segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Crônica: Sobre fumar cachimbo

Fumar cachimbo exige todo um ritual que tem muita haver com a forma como administramos o tempo no nosso dia a dia. Digo isso pelo fato de que não dá para fazê-lo em qualquer lugar, em qualquer ambiente, em qualquer horário. É preciso todo um contexto específico para que desfrutemos desse prazer – é preciso tempo. Tudo o que não temos na rotina corrida que nos é imposta pelo modo de produção capitalista na contemporaneidade. 

Talvez esteja ai uma explicação para a visão de que fumar cachimbo é para nobres e intelectuais – para alguns poucos privilegiados que conseguem dominar essa arte. Isso mesmo, fumar cachimbo é considerado por muitos uma arte. Não discordo dessa visão, porém relegar esse hábito apenas a nobreza e a intelectualidade é um equívoco. Ora, não se pode esquecer que o hábito de fumar cachimbo está presente nas culturas primitivas como a indígena e a africana por exemplo.

Na minha infância era muito comum o hábito de fumar cachimbo no interior tocantinense pelas classes populares. As pessoas sentavam na porta de suas casas e enquanto colocavam o papo em dia com os vizinhos degustava o seu cachimbo ou um cigarro de palha. Ou quando execultavam algum serviço como despalhar milho, feijão ou mesmo preparar o tabaco plantado nas vazantes para comercializar na região. 

Aliás, na região em que nasci e cresci era comum as plantações de tabaco, especialmente nas vazantes do Rio Tocantins. Não eram grandes lavouras, mas o suficiente para movimentar o comércio local. E o principal ponto desse comércio era o mercadão (mercado central) de Miracema.

Com a construção da usina hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães e o barramento das águas do Tocantins a cultura do tabaco praticamente acabou nessa região. O próprio mercadão foi transformado num mini shopping. E assim a nova dinâmica de vida trazida pelo avanço do modo de produção capitalista praticamente extinguiu o hábito de fumar cachimbo no interior tocantinense – agora visto como um hábito da antiguidade. 

Iniciei esse hábito um tanto por acaso quando ganhei um cachimbo de presente do meu irmão mais velho. Comprei uns fumos de corda no mercado central de Goiânia e comecei a tentar dominar essa arte. Não demorou muito para que conseguisse. Eu já tinha alguma experiência com fumo, sobretudo palheiros (que ainda fumo de vez enquando), mas fumar cachimbo é um prazer que vai além. Só quem tem esse hábito pode compreender o que estou dizendo.

Outro fator importante do hábito de fumar cachimbo que eu descobri é o fator econômico. Não é caro adquirir um cachimbo de qualidade e outros artigos necessários para sua limpeza e nem bons tabacos. Há não ser que você seja por demais exigente e queira comprar tabacos importados e adquirir cachimbos mais caros. Mas ainda assim, acaba sendo mais em conta do que fumar cigarro industrializado, palheiros e sobretudo charutos.

E tende ser ainda mais econômico se você cultivar o seu próprio fumo. É o que tenho feito ultimamente e tem sido por demais prazeroso. Inclusive temos contribuído para retomada da cultura do fumo nessa região compartilhando mudas com a vizinhança para que as pessoas que fumam cultivem o seu próprio fumo no quintal de casa.

Existe fumo próprio para cachimbo no comércio, mas prefiro preparar o meu. Adquiro fumo de corda de diferentes tipos e regiões no mercado central de Goiânia ou de Trindade, pico e misturo, inclusive com o que eu cultivo. A ideia é obter diferentes sabores, e tenho conseguido – Tenho conseguido um fumo exclusivo.

Costumo fumar duas vezes ao dia – após o almoço quando sento para escrever ou ler. E a noite, as vezes acompanhado de uma dose de conhaque, após o jantar. Dependendo do clima fumo apenas a noite e há dias demasiadamente quentes que eu simplesmente não fumo. Também não costumo fumar se não estou em casa – há não ser que irei ficar um período um pouco mais longo distante da minha morada – Ai não tem jeito, levo o cachimbo.

Alguns defendem que o hábito de fumar cachimbo é mais saudável do que fumar cigarro industrializado pelo fato de não haver os produtos químicos que a indústria adiciona para viciar mais rapidamente os fumantes. Para mim, seguindo a linha do que dizem alguns especialistas, fumar nunca é saudável, portanto o melhor mesmo é que não se fume.

Mas se mesmo diante dos alertas, você assim como eu, insiste em fumar, que seja então um tabaco produzido por você, de preferência num cachimbo. Ainda no meu caso, procuro contrabalançar esse hábito não tão saldável com hábitos saudáveis como tomar tereré e correr diariamente.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

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