terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Cronicas interioranas

Os Quatis

Seu Disomo veio com sua família de Porto Nacional para viverem na pequena cidade do Lajeado, pois como viviam da pesca, não havia melhor lugar no estado para se dedicar a este oficio. Assim construíram uma casa de palha de coco babaçu nas margens do córrego Lajeado e próximo ao rio Tocantins.

Não era difícil encontra-los, eles sempre andavam em grupo. Por isso ganharam o apelido de Quatis – animal do cerrado que anda em bando. Gostavam de tomar uma cachacinha e estavam sempre correndo da policia ambiental que os perseguiam no rio por pescar em áreas proibidas.

Em toda cidade interiorana é tradição pegar alguém para cristo, isto é, marginalizar, crucificar. Em Lajeado as elites elegeram os Quatis. Tudo de ruim que acontecia por ali eles eram os culpados, independente de qualquer investigação. Se tinha briga – era os quatis. Se tinha roubo – eram os quatis. Se tinha assassinato – eram os quatis, Se alguém soltava um pum – eram os quatis.

E eles sofriam na mão da polícia. Eram presos, apanhavam e depois eram soltos, pois nada havia sido provado contra eles. Tudo isso por que não havia quem intercedesse por eles, não tinham direitos, a eles eram negados qualquer tipo de direitos. Os Quatis nunca foram bem vindos ao Lajeado, sempre tentaram expulsa-los daqui, para as elites locais eles sujavam a imagem da cidade que tem uma economia que depende grande parte do turismo. Mas eles amavam viver por essas bandas, mesmo com todas as hostilidades sofridas.

Como não havia como expulsa-los daqui as elites locais tomaram uma decisão drástica. Mataram o meleta – o mais jovem. Mataram dona Eurides – a matriarca da família. Mataram seu Disomo – o patriarca. Mataram o nego – o filho mais velho. No entanto eles são muitos e ainda por cima procriam. Quanto mais os matam, mais eles renascem e se fortalecem. E vão tomando conta da cidade, pois á cidade também vos pertence.

Mesmo sendo marginalizados, eles fazem muito mais pela cidade do que muito burguesinho parasita que sobrevive do suor dos trabalhadores locais. E essa burguesia os odeia, sobretudo por que eles não se deixam explorar por ela, não se submetem a ela, não se humilham, não abaixam a cabeça.

A burguesia lajeadense os teme por que sabe que eles carregam nas veias o sangue de zumbi dos Palmares e que no dia que se revoltarem decapitaram suas cabeças – esperem e verão seus burgueses malditos.

Pedro Ferreira Nunes - Poeta e escritor. 

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