segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Notas sobre o caminho da independência

O grêmio estudantil do Cemil Santa Rita de Cássia me convidou para fazer uma fala no evento em alusão a independência do Brasil celebrado no dia 07 de setembro. Fiquei pensando que seria mais apropriado uma fala de um professor formado em História. Mas topei o desafio. A partir daí comecei a pensar no que iria falar. E o que imediatamente me veio à cabeça foi a frase escrita por Machado de Assis no romance Quincas Borba - ao vencedor as batatas. Frase que inclusive serve de título a um ensaio sobre literatura brasileira feito pelo Roberto Schuwartz.

Pensei então em partir daí, mas ao fazer a leitura do material achei que não cabia naquele momento. No entanto, peguei alguns pontos que me pareciam ser importantes naquela conversa. Sobretudo o processo de formação social brasileiro. Isso imediatamente me remeteu as aulas sobre Hegel que estava desenvolvendo no mesmo período nas 1ª séries do ensino médio - sobretudo a compreensão da história como um processo movido por suas contradições internas. Diante disso decidi elaborar uma fala que não reduzisse a independência do Brasil ao grito do Ipiranga e a figura de Dom Pedro I. Busquei mostrar os conflitos que foram eclodindo no interior da sociedade e os diferentes atores que contribuíram para que a independência ocorresse.

Busquei mostrar que os grandes acontecimentos históricos não são obras de um único indivíduo, por mais extraordinário que ele seja. E conclui propondo uma reflexão de qual o sentido de celebrar a independência do Brasil. E aqui não pude deixar de relacionar com o contexto atual marcado por uma discussão sobre soberania nacional diante da tentativa do governo Trump (EUA) de interferir  no Brasil por meio de sanções econômicas entre outras. Reafirmando que o sentido de celebrar a independência  é reafirmar a soberania do Brasil.

Poderíamos começar nossa fala de qualquer ponto, mas optei seguir uma linha do macro para o micro. Ou seja, comecei falando dos conflitos que estavam acontecendo na Europa provocados pelas guerras napoleônicas que afetaram Portugal obrigando a família real a fugir para o Brasil em 1807. Não faltam autores (Laurentino Gomes, Lilia Moritz Schwarcz, Isabel Lustosa entre outros) que apontam como esse acontecimento impactou a vida local. O que podemos perceber é o que ocorreu a partir daí, por exemplo a abertura comercial a partir de 1808, com o Brasil sendo autorizado a negociar com outras nações. Óbvio que essa abertura não visava o desenvolvimento do Brasil, mas o bem estar da corte. Porém essa medida fortalecia outros setores que começaram a perceber que tinham muito a ganhar economicamente com a independência do Brasil. Em 1815, ao ser elevado à condição de reino de Portugal, o Brasil ganha ainda mais autonomia. Beneficiando uma elite local que terá um papel decisivo nos rumos que Dom Pedro I tomará. Em 1820 temos a revolução do Porto que culminará no retorno da família real a Portugal.

Os mesmos que pressionam para que isso aconteça também irão pressionar para que o Brasil volte a ser colônia. Ficando assim evidente que as mudanças no sentido de uma maior autonomia do território brasileiro para estes buscava apenas garantir o bem estar da corte portuguesa e não o desenvolvimento de fato do território. Porém, toda mudança trás suas contradições, abrindo possibilidades. Ou seja, aqueles que se beneficiaram dessa nova condição do território brasileiro, passaram a se contrapor a esse retorno. Soma-se a isso as revoltas das camadas populares que esperavam com a independência do Brasil serem reconhecidas como sujeitos de direitos. Inclusive havia a promessa dessas elites nesse sentido. Elites essas que irão apoiar Dom Pedro I, que havia sido deixado pela sua família como príncipe regente, a declarar a independência do Brasil. Um ato que não foi tão pacifico como se pensa. Em lugares como Bahia, Pará e Maranhão desencadeou conflitos armados que contribuíram decisivamente para a consolidação da independência do Brasil que será reconhecida pelos outros países, incluindo Portugal (mas com indenização).

Ora, não deveria ser o contrário? Não seria Portugal que deveria indenizar o Brasil por tudo que usurpou desse território? Um território que inclusive já estava ocupado pelos indígenas quando os portugueses chegaram. Mas enfim. Não tinha muito tempo para problematizar essa questão na minha fala breve. Mas não pude deixar de fazer uma referência à frase machadiana - ao vencedor às batatas - que nada mais é do que uma analogia para dizer que a conquista não é para todos. E quando analisamos a sociedade brasileira atualmente fica bastante evidente quem “ganhou as batatas”. Uma elite medíocre capaz de vender a alma em troca de privilégios. Essa elite é capaz inclusive de abrir mão da soberania nacional se isso significar benefício a si. Essa análise não entrou na minha fala. Preferi exaltar algumas figuras que são preteridas quando falamos no processo de independência do Brasil como a Maria Quitéria, Maria Felipa, Frei Caneca e Sepé Tiaraju.

Por esses e outros tantos que tombaram na luta por uma nação soberana que faz sentido celebrarmos a independência do Brasil. Finalizei minha fala salientando que do ponto de vista filosófico quando falamos em soberania em relação a um território estamos falando que este território não se sujeita a qualquer poder externo. Na linha do que diz Rousseau, quem confere essa soberania é o povo que legitima o poder estatal que deve se relacionar com independência com os outros estados. Portanto, pela memória daqueles que se sacrificaram para que o Brasil se tornasse soberano, e por nós mesmos não devemos temer se for necessário pegar em armas para defender essa soberania. E assim concluí minha fala.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

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