Introdução
Quando
falamos em intolerância religiosa é inegável que os adeptos das
religiões de matrizes africanas são os que mais sofrem violência
no Brasil. Por exemplo, levantamento realizado pela Comissão de
Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) aponta
que mais de 70% de casos de ofensas, abusos e atos violentos
registrados no Estado entre 2012 e 2015 são contra praticantes de
religiões de matrizes africanas. No Tocantins essa realidade não é
muito diferente, foi o que sentimos na visita a dona Romana em
Natividade – que nos relatou casos de intolerância partindo da
própria família – como, por exemplo, o afastamento de seus irmãos
que não concordam com sua crença. Já no Brasil os casos de
intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas são
rotineiros e não raramente descabam para violência. No entanto o
levantamento desses dados ainda é muito deficitário. Diante desse
problema, nosso objetivo nesse breve artigo é refletir como a
educação pode contribuir para descontruir a visão hegemônica
racista e preconceituosa em torno das religiões de matrizes
africanas. Para tanto nos utilizaremos do artigo “Religiões
afro-brasileiras e violência” da Professora Drª em Teologia Irene
Dias de Oliveira e outros trabalhos.
Religiões
afro-brasileiras e violência
É
inegável a hegemonia do cristianismo na sociedade ocidental. Tal
hegemonia se construiu em torno de uma concepção de que “o
Cristianismo era a única religião verdadeira e superior ás
demais”. (Oliveira, 2011; 16) No entanto essa concepção de dona
da verdade e de superioridade não é exclusiva do Cristianismo,
encontramos essa afirmação em religiões como o Judaísmo e o
Islamismo. Tal fato mostra segundo Oliveira (2011) “o espirito de
intolerância, de absolutismo, de exclusivismo e da certeza de que
cada uma, a seu modo, é detentora exclusiva da verdade”. E é a
partir dessa concepção que percebemos uma legitimação da
violência contra aqueles que não seguem determinados dogmas. Não
são poucos os exemplos na história que aponta guerras em nome de
deus. Aliás, na América Latina, Deus foi utilizado para justificar
a catequização dos índios e a escravidão dos negros. Violência
que persiste nos dias atuais, por exemplo, na invasão de templos
neopentecostais nas aldeias indígenas e na satanização de
religiões de matrizes africanas. Nessa linha Oliveira (2011)
ressalta que a violência que os praticantes dessas religiões sofrem
é, sobretudo, uma violência simbólica. E ainda que “a violência
destrói não só o corpo, mas o espirito também”. E essa
violência não é contra uma religião simplesmente ela se desdobra
para o “não reconhecimento da alteridade, das diferenças e da
desvalorização dos direitos individuais, sociais, civis culturais e
econômicos de uma etnia”. (Oliveira, 2011; 18). É por isso que é
visto como um insulto à utilização de um símbolo cristão em
determinados ambientes, como por exemplo, numa parada gay, já a
utilização de um termo preconceituoso como “chuta que é macumba”
é visto com normalidade.
Não
há como falar em intolerância religiosa no Brasil e não falar da
situação do negro na nossa sociedade. O negro ao longo da nossa
história não era visto como um ser humano, mas sim como um animal,
logo tudo que vem de um ser inferior não presta. Nessa linha
Oliveira (2011) destaca que “a tese escravagista entendia que os
negros eram desprovidos de inteligência e que não possuíam alma.
De outro lado, com a abolição os negros foram condenados à
imobilidade social, travando as possibilidades educacionais e
econômicas e trazendo prejuízos acumulados ao longo do milênio”.
Diante dessa afirmação é necessário apontar a contribuição das
ciências, em especial da antropologia nos seus primórdios, na
defesa e promoção dessa tese. Toda essa negação do negro como
cidadão ao longo de nossa história tem seus resquícios até os
dias atuais. “... Sabemos que a “invisibilidade” não é
reconhecida nem discutida. A história narrada na escola é branca, a
inteligência e a beleza mostradas pela mídia também o são, os
cultos religiosos são frequentados pela maioria branca”.
(Oliveira, 2011; 18). Por mais que se negue, e ressalvado pequenos
avanços é inegável que vivemos sobre uma ditadura branca –
fundamentada numa concepção eurocêntrica da sociedade. Onde a
família tradicional, a mídia, a escola e a religião desempenham um
papel central. Se fosse diferente por que então uma politica de
cotas? A politica de cotas, que diga se de passagem sofre bastantes
ataques por parte das elites brancas, é justamente a prova de que
não existe igualdade na sociedade. E não é raro á utilização de
princípios religiosos para justificação do desrespeito as
diferenças e a intolerância. E o que resulta dai é claramente um
processo de discriminação, o racismo e o preconceito. Segundo
Oliveira (2011) “o preconceito e o racismo são, portanto, atitudes
ou modo de ver certas pessoas ou grupos raciais, enquanto a
discriminação é a ação ou o comportamento que prejudica as
pessoas”. O povo negro não só sofre com o racismo e o preconceito
na nossa sociedade, como também, e como consequência disso sofre
com a discriminação. Isto é, tudo aquilo que vem da cultura negra
não é valorizado e muito menos respeitado. Pelo contrário,
busca-se exterminar para que não influencie negativamente o modelo
hegemônico fundamentado numa sociedade de brancos e para brancos.
Ora,
mas justamente a religião que prega a salvação e a paz, o amor e a
harmonia utiliza-se da violência para se impor. E tal imposição
não é característica apenas do Cristianismo, não nos esqueçamos
dos horrores que o Estado Islâmico tem feito no Iraque e na Síria.
E o que os seus aliados tem feito no continente Africano. Segundo
Oliveira (2011) a impressão muitas vezes é de que as religiões só
conseguem impor-se fazendo uma lavagem cerebral no convertido –
desenraizando-o de seu universo familiar, cultural e religioso. Sendo
assim nos somamos a Oliveira (2011) nos questionando a cerca do papel
da religião – se como algo que mantem ou que busca erradicar a
alteridade. Diante dos exemplos acima concluímos que na realidade as
religiões não estão preocupadas com a alteridade. E tal fato se
reflete no aumento de casos de intolerância religiosa não só no
Brasil como em todo o mundo. Intolerância que se concretiza não
apenas através da violência simbólica, mas também através da
violência explicita como apedrejamento, decapitação e destruição
de templos. Nesse sentido é necessário avançarmos para uma
compreensão de que “as diferenças, longe de constituírem motivo
para a discriminação, à violência e a exclusão, são motivo de
riqueza, de aprendizagem de novos saberes, de troca de experiência e
nos conduzem cada vez mais para a abertura e o acolhimento do
“desconhecido”, do diferente, eliminando, assim, as barreira que
nos tornam intolerantes e nos levam a ver no diferente um inimigo
contra o qual lutar e manter distância”. (Oliveira, 2011; 22).
Mas isso só será possível se as religiões em vez de negar a
alteridade – buscar a sua manutenção. E não só no discurso como
temos visto no último período por parte da Igreja Católica, mas
através de ações concretas.
O
Papel da Educação no Processo de Desconstrução da Visão
Hegemônica a Cerca das Religiões Afro-Brasileiras.
No
Brasil não dá para negar a visão hegemônica cristã que se afirma
como a verdadeira e superior às demais. Visão que descamba para um
processo de intolerância contra todas as demais, porém são as
religiões de matrizes africanas que mais sofrem com os preconceitos
e discriminações advinda dessa hegemonia crista. E tal fato ocorre
não apenas pelo principio religioso como também por uma questão
politica. Por isso é ainda mais difícil descontruir através da
educação essa visão hegemônica a cerca das religiões
Afro-brasileira. Pois a escola muitas vezes reproduz a violência
simbólica que vemos na sociedade. Os filósofos franceses Bordieu e
Passeron desenvolvem o conceito de violência simbólica. Sendo que
para estes pensadores “a escola não exerce necessariamente a
violência física, mas sim a violência simbólica, mediante forças
simbólicas, ou seja, pela doutrinação que força as pessoas a
pensarem e agirem de determinada forma, sem perceberem que legitimam
com isso a ordem vigente”. (Aranha, 1993; 41).
O
problema da escola na nossa sociedade não é nem tanto o que se
ensina, mas, sobretudo o que se omite, por exemplo, em relação à
situação do racismo, do preconceito e da discriminação – e esse
silêncio contribui para intolerância. Logo se faz necessário
superar esse modelo de escola que apenas reproduz a visão hegemônica
– o que só será possível com a superação do modelo de
sociedade vigente. Por isso que a luta por uma educação
transformadora e não dogmática deve ser feita conjuntamente com a
luta pela superação da sociedade capitalista. E essa luta contra
hegemônica perpassa pela desconstrução do racismo, do preconceito
e da discriminação que atinge, sobretudo, a população
afrodescendente e a sua cultura. Uma luta que deve ser travada no
cotidiano, pois não devemos abrir mão da alteridade nas nossas
praticas pedagógicas. Pois uma educação que discriminação não é
educação, mas uma aberração que não pode ser de forma alguma
aceita com normalidade.
Aranha,
Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. 2. Ed.
rev. atual. –São Paulo: Moderna, 1993.
Oliveira,
Irene Dias de. Religiões Afro-brasileiras e Violência.
Ciberteologia – Revista de Teologia & Cultura – Ano VII,
n.35. 2011.
Puff,
Jefferson. Por que as religiões de matriz africana são principal
alvo de intolerância no Brasil? Disponível em bbc.com. Acesso em:
20 de Outubro de 2016.
*Trabalho
apresentado à disciplina de Antropologia Cultural, do curso de Filosofia e Teatro da Universidade Federal do Tocantins.
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