segunda-feira, 5 de maio de 2025

Lajeados

Todo lugar é o retrato das vivências que construímos ao longo da vida. Por isso a visão que temos desse lugar é o reflexo dessas vivências. Se somos múltiplos como diz Nietzsche. A cidade também é múltipla. Pois ela é fruto da multiplicidade dos seus habitantes. Tanto de pessoas que ali nasceram como das que vieram de outros cantos. O fator tempo me parece ser fundamental nessa relação. Sobretudo numa perspectiva cíclica. E é isso que pretendo mostrar nas linhas a seguir sobre a minha relação com a cidade de Lajeado dividida em sete ciclos. O que me faz falar em Lajeados no plural.

O primeiro Lajeado é o da minha infância. Quando íamos a passeio. Ainda não havia praças, ruas asfaltadas. Energia elétrica, água encanada, televisão, telefone era um privilégio de poucos. Os bares na ilha verde eram de palha. De palha eram muitas casas. O nosso lugar de repouso era a casa de Dona Alderina na chácara de Dona Caetana próximo às barrancas do rio Tocantins, que depois seria herdada pelo Tuta e a Rosa.

O segundo Lajeado é o do final da minha infância quando mudamos definitivamente. O lugar onde íamos visitar tornou-se a nossa morada. Nossa casa era de palha, próximo ao Tuta e a Rosa na chácara de Dona Caetana, perto das barrancas do rio Tocantins. Ficávamos próximo a chácara de Dona Julia e Seus Josias. Depois construímos uma casa de adobe. Não havia água encanada, não havia energia elétrica. Plantávamos roça de toco do outro lado do rio, pescávamos e coletávamos buriti, pequi, bacaba, coco babaçu. Caçávamos. 

Estudando no Colégio Nossa Senhora da Providência comecei a fazer amizade para além dos filhos de Dona Alderina e Dona Isabel. Sobretudo com o Laercio e o Vadson. Eu era tímido em demasia. Mas ia sobrevivendo. Gostava mesmo era do mato. E de ler. Desde que descobri na biblioteca escolar que podia pegar livro emprestado e levar para casa não deixei de fazê-lo. Mesmo tempos depois, quando já morávamos na cidade e tínhamos energia elétrica e televisão. As aulas mais marcantes eram certamente da Professora Carlina, Professora Irmã Conceição, Professora Jesus e Professora Valdineia.

O terceiro Lajeado é o da minha adolescência. Dos tempos do ensino médio. A cidade movimentada pela construção da usina hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. As festas, as amizades, os amores. Aos poucos o menino tímido começou a se transformar. Continuava lendo, arriscava a escrever os primeiros textos da própria inspiração. Ouvia rock, reggae, rap. Passou a usar brinco - a ter um estilo subversivo. Incomodava. Mas na escola destacava-se como um dos melhores.

A cidade já havia mudado bastante em relação ao que era quando chegamos ali. O carnaval, as festas juninas e os festejos de nossa senhora da divina providência eram as mais animadas. Os forró na Gema também eram animados. O point da cidade era o farol na praça 5 de maio. Talvez esse tenha sido o Lajeado mais significativo na minha formação. Guardo com carinho as lembranças desse período. De certa forma continuo sendo aquele menino sonhador do colegial. Que dizia não saber o que queria, mas tinha certeza do que não queria. As aulas mais marcantes foram da Professora Patrícia, Professora Rita e Professor Carlito. Ah, o Professor Carlito. Grande referência.

O quarto Lajeado é o do início da minha maioridade. O qual a minha conexão era unicamente a partir do que minha mãe relatava quando ia nos visitar em Goiânia no mês de julho. Desse período não há muito o que falar. Apenas que o lugar continuava sendo inspiração para os meus textos. E a cada ano que passava o desejo de retornar ia se tornando mais forte.

O quinto Lajeado é o do fim da minha juventude. A cidade que encontrei após alguns anos morando em outro lugar. Num primeiro momento foi um estranhamento ao perceber que não era o mesmo Lajeado da minha adolescência - os tempos eram outros. Muitos não acreditavam que eu me adaptaria. Mas me adaptei. Foi um período de recomeço. De voltar a viver com minha mãe. De cuidar dela, dela cuidar de mim. Dos forrós que íamos mais Dona Rosalina. Dos shows no aniversário da cidade. Das festas juninas. Das pequenas conquistas que íamos conseguindo melhorando a casa e nossa condição de vida.

Ninguém além dela acreditava em mim - que um dia eu teria uma oportunidade de trabalho e iria proporcioná-la uma vida mais tranquila. Me apoiava incondicionalmente nos meus estudos na faculdade. E só não fazia mais porque eu não permitia. Sempre fala que se eu não pudesse dar, não tiraria nada dela. Pois ela já me dava o suficiente - teto para morar, e comida para me alimentar.

O sexto Lajeado é o do inicio da minha maturidade. Da minha atuação como professor no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Das amizades. Sobretudo com os Professores Raimundo e Carlos. Dos projetos. Da relação com os estudantes. Do respeito adquirido junto a comunidade. Da condição de, ainda que por pouco tempo, proporcionar uma vida mais tranquila á minha mãe. Essa nova situação não me fez perder a minha essência - um pessoa simples. Que gosta da simplicidade. De continuar estudando, buscando conhecimento e ajudar o próximo dentro das minhas possibilidades.

O sétimo Lajeado é o atual. Ou o da minha maturidade. Já não estou lá no dia a dia. Mas considero minha morada. Talvez eu nunca mais volte a morar lá, vai saber. Mas não perco a conexão. Pelo menos com a casa de minha mãe, que após sua morte virou da família. Mantenho contato com meus amigos e familiares que lá vivem (meus livros). Mas tenho convivido muito pouco com eles. Os únicos lugares que saio é a distribuidora ou o mercadinho para comprar alguns víveres. Passo o tempo cuidando do quintal (das plantas), lendo e bebendo. Tenho bebido muito.

Enfim, hoje é celebrado o aniversário da cidade. Essa data só me lembra de Mamãe, Dona Rosa, Dona Alderina e do Quati Branco. Por tanto não é mais uma data feliz para mim. Talvez por isso eu não tenha ido aos shows. Ou talvez não (quem sabe se fosse o Ratos de Porão eu até me animasse. Rs). 

Qual será o próximo Lajeado? Haverá um próximo? São perguntas que o tempo irá responder.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

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