sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Lajeado: pelo respeito à soberania popular expressada nas eleições do dia 06 de outubro de 2024

Por muito tempo colocou-se na conta de Maquiavel a ideia de que para se manter no poder o governante deve utilizar todos os meios ao seu dispor. Ainda que estes sejam questionáveis do ponto de vista ético. Mas quem estuda criticamente a filosofia política do pensador florentino compreende que não é bem assim. O que Maquiavel salienta a partir dos conceitos de virtu e fortuna é que o governante deve agir com inteligência para manter o poder e não de qualquer forma para que tenha sua cabeça degolada pelo povo.

Lembrei dessa questão ao saber da manobra que estão fazendo para mudar o resultado das eleições municipais para Câmara de Vereadores de Lajeado no dia 06 de outubro de 2024.

Em se tratando de política lajeadense não podemos dizer que seja surpresa. Mas não deixa de ser surpreendente vê o que são capazes de fazer para se manter no poder. Ainda que isso signifique passar por cima da soberania popular expressada por meio dos votos depositados nas urnas.

Tal atitude mostra a mediocridade dessas figuras que não pensam na população lajeadense mas somente nos seus interesses. E que com a derrota do Tércio para Márcia acabaram encontrando uma conjuntura favorável que possibilitou a manipulação de criaturas miseráveis - facilmente descartadas quando já não lhes forem úteis.

Não, não nos iludamos. Não dá para apelar para consciência dos envolvidos. Pois eles não as tem. É como aquele personagem da saga dos senhor dos aneis - Gollum (Sméagol) - corrompido pelo anel do poder.

Eles nos amaldiçoaram… Nos chamaram de assasino… Nos amaldiçoaram, e nos jogaram fora!... E nós choramos precioso; onde estar o tal assasino?.... E nos esqueceu do gosto de pão, do barulho das árvores ao redor do vento.. E nós esqueceu até: do nosso nome... Meeeu preecciossoooooo......

—Gollum em O Retorno do Rei

Qual o legado que essas figuras que estiveram mais de um mandato na Câmara de Vereadores de Lajeado deixaram? O resultado da votação do dia 06 de outubro de 2024 é a resposta para essa pergunta. Se tivessem tido, sobretudo nos últimos quatro anos, uma boa atuação certamente seriam facilmente reeleitos ou eleitos.

Quanto a nós que desejamos melhores dias para a querida cidade de Lajeado, esperamos que a soberania popular seja respeitada - que aqueles que foram eleitos nas urnas possam cumprir o seu mandato. E se ao final dele não corresponderem aos anseios da população, que o povo soberanamente, eleja novos representantes.

A estes que tentam manter o poder a qualquer custo, podem até conseguir. Mas ficaram para a história política de Lajeado como traidores da vontade do povo. E pagaram alto por isso. A vitória da Márcia Reis nas condições que ela foi eleita deveria ser um exemplo. Mas não dá para esperar de gente medíocre uma postura diferente.

Começamos com Maquiavel, concluímos com Rousseau. Este filósofo fala da soberania inalienável do povo. Ou seja, do fato de que o poder não pertence a uma figura específica, mas ao povo - que elege aqueles que deverão representá-lo, mas isso não significa abrir mão dessa soberania. Diante de tal manobra que em última análise vai contra a soberania popular, não podemos ficar de braços cruzados. Pelo contrário, devemos nos mobilizar e lutar para que nossa soberania seja respeitada.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

sábado, 7 de dezembro de 2024

Relato de Experiência: Ensino de Filosofia e Educação em Direitos Humanos

Área de Proteção Ambiental Serra do Lajeado 

Uma educação que se propõe libertadora não pode se furtar em trabalhar a temática dos direitos humanos na sala de aula. Foi a partir dessa compreensão que trabalhamos, na perspectiva do materialismo histórico-dialético, o tema na trilha de aprofundamento vozes da juventude: passado e presente para um futuro diferente. No contexto de uma pesquisa participante, de caráter qualitativa, no programa de mestrado profissional da Universidade Federal do Tocantins  (PROF-FILO).

A questão dos direitos humanos não é alheia a educação formal. Pelo, contrário. Há diferentes documentos que orientam esse ensino. Só para citar um exemplo, destacamos o Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNH3) de 2009, que propõem trabalhar os direitos humanos na educação básica numa perspectiva transversal tendo como obejtivo a (2009) “formação de sujeitos de direito, priorizando as populações historicamente vulnerabilizadas”.


Nosso locus

As atividades foram desenvolvidas no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência – localizado em Lajeado – cidade que faz parte da Área de Proteção Ambiental Serra do Lajeado. Com estudantes do Ensino Médio  (1° e 2° Série do Ensino Médio) que participam da Trilha Vozes da Juventude. O perfil dos estudantes é de indivíduos oriundos das classes populares – servidores públicos, autônomos, pequenos agricultores e pescadores (na sua grande maioria em situação de vulnerabilidade). Além de viverem numa área de proteção ambiental também tiveram sua vida modificada com o impacto da construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. 


O que são direitos humanos 

Nosso ponto de partida não poderia ser outro se não começar por entender o que são direitos humanos. Sobretudo diante de uma visão distorcida que se tem acerca dos mesmos. Sobretudo no Brasil – onde a temática é muito ligada a área da segurança pública – como reflexo da violência policial sustentada por discursos como “bandido bom é bandido morto”, “gente de bem”, “direitos humanos é direito de bandido” entre outros.

Mas quando analisamos que a inserção da temática dos direitos humanos no Brasil se deu no contexto da resistência contra os crimes cometidos pelo Estado durante a Ditadura Civil-Militar é compreensível que aja todo um discurso que busca justificar a violação desses direitos. Sobretudo por parte daqueles que deveriam garantir a sua efetividade – os agentes públicos. 

Diante disso não é possível falar em direitos humanos sem falar em política. Pois a sua efetividade passa necessariamente por uma compreensão da política como meio para se alcançar o bem comum. Também não é possível falar em direitos humanos sem falar em ética. Ou seja, em quais valores se funda a sociedade. No caso da brasileira, de acordo com a Constituição Federal de 1988, um dos seus fundamentos é a dignidade humana. E o que são os direitos humanos se não a garantia da dignidade humana?!


Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável  (ODS)

A garantia da dignidade humana passa pela construção de uma cultura de respeito ao outro. Como também de um conjunto de ações que permitam aos individuos viverem com dignidade independe da sua origem social. É nesse sentido que caminha os objetivos para o desenvolvimento sustentável elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) que estabelece um conjunto de metas a serem alcançados até 2030 pelo conjunto das nações que a compõe. Entre estas está o Brasil.

Foi a partir desses objetivos que buscamos trabalhar a temática dos direitos humanos em sala de aula. E a partir daí mostrar que não é uma questão alheia a realidade que muitos vivem – uma realidade de violação de direitos, mas por falta de compreensão não buscam mudar tal realidade.

Ao todo a ONU estabeleceu 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável  (ODS). Optamos por trabalhar apenas 7 – aqueles mais condizentes com a realidade que os estudantes estão inseridos – e que nos permitia o maior aprofundamento em cada um deles:

(ODS 1) Erradicação da Pobreza; 

(ODS 4) Educação de qualidade; 

(ODS 6) Água limpa e saneamento básico; 

(ODS 8) Trabalho e crescimento econômico;

(ODS 11) Cidades e comunidades sustentáveis; 

(ODS 12) Consumo e produção sustentável;

(ODS 13) Combate às alterações climáticas. 


Metodologia e Didática 

Optamos por desenvolver as aulas a partir de uma metodologia problematizadora, tendo como fundamentação teórica o materialismo histórico-dialético. Que nada mais é do que uma Filosofia da práxis. O ponto de partida é sempre o entendimento do estudante sobre o problema em análise. A partir daí busca-se um aprofundamento a partir de exercícios diversos. É então que entra a didática pautada sobretudo no diálogo. É através do diálogo que buscamos compreender o problema tanto a partir de uma perspectiva filosófica quanto científica. 

Um aspecto interessante dessa perspectiva didático-metodológica é que a sala se transforma numa espécie de oficina experimental. Ou seja, é a partir da dinâmica da sala de aula que o processo vai sendo construído. Óbvio que temos todo um planejamento e organização. De modo que toda a experimentação não é aleatória, não é um improviso sem sentido. Mas no sentido de compreender que trabalhar a partir de uma perspectiva histórico-dialética é que não existe fórmula prévias de como fazer. Ou como diria belchior – “é caminhando que se faz o caminho” e assim fizemos.


O resultado

Desde o início tínhamos a proposta de elaborar um material didático sobretudo diante da escacez, tanto a nível regional como nacional, de publicações que subsidiasse o professor na sala de aula. Pensávamos numa cartilha. O problema é que não tínhamos em o que nos inspirar. 

A partir de um questionamento a ideia passou a ser uma cartilha ilustrada pelos próprios estudantes. O ineditismo da proposta – pelo menos na nossa visão – não nos dava nenhum norte de como fazê-la. E assim iniciamos o trabalho. No final das contas a cartilha foi o menor dos nossos problemas. Sua confecção foi uma consequência natural do trabalho desenvolvido em sala. Na medida que este ia se desenvolvido a cartilha ia tomando corpo.

Eis ai portanto o resultado do nosso trabalho ao longo de dois bimestres. E esperamos com ele não só chamar atenção para a problemática da necessidade da efetividade da educação em direitos humanos. Mas também disponibilizar um material didático, desenvolvido a partir da realidade da sala de aula, para quem queira assumir esse desafio que é trabalhar a educação em direitos humanos numa realidade – que muitas vezes – nega esses direitos.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Desafios para valorização dos povos indígenas no Tocantins

Fiquei pensando nesse problema durante um bate-papo etnocultural com o Célio Kanela - Diretor de Proteção aos Indígenas, da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Tocantins (SEPOT). Realizado no dia 11 de Novembro no Colégio Santa Rita de Cássia. Ainda que breve, o bate-papo nos mostrou o quanto desconhecemos os povos indígenas e os desafios que eles enfrentam.

A fala do Célio Kanela iniciou com o questionamento acerca de quantos povos indígenas encontramos no Estado do Tocantins. Para em seguida apresentar quem são e onde estão localizados. Até 2021, o governo do Tocantins reconhecia 9 povos: Karajá, Xambioá, Javaé (que forma o povo Iny) e ainda os Xerente, Apinajè, Krahô, Krahô-Kanela, Avá-Canoeiro (Cara Preta) e Pankararu. Com uma população, segundo o IBGE, acima de 14 mil indígenas. Para Célio a realidade é outra: o Tocantins possui atualmente 16 etnias, incluindo aqueles que recentemente migraram da Venezuela.

Outro ponto que certamente é de desconhecimento da população em geral é em relação à localização dos povos indígenas. Célio ressaltou que além das aldeias há um quantitativo significativo de indígenas vivendo na zona urbana. Destacando que dos 139 municípios tocantinenses, 125 têm indígenas. E a partir daí questionou quais as políticas públicas, criadas pelo poder público municipal, voltadas para essa população, existem nessas localidades.

Célio Kanela nos apresentou os municípios onde há maior presença de indígenas com Tocantínia no topo, onde mais de 54% da sua população é de indígenas. Os demais são: Goiatins, Tocantinópolis, Lagoa da Confusão, Formoso do Araguaia, Itacajá, Pium, Gurupi, Palmas e Maurilândia do Tocantins.

O que se observa em relação às políticas públicas é que tanto o governo Federal (na saúde) como o Estadual (na educação) têm tido uma preocupação e agido concretamente nesse sentido. Mas quando vamos para os municípios que é onde as pessoas vivem não encontramos tais políticas. Podemos pegar como exemplo o município de Palmas onde há um número significativo de indígenas. Qual a política existe voltada para esse público?

A nível regional a criação da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Tocantins (SEPOT), seguindo a estrutura do Governo Federal, é certamente uma grande conquista. Ainda mais pelo fato dessa secretaria ser comandada pelos próprios indígenas. Pois não tem ninguém com maior propriedade para falar em nome dos povos indígenas se não os indígenas.

Isso foi certamente um dos aspectos que tornaram o bate-papo tão significativo para aqueles que participaram dele. Durante a fala do Célio Kanela foi possível perceber o interesse e curiosidade dos participantes no que estava sendo dito. O interesse se dá porque é algo que faz parte da nossa matriz cultural, ou seja, uma herança que todos nós carregamos de alguma forma. E a curiosidade porque se houve muitas coisas acerca dos hábitos e costumes dos indígenas, mas que não correspondem à realidade. O que pudemos observar durante a fala do Célio Kanela - que nos apresentou brevemente a característica desses povos, ressaltando a língua, rituais bem como modo de organização.

Certamente são muitos os desafios para valorização dos povos indígenas no Tocantins. Entre estes o conhecimento da cultura e de sua história, história escrita por eles. Nesse sentido, a educação cumpre um papel fundamental. Por muitos anos, e ainda hoje, as escolas têm apresentado uma imagem caricata do indigena. Como se este tivesse parado no tempo do descobrimento (invasão). Isso precisa mudar. Precisamos dar voz aos próprios indígenas - pois ninguém melhor do que eles em mostrar a realidade que vivem.

Foi isso que fez o Célio Kanela - que na sua intervenção final questionou o discurso de que os povos indígenas representam uma ameaça ao desenvolvimento econômico do território em que habitam. Pelo contrário, os territórios onde estão localizados as comunidades indígenas são verdadeiros santuários preservados, propícios para o turismo ecológico. Por outro lado, ele não deixou de apontar as ameaças, representadas sobretudo por um modelo de produção agropecuário predatório que ameaça os territórios indígenas e a sua biodiversidade.

Enfim, foi um bate-papo muito agradável em que aprendemos muito. Que esse aprendizado possa contribuir para que tenhamos um olhar mais solidário aos povos indígenas que habitam esse território. Ao contrário daquele que encontramos em obras como História do Tocantins (1989), do Osvaldo Rodrigues Póvoa, onde os indígenas são retratados como indolentes. Nesse sentido, políticas públicas de valorização dos povos indígenas e seus territórios são fundamentais.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).