quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Intolerância Religiosa: O Papel da Educação no Processo de Desconstrução da Visão Hegemônica a Cerca das Religiões Afro-Brasileiras.

Adriana C. Bezerra, Francisco Laércio A. de Holanda,
Pedro F. Nunes e Wesley S. da Silva.

Introdução

Quando falamos em intolerância religiosa é inegável que os adeptos das religiões de matrizes africanas são os que mais sofrem violência no Brasil. Por exemplo, levantamento realizado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) aponta que mais de 70% de casos de ofensas, abusos e atos violentos registrados no Estado entre 2012 e 2015 são contra praticantes de religiões de matrizes africanas. No Tocantins essa realidade não é muito diferente, foi o que sentimos na visita a dona Romana em Natividade – que nos relatou casos de intolerância partindo da própria família – como, por exemplo, o afastamento de seus irmãos que não concordam com sua crença. Já no Brasil os casos de intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas são rotineiros e não raramente descabam para violência. No entanto o levantamento desses dados ainda é muito deficitário. Diante desse problema, nosso objetivo nesse breve artigo é refletir como a educação pode contribuir para descontruir a visão hegemônica racista e preconceituosa em torno das religiões de matrizes africanas. Para tanto nos utilizaremos do artigo “Religiões afro-brasileiras e violência” da Professora Drª em Teologia Irene Dias de Oliveira e outros trabalhos.

Religiões afro-brasileiras e violência

É inegável a hegemonia do cristianismo na sociedade ocidental. Tal hegemonia se construiu em torno de uma concepção de que “o Cristianismo era a única religião verdadeira e superior ás demais”. (Oliveira, 2011; 16) No entanto essa concepção de dona da verdade e de superioridade não é exclusiva do Cristianismo, encontramos essa afirmação em religiões como o Judaísmo e o Islamismo. Tal fato mostra segundo Oliveira (2011) “o espirito de intolerância, de absolutismo, de exclusivismo e da certeza de que cada uma, a seu modo, é detentora exclusiva da verdade”. E é a partir dessa concepção que percebemos uma legitimação da violência contra aqueles que não seguem determinados dogmas. Não são poucos os exemplos na história que aponta guerras em nome de deus. Aliás, na América Latina, Deus foi utilizado para justificar a catequização dos índios e a escravidão dos negros. Violência que persiste nos dias atuais, por exemplo, na invasão de templos neopentecostais nas aldeias indígenas e na satanização de religiões de matrizes africanas. Nessa linha Oliveira (2011) ressalta que a violência que os praticantes dessas religiões sofrem é, sobretudo, uma violência simbólica. E ainda que “a violência destrói não só o corpo, mas o espirito também”. E essa violência não é contra uma religião simplesmente ela se desdobra para o “não reconhecimento da alteridade, das diferenças e da desvalorização dos direitos individuais, sociais, civis culturais e econômicos de uma etnia”. (Oliveira, 2011; 18). É por isso que é visto como um insulto à utilização de um símbolo cristão em determinados ambientes, como por exemplo, numa parada gay, já a utilização de um termo preconceituoso como “chuta que é macumba” é visto com normalidade.
Não há como falar em intolerância religiosa no Brasil e não falar da situação do negro na nossa sociedade. O negro ao longo da nossa história não era visto como um ser humano, mas sim como um animal, logo tudo que vem de um ser inferior não presta. Nessa linha Oliveira (2011) destaca que “a tese escravagista entendia que os negros eram desprovidos de inteligência e que não possuíam alma. De outro lado, com a abolição os negros foram condenados à imobilidade social, travando as possibilidades educacionais e econômicas e trazendo prejuízos acumulados ao longo do milênio”. Diante dessa afirmação é necessário apontar a contribuição das ciências, em especial da antropologia nos seus primórdios, na defesa e promoção dessa tese. Toda essa negação do negro como cidadão ao longo de nossa história tem seus resquícios até os dias atuais. “... Sabemos que a “invisibilidade” não é reconhecida nem discutida. A história narrada na escola é branca, a inteligência e a beleza mostradas pela mídia também o são, os cultos religiosos são frequentados pela maioria branca”. (Oliveira, 2011; 18). Por mais que se negue, e ressalvado pequenos avanços é inegável que vivemos sobre uma ditadura branca – fundamentada numa concepção eurocêntrica da sociedade. Onde a família tradicional, a mídia, a escola e a religião desempenham um papel central. Se fosse diferente por que então uma politica de cotas? A politica de cotas, que diga se de passagem sofre bastantes ataques por parte das elites brancas, é justamente a prova de que não existe igualdade na sociedade. E não é raro á utilização de princípios religiosos para justificação do desrespeito as diferenças e a intolerância. E o que resulta dai é claramente um processo de discriminação, o racismo e o preconceito. Segundo Oliveira (2011) “o preconceito e o racismo são, portanto, atitudes ou modo de ver certas pessoas ou grupos raciais, enquanto a discriminação é a ação ou o comportamento que prejudica as pessoas”. O povo negro não só sofre com o racismo e o preconceito na nossa sociedade, como também, e como consequência disso sofre com a discriminação. Isto é, tudo aquilo que vem da cultura negra não é valorizado e muito menos respeitado. Pelo contrário, busca-se exterminar para que não influencie negativamente o modelo hegemônico fundamentado numa sociedade de brancos e para brancos.
Ora, mas justamente a religião que prega a salvação e a paz, o amor e a harmonia utiliza-se da violência para se impor. E tal imposição não é característica apenas do Cristianismo, não nos esqueçamos dos horrores que o Estado Islâmico tem feito no Iraque e na Síria. E o que os seus aliados tem feito no continente Africano. Segundo Oliveira (2011) a impressão muitas vezes é de que as religiões só conseguem impor-se fazendo uma lavagem cerebral no convertido – desenraizando-o de seu universo familiar, cultural e religioso. Sendo assim nos somamos a Oliveira (2011) nos questionando a cerca do papel da religião – se como algo que mantem ou que busca erradicar a alteridade. Diante dos exemplos acima concluímos que na realidade as religiões não estão preocupadas com a alteridade. E tal fato se reflete no aumento de casos de intolerância religiosa não só no Brasil como em todo o mundo. Intolerância que se concretiza não apenas através da violência simbólica, mas também através da violência explicita como apedrejamento, decapitação e destruição de templos. Nesse sentido é necessário avançarmos para uma compreensão de que “as diferenças, longe de constituírem motivo para a discriminação, à violência e a exclusão, são motivo de riqueza, de aprendizagem de novos saberes, de troca de experiência e nos conduzem cada vez mais para a abertura e o acolhimento do “desconhecido”, do diferente, eliminando, assim, as barreira que nos tornam intolerantes e nos levam a ver no diferente um inimigo contra o qual lutar e manter distância”. (Oliveira, 2011; 22). Mas isso só será possível se as religiões em vez de negar a alteridade – buscar a sua manutenção. E não só no discurso como temos visto no último período por parte da Igreja Católica, mas através de ações concretas.

O Papel da Educação no Processo de Desconstrução da Visão Hegemônica a Cerca das Religiões Afro-Brasileiras.

No Brasil não dá para negar a visão hegemônica cristã que se afirma como a verdadeira e superior às demais. Visão que descamba para um processo de intolerância contra todas as demais, porém são as religiões de matrizes africanas que mais sofrem com os preconceitos e discriminações advinda dessa hegemonia crista. E tal fato ocorre não apenas pelo principio religioso como também por uma questão politica. Por isso é ainda mais difícil descontruir através da educação essa visão hegemônica a cerca das religiões Afro-brasileira. Pois a escola muitas vezes reproduz a violência simbólica que vemos na sociedade. Os filósofos franceses Bordieu e Passeron desenvolvem o conceito de violência simbólica. Sendo que para estes pensadores “a escola não exerce necessariamente a violência física, mas sim a violência simbólica, mediante forças simbólicas, ou seja, pela doutrinação que força as pessoas a pensarem e agirem de determinada forma, sem perceberem que legitimam com isso a ordem vigente”. (Aranha, 1993; 41).
O problema da escola na nossa sociedade não é nem tanto o que se ensina, mas, sobretudo o que se omite, por exemplo, em relação à situação do racismo, do preconceito e da discriminação – e esse silêncio contribui para intolerância. Logo se faz necessário superar esse modelo de escola que apenas reproduz a visão hegemônica – o que só será possível com a superação do modelo de sociedade vigente. Por isso que a luta por uma educação transformadora e não dogmática deve ser feita conjuntamente com a luta pela superação da sociedade capitalista. E essa luta contra hegemônica perpassa pela desconstrução do racismo, do preconceito e da discriminação que atinge, sobretudo, a população afrodescendente e a sua cultura. Uma luta que deve ser travada no cotidiano, pois não devemos abrir mão da alteridade nas nossas praticas pedagógicas. Pois uma educação que discriminação não é educação, mas uma aberração que não pode ser de forma alguma aceita com normalidade.

Referências Bibliográficas
Aranha, Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. 2. Ed. rev. atual. –São Paulo: Moderna, 1993.
Oliveira, Irene Dias de. Religiões Afro-brasileiras e Violência. Ciberteologia – Revista de Teologia & Cultura – Ano VII, n.35. 2011.

Puff, Jefferson. Por que as religiões de matriz africana são principal alvo de intolerância no Brasil? Disponível em bbc.com. Acesso em: 20 de Outubro de 2016.
*Trabalho apresentado à disciplina de Antropologia Cultural, do curso de Filosofia e Teatro da Universidade Federal do Tocantins. 

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