É a essa figura que Aileen Mioko recorrer para, através da fotografia, dá visibilidade a luta das famílias de Minamata contra uma poderosa indústria do ramo químico que contamina a região com mercúrio, afetando a saúde dos que ali vivem. Num primeiro momento, ele recusa, mas em seguida vai até a revista e se propõe a fazer o registro da realidade vivida pelas famílias de Minamata, dando assim visibilidade mundial as suas demandas.
Não será uma tarefa fácil, além de conviver com seus demônios pessoais, precisará enfrentar a estrutura poderosa da empresa poluidora em conlui com o Estado. Mas sobretudo a desconfiança das famílias afetadas para que possam abrir suas intimidades.
Esse é o enredo de Minamata (2019) filme dirigido por Andrew Levitas e estrelado por Johnny Depp, no papel do fotógrafo estadunidense Eugene Smith. O roteiro é inspirado no livro (Minamata, 1975) escrito por Eugene e sua esposa Aileen Mioko Smith.
Na história dos desastres ambientais o episódio de envenamento com mercúrio dos moradores de Minamata (Japão) em decorrência de dejetos descartados na baía da cidade pela empresa do ramo químico Chisso foi um ponto de inflexão importante na busca por uma legislação mais rígida contra crimes ambientais.
Para se ter uma ideia do quanto esse episódio influenciou e influência as decisões sobre questões ambientais. Tivemos a entrada em vigor do acordo sobre o mercúrio, conhecido como a convenção de Minamata. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) o objetivo do acordo “é proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos do mercúrio, um elemento onipresente que pode causar de tudo, desde malformações congênitas a doenças renais”.
Nessa linha, o filme de Levitas nos mostra bem esses efeitos, sobretudo as malformações congênitas. É revoltante ver que tudo aquilo foi causado pela ação irresponsável de uma empresa – que quando é questionada pelas famílias. Só tem a dizer cinicamente que sente muito.
Se já não bastasse a importância social do filme, que nas palavras Depp, busca dar voz a quem é silenciado pelo poder das corporações e do Estado. Temos uma bela obra cinematografica, com uma fografia impecável e um elenco afiado, com destaque para Johnny Depp e Hiroyuki Sanada (no papel de um dos líderes das famílias contra a Chisso).
De uma forma poética, Levitas nos leva para um ambiente marcado pela dor e revolta das famílias afetadas por um crime irreparável. Ai temos uma característica importante desse tipo de crime ambiental – ser irreparável, pois as compensações financeiras não apagam os traumas que ficam.
Façamos um exercício. Tentemos nos colocar no lugar de uma mãe ou de um pai daqueles de Minamata, sobretudo daqueles que leva 5 horas para alimentar a filha sequelada pelas consequências da ganância de uma empresa por lucros e mais lucros – que acha que pode comprar todo mundo e passar por cima de todos sem ser penalizada.
Enquanto escrevo essas linhas esse crime está acontecendo no Brasil, mais precisamente na Amazônia, onde comunidades tradicionais estão tendo seus territórios contaminado com mercúrio por empresas financiadoras do garimpo. Infelizmente a postura do Estado brasileiro é o mesmo que o Japonês teve diante do crime ambiental em Minamata como podemos ver num levantamento divulgado por uma reportagem do El País (2021):
“O incentivo ao garimpo ilegal promovido pelo Governo brasileiro nos últimos dois anos provocou uma enxurrada de mercúrio nas águas amazônicas. Um volume estimado em 100 toneladas do metal neurotóxico foi utilizado em 2019 e 2020 para extrair ouro ilegalmente da região, de acordo com estimativas feitas com base em um levantamento oficial.”
Para a ONU “a Convenção de Minamata ajuda os países a restringir o uso de mercúrio, adotar alternativas não tóxicas ao elemento e eliminar a poluição por mercúrio, protegendo o meio ambiente e potencialmente milhões de vidas.”
O Brasil é signatário dessa convenção, mas como falado anteriormente, a sua postura é no mínimo de negligência quanto ao uso do mercúrio na mineração. Por isso precisamos nos mobilizar para que isso mude.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.
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