Renata Pereira Lima Aspis é graduada em Filosofia pela Faculdade Nossa Senhora Medianeira. E possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em Educação (Os dois primeiro pela Universidade Estadual de Campinas e o último pela Universidade de São Paulo). É Professora de Filosofia na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além do Ensino de Filosofia, formação na contemporaneidade e educação e resistência, são temas de seu interesse. Entre seus trabalhos publicados destacamos: Fazer filosofia com o corpo na rua: experimentações em pesquisa (2021), Filosofia e Educação: filosofia(s) da imagem e educação (2016) e Educação nas sociedades de controle: resistência e vida (2010).
Em “O ensino de Filosofia para Jovens como experiência filosófica” traça como objetivo principal “pensar filosoficamente um sistema de referências para o ensino de filosofia”. Para tanto a sua dissertação está organizada da seguinte forma: No primeiro momento ela fala sobre a a importância da filosofia no contexto da sociedade contemporânea. No segundo momento ela passa a tratar do Ensino de Filosofia propriamente, fazendo uma problematização acerca da sua constituição e desenvolvimento. No terceiro momento ela entra na sua proposta de ensino de Filosofia tendo como perspectiva a criação de conceitos. E a partir daí há um aprofundamento da sua proposta com reflexões acerca do diálogo investigativo, do papel do Professor de Filosofia, dos textos filosóficos e por fim da avaliação. Temos assim, duas partes propriamente, a primeira temos uma contextualização e problematização da Filosofia e seu Ensino. E na segunda a proposta da autora para o problema abordado. Isto é, o ensino de Filosofia para Jovens a partir de uma perspectiva filosófica. Vejamos a seguir mais detalhadamente o que nos diz nossa autora.
O ponto de partida de Aspis não poderia ser outro se não a sua resposta para clássica pergunta: o que é filosofia? Para nossa autora (2004) trata-se de uma busca pela compreensão daquilo que podemos perceber. Sendo assim o ensino desse componente curricular é compreendido como criação. Aqui percebemos uma questão importante. O ensino de Filosofia que assumimos está diretamente relacionado com a nossa compreensão do que é e para que serve a filosofia.
Aspis (2004) chama atenção para o processo de desumanização que vem ocorrendo como reflexo de uma sociedade onde o consumismo e o individualismo nos leva a abdicarmos do Pensamento. Com isso nossa humanidade vai sendo descaracterizada. Não aceitamos o outro, não dialogamos. Perdemos a compreensão de que vivemos em comunidade. Nesse contexto, a Filosofia e o seu ensino são imprescindíveis – filosofia como criadora de conceitos e diálogo. A filosofia é fundamental não só para o autoconhecimento como também do mundo que estamos inseridos. Mas não estamos falando de qualquer filosofia. Está não pode ser reduzida a um movimento de negação. Percebemos uma crítica a perspectiva filosófica que vê a filosofia como crítica ao estabelecido. O que ficará mais claro, na problematização que ela faz do Ensino de Filosofia.
Nessa linha o primeiro aspecto que Aspis chama atenção (2004) é para a formação do Professor de Filosofia, ressaltando que nem sempre se trata de alguém formado na área. Ela também salienta a questão da carga-horária das aulas de Filosofia – geralmente 1h aula por cima, o que limita bastante o que pode ser desenvolvido junto aos estudantes. Em que pese as mudanças que ocorreram desde que essa dissertação foi apresentada, sobretudo a obrigatoriedade do Ensino de Filosofia no ensino médio a partir de 2008, a questão da carga-horária e a formação do Professor de Filosofia contínua vigente. Sobre as práticas desenvolvidas por esses profissionais, Aspis (2004) destaca que são diversas, porém ela salienta quatro:
A primeira é a que parte de uma concepção crítica. Para nossa autora ao compreender a sociedade a partir da luta de classes, o que segundo ela, já foi ultrapassado, acaba caindo num reducionismo, não há problematização, pelo contrário, o que há é uma imposição de determinados conteúdos – uma doutrinação. A segunda encherga o ensino de filosofia como promoção de debates sobre atualidades. Para a nossa autora (2004) a ausência de forma e conteúdo transforma essas aulas em conversa de botequim, em senso comum. A terceira reduz o ensino de filosofia ao ensino da história da filosofia ou coisa do gênero. A quarta parte do pressuposto de que o ensino de filosofia é a apropriação da forma do pensar filosoficamente. Essa última segue a linha kantiana de que não é possível ensinar filosofia mas apenas filosofar. Para nossa autora (2004) não há essa dicotomia, e a partir daí ela vai apresentar a sua proposta de ensino de filosofia.
A experiência filosófica ou o ensino de filosofia proposto por Aspis, parte de dois pressupostos: primeiro de que os jovens tem capacidade de filosofar. Segundo, suas questões não podem ser rechaçadas mas sim oferecer critérios para pensa-las filosoficamente. A partir daí a nossa autora (2004) irá dividir o ensino em etapas: A primeira é a da problematização, onde ocorre a elaboração de perguntas; A segunda é a de estudo, onde se aprende o diálogo; E a terceira é a da expressão, onde é feito o esforço de síntese e criação. Nesse processo a avalição é na verdade uma auto-avaliação. É o momento de se demonstrar o domínio sobre as etapas. Um aspecto importante ressaltado por Aspis é o estímulo que um passa ao outro, isto é, nas suas palavras “ao filosofar, faz o outro filosofar”, daí que mais adiante ela falará do perfil do Professor de Filosofia, que deve ser a de um filósofo, pois quem não filosofa, não ensina filosofar. Antes ela irá detalhar as três etapas do seu processo de ensino de filosofia.
Na etapa da problematização “a questão filosófica” é um elemento importante. Não estamos falando de qualquer pergunta mas sim daquelas que busca a compreensão da essência, estrutura e sentido das coisas. Desse modo deve se partir do princípio de que nada está dado. Para nossa autora (2004) o assunto deve partir sempre do estudante, já o restante cabe ao Professor, por exemplo, perguntar e ensinar a perguntar.
Na segunda etapa temos “a investigação filosófica” que pode ser compreendido como um exercício onde não há um método a ser seguido. É sobretudo uma busca constante para construir uma saída do problema. Aspis (2004) faz uma analogia com a escalada, isto é, no processo de investigação filosófica o que se deve buscar fazer é construir patamares de apoio a partir de dois movimentos: “O pensamento pensa a coisa e pensa como pensou a coisa”. Para nossa autora não é possível separar forma e conteúdo. Ela discorda da ideia de que não se pode ensinar filosofia, mas apenas a filosofar como dizia Kant. Ainda de acordo com nossa autora (2004) o diálogo e o erro são importantes nesse processo onde o professor deve ensinar uma prática determinada e não um conteúdo.
Na terceira etapa temos então “o conceito filosófico”, seguindo a perspetiva de Deleuze e Guatarri, é algo próprio da Filosofia. Mas o que é esse conceito? Ela começa a nos dizer o que não é. “Não é uma referência, não é descrição ou definição é algo que a filosofia faz surgir a partir de seu questionamento e sua investigação.” Para nossa autora (2004) “a filosofia recorta a realidade e cria uma outra coisa para falar da realidade”. Mas o que é então o conceito? É “aquilo que faz o desfecho de uma investigação filosófica sobre determinado problema filosófico”. E como se chega a esse conceito? Por um processo que vai do geral ao específico. E se se trata de um processo é preciso entender que cada um tem o seu – um elemento importante na hora de fazer a avaliação.
Chegamos no momento do “diálogo investigativo”. É através dele que é possível criar conceitos. Não estamos falando de um diálogo na perspectiva socrática onde há um direcionamento para um determinado fim. Aqui é preciso de fato se colocar numa situação de ignorância para que o diálogo ocorra como um processo de criação coletiva. De modo que aprendemos a ideia dos outros e como chegaram a ela. Não para reproduzi-lá, mas para criar o nosso próprio caminho. Para Aspis (2004) o diálogo investigativo parte das opiniões, mas é elaborado até não ser mais opinião. Nesse contexto o ouvir, que é a alma do diálogo, a capacidade de nos entregarmos ao outro, precisa de fato acontecer. Pois quando negamos ao outro a palavra estamos negando a sua condição de gente. Dai a importância do Ensino de filosofia na escola, sobretudo nessa perspectiva da promoção do diálogo.
O próximo ponto a ser discutido por nossa autora (2004) é acerca do perfil do “professor de Filosofia” – que antes de mais nada deve ser um filósofo. Sobretudo quando falamos que as aulas de Filosofia deve ser produção de filosofia. Desse modo o professor deve assumir mais uma postura de orientação. Se colocar sempre como um aprendiz, pois sua formação é processo. Como um provocador, como um artesão, o professor filósofo é modelo de criatividade ao exercer sua criatividade. Aspis (2004) crítica como é a formação de Professores de filosofia, sobretudo no sentido de que não são preparados para se tornarem professores filósofos. E se não são como irão passar isso aos demais? Teoria e prática precisam caminhar juntas. Desse modo ela conclama aos professores aonde estão, começarem mudar esse paradigma. Aspis (2004) nos diz não se tratar de uma tarefa sobre humana, pelo contrário. “nada mais humano do que praticar a filosófica dentro da sala de aula e fora dela, pensando filosoficamente sua prática, fazendo filosofia do ensino de filosofia”.
Para finalizar, Aspis (2004) trás mais dois elementos importantes na sua proposta de ensino de filosofia como experiência filosófica para jovens. São eles: o texto filosófico e a avaliação. A partir daí ela nos dirá que não se faz filosofia sem ler e escrever.
Em relação ao texto filosófico ela nos diz que se trata da obra de arte do filósofo. Para utiliza-lo corretamente precisamos aprender a ler. Entender que a leitura filosófica é estudo – é preciso dialogar com o texto e buscar sintetiza-lo. Aspis (2004) nos dirá que ler filosoficamente amplia nossos horizontes e assim nos apropriados de instrumentos concretos da nossa compreensão de nós é do mundo.
Já a avaliação deve romper com a lógica de controle que predomina no âmbito educacional, como prática de exclusão. A proposta é pensar numa auto-avaliação onde o processo seja mais importante que o resultado final.
Algumas considerações
Uma proposta de ensino de filosofia que parte do pressuposto que a luta de classes está superada me parece um tanto questionável. Ainda que o capitalismo de hoje não é o mesmo do período em que Marx produziu a sua teoria acerca da luta de classes, trata-se de um fato que não dá para questionar. E a própria autora no final da sua tese, ao tratar da avaliação como forma de controle, reconhece. Me incomoda também a ideia de uma neutralidade, que no fundo sabemos que não existe. A crítica a perspetiva da concepção critica do ensino de filosofia me pareceu bastante equivocada, ao afirma que se trata de doutrinação. Me pareceu até desonesto em certa medida. Sobretudo quando sabemos que é no discurso de neutralidade onde está o maior perigo de doutrinação. Por fim, colocar nas costas do Professor toda a responsabilidade por esse ensino, sem levar em consideração às condições de trabalho que ele está inserido, também não dá para aceitar. No entanto, ressaltamos que há sim por parte da autora reflexões importantes que certamente nos ajudará no nosso fazer enquanto professores de Filosofia. Isto é, em que pese nossas reservas, não podemos deixar de reconhecer a contribuição para pensarmos o ensino de filosofia junto aos jovens.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Ministra aulas de Filosofia no CENSP-LAJEADO.