Para meu sobrinho, Pedro Henrique.
As águas do rio Tocantins estavam cheias. Era período de chuva e os botos animados seguiam a correnteza brincando animadamente com os cardumes de peixes que subiam rio acima para reproduzirem.
Enquanto isso os pescadores agoniados tentavam espanta-los batendo com o remo na água. Preocupados com suas redes.
- Vai pra lá bicho ruim. Não vão rasgar nossas redes.
Porém os botos não se importavam. Achavam que os pescadores estavam brincando com eles. O que deixava os pescadores ainda com mais raiva daquele animal “perverso” que destruía suas redes e roubavam-lhes os melhores pescados. Isso mesmo, por essas bandas do Tocantins os botos são visto como animais perversos. Não faltando estórias a cerca das suas peripécias – Estórias de mistérios que quase sempre desperta medo na população ribeirinha.
Mas não aquele menino que pescava piaus naquela tarde a beirada do rio. Ele não compreendia por que tanto medo de animais tão belos e encantadores.
O menino cresceu ouvindo estórias terríveis sobre o que os botos aprontavam por ali – viravam embarcações com mulheres gravidas, matavam pescadores, comiam gente. E assim hora e outra se ouvia estórias de uma canoa que havia sido tombada por um boto ou de um pescador desavisado que havia caído no rio e sido devorado por uma daquelas criaturas.
- Menino, nem pense em tomar banho no rio sozinho, pois si um boto ti pegar você já era.
- Pois é. Ouvi falar que o filho de fulano de tal foi comido por um boto.
- É mesmo cumade?
- É verdade. Seu Zé Pescador que falou.
Mas o menino não acreditava muito naquelas conversas. Mesmo assim ele não tinha coragem de entrar nas águas do rio Tocantins sozinho. Quando ia pescar, só na companhia dos pais ou dos irmãos mais velhos. E só pescava da beirada sem por se quer o pé na água.
Naquela tarde que ele pescava piaus tranquilamente ouviu um barulho muito perto de onde estava. O que seria? O seu irmão que havia ido pescar com ele tinha saído para jogar tarrafa e lhe deixou sozinho por um momento. No entanto ordenou-lhe:
- Não coloque nem o pé na água que já volto. Mas o menino estava inculcado com aquele barulho.
– O que seria aquele barulho?! Questionava-se.
Curioso o menino decidiu olhar mais de perto para ver o que era e para sua surpresa descobriu que havia um boto preso numa rede de pescar. O boto debatia-se tentando escapar da rede, mas quanto mais se debatia mais preso ficava.
- Socorro, socorro. Gritava o boto.
- E agora o que eu faço? Pensava consigo o menino.
– Se eu soltar ele será que depois não vai me comer? Não vai me levar para o fundo da água e me matar afogado? Pensava o menino se lembrando das estórias terríveis que ouvia sobre os botos.
- Socorro, socorro. Continuava o boto a gritar.
Foi então que o menino tirando uma coragem não se sabe da onde decidiu entrar na água para salvar o boto. Sabia que tinha que fazê-lo bem de pressa, pois se seu irmão ou outro pescador chegasse e visse aquela cena com certeza iria matar o pobre animal que era apenas um filhote. E assim após muita luta enfim o menino conseguiu libertar o boto. Que muito feliz agradeceu:
– Obrigada amiguinho, obrigada amiguinho. Já mais vou esquecer o que tu fez por mim.
E o boto seguiu livre nadando pelas águas do Tocantins, pulando de felicidade e acenando para o menino – que por sua vez não podia esconder a alegria de ter salvado o jovem boto. Mas decidiu guardar aquela alegria apenas para si. Pois não contaria para ninguém o que tinha feito. Até por que seus pais seriam capazes de proibi-lo de ir ao rio Tocantins se soubessem.
O tempo passou e o menino já era um homem. Não virou um pescador como seu pai e seus irmãos. Virou um biólogo que se dedicava a estudar a vida aquática no rio Tocantins – preocupado com a diminuição de algumas espécies de peixes que outrora se encontrava em abundancia por ali.
Certo dia em uma expedição de estudos sobre os cardumes de peixes no rio Tocantins a embarcação de sua equipe foi surpreendida por um grande temporal e o forte banzeiro conseguiu virar o barco que ele estava. Ele estava muito longe da margem, não sabia nadar muito bem. Não tinha jeito – com as condições do tempo com certeza morreria afogado.
Quando o jovem já estava perdendo as forças de tanto se debater na água para que não morresse afogado nas profundezas do Tocantins – um boto apareceu e lhe puxou até a margem do rio. Ele quase desacordado reconheceu bem pelas cicatrizes no animal – era o boto que ele havia tirando daquela rede de pescador quando criança.
– Obrigada amiguinho, obrigada amiguinho. Já mais vou esquecer o que tu fez por mim.
Pedro Ferreira Nunes – Poeta e Escritor Tocantinense.
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