Ontem fomos surpreendidos
com duas mortes na cidade. Há muito tempo que não sentia um clima tão profundo
de tristeza e dor que a morte de uma pessoa amada nos trás. Foi impossível não
sentir também, mesmo que os dois mortos não eram próximos a mim, um deles eu se quer conhecia.
Nos últimos 8 anos que morei
em uma grande capital era normal nos depararmos no cotidiano com a morte.
Dificilmente havia um dia que não ouvíamos noticias acerca de vários
homicídios, sobretudo de jovens que tinham suas vidas interrompidas brutalmente.
Uma rotina totalmente
diferente da pequena cidade do interior onde cresci e que a morte de qualquer
pessoa sempre era sentida profundamente, pois se não era parente de alguém, era
um amigo ou uma pessoa muito conhecida, assim independente de quem fosse ou de
sua origem a cidade toda ficava de luto.
Mas com uma rotina tão dura
na grande capital, onde se mata por questões tão banais, a vida do ser humano
também vai sendo banalizada, bem como sua morte. Tanto que muitas vezes quando
um jovem negro da periferia é assassinado, muitos comemoram, sobretudo se o
mesmo já teve alguma passagem pela policia apenas por ter fumado um cigarro de
maconha.
As mortes viram apenas
estatísticas e os mortos se tornam apenas números, não tem rosto, não tem nome,
não tem famílias. Muitas vezes se quer tem um velório digno. Simplesmente
desaparecem jogados em uma vala qualquer ou queimados em algum matagal.
No interior a morte é um
fenômeno raro, sobretudo dos mais jovens. Geralmente se morre de velhice ou
muito raramente de acidente. Assassinato é algo raro, muito raro. Assim
qualquer pessoa que morre é sentido por todos profundamente, a cidade fica em
luto e mesmo o mais insensível dos insensíveis não pode deixar de sentir.
Eram ainda tão jovens e
cheios de vida, morreram em circunstancias diferentes e em lugares distintos,
mas no mesmo dia, na mesma cidade. Uma tragédia, uma comoção geral. Sentimos
profundamente, refletimos acerca da nossa fragilidade enquanto seres humanos,
imaginamos todo o sofrimento de seus familiares.
Perdas tão trágicas para uma
cidade não serão esquecidas assim do dia pra noite, por muito tempo haveremos
de falar sobre nossos defuntos, até que outros viram substitui-los. Demorara
muito, pois a morte por aqui é um fenômeno raro, mas ela chegará para todos
nós.
Por mais que tentamos é
difícil encara-la, mesmo sabendo que teremos de fazê-lo em algum momento. Que
os versos de Manoel Bandeira nos ajude.
CANÇÃO PARA A MINHA
MORTE
Bem que filho do Norte
Não sou bravo nem forte.
Mas, como a vida amei,
Quero te amar, ó morte
— Minha morte, pesar
Que não te escolherei.
Do amor tive na vida
Quanto amor pode dar:
Amei não sendo amado,
E sendo amado, amei.
Morte, em ti quero agora
Esquecer que na vida
Não fiz senão amar.
Sei que é grande maçada
Morrer mas morrerei
— Quando fores servida —
Sem maiores saudades
Desta madrasta vida,
Que todavia amei.
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