sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A última de 2020

 Retrospectiva 

“Eu quero que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês...”

Belchior

Avançamos para superar mais um ano. 

E que ano senhores?! 

E que ano senhoras?! 

Se já não bastasse a crise climática, 

o governo Trump e seus congêneres. 

Ainda tivemos que encarar uma pandemia.

Uma pandemia que até agora já ceifou 

mais de 1 milhão e 500 mil vidas. 

Só no Brasil já ultrapassamos as 181 mil mortes. 

Mas apesar dos pesares sobrevivemos.

É, sobrevivemos. 

A pesar da fome,

que voltou a fazer parte do cardápio de muitas famílias.

Da violência,

sobretudo se você teve a sina de nascer preto.

Do egoísmo, 

De quem só olha para o próprio umbigo. 

do desgoverno.

Gostaria de terminar o ano

com uma mensagem otimista.

Afinal de contas estamos vivos.

Mas o índice de aprovação do governo

mostra que não há espaço para ilusões.


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, Poeta e Escritor Tocantinense. 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Filosofia no estilo punk rock: O Podcast Aufklärung

No final de junho, após alguns meses de suspensão das aulas presenciais na rede estadual de educação do Tocantins, fomos convocados para retomada do ano letivo através de aulas remotas para as terceiras séries do ensino  médio. O desafio que se colocava diante de nós era dar aulas numa realidade, e em condições, para qual não estávamos preparados. 

Isso ficou mais evidente diante do quadro que nos foi apresentado, sobretudo em relação a condição de acesso a internet e equipamentos tecnológicos por parte dos estudantes do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. A partir daí a questão que me veio na cabeça foi: Como ensinar Arte, Filosofia e História remotamente? Sobretudo sabendo que esses componentes curriculares metodologicamente tem o diálogo como um elemento fundamental. 

Desse modo, ainda que não estivéssemos presentes num mesmo espaço, era necessário buscar alternativas para que o diálogo ocorresse. Mas como?

O óbvio era utilizar os recursos tecnológicos para me conectar com os estudantes. Da minha parte isso não era tão difícil. Apesar de não ser um expert em tecnologia, me viro bem. Ainda mais quando o assunto é utiliza-la para fins educativos. No entanto como salientei no início, sabíamos que a maioria dos nossos estudantes não tinham equipamentos e acesso a internet com mínimo de qualidade – acessavam a internet via aparelho celular com pacote de dados móveis. 

Desse modo era preciso utilizar uma ferramenta acessível para eles. E que também, eu conseguisse fazer com os equipamentos que eu tinha – que não eram lá essas coisas.

Durante esse processo percebi que mais de 90% dos estudantes do CENSP-Lajeado tinham whatsapp ou podiam acessa-lo através de um aparelho celular de um familiar. Percebi então que este poderia ser uma ferramenta utilizada não só para informar (como era utilizado pela equipe diretiva da escola), mas também para formar. Para tanto seria necessário pensar em algo que não consumisse tanto os pacotes de dados móveis.

Das várias alternativas que foram surgindo nesse período de reflexão e pesquisa, fazer um podcast foi a que mais me atraia. Sobretudo na medida que fui me aprofundando nas leituras acerca do que era e de como fazer um podcast. E ao ouvir alguns podcast da área de Filosofia a minha conclusão foi: - Eu consigo fazer isso. 

Óbvio, teria que ser algo pensado e elaborado para minha realidade, e dos meus estudantes. Algo que atendesse ao objetivo almejado. Tendo isso claro, o momento seguinte foi o de “colocar a mão na massa”. E assim fiz, no estilo punk rock – do faça você mesmo. Desse processo surgiu o podcast Aufklärung (Esclarecimento), onde em cerca de 20 minutos eu dava uma aprofundada no conteúdo trabalhado no roteiro de estudo impresso. Isto é, referenciando o conceito Kantiano (Aufklärung), eu esclarecia,  ou tentava pelo menos, os conceitos e ideias presentes nos conteúdos trabalhados. 

Para compartilhar com os estudantes eu utilizava os grupos da turma no whatsapp – onde podiam baixar o arquivo de áudio para ouvir em qualquer momento (sem consumir muitos dados móveis da sua franquia de internet). E assim, além do roteiro de estudo impresso, tinham o podcast, com uma explicação um pouco mais aprofundada, para contribuir na compreensão acerca dos conteúdos trabalhados em Arte, Filosofia e História.

Creio que foi um canal importante para que os estudantes das terceiras séries do CENSP-Lajeado pudessem ter um material a mais para compreender os conceitos e ideias abordados nos textos encaminhados nos roteiros impresso. Conceitos e ideias que nem sempre são de fáceis compreensão (sobretudo em se tratando de filosofia), mas com uma explicação razoável, relacionando com questões do cotidiano deles, esse entendimento pode ser facilitado.

Outro ponto a se ressaltar é que os episódios eram elaborados a partir do feedback que obtiamos por parte dos estudantes, isto é,  do diálogo que conseguíamos estabelecer mesmo não nos encontrando presencialmente. E creio que a maior evidência que isso tenha ocorrido de forma exitosa pode ser encontrado no e-book Escola Vazia... onde os estudantes das terceiras séries  (regular e eja) fazem um breve relato sobre as aulas em tempos de pandemia. 

Mas enfim, se o podcast aufklärung contribuiu de alguma forma para que os estudantes das terceiras séries do ensino médio do CENSP-Lajeado tenham tido um maior aproveitamento nos seus estudos. Para mim, sem nenhuma dúvida, foi um grande aprendizado fazê-lo. Imaginar que no início eu não sabia nem o que era um podcast e no final conseguir o que conseguimos mostra bem isso. Espero também que essa experiência sirva de exemplo para mostrar aos demais educadores que mesmo em condições adversas podemos aprender e fazer a diferença. Segue, para quem quiser conferir, o link de acesso a três episódios:

História do Antigo Norte Goiano: https://www.spreaker.com/user/13141568/aufklaerung-009-hist-20200714-111953

Espinoza: Amor e Ódio: https://www.spreaker.com/user/13141568/aufklaerung-010-fil-20200718-194420

Arte Popular: https://www.spreaker.com/user/13141568/aufklaerung-008-art-20200714-113443_1

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.  Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Algumas palavras sobre orientação acadêmica

Um dos períodos mais temidos da vida acadêmica é quando vai se aproximando o momento de fazer o trabalho de conclusão de curso (TCC) – ainda mais se você  deixa tudo para última hora. Nesse processo um momento fundamental é a escolha do orientador. Pois é o orientador que tem a capacidade de tornar essa jornada menos estressante e até traumática para alguns. Desse modo é preciso buscar um orientador que oriente e não desoriente. Se não for possível então deve se buscar um coorientador que transforme a desorientação em orientação. 

Paulo Freire escreveu sobre o caráter autoritário dos intelectuais brasileiros no artigo “Para trabalhar com o povo” (1983). Autoritarismo que está presente mesmo quando se é de esquerda. Diz ele: “Nosso autoritarismo se transformou na arrogância, na sabedoria com que falamos, nas exigências de leitura que fazemos, no comportamento nos cursos e seminários. Citamos uns 40 livros e mandamos o aluno ler uns 200 capítulos, além dos 40 livros” (2012, p. 30). Esse autoritarismo fica mais evidente no processo de orientação de trabalhos de conclusão de curso. E leva a uma situação tão difícil que, ou o estudante troca de orientador, ou pior, paga alguém para fazer o seu trabalho.

Alguns acadêmicos nessa situação tem me procurado desesperado por não conseguirem desenvolver o TCC. E em muitos casos tenho observado que, em que pese a deficiência desses estudantes, o pior é a orientação que eles recebem – orientações que deveriam contribuir para que desenvolvam satisfatoriamente o trabalho de escrita do TCC, mas que acaba desorientando-os pela questão do autoritarismo. Quando alguém nessa situação me procura o meu trabalho é evitar que esse alguém não estoure – não desista do curso, do TCC, troque de orientador ou pague outra pessoa para fazer seu trabalho. Como? Você que lê essas linhas deve está se perguntando.

O primeiro passo é tranquilizar a criatura. Mostrar que aquilo que ela vê como impossível é totalmente possível. Mostrar que construir um artigo acadêmico não é coisa para superdotados. Há um padrão que você deve seguir, e seguindo esse padrão as possibilidades de erros diminuem enormemente. O segundo passo é convencê-la de que não adianta mudar de orientador sobretudo quando já se está num determinado estágio. O melhor é não contestá-lo, bater de frente com ele. Você precisa dele mais do que ele de você. Por tanto busque atender o que ele exige. Tentar ir contra é se estressar á toa. Terceiro, tento convencê-la a não pagar alguém para fazer o seu TCC, mas sim buscar uma espécie de coorientação.

É fato que tem algumas criaturas que por mais que queiram não conseguem escrever sozinhas – não conseguem colocar suas ideias no papel de acordo com o padrão exigido em trabalhos científicos. Isso é reflexo do nível deficitário de leitura e escrita dos nossos estudantes. Um problema que tem origem na educação básica e que na Universidade não se resolve, pelo contrário. Ai é que esse problema se explicita ainda mais a medida que o nível de exigência de leitura e escrita aumenta. 

Geralmente os cursos ofertam uma disciplina para remediar essa questão (no curso de licenciatura em Filosofia da UFT, por exemplo, essa disciplina se chama “leitura e produção de textos científicos”), que no entanto não é suficiente – tanto pela didática dos professores como pela carga horária pequena. Com isso vai se empurrando o problema ao longo do curso até que chega o pré-projeto e em seguida o TCC onde não há mais como escapar. Ou você produz um trabalho de acordo com as exigências do meio acadêmico ou não concluí o curso.

Pode se questionar si de fato é necessário todo esse peso que si joga no TCC. Se de fato é isso que define se si pode concluir o curso ou não. Que se será ou não um bom profissional. Ou se no final das contas trata-se apenas de um ritual de passagem que na prática servirá apenas para o orientador enriquecer seu currículo lattes. Independente do que seja, o fato é que as instituições de ensino exigem, portanto não há para onde correr. E se não tem para onde correr o jeito é encarar.

Daí a importância de saber escolher bem quem será o seu orientador (ou orientadora) para que essa jornada seja menos traumática possível. Ele saberá indicar se o problema que você pretende trabalhar é de fato viável e a partir daí lhe orientar para que seu objetivo seja alcançado. Um ponto que você deve ficar atento é para não ser usado pelo orientador, fazendo um trabalho em torno de um problema que não é do seu interesse mas dele. É preciso buscar um orientador que dialogue com você e não que lhe dê ordens.

Não é um caminho fácil, não se iluda quanto a isso. Por mais domínio que você tenha sobre a leitura e escrita de textos acadêmicos as dificuldades surgirão. Imagina então para quem não tem esse domínio. No entanto você pode e deve tomar algumas decisões que farão com que essa dificuldade diminua – entre essas decisões está a de buscar ajuda de um coorientador. Ele não irá fazer o seu trabalho mas sim um acompanhamento mais próximo – a ideia é tornar compreensível a orientação do orientador.

Para tanto o coorientador não pode ter um perfil autoritário. Ele deve ter a capacidade de desenvolver uma didática a base do diálogo. Compreender as fragilidades do orientando e traçar estratégias para supera-las. O coorientador deve pacificar a relação entre orientador e orientando pois assim o processo caminhará mais rapidamente. E sempre tomar consciência se o orientando está de fato compreendendo o que está fazendo – se o trabalho final corresponde aquilo que ele pensa. Pois será ele que irá encarar a banca avaliadora e, por tanto, deve está preparado para esse momento.

Para concluir, defendo a tese que o TCC não é nenhum bicho de sete cabeças, de modo que não vale a pena surtar e cortar os pulsos. É possível sim tomar algumas medidas (creio ter mostrado algumas nesse breve texto) que ajudará a diminuir as dificuldades que você por ventura encontrar durante essa jornada. E assim fazer desse momento um momento de aprendizado e não de tortura.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.