“...estão tocando um samba de fazer dançar as pedras”.
Aníbal Machado
O carnaval no Brasil já não é o mesmo de alguns anos atrás quando havia apenas dois modelos hegemônicos – o carnaval das escolas de Samba (especialmente do Rio de Janeiro) e os Trios Elétricos com bandas de Axé Music (na Bahia). O que temos nos últimos anos é fortalecimento de um carnaval multicultural promovido pelos blocos de rua – celebrando a maior característica da nossa cultura que é a diversidade. Com isso creio que agora podemos falar com ênfase em carnaval como maior festa popular e símbolo da nossa cultura.
Por algumas décadas havia uma tendência de reducionismo do carnaval brasileiro a cultura do samba e do axé music – que sem dúvida são importantes expressões da nossa cultura mas que estão longe de representar toda a nossa diversidade cultural. Essa tendência partia sobretudo da indústria cultural e da grande mídia que dava um maior foco nos desfiles das escolas de samba e no arrastão dos trios elétricos com bandas de Axé Music. De modo que falar em carnaval, a partir da perspectiva da grande imprensa, era na prática falar do Rio de Janeiro e Salvador (e talvez São Paulo). E com toda a força midiática esses modelos de carnaval (especialmente o bahiano) foram ganhando outras regiões do país guetizando ou extinguindo as expressões culturais locais. Festas que mobilizava muita gente sem dúvida, mas outros tantos preferiam ficar alheios ou apenas como espectadores de um carnaval que não os atraiam.
Mas isso tem mudado – o que tem muito haver com uma das característica da cultura popular que é a resistência. Sobretudo, a resistência a massificação e ao nivelamento (Bosi, 1986, p. 23) imposto pela cultura de massas. Essa resistência se fez sentir no carnaval a partir de Pernambuco (Recife e Olinda em especial) que apresentou para o resto do país a riqueza de um carnaval multicultural – onde o protagonismo era das expressões culturais locais – o frevo e o maracatú – mas também abrindo espaço para outras expressões culturais de vários cantos do país.
O que vai na linha do que diz Ecléa Bosi a respeito de um dos aspectos da cultura popular – que é o entrelaçamento entre novo e arcaico. Para Bosi (1986) “os elementos mais abstratos do folclore podem persistir através dos tempos e muito além da situação em que se formaram”, mantendo-se como uma importante referência para manutenção de uma tradição.
Em Pernambuco, ao contrário de outros Estados da federação, o carnaval de rua nunca deixou de existir – que o diga o “Galo da Madrugada” anos após anos levando milhões de foliões para as ruas do Recife. E o “bacalhau do batata” arrastando multidões pelas ruas de Olinda. Só para citar dois exemplos mais conhecidos.
Além dos blocos de rua e dos grupos tradicionais de frevo e maracatú há os shows com artistas de diferentes vertentes: funk, sertanejo, rock, reggae, rap, mpb entre outros. Em suma, tem para todos os gostos, para todas as tribos.
Diante disso ouso dizer que se quisermos compreender a virada que tivemos nos últimos anos com o renascimento do carnaval dos blocos de rua em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte devemos olhar para Pernambuco, especialmente Recife e Olinda. Foram os pernambucanos que resistiram como ninguém á uma festa de carnaval que estava ficando por demais elitizada.
Um exemplo dessa eletização podemos perceber no verso da canção “palmares 1999” da banda Natiruts sobre a condição do negro na nossa sociedade – “...apesar de ter criado o toque do agogô. Fica de fora dos cordões do carnaval em Salvador”. E no Anhembi (SP) ou na Sapucaí (RJ) não é muito diferente. Já o carnaval de rua não, é só chegar, ocupar e fazer a festa acontecer. Não precisa de grande estrutura, mas de criatividade e trabalho coletivo. Se o Estado não quer ajudar que pelo menos não atrapalhe – que pelo menos cumpra com o seu dever de garantir a segurança.
Aliás, tem se dado muita ênfase aos casos de violência durante o desfile dos blocos – dando munição aos moralistas de plantão que são contrários ao carnaval de rua sobretudo. Mas o problema não é o carnaval e sim o fato que vivemos numa sociedade extremamente violenta. Se durante o carnaval essa violência se aflora ainda mais é por incompetência do Estado em combater as causas da violência garantindo segurança para quem quer se divertir e protestar, pois o carnaval nesse novo contexto também tornou-se um espaço para o protesto (tomar as ruas para celebrar a cultura por si só já é um ato de protesto, sobretudo no atual contexto político).
Um ponto importante é que o ressurgimento do carnaval de rua não enfraqueceu as escolas de samba ou o axé music. Aliás, esses até se fortaleceram. A diferença é que agora se tem mais opções que vão sendo criadas a cada ano pelos próprios foliões e atraindo mais pessoas para a folia. Outro ponto é uma tendência crescente a interiorização do carnaval de rua – que já acontece em todo o Brasil, mas que se destaca em algumas cidades que já mencionamos aqui.
No Tocantins tem se seguido essa tendência e assim vimos o ressurgimento do carnaval de rua em importantes cidades do Estado. Óbvio que ainda estamos muito distante do que ocorre em outras regiões do país. Mas a tendência é um crescimento sobretudo diante da boa avaliação por parte dos organizadores e participantes. Para que esse crescimento possa se concretizar um limite importante que precisa ser superado é a dependência do poder público. A própria comunidade pode se auto-organizar e realizar a festa buscando o apoio do Estado. E não ficar só esperando que o Estado tome a iniciativa.
Enfim, para concluir. O carnaval é inegavelmente a maior festa popular do povo brasileiro, e goste ou não é uma das expressões da nossa cultura. Durante algum tempo tentou-se reduzi-lo há uma determinada dimensão, mas a resistência que é um traço da cultura popular negou-se ao nivelamento e a massificação. E agora temos um carnaval multicultural que de fato representa a nossa diversidade cultural.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
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