – que durou cerca de 3 meses. Assim como as demais categorias a greve da PC foi por melhores condições de trabalho e valorização profissional.

Outro marco na área da segurança pública do atual governo foi à crise no sistema penitenciário, que inclusive culminou com o fim do contrato com a Umanizzare (empresa responsável pela cogestão dos presídios tocantinenses). Também foi montado um grupo de trabalho que propôs uma serie de medidas que visam melhorar o sistema carcerário no Tocantins. Entre estas medidas esta a convocação imediata dos servidores do concurso da defesa social. 

No entanto, a maioria dos servidores que estão atuando no sistema prisional é de contratos temporários. E as outras medidas propostas também não saíram do papel. O que nos faz questionar se o governo está preocupado seriamente em resolver a crise no sistema prisional tocantinense. 

Para se ter uma ideia mais clara da situação da segurança pública no Tocantins é importante observarmos o que apontou o levantamento do IPEA:

De acordo com o IPEA entre 2005 e 2015 houve um aumento de 164% no número de assassinatos no estado. A taxa de homicídios avançou 128% - indo de 14 para 33 mortes para cada 100 mil habitantes, isso em 10 anos. Seguindo a tendência nacional, os jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos são os mais vitimados no Tocantins. Por exemplo, em 2015 o aumento foi de 176% em relação a 2005 de vitimas nessa faixa etária. Os dados do IPEA também mostraram que os mais atingidos são os jovens negros – 32,8 mortes para cada 100 mil habitantes. Já entre as outras etnias o índice é de 27,9 mortes para cada 100 mil habitantes. Também cabe destacar o aumento dos índices de violência contra as mulheres – em 10 anos teve um aumento de 128% no Tocantins. (Nunes, 2017).

Mais preocupante do que este levantamento foi à declaração do Secretário de Segurança Pública culpando o estatuto do desarmamento pelo aumento da violência. De acordo com Cesar Simoni (2017) “desarmar o cidadão foi um ato impensado, um resultado que não aconteceu”. Seguindo essa linha “além de defender o armamento da população – voltando a uma espécie de faroeste. Os representantes dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins também falaram na criação de mais delegacias e no aumento de contingente da policia militar através de concurso público. Isto é, aumentar os instrumentos de coerção e punição – seguindo a lógica de remediar em vez de prevenir”. (Nunes, 2017).

Agora no ultimo ano do seu terceiro mandato a frente do executivo estadual o governador Marcelo Miranda (PMDB) lança o edital para o concurso da PM. Repetindo o que fez o governador Sandoval Cardoso (SD) com concurso da defesa social em 2014. Iniciamos 2018 com boa parte dos que foram aprovados no concurso da defesa social esperando serem convocados para assumir o cargo, inclusive entrando na justiça para terem esse direito garantido. Há uma boa probabilidade do mesmo acontecer com o concurso da PM.

3.4 – Geração de Emprego;

Sem grandes investimentos na área de infraestrutura ou na melhoria da prestação de serviços públicos a principal fonte de geração de emprego do governo do Tocantins continua sendo o uso da maquina pública. Sobretudo na geração de empregos comissionados e contratos temporários – em que não há segurança jurídica e nem garantias trabalhistas. 

Alguns levantamentos apontam que, sobretudo no ultimo ano (2017) houve um crescimento de geração de emprego nas principais cidades do Estado, especialmente – Araguaína, Gurupi, Palmas, Paraiso e Porto Nacional. No entanto esse crescimento não é fruto da ação do governo Estadual. Por exemplo, de acordo com Duarte (2017) “os setores de atividades com melhores desempenhos foram comercio, construção civil e agropecuária”.

Com a geração de emprego se concentrando nas maiores cidades ocorre cada vez mais o esvaziamento das pequenas cidades interioranas. Pois sem empregos nesses municípios os trabalhadores acabam tendo que se deslocar para os grandes centros – o que reflete cada vez mais no aumento das expressões da questão social nestas localidades. Como por exemplo, os índices de violência que mostramos anteriormente. E a tendência é que esse modelo de desenvolvimento que já mostrou a sua falência em outras regiões do país contribua para o aumento das expressões da questão social no Tocantins.

Ainda em relação à geração de emprego é importante ressaltar que mesmo tendo um saldo positivo – de acordo com o observatório do Trabalho no Tocantins (em levantamento realizado no mês de outubro) o saldo é de 679 empregos formais. Um saldo bastante a quem do que necessita o Estado do Tocantins que segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional Amostra de Domicílios) existe cerca de 92 mil pessoas desempregadas.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfirio. Atualmente faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

CONJUNTURA POLÍTICA NO TOCANTINS - Parte I

Corrupção, Retrocessos e Avanço de um Modelo Hegemônico de Usurpação dos Recursos Naturais.

Apresentação

Trata-se de mais uma analise de conjuntura a cerca da situação política, econômica e social do Estado do Tocantins. No entanto diferentemente das analises de conjuntura que elaboramos e publicamos nos últimos anos no blog “Das barrancas do Rio Tocantins” está analise tem um pouco mais de folego, como também apresenta uma abordagem mais ampla de várias questões, como por exemplo, a corrupção, a educação, a saúde, a segurança pública, a geração de emprego, a cultura, o meio ambiente, a privatização dos bens públicos entre outros. 

Outro ponto importante que diferencia essa analise de conjuntura das anteriores são as referências e fontes de pesquisas que torna a nossa argumentação mais solida e consistente. 

Como fazer para ter acesso a este documento? Iremos publicar o arquivo na integra no formato pdf para qualquer um baixar gratuitamente. E também publicaremos por partes no blog “Das Barrancas do Rio Tocantins”.

Parte I: Apresentação, Introdução e Governo Marcelo Miranda – Corrupção e retrocessos;

Parte II: Educação, Saúde, Segurança Pública e Geração de Emprego;

Parte III: Política Cultural no Tocantins, O Modelo de desenvolvimento Agroexportador e a Questão Ambiental, A falência do modelo de privatização dos bens públicos no Tocantins;

Parte IV: Palmas, Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraiso, Demais munícipios;

Parte V: Eleições 2018 no Tocantins, Pré-candidaturas ao governo do Tocantins (Kátia Abreu, Marcelo Miranda, Carlos Amastha, Ronaldo Dimas, Ataídes Oliveira, Paulo Mourão, Marlon Reis, Outros pré-candidatos e a esquerda;

Parte VI: Luta popular contra o modelo hegemônico no Tocantins, Agitação política, trabalho de base e organização, Conclusão.

Por fim, a cerca do método que utilizamos nesse processo de analise de conjuntura, não temos nenhum problema em assumir que temos como “pressupostos: teóricos — os desenvolvimentos das ciências sociais críticas da sociedade capitalista” (2014; 306) especialmente marxista. E práticos: a partir da militância no movimento popular, sobretudo o Coletivo José Porfírio e no CAFIL – Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins.

1- Introdução;

O modelo hegemônico de desenvolvimento no Tocantins de avanço do capitalismo – usurpando os recursos naturais, favorecendo a especulação imobiliária e expolindo os trabalhadores segue se aprofundando sem grande resistência. Os governos, seja o estadual ou os municipais, independente do grupo politico que fazem parte, defendem o mesmo modelo de desenvolvimento. De modo que independente de quem ocupará o palácio Araguaia a partir do resultado do pleito eleitoral de 2018 o projeto político de desenvolvimento do Estado do Tocantins não mudará.

É o que percebemos claramente ao analisar as principais pré-candidaturas até o momento colocadas para disputar o governo do Tocantins. Carlos Amastha (PSB), Ronaldo Dimas (PR), Kátia Abreu (Sem partido) e Marcelo Miranda (PMDB). Os outros pré-candidatos a exemplo do Marlon Reis (Rede), Paulo Mourão (PT) e Ataídes Oliveira (PSDB) não são alternativas verdadeiramente as candidaturas principais e nem apresentam projetos tão alternativos assim. Além destes, existem outros. No entanto com ainda menos expressão. Resta saber quantos levaram até o fim o projeto de uma candidatura ao governo do Estado e quantos estão apenas endurecendo a venda do seu passe para apoiar determinada candidatura.

Diante de um quadro de aprofundamento de ataques aos direitos dos trabalhadores tanto a nível nacional como regional, de aprofundamento de um modelo de desenvolvimento agroexportador financiado pela especulação imobiliária, de um quadro eleitoral que aponta para pouca ou nenhuma mudança – o que fazer? Não, não temos a pretensão de responder essa questão. 

O que buscamos é apresentar uma reflexão sobre a conjuntura política no Tocantins, passando por uma analise do governo Marcelo Miranda (PMDB), do legislativo tocantinense, dos principais municípios do Estado, além é claro do quadro eleitoral que se desenha para as eleições de 2018, e que infelizmente contaminará a conjuntura. Bem como a copa do mundo de futebol não é mesmo?! Não nos esqueçamos também do carnaval. Pois como diz a letra de uma clássica canção punk da banda Ratos de Porão: “a seleção é grande, a novela é legal. A vida é mais dura, só depois do carnaval...”. Este ano no caso, só depois da copa do mundo de futebol.

Por fim não podemos deixar de analisar as lutas contra hegemônicas (que apesar de fragmentadas existem). E a partir dai refletir a cerca da possibilidade de construção de um projeto contra hegemônico que tenha como foco a construção do poder popular no Tocantins.

Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lucia. Lajeado – TO; Lua Cheia. Inverno de 2018.

2- Governo Marcelo Miranda – Corrupção e retrocessos;

Eis a marca do terceiro mandato do governador Marcelo Miranda (PMDB), diga-se de passagem, não muito diferente dos seus antecessores. Assim como o ultimo governo Siqueira Campos, Marcelo Miranda encaminha para fechar o seu terceiro mandato com baixa popularidade, respondendo junto ao judiciário denuncias de corrupção envolvendo sua gestão e com vários retrocessos em relação aos direitos dos servidores públicos e a prestação de serviços públicos de qualidade para população.

Um dos casos de corrupção no qual o governo Marcelo Miranda é acusado de envolvimento veio à luz através da operação Ápia da Policia Federal. A investigação “apontou que obras de terraplanagem e pavimentação asfáltica realizadas no Estado do Tocantins, entre 2011 e 2014, custaram cerca de R$ 850 milhões e geraram créditos indevidos a empresários. Os pagamentos realizados totalizaram aproximadamente R$ 730 milhões, enquanto o restante, mais de R$ 120 milhões, foi efetivamente quitado em anos posteriores”. (G1 – TO, 2017)

O esquema de corrupção perpassou os governos de Siqueira Campos, Sandoval Cardoso e continuou com Marcelo Miranda. Mostrando assim, que mesmo em grupos políticos opostos, os interesses que defendem são os mesmos.

Marcelo Miranda também teve o seu nome envolvido na operação Reis do Gado da Polícia Federal. Onde foi apurado o desvio de R$ 200 milhões do Estado. A PF concluiu que Marcelo Miranda dava sustentação política para o grupo (Seu pai Brito Miranda entre outros membros de sua família) que comandava o esquema. De acordo com Gomes (2017) “... para a Policia Federal, o gestor peemidebista tinha “pleno conhecimento dos atos ilegais” e, além disso, “delegava e delega” ao pai o gerenciamento do governo do Estado... “sem a sustentação oficial” do governador nos contratos negociados pelo suposto esquema os crimes não seriam consumados”.

Ao mesmo tempo em que milhões de dinheiro estavam sendo desviado dos cofres públicos. O governo Marcelo Miranda utilizando-se do discurso de que o Estado estava em crise aproveitava para retirar direito dos trabalhadores e aumentar impostos, jogando a conta de uma suposta crise nas costas da população. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a aprovação do ajuste fiscal em meados de 2015 – projeto de lei do governo aprovado na Assembleia Legislativa que aumentou vários impostos, onerando ainda mais a população que já paga impostos pesados, sem receber as devidas contrapartidas.

Outra marca do governo Marcelo Miranda é o retrocesso em relação aos direitos dos servidores públicos estaduais, por exemplo, a mudança na data do pagamento dos vencimentos da categoria e o não pagamento da data base ou parcelamento da mesma, bem como das gratificações. Sem esquecer uma reforma administrativa, que mais uma vez como na ultima gestão Siqueira Campos, culminou na extinção da Secretaria de Cultura entre outras. Aliás, em relação à política cultural, a atual gestão de Marcelo Miranda entra para história como uma das piores. Além do caos na saúde, na segurança pública e a crise hídrica que assola o Tocantins.

Ainda em relação à Reforma Administrativa do governo Marcelo Miranda, o discurso era de que promoveria “economia nas estruturas de pessoal ajustando para baixo as contas do governo com pessoal”. (T1 Noticias). Além disso, enxugar a maquina estatal, através de um novo modelo de gestão que garantisse a qualidade dos serviços públicos. Na prática não foi bem isso que ocorreu. Pelo contrário, houve um aumento de contratação de servidores comissionados e contratos temporários – o que inclusive foi alvo de denuncia por parte do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado.

E para coroar, assistimos o pedido de impeachment do governador por “crimes de responsabilidade, entre eles o descumprimento da lei de Responsabilidade Fiscal por meio da contratação indiscriminada de servidores comissionados e contratos temporários; apropriação indébita em relação às consignações realizadas nos contracheques dos servidores, relativo a mensalidades sindicais dos sindicatos e associações, e apropriação indébita previdenciária do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins (IGEPREV)”. (Conexão Tocantins, 2017)

No entanto sem pressão popular e mobilização por parte das organizações de luta dos trabalhadores o pedido de impeachment continua sem avançar na Assembleia Legislativa do Tocantins. E como se trata de um ano eleitoral, e o mandato do governador já se encaminha para o fim, dificilmente esse pedido avançará.

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio.  Atualmente faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT. 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Sobre o discurso do governo Temer a cerca da Reforma da Previdência

 “... as aparências, as aparências não me enganam não...”.
Belchior

A palavra de ordem do governo Michel Temer (PMDB) para convencer a população da sua proposta de reforma da previdência é: - combater os privilégios. Isso mesmo, Temer e sua tropa de choque quer convencer a opinião pública de que há uma casta de servidores públicos (trabalhadores) que precisam perder certos privilégios em beneficio do bem comum, isto é, a sobrevivência do sistema público previdenciário.

O discurso do governo de combater os privilégios, repetido diariamente nos meios de comunicação é forte e tem um impacto significativo na população pobre. População que está cansada de viver na miséria vendo uma pequena casta de privilegiados mamar nas tetas do Estado. De modo que essa população não se negaria em apoiar a ação do governo de combater tais privilégios.  E se não apoiar enfaticamente, pelo menos não irá se mobilizar contra a reforma da previdência, já que está não lhe atingirá, mas apenas “os privilegiados”.  E assim caímos sem perceber numa armadilha que nos levará direto para o matadouro. 

- Ora, eu não sou um servidor público federal, não tenho os privilégios que eles têm, por que diabos vou me mobilizar contra uma reforma da previdência que não me atingirá?!

Cuidado, muito cuidado com esse discurso. É justamente o tipo de postura que o governo espera despertar. E é o tipo de postura que nos levará ao mesmo fim do personagem do poema “Intertexto” do poeta Alemão Bertold Brecht.

“Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso. Não sou negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso. Por que eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho o meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.

A tática do governo Temer através do discurso veiculado pela propaganda oficial tem como finalidade dividir a classe trabalhadora, fazendo com que os setores mais pauperizados fiquem indiferentes com o que aconteça com aqueles que têm melhores condições de vida. Uma indiferença que é criada a partir do discurso do governo de que o objetivo da reforma previdenciária é combater privilégios. Dai que é preciso desmontar esse discurso. Mas como fazê-lo? 

Creio que isso se dá através da problematização de duas questões. Primeiro é preciso questionar – quando o governo fala em combater privilégios, quais seriam esses privilégios? E segundo – quem são estes privilegiados? 

A resposta é clara, os tais privilégios para o governo são direitos historicamente conquistados. E os privilegiados são servidores públicos (trabalhadores) que conquistaram tais direitos. Percebe-se, portanto um recorte de classe por parte do governo (apesar disso ser negado). Pois a sua política de combate aos privilégios limita-se a um setor bastante especifico da sociedade. Esse recorte de classe fica mais evidente quando analisamos, por exemplo, que “enquanto propõe que o brasileiro trabalhe por mais tempo para se aposentar, a reforma da previdência social ignora os R$ 426 bilhões que não são repassados pelas empresas ao INSS. O valor da divida equivale a três vezes o chamado déficit da previdência em 2016...” (Repórter Brasil, 2017). Ainda de acordo com o Repórter Brasil (2017) “somente 3% das companhias respondem por mais de 63% da divida previdenciária”. Entre estas empresas estão o Bradesco, a JBS, a Marfrig e a Vale. Logo se vê que para o governo combater privilégios é retirar direitos dos trabalhadores. Claro, para poder manter os privilégios do patronato. Por isso justamente é que o trabalhador deve arcar com um suposto rombo que não foi criado por ele. E ai cinicamente o governo fala em combater privilégios?! 

Ora falar em combater privilégios no Brasil e limitar-se a uma reforma da previdência que atinge diretamente apenas uma classe social revela muito bem a característica cínica desse governo, pois na linha do que diz o filósofo Vladimir Safatle sobre o cinismo, as ações do governo Temer busca repetir uma aparência de legitimidade, no entanto é apenas aparência. E as aparências já não me enganam, tal como não enganavam Belchior. E que espero, não engane você também.

Pedro Ferreira Nunes é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Também cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins, fazendo parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia – CAFIL/UFT e do PIBID Filosofia.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Crônica: - Ai, ai!!!

Estava sentado lendo um livro na varanda de casa quando me chamou atenção à discussão entre dois meninos que estavam brincando próximo dali – coisa não muito rara. De modo que o que me chamou mais atenção mesmo foi à utilização da seguinte expressão por eles: “ai, ai”. Não é uma expressão incomum aqui no Tocantins, pelo contrário. Inclusive, trata-se de uma expressão que pode adquirir significados variados dependendo do contexto que é utilizada.

De repente um garoto falou – ai, ai. A resposta do outro imediatamente foi um – ai, ai. Os dois utilizaram a mesma expressão, no entanto expressando um sentido diferente. Mas como podemos saber a diferença de uma para outra num contexto de uma conversa? O tom da voz e a expressão corporal. O tom da voz e a expressão corporal é fundamental para sabermos o que quer dizer esse “ai, ai”. Para quem não conhece esse linguajar é um tanto difícil, mas quem tá habituado se entende bem.

Se fosse traduzir a discussão entre os garotos seria mais ou menos assim: 

O primeiro garoto disse: - Ai, ai (Lá vem ele com suas gracinhas).

O segundo garoto: - Ai, ai (O que é que eu tô fazendo?).

O primeiro aplicou a expressão num contexto de indignação perante a atitude do outro, que o respondeu usando a expressão num contexto de surpresa. 

O interessante é que não só eles se entendem, mas também os outros que acompanham esse diálogo um tanto econômico nas palavras. Isso mesmo, no Tocantins o “ai, ai” expressa muito mais do que geralmente a expressão significa em outras regiões do país. Alguns dicionários informais apontam, por exemplo, que “ai, ai” significa amor, outros apontam que é utilizada numa situação de conforto ou prazer. Mas como mostra o exemplo da conversa entre os garotos acima, não é bem esse significado ou não é apenas esse significado, pelo menos não em terras tocantinas.

Numa conversa com um tocantinense certamente você ouvirá essa expressão. E ela poderá ter muitos significados. Poderá significar uma alegria diante de algo inesperado, como poderá significar desprezo perante uma atitude qualquer. 

- Ai, ai (Não precisava disso).

- Ai, ai (Vê se ti enxergar ou que você pensa que é?!).

Poderá significar um descontentamento como também um contentamento. Em suma, é uma expressão que no Tocantins adquire um caráter ambíguo. Isto é, tem múltiplos sentidos.

Também é uma expressão bastante reveladora da característica do tocantinense, que geralmente é introspectivo e de poucas palavras. E é nesse contexto por tanto que o “ai, ai” bem como outras expressões dessa natureza tornam-se fundamentais na cultura linguística tocantinense.

E você que lê essas linhas provavelmente ao final dirá – ai, ai. Isto é. Esse cara não tem coisa melhor para fazer?!

Pedro Ferreira Nunes – É poeta e escritor popular tocantinense.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Reflexão sobre a educação do povo surdo a partir do filme "E seu nome é Jonas".

Pedro Ferreira Nunes 
Graduando de Filosofia da UFT

O Filme “E o seu nome é Jonas” é da década de 1970, lançado nos Estados Unidos da América – de Autoria de Michael Bortman e dirigido por Richard Michaels. Passado mais de 30 anos do seu lançamento às questões que ele nos trás são bastante atuais. Sobretudo por que majoritariamente o que ocorre no cotidiano é a reprodução de preconceitos que vemos no filme, como por exemplo, para citar apenas um mais leve, que o surdo é um deficiente. No decorrer dos anos várias lutas do povo surdo ocorreram e várias conquistas foram obtidas. O fato de num curso de licenciatura estar tendo uma disciplina de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é um bom exemplo. 

No entanto é preciso avançar muito mais, sobretudo no campo educacional. E o filme “e seu nome é Jonas” nos faz ter um olhar sensível para condição do surdo na nossa sociedade. E aqui o termo “nossa” é bem aplicado, pois a sociedade que vivemos (hegemonicamente) é feita para os ouvintes. Para Strobel (2008) para comunidade ouvinte, o nascimento de uma criança surda é uma catástrofe porque estão acostumados com padrão “normalizador” para integrar à vida social e também desconhecem o “mundo dos surdos”.

O filme conta uma história comovente de uma família diante dos desafios para que o filho Jonas (surdo) possa ter uma vida “normal” em sociedade. Mas o que é ter uma vida “normal”? O que é ser “normal”? É se curvar diante do que a cultura hegemônica nos impõe? Aqui é importante chamar atenção para o que afirma Strobel (2008) sobre os riscos de uma cultura unitária: “a ideia unitária de uma cultura está relacionada na sociedade com as ideologias hegemônicas, de padronização, de normalização, onde todos devem se identificar com essa cultura única em um determinado espaço”. (2008; 16). É essa visão que coloca o surdo como um deficiente. Como um incapaz. Como um anormal. Sendo que a ciências muitas vezes é utilizada para justificar absurdos dessa natureza. No filme, Jonas é uma vitima desse processo, sobretudo quando é diagnosticado erroneamente como um deficiente mental, sendo obrigado á passar três anos internado numa escola para deficientes mentais, o que contribui para que o seu processo de ensino-aprendizagem seja afetado negativamente.

Os pais ao descobrirem o erro tentam recuperar o tempo perdido, mas tanto eles como a sociedade em geral não estão preparados para enfrentar essa situação. De modo que antes de educar o filho surdo, eles devem ser educados para poder dar conta de criar as condições para que Jonas se eduque. Para tanto é preciso compreender que a cultura não é unitária ou é algo estagnado. A esse respeito Strobel (2008) afirma que “a cultura não vem pronta, daí por que ela sempre se modifica e se atualiza, expressando claramente que não surge com o homem sozinho e sim das produções coletivas que decorrem do desenvolvimento cultural experimentado por suas gerações passadas”. E ao longo do filme vemos esse processo de transformação dos personagens.

Mas não é um processo fácil. E o filme também mostra os percalços dessa caminhada. Por exemplo, quando o pai de Jonas decide abandonar a família por não conseguir lhe dar com a situação. Sobretudo pela pressão da comunidade que os cercam, que cada vez mais os leva para o isolamento. Desse modo é a mãe que assume toda a responsabilidade pela educação do filho. Não sem crise – não sem muitas vezes pensar em desistir, por não perceber nem uma “evolução” de Jonas diante dos seus esforços. Jonas por sua vez constrói uma relação de muito afeto com o seu avô, o único que o trata de maneira humanizada. Aliás, a morte do avô de Jonas será um marco importante na estória. Por ser um exemplo de tomada de consciência da realidade do garoto. A esse respeito Petrilli (2011) afirma que “a nossa consciência da “realidade” é uma consciência mediada por procedimentos signicos. Enquanto tal, é condicionada pelas nossas experiências pregressas individuais e coletivas...”.

Quando Jonas já havia aprendido a língua de sinais, e tinha a capacidade de entender os signos que traduzem os significados que se dá as coisas, ele tomou consciência do que havia acontecido com o seu avô, que ele tanto amava. O momento é mais marcante quando ele consegui passar isso para a sua avó. Que também nesse momento o reconhece não mais como um deficiente, mas como um sujeito consciente. A esse respeito é importante salientar o que afirma Geraldi (2010) “se a consciência tem sua materialidade própria nos signos, e se estes somente emergem do processo de interação entre uma e outra consciência, então a própria consciência é resultante de um processo de encarnação material do que lhe é exterior – os signos – que pertencem não ao individuo, mas ao grupo social organizado em que as interações – e a emergência dos signos – se concretizem”. (2010; 139). Outro momento do filme onde podemos perceber essa interação num grupo social onde os signos se manifestam concretamente é na cena onde Jonas começa a entender a língua de sinais.

O Surdo como Sujeito Consciente através da Língua e da Cultura

Em “E seu nome é Jonas”. Aliás, um nome (do filme) bastante significativo, pois mostra o quanto vivemos numa cultura impositiva. Na qual aqueles que não se enquadram são visto como “retardados” ou “sem cultura”. Percebemos um processo de transformação tanto do personagem principal que dá nome ao filme bem como daqueles que estão a sua volta. Tal transformação se dá, sobretudo diante da sensibilidade da mãe de Jonas ao perceber que o método educativo no qual o seu filho está sendo submetido não está surtindo o efeito esperado. Ela então vai buscar alternativas. E ao se deparar com uma família de surdos buscará uma aproximação na esperança de que eles lhe apontem algum caminho. É a partir dessa aproximação que ela descobrirá a existência de uma cultura surda. Cultura surda? Isso mesmo. De acordo com Strobel (2008) “cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modifica-lo a fim de se torna-lo acessível e habitável ajustando-se com as sua percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo”. Foi justamente isso que a mãe de Jonas pode vivenciar quando foi com uma amiga numa festa da comunidade surda. Ali ela pode presenciar que os surdos não tem a apenas a língua de sinais, mas também ideias, crenças, hábitos e costumes.

A mãe de Jonas mergulha nesse universo e percebe a gama de possibilidades que o seu filho tem para ter uma vida feliz. Eis ai uma passagem nesse filme um tanto poética – “a metamorfose de mãe”. A sua transformação ao descobrir que os surdos tem sua cultura, isto é, língua, ideias, crenças, costumes e hábitos. E a sua grandeza é aceitar isso, e não fazer como se faz costumeiramente, impor a cultura dos ouvintes. “Segundo o discurso ouvintista, o sujeito surdo para estar bem integrado à sociedade deveria se adaptar à cultura ouvinte, porque somente assim poderia viver “normalmente”. Se não conseguir, é considerado “desviante””. (Strobel, 2008; 23). Ela sabia bem que esse discurso não condizia com a realidade que ela estava vivendo. Desse modo ela compreendeu que era preciso aceitar que não existe apenas uma forma de ver o mundo. Que não poderia privar o seu filho de conviver numa cultura que era diferente da sua. Quando ele tivesse consciência o suficiente poderia muito bem decidir se queria ou não pertencer àquela cultura. Aqui reafirmamos o que dissemos anteriormente, primeiro foi preciso à educação da mãe para que então ela pudesse saber como lhe dar com o filho surdo.

E o que caracteriza essa cultura surda defendida tão enfaticamente por autores como Strobel, Caldas, McCleary, Rodrigues, Kalatai entre outros? É a língua. A língua é um fator primordial. Nesse contexto estamos falando da língua de sinais. De acordo com Caldas (2012) “a identidade surda é uma alteridade que se constrói através de um sistema linguístico. Por isso é necessário que os surdos estejam em constante contato com a língua de sinais”. O filme mostra muito bem isso, o quanto foi importante à apropriação da língua de sinais pelo jovem Jonas. O quanto isso foi importante para o desenvolvimento do seu processo de ensino-aprendizagem. O quanto foi importante para se tornar um sujeito consciente, ainda que se tratasse de uma criança – mas que através da língua de sinais conseguia entender a realidade que estava inserida. Inclusive tendo consciência da morte.

E o passo importante para essa transformação foi à apropriação da língua de sinais, foi à convivência com outros surdos que se caracterizavam pelo orgulho de ser surdo, de pertencer à comunidade surda. McCleary chama atenção para isso: “o orgulho que os surdos sentem em relação à sua língua é apenas um aspecto – um reflexo – de uma coisa maior: seu orgulho de ser surdo... dizer que você tem orgulho de ser surdo é um ato político. É por que você começa a balançar o mundo do ouvinte. Ele começa a ter menos controle sobre você. E quando isso acontece, começa a abrir espaço para mudança”. (2003; 2, 3). E essa tem sido a luta do povo surdo, luta por mudanças no sentido que a comunidade dos ouvintes compreenda sua cultura e acima de tudo a respeite. O filme mostra muito bem como isso não é algo fácil. São séculos de luta e a invisibilidade em torno dessa problemática continua ainda de forma evidente. Sobretudo por que vivemos numa sociedade demasiado positivista que hegemonicamente cultiva o discurso de que “os diferentes” são problemas. Por fim, o filme mostra um fato que carece de muita atenção, que é a inoperância do Estado em garantir políticas públicas que atendam o povo surdo. De modo que se não fosse à perseverança da mãe de Jonas, ele não teria conseguido desenvolver sua aprendizagem, o máximo que conseguiria era uma espécie de adestramento.

Os surdos e a Questão Educacional

Outro fator importante que o filme “E o seu nome é Jonas” nos faz refletir é sobre a educação dos surdos – um debate relevante e bastante atual. O filme abordou algumas metodologias que são utilizadas no processo de desenvolvimento da aprendizagem dos sujeitos surdos. Além de mostrar de forma enfática as duas visões que historicamente olham para surdez. A visão a partir do modelo clínico-terapêutico e a visão a partir do modelo sócio antropológico. De acordo com Rodrigues (2008) “a adoção de uma dessas visões demonstra as concepções e conceitos de quem olha e, certamente, guiará a uma série de perspectivas e atitudes com relação aos surdos e ao seu processo de ensino-aprendizagem”.

Essa questão pode ser vista com muita evidencia no filme. Por exemplo, quando foi tomado consciência de que Jonas era surdo e não um deficiente mental, ele foi levado para uma instituição que justamente tinha essa visão clinico-terapêutico, tanto que a metodologia ali utilizada era o Oralismo. 

De acordo com Kalatai (2012) “o principal objetivo da metodologia Oralista é desenvolver a fala do surdo, pois para os defensores deste método, a língua falada era considerada essencial para a comunicação e desenvolvimento integral das crianças surdas”. Esse método pode ser bem exemplificado em dois momentos no filme. Por exemplo, quando Jonas é submetido a um teste onde ele tem que apertar um botão sempre que ouvir um sinal que é disparado por um aparelho, como recompensa recebe um doce. Percebe-se ai também a utilização do método psicológico behaviorista. Isso mesmo, a surdez é tratada mais a partir de uma perspectiva clinica do que de uma perspectiva humanista. 

Para Kalatai (2012) “diante da concepção clinica da surdez e do surdo, as escolas são transformadas em salas de tratamento. As estratégias pedagógicas passam a ser estratégias terapêuticas”. Ainda nessa perspectiva, citando Streiechen, Kalatai afirma (2012) “como consequência das práticas Oralistas, os surdos não aprendem a falar. Conseguiam pronunciar apenas algumas palavras que eram repetidas de forma mecânica sem saber o que elas realmente significam”. É o que percebemos no momento em que Jonas está sentado numa mesa com outras crianças, cada uma com uma placa com o seu nome escrito, pendurado no pescoço, e as crianças são estimuladas a falar seu nome. É justamente desse momento que surge o nome do filme – e seu nome é Jonas.

Diante dessa questão percebemos bem a lógica da visão clínico-terapêutico, que de acordo com Rodrigues (2008) “...trouxe uma visão estritamente relacionada à surdez com patologia, enfatizando o déficit biológico. Assim, aqueles que se alicerçam nesse modelo consideram a surdez como mera deficiência sensorial... Nesse modelo clínico, os surdos ou deficientes auditivos possuem uma deficiência que precisa ser tratada com o proposito de reabilitá-los à convivência social”.

Diante da percepção do fracasso desse método, a mãe de Jonas buscou outro caminho. E esse caminho passava pela utilização da língua de sinais para desenvolver o processo de ensino-aprendizagem do garoto. Essa decisão da mãe de Jonas não agradou nem um pouco a escola na qual ele estava matriculado, que tinha uma visão clinico-terapêutico da surdez e utilizava o Oralismo como método de ensino para os surdos. A partir do contato da mãe de Jonas com o povo surdo ela descobre uma nova visão a cerca da surdez. Que é uma visão a partir do modelo sócio antropológico. De acordo com Rodrigues (2008) essa visão “compreende-se a surdez como uma experiência visual, ou seja, como uma maneira especifica de se construir a realidade histórica, politica, social e cultural”. Ao contrário do modelo clinico-terapêutico a surdez é considerada como uma diferença e não como uma deficiência. Desse modo, surdo é aquele que se reconhece como tal e “independentemente do grau da perda auditiva, reconhecem-se como surdos, na medida em que valorizam a experiência visual e se apropriam da LS como meio de comunicação e expressão... Nessa mesma perspectiva, as pessoas com deficiência auditiva seriam aquelas que rejeitam a condição da surdez na medida em que tentam resgatar a experiência auditiva por meio de próteses e implantes, desprezando a LS e estabelecendo seu único meio de comunicação através da LO”. (2008; 61).

Desse modo podemos afirmar que a visão sócia antropológica requer novas metodologias educacionais que podem ser utilizadas na educação dos surdos. E o filme mostrou essas metodologias. Por exemplo, a metodologia utilizada para que Jonas aprendesse a língua de sinais foi a Pedagogia Surda – feita pelos surdos e para os surdos. Foi essa metodologia que possibilitou a transformação de Jonas. Nessa linha é importante ressaltar o que diz Kalatai (2012) sobre a Pedagogia Surda: “a metodologia realmente desejada pelo povo surdo é a Pedagogia Surda, visto que as lutas destas pessoas giram em torno da constituição da subjetividade do jeito surdo de ser, ou seja, da construção de sua verdadeira identidade e consagração de sua cultura, e que só poderá ocorrer no encontro com seus pares”. Foi justamente isso que ocorreu com Jonas quando ele começou a aprender a língua de sinais, com um jovem que demostrava ter muito orgulho de ser surdo. Um processo de ensino aprendizagem que se deu na informalidade, mas foi de extrema relevância para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem do garoto. E de fato, sobretudo na situação especifica de Jonas, nos parece que era a opção mais adequada. Se há 30 anos a Pedagogia Surda estava na informalidade, hoje não mudou muita coisa. Talvez o que tenha mudado é que hoje a Pedagogia Surda está pelo menos sendo pautada. 

Outra metodologia educacional que pudemos perceber no filme “E seu nome é Jonas” foi à comunicação total. Essa metodologia não foi utilizada na educação do Jonas. Mas estava presente no filme, sobretudo na relação da família que apresentou à mãe de Jonas a comunidade dos surdos. Eles comunicavam com o filho através de sinais, mas ao mesmo tempo o filho estava matriculado numa instituição que utilizava o Oralismo. E que abominava a utilização da língua de sinais no processo de desenvolvimento da aprendizagem das crianças surdas. Talvez tal fato tenha se dado pela condição da mulher, que apesar de ser surda conseguia oralizar. Nessa linha a respeito da Comunicação Total, Kalatai (2012) alerta para o fato de que essa metodologia não traz resultados satisfatórios pelo fato de defender o uso simultâneo das duas línguas – “a fala e os sinais (biomodalismo)” trata-se de duas línguas distintas e com estruturas diferentes que dificulta a aprendizagem. Outro fator importante a se destacar em relação à Comunicação Total é que essa metodologia não se opõem ao Oralismo, no entanto é considerada um passo adiante no reconhecimento de que há alternativas para além da imposição do método oralista. No entanto como vimos anteriormente, não deixa de ser insuficiente nas palavras de Kalatai.

Por fim podemos perceber no filme a presença da metodologia Bilíngue De acordo com Kalatai (2012) “a metodologia Bilíngue destaca que os surdos adquirem conhecimentos por meio do canal visual e a mistura entre línguas, utilizadas na Comunicação Total, dificultava a aquisição do conhecimento pelos surdos, pois cada língua tem características próprias e independentes, tornando-se assim impossível falar ambas as línguas (sinalizada e oral) ao mesmo tempo no âmbito escolar”. E essa tem sido a luta do Povo Surdo.

Nós diagnosticamos em nosso campo a imperativa necessidade da Educação Bilíngue de Surdos. A partir desses lugar que falamos, contamos a história das lutas do Movimento Surdo Brasileiro em defesa das nossas Escolas Bilíngues. A história em defesa das nossas escolas especificas vem de tempos longínquos... Nós, os surdos, não queremos ser tutelados, queremos o exercício da liberdade pela forma e escolha linguística e cultural condizente com o nosso modo de viver e experienciar, de sermos surdos, diferentes dos ouvintes. Somente nós, surdos, que sabemos o que é melhor para nós, da forma como precisamos ser educador...” (Campello, 2014; 73).

Não é uma tarefa fácil, sobretudo pela especificidade dessa luta, pois a violência contra os Surdos é uma espécie de violência simbólica, que inclusive não é visto como violência. E é uma luta que bate de frente com o Estado, que por sua vez é um instrumento de dominação e de imposição de uma cultura hegemônica. Mas o movimento Surdo não tem duvida que lutar pelos seus direitos é a única alternativa.

O filme “E seu nome é Jonas” termina com Jonas sendo matriculado numa Escola para crianças surdas – que tem uma visão sócio-antropológica da surdez e que utiliza o bilinguismo como metodologia. Ele então não se sentirá mais isolado no mundo, pois existem crianças que compartilham a mesma língua dele – a língua de sinais, e, por conseguinte a mesma cultura. Ele se sente bem ambientado e se reconhece naquele espaço. O que contribuirá para que o seu processo de ensino-aprendizagem ocorra satisfatoriamente. 

O filme termina, mas a vida real continua e infelizmente nem sempre o final é feliz para muitos outros Jonas. Muitos outros Jonas que são rotineiramente violentados. Isso mesmo – violentados. Pois o que é tratar o diferente como um deficiente se não uma violência?! Violência tanto contra os Surdos como com suas famílias que são ludibriadas, que não encontram o apoio necessário por parte do Estado para que possam educar seus filhos de forma adequada. A visão clinico-terapêutica da Surdez não foi superada – ela está ai. E por que ainda está ai? Por que gera lucro. Por que alguns poucos se beneficiam da ignorância da grande maioria. Desse modo os desafios para que essa situação se modifique não são pequenos, pois é uma luta que vai contra um modelo hegemônico na sociedade. 

No entanto o povo Surdo tem tomado consciência e lutado para modificar essa realidade. Sobretudo a partir da atuação em dois campos: No político e no educacional. No campo politico lutando por uma legislação que garanta direitos para o povo Surdo e no educacional lutando por metodologias como o Bilinguismo e a Pedagogia Surda. E a partir dessa luta conseguiu-se importantes conquistas. Dentre estas conquistas uma no meu modo de ver, que foi fundamental, foi dar visibilidade a essa causa. Por exemplo, quando hoje ligamos a televisão e vemos a presença de interpretes de LIBRAS em pronunciamento políticos ou mesmo em telejornais – o que evidencia o reconhecimento da existência de uma comunidade que utiliza essa língua. Outro fator é a presença da disciplina de LIBRAS nos cursos de licenciatura que tem por finalidade a formação de professores. E isso é muito importante por que por um lado possibilita uma maior produção acadêmica a respeito dessa questão, inclusive a partir da própria perspectiva dos Surdos. E por outro lado tem a responsabilidade de formar professores que poderão encontrar um Jonas pela frente e que diante dessa situação poderá ou não reproduzir o discurso hegemônico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

CALDAS, Ana Luiza Paganelli. Movimento Surdo: identidade, língua, cultura. Trad. Rev. Luiz Daniel Rodrigues. In: Um olhar sobre nós surdos: leituras contemporâneas. P. 58-147. – 1 Ed. – Curitiba, PR: CRV, 2012.

CAMPELLO, Ana Regina; Resende, Patrícia Luzia Ferreira. Em defesa da escola bilíngue para surdos: a história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial n. 2/2014, p. 71-92. Editora UFPR.

GERALDI, João Wanderley. Ancoragens: estudos bakhtinianos. São Paulo/SP: Pedro e João, 2010.

KALATAI, Patrícia; Streiechen, Eliziane Manosso. As principais Metodologias Utilizadas na Educação dos Surdos no Brasil. Universidade Estadual do Centro-Oeste, campus Irati, 2012.

MCCLEARY, Leland. (2003) Orgulho de ser surdo. In: ENCONTRO PAULISTA ENTRE INTERPRETES E SURDOS, 1, (17 de maio) 2003, São Paulo: FENEIS-SP (Local: Faculdade Sant´Anna).

PETRILLI, Susan. Em outro lugar e de outro modo. São Paulo/SP: Pedro e João, 2017.

RODRIGUES, Carlos Henrique. Situações de Incompreensão Vivenciadas por Professor Ouvinte e Alunos Surdos na Sala de Aula. Faculdade de Educação da UFMG: Belo Horizonte, 2008.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a Cultura Surda. – Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

*Trabalho Apresentado á Disciplina de LIBRAS, do Curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Tocantins -UFT.