segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Crônicas interioranas: Quati branco


Não era a primeira vez que Sidnei – o famoso quati branco – era levado para passar uma temporada no hospital de urgência de Palmas. A verdade é que no ultimo período isso estava se tornando uma rotina.
O médico lhe proibia terminantemente de colocar um pingo de cachaça na boca, ele então retornava para casa, jurava de pé junto para todos que já mais tomaria se quer uma dose de pinga. E resistia bravamente em sua resolução – um mês, dois meses, até três meses. E quando todo mundo acreditava que ele havia superado o vicio, o miserável aparecia travado na cachaça.
E quando começava beber não havia quem o fizesse parar. Era dia e noite, semanas e semanas enfiado na cachaça. Só parava quando o seu organismo já não suportava mais e tinha que ser levado as pressas para o hospital de urgência de Palmas.
E lá ficava uma, duas, três semanas, até um mês. Escutava a ladainha do medico o mandando escolher entre a vida e a cachaça. Recebia alta, voltava para casa, jurava para todo mundo que não tomaria mais bebida alcoólica. Ninguém acreditava num primeiro momento. Com o passar dos meses o povo começava acreditar, mas logo ele aparecia engatado na cachaça novamente.
- Homem, tu larga essa cachaça que tu morre diabo.
- Eu num tô bebendo não.
- Como não tá bebendo? E esse cheiro de cachaça? Eu sou besta por acaso?
- Só tomei uma dosinha.
- Bom. O médico já ti avisou. Continua desce jeito que tu vai parar de baixo do pé de gameleira.
Nem com a ameaça de ir parar na cidade dos pés juntos o pobre miserável conseguia largar a cachaça. Porém da ultima vez ele exagerara e foi levado já nas ultimas para o hospital de urgência. Estava tão mal que todos por ali já contavam como certo a sua morte.
Passou-se uma, duas, três, quatro semanas e nada do quati branco melhorar. E as noticias que chegavam em Lajeado não eram animadoras.
- O quati branco esta a beira da morte.
- É. Dessa ele não escapa.
E não escapou mesmo. A noticia foi recebida com muita tristeza pela sua família e seus companheiros de cachaça.
- É. Ele bebia suas cachaças, mas não fazia mal a ninguém.
- É mesmo.
Agora já não se podia fazer nada, o pobre quati branco estava morto. Perdeu a batalha que vinha travando há vários anos contra a cachaça. Aos familiares e amigos restava organizar o velório, comprar o caixão, abrir a cova e então despedir-se do ente querido – que deixaria saudades.
Chega então o grande momento aguardado – a chegada do corpo para ser velado. No entanto para surpresa geral, o miserável não havia morrido. Estava vivíssimo da silva. Tudo não havia passado de um engano. Outro homem com nome de Sidnei havia morrido no mesmo hospital que ele estava internado e na hora de comunicar a família do morto erraram de enderenço. E assim a noticia que chegará em Lajeado é que havia sido o pobre do quati branco que se encontrará com “o único mal irremediável”.
- Essa misera tá viva? Vamos enterrar ele. Ora depois de todo o trabalho que ele nos deu? Vamos enterra-lo vivo. E assim o povo fez. Enterrou o pobre coitado vivo.
Não, não foi isso que aconteceu. A verdade é que sua família e seus companheiros fizeram uma grande festa regada a muita cachaça em comemoração ao retorno da terra dos mortos feita pelo quati branco. Claro, ele não tomou nenhuma dose, pois após a experiência que vivera, jurou de pés juntos que nunca mais colocaria uma dose de cachaça na boca.
Mas como vocês podem imaginar, após alguns meses ele voltou a tomar todas. E assim a sua batalha contra a cachaça continua, resta saber até quando ele vai resistir.

 Pedro Ferreira Nunes é Peta e escritor Popular Tocantinense.

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