sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A morte por aqui é um fenômeno raro, mas ela chegará para todos!

Por Pedro Ferreira

Ontem fomos surpreendidos com duas mortes na cidade. Há muito tempo que não sentia um clima tão profundo de tristeza e dor que a morte de uma pessoa amada nos trás. Foi impossível não sentir também, mesmo que os dois mortos não eram próximos a mim, um deles eu se quer conhecia.

Nos últimos 8 anos que morei em uma grande capital era normal nos depararmos no cotidiano com a morte. Dificilmente havia um dia que não ouvíamos noticias acerca de vários homicídios, sobretudo de jovens que tinham suas vidas interrompidas brutalmente.

Uma rotina totalmente diferente da pequena cidade do interior onde cresci e que a morte de qualquer pessoa sempre era sentida profundamente, pois se não era parente de alguém, era um amigo ou uma pessoa muito conhecida, assim independente de quem fosse ou de sua origem a cidade toda ficava de luto.

Mas com uma rotina tão dura na grande capital, onde se mata por questões tão banais, a vida do ser humano também vai sendo banalizada, bem como sua morte. Tanto que muitas vezes quando um jovem negro da periferia é assassinado, muitos comemoram, sobretudo se o mesmo já teve alguma passagem pela policia apenas por ter fumado um cigarro de maconha.

As mortes viram apenas estatísticas e os mortos se tornam apenas números, não tem rosto, não tem nome, não tem famílias. Muitas vezes se quer tem um velório digno. Simplesmente desaparecem jogados em uma vala qualquer ou queimados em algum matagal.

No interior a morte é um fenômeno raro, sobretudo dos mais jovens. Geralmente se morre de velhice ou muito raramente de acidente. Assassinato é algo raro, muito raro. Assim qualquer pessoa que morre é sentido por todos profundamente, a cidade fica em luto e mesmo o mais insensível dos insensíveis não pode deixar de sentir.

Eram ainda tão jovens e cheios de vida, morreram em circunstancias diferentes e em lugares distintos, mas no mesmo dia, na mesma cidade. Uma tragédia, uma comoção geral. Sentimos profundamente, refletimos acerca da nossa fragilidade enquanto seres humanos, imaginamos todo o sofrimento de seus familiares.

Perdas tão trágicas para uma cidade não serão esquecidas assim do dia pra noite, por muito tempo haveremos de falar sobre nossos defuntos, até que outros viram substitui-los. Demorara muito, pois a morte por aqui é um fenômeno raro, mas ela chegará para todos nós.

Por mais que tentamos é difícil encara-la, mesmo sabendo que teremos de fazê-lo em algum momento. Que os versos de Manoel Bandeira nos ajude.

CANÇÃO PARA A MINHA MORTE 

Bem que filho do Norte

Não sou bravo nem forte.

Mas, como a vida amei,

Quero te amar, ó morte

— Minha morte, pesar

Que não te escolherei.

 

Do amor tive na vida

Quanto amor pode dar:

Amei não sendo amado,

E sendo amado, amei.

Morte, em ti quero agora

Esquecer que na vida

Não fiz senão amar.

 

Sei que é grande maçada

Morrer mas morrerei

— Quando fores servida —

Sem maiores saudades

Desta madrasta vida,

Que todavia amei.

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