domingo, 15 de junho de 2025
Sobre a morte do rock and roll
terça-feira, 10 de junho de 2025
Sementes do cerrado ou ideias para adiar o fim do mundo
Assim foi a culminância do projeto integrador do 1º semestre de 2025 - sementes do cerrado: em defesa do desenvolvimento sustentável, da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cemil Santa Rita de Cássia. Depois de duas horas de trabalho duro deixamos nossos rastros naquele território. Daqui alguns anos no mês de agosto quando os ipês colorirem a paisagem com suas flores exuberantes alguém dirá que foram os estudantes de uma escola que plantaram. Ou quando os cajueiros estiverem produzindo e um cliente do bar do Oliveira pegar um caju para tirar gosto. Alguém irá lembrá-lo que aquilo foi fruto de uma ação da escola. Da mesma forma, a senhora que nos forneceu água para regar as mudas tiver colhendo alguns frutos para fazer um suco. Algum passante ao buscar refúgio nas sombras das árvores não saberá. Mas elas estarão lá. Um dos estudantes, que participaram da ação, um dia passando pelo local poderá contar para os seus filhos e dizer: - eu ajudei a plantar.
Ailton Krenak no seu livro Ideias para adiar o fim do mundo fala da importância da memória como resistência. Enquanto pudermos contar mais uma história estaremos adiando o fim do mundo, diz o nosso filósofo indígena - que também alerta para a forma com que nos relacionamos com a natureza. Fundamentado no conhecimento dos anciãos, ele nos dirá que se não soubermos caminhar sobre a terra o céu cairá sobre nossa cabeça. Uma analogia para dizer que o que fazemos com o meio ambiente retorna para nós. Pois afinal de contas fazemos parte desse ambiente. E quando o destruímos, estamos nos destruindo.
O pensamento do Ailton Krenak foi a nossa principal referência teórica do projeto integrador Sementes do Cerrado… O nosso ponto de partida foi inclusive apresentar e refletir sobre a sua crítica a concepção mecanicista da natureza a partir do seu livro ideias para adiar o fim do mundo. Durante as atividades os estudantes puderam conhecer um pouco da sua biografia, ler trechos da obra e discuti-la relacionando com a questão ética.
Outra ação de destaque do projeto integrador foi uma aula-campo na Agrotins. Essa feira de negócios que é a principal vitrine do agronegócio tocantinense é certamente um espaço importante para conhecermos e refletirmos sobre o modelo de desenvolvimento no campo tocantinense. O espaço mostra apenas o lado positivo, cabe a nós na sala de aula mostrar o outro lado. As consequências do avanço da monocultura sob os territórios das comunidades tradicionais, a contaminação do solo, da água e dos alimentos pelo uso abusivo do agrotóxico, o trabalho análogo a escravidão entre outros.
A plantação de mudas de árvores nativas do cerrado no dia mundial do meio ambiente seria a culminância do nosso projeto integrador. Há muito tempo o professor Francisco Nascimento (do componente curricular de Geografia) e morador do setor Bertaville havia nos provocado acerca da possibilidade dessa ação. E esse ano, com o apoio de toda a comunidade escolar, conseguimos concretizar. Ainda não com o alcance que gostaríamos. Mas foi um passo importante. Nessa linha, uma articulação antes com a associação de moradores do setor foi um grande acerto. Outro acerto foi a ação de conscientização dos moradores acerca da adesão ao projeto por meio da adoção e cuidado com as mudas.
Era por volta das 11h quando retornamos para a escola. Apesar do cansaço, o sorriso no rosto de contentamento de todos mostrava que havia valido apena. Assim como a disponibilidade para as próximas ações: - professor, na próxima não esquece de mim.
Como todo camponês que não tem a certeza de que a sua semente dará frutos. Nós também não sabemos qual o destino das nossas sementes. Mas de uma coisa temos certeza. Se não houver quem semeia, não haverá colheita. E aqui não estou falando das mudas propriamente. Mas da árdua missão da docência. Quantos estudantes conseguimos sensibilizar com esse projeto? Quantos conseguem mostrar novas possibilidades de nos relacionarmos e viver em comunidade - em harmonia com o meio ambiente? O tempo dirá.
Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Breve comentário sobre o ensino de Filosofia a partir da leitura do livro Filosofia: o pensar conceitualmente como rizoma, do Willian Costa de Medeiros
Gostei bastante da primeira parte da obra, quando o professor faz um relato de experiência acerca do seu fazer profissional. De quando ele iniciou na docência e dos desafios encontrados. Da sua busca por responder aos problemas que encontrava nas aulas de filosofia. Ao invés de apenas se acomodar e justificar sua inércia a partir do discurso de que os estudantes não estão nem aí para educação e menos ainda para o ensino de Filosofia. De modo que não adianta “jogar pérolas aos porcos”. Muito pelo contrário. Como um bom filósofo, o professor Willian não abriu mão do questionamento e de ir em busca de respostas. Desse processo surgiram experiências de fato interessantes como o jornal ou revista. Ou ainda os relatórios de aula feitos pelos estudantes. Ou ainda os mapas conceituais. Gostei também dos relatos dos fracassos. Pois no nosso fazer profissional o fracasso sempre está no horizonte. Isso não significa, no entanto, que estamos no caminho errado. Pelo contrário. E o professor deixou isso muito claro. O fato de não ter dado certo num determinado contexto ou numa determinada turma não quer dizer que não possa ser experimentado em outros cenários. São possibilidades. Quanto mais possibilidades tivermos, mais preparados estaremos de responder a diferentes desafios.
O problema da obra começa na segunda parte. Quando nosso autor busca fundamentar teoricamente o seu trabalho. Recorrendo entre outros a Silvio Gallo e a partir daí em Deleuze e Guattari - que por sua vez se fundamentam no anarquismo. A questão é que quando analisamos criticamente o que propõem esses pensadores não temos na nossa frente uma teoria libertária, mas pequena burguesa. A partir daí ao final e a cabo temos um ensino de filosofia que, ao contrário de uma perspectiva anarquista que proporia a superação da ordem dominante, acomoda-se a ela. Inclusive o autor faz questão de mostrar a sintonia entre a sua proposta e a base nacional comum curricular (BNCC). Ora, como assim? Uma proposta de inspiração anarquista alinhada ao Estado Burguês? Que tem como finalidade manter o status quo e não a sua superação. Que não questiona o conceito de cidadania liberal, mas se acomoda a ele. Que reduz o ensino de filosofia a criação de conceitos.
Quando analisamos a filosofia no documento curricular do Tocantins (DCT) percebemos uma forte influência dessa perspectiva filosófica. O que na minha visão é limitante. Óbvio que a gente sabe que o professor na sala de aula tem autonomia para não se limitar a uma perspectiva do ensino de filosofia. Até porque algo que qualquer estudante de Filosofia na faculdade aprende é que não existe filosofia, mas sim filosofias. E a partir daí cada um assume a perspectiva que avalia como a melhor. Muitos descobriram na prática da sala de aula que a melhor será aquela que conseguir desenvolver a partir da realidade em que está inserido. Afinal de contas não é a teoria que valida a prática mais o contrário.
Analisando a dissertação do professor William é isso que percebemos. A teoria deleuziana e congêneres é utilizada para validar sua prática. Óbvio que esse processo é dialético. A prática lhe levou a uma determinada teoria e essa teoria certamente afetará sua prática, abrindo novas possibilidades. Ainda que ele pareça não compreender esse movimento, é o que se evidencia. O que também fica evidente é que alguns pensadores tentam vender algo de novo que no fundo não tem nada de novo.
De todo modo vale a pena a leitura. A obra é fruto do programa de Mestrado profissional em Filosofia (PROF-FILO). Que tem sido um motor propulsor do ensino de Filosofia na educação básica. Tanto as aulas como as pesquisas realizadas têm abrindo novas possibilidades para este ensino. E o fortalecimento da nossa área.
Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Ivan Ilitch e a morte como um horizonte incontornável
Como você reagiria ao saber que vai morrer? Ora, é fato que todos nós sabemos que iremos morrer um dia. Ainda que vivamos à espera de um milagre. Tanto que não são poucos aqueles que depositam sua crença numa vida após a morte. E fazem. Ou pelo menos prometem, fazer sacrifícios enormes para que essa benção seja alcançada. Mas me deixa reformular a pergunta. Como você reagiria ao saber que está morrendo?
O célebre escritor russo Lev Tolstoi nos apresenta a história de Ivan Ilitch. Mais especificamente a história do seu fim. Fazendo com que olhemos para nossa condição de seres mortais. Já no início da narrativa o autor não nos deixa esperança quanto ao destino de Ilitch. De modo que todos os seus esforços em busca de uma cura nas páginas a seguir não nos dão margem para ilusão. Sabendo então que a morte é certa, qual o sentido de continuar a leitura do romance?
Justamente a pergunta acerca de como reagiríamos ao saber que estamos morrendo. Creio que a atitude do Ivan Ilitch é a mesma de todos. Não aceitar. Da mesma forma aqueles que estão no seu entorno. Por isso se submete a todo tipo de tratamento ao seu alcance. Por outro lado, não se pode deixar de pensar que todo esse esforço pode ser em vão. Então não poderá deixar de pensar no que fez ao longo da vida. Do que foi preciso abrir mão para chegar aonde está. Do que teve que fazer para obter as conquistas que teve.
No caso de Ivan Ilitch essas memórias não são boas. Ao passar sua vida em revista chegará a conclusão de que construiu uma vida de aparências. Não ama a mulher com quem se casou. Não sente orgulho dos filhos. Não tem amigos verdadeiramente. Tudo o que construíra não teve como fim a sua satisfação mas a dos outros. Dedicou-se a construir uma imagem daquilo que não era. E isso certamente lhe tortura mais do que as dores que a cada dia são mais insuportáveis.
Ilitch não terá mais uma segunda chance para mudar o seu destino. A sua condição a cada dia o isola do mundo. A morte chega de mansinho. Sem pressa de levá-lo. Deixando tempo o suficiente para que possa se torturar com o seu próprio pensamento. Pense o quanto seria torturante para o nosso personagem se um demônio surgisse dizendo que aquela vida tal como ele a viveu teria que vivê-la muitas e muitas vezes.
“E, à medida que a existência corria, tornava-se mais oca, mais tola. “É como se eu estivesse descendo uma montanha, pensando que a galgava. Exatamente isso. Perante a opinião pública, eu subia, mas, na verdade, afundava. E agora cheguei ao fim – a sepultura me espera."
Esse trecho de a morte de Ivan Ilitch é sintomático do estado de espírito em que se encontrava o nosso personagem. Tendo vivido uma vida de aparências. O remorso por tal atitude lhe machucava mais do que a consciência da própria morte.
“Fosse manhã ou noite, sexta-feira ou domingo, era tudo indiferente, o que havia era sempre o mesmo: uma dor surda, torturante, que não sossegava um instante sequer; a consciência da vida que não cessava de afastar-se sem esperança, mas que ainda não partira de todo; a mesma morte odiosa, terrível, que se aproximava e que era a única realidade; e sempre a mesma mentira. Para quê então os dias, semanas e horas do dia?”
O trecho acima confirma aquilo que já dissemos. Para Ilitch a morte já não era um problema. Ainda que houvesse alguma esperança de que poderia sair daquela situação, o fato é que não havia mais chance. E se não havia mais chance era melhor que chegasse logo. Pois a dor maior era aquela condição a que chegara da qual não tinha como fugir. É nesse ponto que reside a escrita magistral do Lev Tolstói - a capacidade de nos manter presos numa leitura que a priori parece pouco atrativa. O fato é que o autor nos tranca no quarto em que Ilitch está enclausurado e nos faz acompanhar seus últimos momentos com a apreensão. Pois no nosso íntimo sabemos que há em todos nós um pouco de Ivan Ilitch. Ao final, não há como sair dessa leitura sem uma profunda transformação. Estarei exagerando? Creio que não, creio que não.
Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
domingo, 25 de maio de 2025
Poema: Que fizeste com meu coração?
terça-feira, 20 de maio de 2025
Precisamos falar sobre as eleições do SINTET e do José Roque
Uma resposta para tais questionamentos seria o fato de que temos um sindicato atuante proporcionando diversas conquistas para a categoria. Que tem na figura do seu presidente um militante combativo que conduz a entidade com muito brio não havendo portanto questionamentos por parte da base. Ou talvez seja pelo fato de que a oposição que existe na categoria não seja suficientemente competente para se constituir como uma força real que faça frente ao grupo hegemônico. Ou ainda a categoria, salvo exceções, não ver o sindicato como algo relevante pelo qual vale a pena dedicar um pouco da sua energia.
Em relação ao primeiro ponto devemos reconhecer que trata-se de uma entidade sindical atuante. E que ao longo dos anos vem proporcionando conquistas significativas para a categoria. Ainda que nessa dinâmica é preciso diferenciar a diretoria estadual das diretorias regionais. E a partir daí pontuar que há uma maior combatividade por parte de algumas regionais do que de outras. Mas no final das contas o que aparece é o nome do SINTET.
Quanto à figura do presidente estadual (José Roque) também não podemos deixar de reconhecer sua história e importância na luta. Por outro lado, ninguém que fica tanto tempo à frente de uma entidade como o SINTET fica ileso. Há um desgaste natural assim como uma acomodação a um cargo - que se torna mais importante que a causa. E é essa a situação do José Roque. É cada vez mais evidente que o seu tempo passou. Que a sua contribuição como presidente estadual do SINTET já deu. E que o seu maior gesto de grandeza agora seria dar espaço para outro nome. Mas esperar esse gesto de alguém que foi formado numa cultura de esquerda de culto ao personalismo é iludir-se.
José Roque e o grupo que lhe dá sustentação (isso é um fator importante a se destacar. Pois sem uma base de sustentação ele não sobreviveria por tantos mandatos consecutivos). Fazem parte do que o Vladimir Safatle denomina de populismo de esquerda que consiste na visão de que é preciso “um modelo de construção de hegemonia baseado na emergência política do povo contra as oligarquias tradicionais detentoras do poder”. Esse povo é constituído a partir de demandas reprimidas que “todas elas devem convergir em uma figura que seja capaz de representar e vocalizar esta emergência de um novo sujeito político.”
Nesse contexto, o papel do sindicato é contribuir para que esse modelo em construção possa se efetivar. Tendo numa determinada figura a representação e vocalização deste projeto. O problema, de acordo com Safatle, é que essa perspectiva política mostrou sua ineficácia, sobretudo durante o governo Bolsonaro. No entanto, os defensores dessa perspectiva continuam sem querer ver o óbvio.
Trazendo para o nosso contexto a discussão recente em torno do PCCR da educação mostrou de forma inconteste o quanto a direção estadual, liderada pelo José Roque é no mínimo, medíocre. Numa reunião pública transmitida pelo youtube ficou evidente a capitulação da direção estadual a proposta do governo.
Por outro lado, é evidente que a oposição que existe no interior da categoria, não tem força suficiente para construir uma chapa que faça frente ao grupo hegemônico. Pelo contrário, há uma espécie de acordão que reflete nas eleições das regionais, a maioria com chapa única, assim como a estadual. Acredito que esse fenômeno é mais reflexo da falta de interesse da categoria com sua entidade representativa do que pelo trabalho realizado pelas diretorias sindicais.
Se, se realizasse uma pesquisa junto a categoria sobre a percepção acerca do sindicato, o resultado negativo não nos surpreenderia. Ainda mais porque o José Roque conseguiu personalizar a entidade. E muitos colegas não conseguem separar as duas coisas. Com isso, não percebem que a indiferença é o que contribui para que as coisas permaneçam tal como estão.
A minha atitude assim que me efetivei como professor da rede estadual de ensino do Tocantins foi me filiar ao SINTET. E continuarei por compreender a importância do movimento sindical não só na melhoria das condições de trabalho e salarial. Mas da sociedade como um todo. Acredito que é a partir desse movimento que poderemos vislumbrar uma mudança futura. O José Roque não é eterno. O sindicato sim. Pelo menos enquanto vivermos numa sociedade que tem o trabalho como o seu eixo central.
Por Pedro Ferreira Nunes - Professor de Filosofia na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Quincas Borba e a humanidade como liquidificador
Não é sem uma dor no coração que vamos acompanhando o drama de Pedro Rubião - professor da escola primária na cidade de Barbacena (MG). O seu destino muda ao conhecer o filósofo Quincas Borba - autor de uma filosofia denominada de humanitas - que consistia na tese de que a morte é necessária para que haja vida. Nesse sentido, a guerra é necessária.
"Ao vencedor as batatas."
Essa frase que Quincas Borba elabora alegoricamente para explicar sua filosofia não sairá da cabeça de Rubião. Acompanhando-o até a morte.
- Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
Mas vamos ao começo. A amizade de Rubião com o velho filósofo acabará fazendo-o herdeiro de toda a fortuna que este acumulara ao longo da vida. Apenas com a condição de que o jovem interiorano cuidasse do seu cachorro, também chamado de Quincas Borba. Essa fortuna com a qual Rubião jamais poderia imaginar será a sua ruína. Imediatamente ele deixa Barbacena para trás. E segue para o Rio de Janeiro para tomar posse de toda a sua fortuna. E ter uma vida diferente da que vivia ali.
Ingênuo como é, se cercará de pessoas que acredita serem suas amigas, mas que só querem usá-lo. Nutrirá um amor doentio por Sofia, esposa de Cristiano Palha - que não terá escrúpulo em usar essa paixão para tirar vantagens. Faz de tudo para ser aceito aquela sociedade que nunca lhe pertencerá. E pagará um preço alto, sua lucidez.
É importante salientar que apesar de ingênuo, Rubião não deixa de ser ambicioso. E se analisarmos profundamente, será mais a ambição do que a ingenuidade que acelerará sua queda. Ou talvez a soma dos dois. Em relação a ambição. Primeiro a de herdar a fortuna do filósofo Quincas Borba. Segundo de ter o amor de Sofia. E terceiro de conseguir um cargo político na corte. A sua ingenuidade foi sobretudo confiar em pessoas que acreditava serem suas amigas.
Ailton Krenak ao criticar o conceito de humanidade faz uma analogia com um liquidificador. Para se encaixar você precisa deixar suas raízes e se incorporar ao ideal do homem branco Europeu. Quando esquecemos nossa origem nos tornamos presas fáceis de um sistema que impõe um determinado modo de vida. A ingenuidade de Rubião impediu que ele percebesse a sua queda. À medida que ia perdendo a fortuna deixava de ser um amigo e tornava-se um peso. O único que não o abandonara fora Quincas Borba - o cachorro.
Não que os demais personagens sejam maus. Eles não ficam pensando ou planejamento como dilapidar o pobre Rubião. Apenas estão buscando se integrar à “humanidade”. Isso significa agir de determinada forma. Colocando seus interesses acima de tudo.
Para Rubião a realidade foi se tornando cada vez mais insuportável. No fundo ele sabia que estava sendo usado. Que ninguém verdadeiramente se importava com ele. Que o seu amor por Sofia jamais seria correspondido. Diante disso, a fuga da realidade foi a forma que ele encontrou para se proteger.
Num momento de lucidez deixou o Rio de Janeiro e retornou para Barbacena onde morreu perdido no seu delírio de grandeza. Vagando pelas ruas como um mendigo e proferindo a frase enigmática.
- Ao vencedor, as batatas.
Na sua cabeça tornara-se rei. Também na sua morte Quincas Borba dizia ser quem não era - o filósofo Santo Agostinho. Mas o fim de um foi bem diferente do outro.
Não morreu súbdito nem vencido. Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça, - uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas. O esforço que fizera para erguer meio corpo não durou muito; o corpo caiu outra vez; o rosto conservou porventura uma expressão gloriosa.
O seu fiel companheiro, o cachorro Quincas Borba, também adoeceu e morreu poucos dias depois do seu dono.
A forma serena com que encontrou seu fim, pode ser a prova de que Rubião compreendera a filosofia humanitas. Ele entendeu que a sua morte era necessária para que outros vivessem. Deixou sua Barbacena rumo ao Rio de Janeiro, lá lutou sua guerra e retornou para sua terra, vencido. Deixando ao vencedor, seus despojos. Assim também é a nossa sina nisso que chamamos de humanidade. O que aprendemos com Ailton Krenak é que não precisa ser assim.
Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
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