sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Sobre “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord.

“E então? Vencemos o crime? 
Já ninguém mais nos oprime, 
pastores, pais, leis e algoz?
Belchior

Em “A essência do cristianismo” Feurbach afirma que a sociedade da sua época preferia “a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser...”. É a partir dessa frase que o filósofo francês Guy Debord inicia a sua obra clássica – “ A sociedade do espetáculo” – publicado em Paris no ano de 1967. Para Debord (1997, p. 13) “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições  de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos”. Com isso “tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação”.

Debord define a sociedade contemporânea como a sociedade do espetáculo – Uma sociedade subordinada pelos interesses econômicos que mantém o seu domínio através da alienação. A medida que a economia cresce, cresce também o grau de alienação dos indivíduos. O filósofo enfatiza que na sociedade do espetáculo não temos cidadãos mas sim espectadores que cada vez menos compreende a própria existência e seus próprios desejos. Acerca do espetáculo, Debord afirma que  na medida que a realidade surge do espetáculo o espetáculo se torna real. Ele (o espetáculo) não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo e assim se torna a principal produção da sociedade atual.

Lançado no contexto da Guerra fria, Debord não poupa críticas nem ao chamado mundo capitalista e nem ao comunista – tanto a burocracia soviética como a democracia liberal Norte-americana são alvos das suas críticas contundentes. Para o filósofo ambas estão no contexto do espetáculo – onde o capital chegou em tal grau de acumulação que se tornou imagem. Como diria uma canção da banda Tribo de Jah – “é o poder do dinheiro regendo o mundo inteiro”. E como consequência – ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Para superar essa condição só através de um processo emancipatório construido por sujeitos autônomos de fato. 

É a partir do maio de 1968 – um movimento politico que reverberou muito das críticas feita a sociedade por Debord – que a obra torna-se bastante conhecida. E a partir de então se torna uma referência indispensável para compreensão da sociedade contemporânea – mesmo com o passar dos anos não perde sua atualidade. Pois para o filósofo é fruto de uma teoria crítica feita a partir de um contexto histórico que ainda não foi superado.  De modo que enquanto esse contexto histórico não for superado, a teoria permanecerá relevante.

A obra é dividida em 9 capítulos: 1- a separação consumada; 2- A mercadoria como espetáculo; 3- Unidade e divisão na aparência; 4- O proletariado como sujeito e como representação; 5- Tempo e história; 6- O tempo espetacular; 7- O planejamento do espaço; 8- A negação e o consumo na cultura; e 9- A ideologia materializada. Capitulos escritos quase como aforismos – o que pode dar a ideia de que o texto é de fácil assimilação. Mas não se engane.  O texto exige do leitor um certo tempo de meditação em alguns pontos para melhor digestão do que o filósofo está querendo dizer. 

Debord utiliza conceitos filosóficos de diferentes filósofos para desenvolver a sua tese. Entre esses filósofos destaca-se Karl Marx. Percebe-se uma forte influência de Marx, sobretudo na utilização de vários conceitos desse autor como alienação, luta de classes, proletários,  capital, burguesia entre outros. No entanto Debord não deixa de critica-ló, apontando seus limites, sobretudo por que segundo nosso filósofo a crítica de Marx permanece  nos marcos da sociedade burguesa ao se propor científica. 

Ainda que não se concorde com a crítica de Debord a sociedade contemporânea – que segundo ele transforma tudo em espetáculo, aliena os indivíduos e impõem a ditadura do mercado. Ou com sua crítica a Marx e alguns marxistas. Ou ainda com sua tese de necessidade de superação do modelo atual de sociedade. Não se pode deixar de reconhecer a importância dessa obra que nos leva a refletir sobre todos esses pontos. Sobretudo num momento em que a crítica tem perdido importância ao ser reduzida a uma esfera meramente especulativa, como diria Marcuse.

Diante disso, se faz necessário resgatar o sentido da crítica sobretudo numa perspectiva emancipatória contrapondo-se assim ao discurso dominante. E Debord faz isso muito bem. Por isso enfatizamos a importância da leitura desse livro que nos ajuda a entender a sociedade atual bem como a pensar alternativas ao modelo hegemônico – que apesar de algumas mudanças é o mesmo de quando Debord escreveu essas reflexões. Pois afinal de contas, fazendo um paralelo com o que diz Belchior na canção “os profissionais”, não vencemos o crime e nem deixamos de ser oprimidos pela igreja, pela família e pelo Estado.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

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