A cartilha contém atividades que foram desenvolvidas no chão da sala de aula. Mas é importante salientar que sala de aula foi essa. Uma sala de aula numa escola pública (Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência) localizada num território dentro de uma área de proteção ambiental que tem a sua história marcada pela construção de uma obra de grande impacto - uma usina hidrelétrica (Luiz Eduardo Magalhães - município de Lajeado - região central do Estado do Tocantins). Faço esse esclarecimento pelo fato de que as atividades propostas partiram da realidade em que os estudantes que fizeram parte da pesquisa estavam inseridos. Acredito que esse fator foi importante sobretudo para mudar o olhar acerca dos direitos humanos que no geral é visto como algo distante da nossa realidade. Pois só veem falar dessa temática quando a uma violação desses direitos envolvendo as forças de segurança pública numa operação policial. Daí o nosso ponto de partida não poderia ser outro senão definir o que são direitos humanos e como eles se relacionam com a ética e a política. A partir daí, tendo como objetos de conhecimento os objetivos para o desenvolvimento sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ODS - ONU), buscamos mostrar como a não garantia dos direitos sociais como educação, saúde e cultura é uma violação dos direitos humanos.
Como salientamos na apresentação da obra: “o desafio para o educador e a educadora que optar por trabalhar esse material é tê-lo como um guia norteador e não algo a ser reproduzido ao pé da letra. Um aspecto fundamental é colocar o estudante e a estudante no centro do processo. Instigando-o por meio de provocações e perguntas a olhar para um determinado problema, refletir criticamente acerca desse problema e a partir daí apontar possibilidades”.
Para dar exemplo de algumas atividades que foram desenvolvidas em sala de aula e estão na cartilha, ressaltamos a escrita criativa. Propomos que os estudantes criassem uma estória inspirada num episódio de violação dos direitos humanos ocorrido na cidade em que vivem. Para inspirá-los, disponibilizamos um trecho de um conto da região que mostra algo nesse sentido. Outra atividade proposta, ao discutir a temática da erradicação da pobreza foi a ilustração do poema: O bicho, do poeta Manoel Bandeira. Ao trabalhar a ODS - trabalho e desenvolvimento econômico propomos que fizessem entrevistas com a comunidade escolar e posteriormente a sistematização destas. Ao final propomos que fizessem uma carta para as autoridades locais com propostas para o desenvolvimento sustentável. Enfim, são muitas propostas, todas frutos do trabalho em sala de aula. Nem sempre tivemos um bom engajamento por parte dos estudantes. Nem sempre o retorno foi o esperado. Já outras nos surpreenderam. De todo modo, todas cumpriram a missão de mostrar possibilidades. E em última análise é isso que é essa cartilha - uma pequena mostra das possibilidades que temos de desenvolver a educação em direitos humanos na educação básica, sobretudo no ensino médio.
Acredito que a partir das escolhas que fizemos, e estão na cartilha, fica evidente qual perspectiva filosófica assumimos. Mas faço questão de enfatizar a nossa adesão à teoria crítica, sobretudo a partir do filósofo alemão Herbert Marcuse que defende a necessidade de restauração da crítica em oposição à racionalidade tecnológica - que é um instrumento de dominação da classe dominante na construção de uma sociedade unidimensional. Nesse contexto, a arte cumpre um papel importante. Outro filósofo que também segue essa linha é o Paulo Freire, sobretudo a sua defesa de uma educação para a emancipação. E obviamente, Karl Marx, que critica a concepção de direitos humanos burguesa que em última análise tem como objetivo garantir os privilégios da classe dominante. Com Marx dizemos que não é possível falar seriamente em direitos humanos a partir de abstrações - sem levar em conta as condições que os indivíduos estão inseridos. Seguindo essa tradição defendemos os direitos humanos não como um direito para poucos, mas sobretudo para aqueles que mais necessitam - que é a maioria das pessoas.
Gostaríamos de ver esse material disponibilizado em todas as bibliotecas escolares da rede pública de ensino. Mas não temos condição para isso. E acredito que não é de interesse dos governos um material desses. Pois o que percebemos é que há uma distância considerável entre o discurso e a prática. Ora, o que adianta reconhecer a importância da educação em direitos humanos com leis mas não dar as condições para sua efetivação? Não nos esqueçamos que o Estado é no final das contas o principal violador desses direitos, pois na sociedade capitalista está a serviço da classe dominante - que não tem nenhum interesse que as condições atuais de vida se modifiquem. É contra isso que pensamos, elaboramos e nos sublevamos.
Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

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